Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:181/16.1 BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:11/02/2023
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:VALOR DA CAUSA
INADMISSIBILIDADE DO RECURSO
Sumário:I - A jurisdição tributária segue regras próprias de fixação do valor das causas previstas no artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
II - Nos processos em que é impugnado um ato de liquidação, o valor do processo é o da importância cuja anulação se pretende, que será o da liquidação cuja anulação foi pedida.
III - Para a determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta (artigo 299/1 CPC, aplicável)
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

L… & Filhos, LDA., não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação deduzida contra o ato de liquidação da chamada taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM), respeitante ao ano de 2015, no montante global de € 3 452,40, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente, formulou as seguintes conclusões:

1. – Verifica-se a inexistência de “Processo Administrativo” que evidencie o procedimento tributário exigivel nos termos do disposto no artigo 54 da LGT e 44 do CPPT;
Porquanto,
Apenas foi junto um conjunto de oficios, facturas e avisos de recepção sem qualquer nexo entre si; nada consta quanto à realização de diligências instrutórias (necessárias para determinar, entre outros aspectos, a natureza da Recorrente e a sua área), quem determinou a liquidação e a sua legitimidade; é insuficiente e obscura, quase inexistente, a fundamentação constante, pelo que padece do vicio de falta de fundamentação;
Verifica-se a preterição de formalidade essencial, na medida que a
Recorrente não disponibilizou quaisquer dados, não resulta que lhe tenha sido efectuada notificação para o efeito, razão pela qual foi preterido o direito de audiência prévia, em clara violação do disposto nos artigos 267 da CRP, 60 da LGT e 5º do CPPT. A DGAV recorreu à aplicação do critério de quantificação previsto na Portaria200/2013 de 31 de maio, nos termos do artigo 5 nº5 da Portaria 215/2012 de 17 de Julho, estabelecendo uma presunção da área de comércio dos produtos alimentares da Recorrente, área essa sobre a qual incide a comparticipação financeira em causa; A decisão recorrida tem por base liquidação assente em elementos indemonstrados obtidos na sequência de colaboração entre a DGAV e a DGAE, mas deconhecidos da ora Recorrente, tal como a génese dos mesmos.
Foi, assim, violado o direito legal e constitucionalmente consagrado (Artigo 60 da LGT e Artigo 267 nº5 da CRP) de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas – veja-se Acordão do STA de 16/11/2011- Proc nº0539/11);
Trata-se, assim de nulidade processual, por preterição de formalidade essencial e de absoluta falta de forma que impõe,necessariamente, que a liquidação seja anulada ou declarada inexistente e, consequentemente, anulado todo o processado posterior ao abrigo do disposto na alinea g) do número 2 do artigo 161 do CPA.

2. – Nos presentes autos ocorreu a violação do Principio do Contraditório, pois ao decidir-se pela não produçao de prova testemunhal ficou a Recorrente limitada no seu direito de defesa, nomeadamente na demonstração de elementos essenciais à correcta liquidação;
Embora, tal não conste do rol exaustivo das nulidades insanáveis do artigo 98 do CPPT, não obsta a que, esta omissão de diligência de prova afete o julgamento da matéria de facto, uma vez que existem factos controvertidos que relevam para a decisão da causa (/ nomeadamente quanto à área tributável)
Tal acarreta, necessáriamente, a anulação da sentença, por defice instrutório, com vista a apurar devidamente os factos.

3. – A falta de notificação do Parecer do Ministério Público consubstancia a violação do direito a processo equitativo, nomeadamente os principios do contraditório e igualdade previstos nos artigos 20 nº4 da CRP e 13 da CRP, e configura uma nulidade processual atipica ou inominada que inquina todo o processo posterior, que determina que a decisão seja declara nula por ilegalidade.
A referida omissão influi na decisão da causa e determina a nulidade nos termos do disposto no artigo 195 e ss do CPC de todo o processado seguinte, nomeadamente a sentença recorrida;

4. Dispõe o artigo 97-A Nº1 alinea a) do CPPT que quando seja impugnada a liquidação, atende-se à importância cuja anulação se pretende.
Daí que agora se recorra do valor fixado à presente causa.
Porquanto,
Considerando que da notificação à Recorrente resulta que são devidos juros legais, conclui-se que a importância cuja anulação se pretende corresponderá à “divida tributária” - “Os juros de mora constituem um dos elementos que integram a divida tributária, embora com autonomia até ao momento do pagamento, como decorre dos artigos 89 nº2 e 262 nº2 ambos do CPPT” – Ac. ST Admnistrativo – Proc 0361/10 de 13/04/2011
O valor da liquidação e juros, nesta data, é superio a € 5.000,00, razão pela qual deveria ser atribuido valor superior ao referido, permitindo-se, deste modo, a normal recorribilidade da decisão.
Ao não considerar-se assim, há que salientar as expectativas da Recorrente, face à prova oportunamente requerida, em que o Tribunal viria a agendar audiência prévia,para, entre outras, proceder à demonstração do valor da causa, tudo nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 591 nº1 do CPC.
Verifica-se, assim, a violação do disposto nos artigos 301 nº3, 591 nº1, 593 nº1. 3 nº3, 6 nº1, 8, 593 nº2 b), 593 nº3 e 34 do CPC
Deverá a decisão recorrida ser revogada e substituida por outra que considere o valor da causa superor a € 5.000,00 (Cinco mil euros), consubstanciando a condição de recorribilidade da decisão nos termos que a seguir se expõem.

5. – A Recorrente invocou tratar-se de entidade isenta, e que a sua tributação, a par da empresa D…./ M…, constituía uma situação de ilegalidade decorrente da dupla tributação;
Contudo, o Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre a questão da dupla tributação, deixando por apreciar questão que devia conhecer;
Apenas se pronunciou e afastou a invocada isenção da Recorrente, sustentando a decisão no uso da insígnia Minipreço e, por considerar tratar-se de um grupo com uma área de venda acumulada superior a 6000m2;
Porém, ao fazê-lo, excedeu-se ao pronunciar-se e dar como provado, com base em presunções, um facto que não foi alegado e que incumbia à AT alegar e provar;
Assim, verifica-se, também, a nulidade da sentença quer por omissão quer por excesso de pronuncia, nos termos do disposto no artigo 615 nº1 al d) do C.P.C e 125 nº 1 do C.P.P.T. penúltimo segmento da norma;
Sem conceder, consideramos também que,

6. – Verifica-se erro de julgamento da matéria de facto, porquanto, para uma decisão justa, impunha-se, e face, pelo menos aos elementos de prova em que se sustentou (nomeadamente contrato de franquia junto), e nos termos do disposto no Artigo 662 nº1 do C.P.C., que o Tribunal tivesse dado, também, como provados os seguintes factos:
a) A área de venda da Recorrente respeitante a todos os produtos alimentares, de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, da marca Dia Portugal ou de qualquer outra origem “não Dia”, corresponde a 120 m2 ;
b) A Recorrente constitui um estabelecimento misto e autónomo, com venda exclusiva a retalho de produtos comercializados pela Dia Portugal, excepto no que diz respeito a todo o tipo de produtos alimentares perecíveis.

Isto porque, deu como provado no Ponto 8 dos “ Factos Provados” que “O estabelecimento comercial da impugnante tem uma área total de venda de 548 m2 “, mas não valorou o documento e alegação da Recorrente de onde resulta a área de 430m2; impunha-se que desse também como provada, (porque tal também resulta do referido croqui) a área de venda de todos os produtos alimentares, de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados é de 120m2, uma vez que é apenas sobre esta que incide a tributação;
Oassim, o acto de liquidação padece do vicio de violação da lei por erro nos pressupostos de base tributável considerada, na medida em que se baseou nos valores transmitidos à DGAV pela DGAE e que contabiliza em excesso a área global de vendas da recorrente ( As áreas comunicadas à DGAEsão sempre superiores porque incluem as áreas ocupadas pelas caixas de saida dos estabelecimentos e espaços depois destas, sendo licenciada pela DGAE outras áreas que não relevam para efeitos de TSAM);
Para além de tudo o mais,
A douta sentença recorrida deve ser revogada com fundamento em erro de julgamento, na parte e na medida em que, nos Factos provados deu como provada área diferente da área alegada pela Recorrente, sem qualquer fundamentação ou justificação, pelo que impunha que a decisão fosse a anulação e revogado o acto tributário que, em virtude de erro de facto (mas também de direito e por omissão), considerou a Recorrente como sujeito desta obrigação e definiu uma prestação tributária superior à que decorre directamente da lei, tudo por aplicação do disposto no Artigo 100 do CPPT;
Assim, não tendo sido revogado o acto sindicado, a Recorrente não alcançou pela via judicial o que deveria ter sido alcançado pela via administrativa, caso tivesse sido previamente desencadeado o competente procedimento tributário com a observância das formalidades legais, nomeadamente a audiência prévia da Recorrente;
A douta sentença recorrida violou, para além do mais o disposto nos artigos201 nº1,608 nº2, 615 nº1 al d), 662 nº1 do C.P.C., 54, 55, 60 da LGT, 13, 20 nº4 , 267 da CRP , 161 nº2 alinea g) do CPA, 44 a), 45, 100, 125 nº1 do C.PP.T. penúltimo segmento.

7. – Não sendo legalmente dispensada, “a falta de audição prévia constitui preterição de formalidade essencial, conducente à anulabilidade do acto tributário, por aplicação supletiva do artigo 135 do CPA/1991 (actual 163 CPA)” – Ac Tribunal Central Adm. Norte Nº 01196/05.0BEPRT de 2/02/2017 – 2ª Secção Contencioso Tributário.
Como não aconteceu assim, a decisão recorrida ainda que sustentada no mesmo fundamento de direito consubstancia uma solução oposta à que é acolhida pela maioria dos nossos Tribunais.
Efectivamente, face ao constante dos presentes autos, a decisão recorrida deveria ter decidido no sentido que “É ilegal a liquidação da TSAM se o tributo foi liquidado com base nos dados de que dispunha a entidade liquidadora, mas sem que tivesse sido dado ao contribuinte o direito de audição em desconformidade com o artigo 60º da LGT” .
Caso assim tivesse decidido, tal implicaria a anulação do tudo em conformidade com as soluções resultantes das decisões já transitadas em julgado e constantes dos seguintes ACORDÃOS:
e) – Acordão do Supremo Tribunal Administrativo – Processo 0754/17 de 19/09/2018 – 2ª Secção
f) – Acordão do Tribunal Central Administrativo Norte – Processo Nº 00017/14.8 BEAVR de 28/09/2017 – 2ª Secção Contencioso Tributário – TAF Aveiro
g) – Acordão do Supremo Tribunal Admnistrativo – Processo 02950/14.8 BEBRG 0456/18 de 3/10/2018
h) – Acordão do Tribunal Central Administrativo Norte – Processo Nº 02951/14.6 BEBRG – de 11/10/2017 - 2ª Secção Contencioso Tributário – TAF de Braga
(Juntam-se cópias dos Acórdãos referidos)

Em consequência do exposto, deverá agora julgar-se procedente o presente recurso nos termos do disposto no artigo 280 nº3 do CPT e, em consequência, ser declarada a ilegalidade da liquidação e a sua anulação com todas as consequências legais.

Assim, a decisão recorrida violou, para além do mais o disposto nos artigos 13º, 20 nº4, 267 da CRP, 54º,55, 60 da LGT, 44 , 60, 97-A Nº1, 125 nº1 e 280 nº3 do CPPT; 301 nº3, 591 nº1, 593 nº1 e 3,6nº1, 8, 593 nº2 b), 593 nº3 e 4, 615 nº1 al d) do CPC

Termos em que se requer a V. Excª., o seguinte:
- O reconhecimento das ilegalidades e nulidades enunciadas e, consequentemente:
- Seja o presente recurso julgado procedente, e a douta decisão do tribunal “a quo” que determinou a manutenção do acto de liquidação, seja substituída por outra que declare a inexistência do procedimento administrativo, a verificação da preterição de formalidades legais essenciais, determinando-se, em consequência, a anulação do acto tributário com todas as consequências legais;
Ou,
- Seja o presente recurso julgado procedente e, em consequência, seja proferida decisão que determine a revogação do acto Tributário e consequente anulação da liquidação, por enfermar de erro de julgamento de facto e de direito, ao considerar a Recorrente como sujeito da obrigação e ao considerar matéria tributável superior à legal;
Ou ainda,
deverá julgar-se procedente o presente recurso nos termos do disposto no artigo 280 nº3 do CPT e, em consequência, ser declarada a ilegalidade da liquidação e a sua anulação e de todo o processado posterior,
tudo com as legais consequências, aguardando-se a costumada
JUSTIÇA!

A Recorrida, notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Os autos foram com vista ao Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme previsto nos artigos 635/4 e 639/1.2 do Código de Processo Civil (CPC), sendo as de saber, em primeiro lugar se a sentença recorrida errou na determinação do valor da causa.

Em caso de resposta afirmativa, saber se:
(i) A sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia e por violação do contraditório;
(ii) Se se verifica erro de julgamento de facto e de direito, ao ter considerado que a Recorrente não se encontra abrangida pelo regime de isenção previsto nos artigos 9/2 do Decreto-Lei nº 119/2012 de 15 de junho, e artigo 3/3.b) da Portaria nº 215/2012;
(iii) E se a liquidação deve ser anulada por no procedimento terem sido preteridas formalidades legais essenciais, nomeadamente por violação do direito de audiência prévia.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

1. Em 12.07.1990, através da Ap. n.º 04/900712, foi averbada no registo a constituição da sociedade «L…& Filhos, Lda.» - cf. certidão permanente a fls. 1 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

2. A impugnante tem como atividade o “Comércio de supermercado, café, pastelaria e padaria” - cf. certidão permanente a fls. 1 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3. Em 22.02.1999, foi celebrado entre a Impugnante e a sociedade «D…, Supermercados, Unipessoal Lda.» contrato de franquia, através do qual a impugnante ficou autorizada nos termos das cláusulas constantes no contrato, a proceder à implantação e exploração de um estabelecimento «D…» no local sito na Quinta da R…., freguesia e concelho de A…. - cf. fls. 69 do SITAF.

4. Em 11.04.2013 foi celebrado entre a Impugnante e a sociedade «D…, Supermercados, Unipessoal Lda.» aditamento ao contrato de franquia identificado no número antecedente - cf. fls. 69 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

5. Em 14.08.2015, foi endereçado à impugnante o ofício n.º 018544, com o seguinte teor: “(…)







(…)” – Cf. fls. 4 do processo instrutor a pág. 55 do SITAF.

6. Em 13.08.2015, foi emitida pelo Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, em nome da Impugnante, a fatura n.º FT 2015F/000662, no valor de €3.452,40, com o seguinte teor: “(…)


- Cf. fatura a fls. 5 do processo instrutor a pág. 55 do SITAF.

7. A fatura identificada no ponto antecedente foi remetida à impugnante por carta registada com aviso de receção, através do oficio identificado em 5., entregues à mesma em 17.08.2015 – cf. A/R a fls. 5 do processo instrutor a pág. 55 do SITAF.

8. A área de venda da impugnante corresponde a 548m2, de acordo com a lista disponibilizada anualmente pela Direção-Geral das Atividades Económicas – cf. ofício a fls. 4 do processo instrutor a pág. 55 do SITAF.

9. A presente impugnação judicial foi remetida por correio registado ao Ministério da Agricultura, tendo dado entrada neste Tribunal em 16.02.2016 – cf. fls. 1 do SITAF.

Quanto a factos não provados, a sentença exarou-se o seguinte:

«Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.»


E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:

«A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada resultou da posição assumida pelas partes (factos não controvertidos) e da análise crítica dos documentos juntos aos autos e constantes do processo administrativo, não impugnados, tudo tal como indicado acima por referência a cada concreto ponto da matéria de facto.»


Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrado, adita-se o seguinte:

A) Por carta registada em 2016.02.15, foi enviada ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria a petição constante de fls. 1 do processo (doc. nº 004579912) que aqui se dá por integralmente reproduzida e da qual se transcreve:

(…)


(…)

B) Em 2022.05.31, nos presentes autos foi proferida sentença, constante de fls. 150 (doc. nº 004579948), que aqui se dá como integralmente reproduzida e da qual se transcreve:

«Fixa-se o valor da ação em €3.452,40 (três mil e cinquenta e dois euros e quarenta cêntimos) [cf. 306.º do CPC ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT e artigo 97.º n.º 1 alínea a) do CPPT].»



II.2 Do Direito

A Impugnante e ora Recorrente recorre do valor atribuído à causa defendendo que o mesmo deveria ter sido fixado em montante igual ou superior a € 5 000,01, por forma a permitir o recurso da decisão.

Defende que a sentença para fixar o valor da causa deveria ter atendido aos juros vencidos entre a data de entrada da ação e a prolação da sentença, porquanto os juros moratórios integram a dívida de imposto cuja anulação se pretende.

Vejamos então, antes do mais, se a sentença errou na determinação do valor do processo.

A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido (artigo 296/1 CPC).

O valor da causa importa, desde logo para efeitos de tributação, i. é, de determinação do valor da taxa de justiça devida e das custas processuais, mas também e no que aqui nos interessa, tem efeitos sobre a possibilidade de interposição de recurso, de acordo com a alçada do Tribunal de que se recorre.

Diz o artigo 280.º do CPPT:
1. - Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a decisão proferida for de mérito e o recurso se fundamente exclusivamente em matéria de direito, caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
2. - O recurso das decisões que, em primeiro grau de jurisdição, tenham conhecido do mérito da causa é admitido nos processos de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, quando a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se somente, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, ao valor da causa.
3. - Para além dos casos previstos na lei processual civil e administrativa, é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário

E, nos termos do artigo 105º da Lei Geral Tributária (LGT), com a redação dada pela Lei nº 82-B/2014, de 31 de dezembro: A alçada dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância.

Ora, a alçada dos tribunais judiciais de primeira instância está fixada em € 5.000,00 [cf. artigo 44.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário)].

É este o valor da alçada a considerar atendendo à data de propositura da presente ação em 15 de fevereiro de 2016.

Sobre esta questão, atinente à (in)admissibilidade do recurso atendendo ao valor da causa, pronunciou-se já o Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente no acórdão de 2016.02.24, Proc. nº 01291/15 (disponível em www.dgsi.pt), com o qual concordamos e do qual se transcreve:

(…)
À data da instauração do presente processo judicial de oposição, em 17 de Abril de 2015, o valor da alçada dos tribunais tributários encontrava-se já fixada em € 5.000,00 face ao aumento da alçada definida para os tribunais tributários de 1.ª instância pela Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2015 (Lei nº 82-B/2014, de 31 de Dezembro), que conferiu nova redacção ao artigo 105º da LGT, no qual se passou a estabelecer que "A alçada dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância" e à norma contida no nº 4 do artigo 280º do CPPT, que passou a estabelecer que “Não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassar o valor da alçada fixada para os tribunais tributários de 1.ª instância”.

Por conseguinte, com a entrada em vigor da referida Lei nº 82-B/2014, em 1 de Janeiro de 2015, ocorreu a revogação tácita da norma contida no nº 2 do artigo 6º do ETAF, que dispunha o seguinte: «A alçada dos tribunais tributários corresponde a um quarto da que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância», sabido que a lei posterior revoga a anterior não só quando expressamente o declare, como, também, como é caso, seja com ela incompatível – cfr. artigo 7º, nº 2, do Código Civil.

Assistiu-se, assim, a um significativo aumento da alçada e, portanto, da possibilidade geral de recurso ordinário, já que, como se viu, anteriormente a alçada dos tribunais tributários correspondia a ¼ da estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância, pelo que não cabia recurso das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância proferidas em processo de judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassasse € 1.250,00.

E a circunstância de o ETAF ter sido republicado em 2/10/2015 (face às alterações introduzidas pelo Dec. Lei nº 214-G/2015 aos artigos 1º, 2º, 4º, 9º, 13º, 14º, 17º, 24º, 29º, 40º, 41º, 43º, 44º, 46º, 48º, 49º, 51º, 52º e 74º) não significa que esse artigo 6º tenha visto a sua vigência reestabelecida, isto é, tenha recuperado a sua vigência e operado a revogação das normas que tacitamente a haviam revogado.

Com efeito, o legislador que procedeu à alteração das referidas normas do ETAF não manifestou intenção de mexer na matéria das alçadas ou de proceder à alteração da norma que constava do artigo 6º do ETAF e que, como se viu, fora entretanto revogada (o legislador não o incluiu entre os preceitos do ETAF de 2002 que quis alterar), nem existe qualquer disposição no sentido da restauração da sua vigência ou, sequer, de revogação da lei revogatória e de repristinação da norma contida nesse artigo 6º do ETAF.
(…)

No mesmo sentido, se pronunciaram os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.06.2020, Proc. nº 01115/14.3BEPRT e de 28.06.2017 Proc. nº 0295/17 (disponíveis em www.dgsi.pt). Do sumário deste último transcreve-se:

A partir de 1 de Janeiro de 2015 o valor da alçada dos tribunais tributários encontra-se fixada em € 5.000,00 face à Lei nº 82-B/2014, de 31 de Dezembro, que conferiu nova redacção ao art. 105º da LGT, no qual se passou a estabelecer que "A alçada dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância" e à norma contida no nº 4 do art. 280º do CPPT, que passou a estabelecer que “Não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassar o valor da alçada fixada para os tribunais tributários de 1.ª instância”, não tendo as alterações introduzidas no ETAF pelo Dec.Lei nº 214-G/2015, de 2 de Outubro, alterado tal matéria.

A fundamentação que acabamos de transcrever é inteiramente transponível para o caso dos autos.

Assim, à data em que ação foi instaurada, o valor da alçada dos tribunais tributários já se encontrava fixada em € 5 000,00.

Independentemente do valor da causa, nos termos dos nº 2 e 3 do artigo 629º CPC aplicável ex vi artigo 281º CPPT, é sempre admissível recurso:

2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:
a) Com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado;
b) Das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre;
c) Das decisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça;
d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.
3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação:
a) Nas ações em que se aprecie a validade, a subsistência ou a cessação de contratos de arrendamento, com exceção dos arrendamentos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios;
b) Das decisões respeitantes ao valor da causa nos procedimentos cautelares, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre;
c) Das decisões de indeferimento liminar da petição de ação ou do requerimento inicial de procedimento cautelar.


Feito este breve enquadramento jurídico, vejamos, então:

A ação de impugnação judicial deu entrada em juízo em 15 de fevereiro de 2016 e foi-lhe fixado, na sentença, o valor de € 3 452,40.

Ora, é esta decisão proferida quanto ao valor da causa que é objeto do presente recurso.

Discorda a ora Recorrente que na determinação do valor da causa deva atender-se ao momento em que a ação é proposta.

Diz-nos o nº 1 do artigo 97-A do Código de Procedimento e Processo Tributário:
Artigo 97.º-A
Valor da causa
1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:
a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;
b) Quando se impugne o acto de fixação da matéria colectável, o valor contestado;
c) Quando se impugne o acto de fixação dos valores patrimoniais, o valor contestado;
d) No recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, o do valor da isenção ou benefício.
e) No contencioso associado à execução fiscal, o valor correspondente ao montante da dívida exequenda ou da parte restante, quando haja anulação parcial, exceto nos casos de compensação, penhora ou venda de bens ou direitos, em que corresponde ao valor dos mesmos, se inferior.


Temos assim que nos processos em que é impugnado um ato de liquidação, o valor do processo é o da importância cuja anulação se pretende, que será o da liquidação cuja anulação foi pedida. Sendo certo que, como defende, nos termos do artigo 35/8 da Lei Geral Tributária: [o]s juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados.

Assim, como ensina Jorge Lopes de Sousa (1), no valor da liquidação deverá considerar-se os juros compensatórios que tiverem sido liquidados, se for pedida a respetiva anulação.

Desde já diremos que como decorre do trecho supratranscrito, na petição inicial não foi expressamente pedida a anulação dos juros, tendo sido indicado como valor da causa a importância da liquidação.

Discorda a ora Recorrente que na determinação do valor da causa deva atender-se ao momento em que a ação é proposta.

Ora, contrariamente ao que defende a Recorrente nas suas alegações de recurso, nos termos do artigo 299/1 CPC, para a determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta.

Esta regra é aplicável aos processos tributários e como vimos já a ora Recorrente não peticionou explicitamente a anulação dos juros.

Nada há, pois, a censurar à sentença recorrida no segmento que fixou o valor da causa.

Nem se diga que a definição de um limite para admissibilidade do recurso fundado no valor viola o direito de acesso aos tribunais.

A jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional vai no sentido de não resultar da Constituição uma garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, consagrado no citado artigo 20.º da Constituição. (Apud os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 239/97, 510/2003, 44/2008, 339/2011 e 396/14 todos in www.tribconstitucional.pt)

Na verdade, com exceção do direito penal, a Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo civil, nem no processo administrativo e tributário.

Em face do exposto, é de negar provimento ao recurso da decisão respeitante ao valor da causa e, em consequência, não tomar conhecimento das demais questões colocadas, por inadmissibilidade legal do mesmo.


Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas são pela Recorrente, que ficou vencida.


Sumário/Conclusões:

I. A jurisdição tributária segue regras próprias de fixação do valor das causas previstas no artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
II. Nos processos em que é impugnado um ato de liquidação, o valor do processo é o da importância cuja anulação se pretende, que será o da liquidação cuja anulação foi pedida.
III. Para a determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta (artigo 299/1 CPC, aplicável)


III - DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes da Subsecção Tributária Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e da decisão respeitante ao valor da causa, e em consequência, uma vez que o mesmo não excede a alçada do tribunal de que se recorre, rejeitar o recurso por inadmissibilidade.

Custas pela Recorrente, que decaiu, nos termos expostos.

Lisboa, 2 de novembro de 2023

Susana Barreto

Luísa Soares

Ana Cristina Gomes de Carvalho

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(1) SOUSA, Jorge Lopes de, CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO: Anotado e Comentado, II Vol., 6ª Ed. Áreas Editora, 2011, pág. 72