Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:473/11.6BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:09/13/2023
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:OPOSIÇÃO
COLIGAÇÃO ILEGAL
Sumário:A coligação ilegal constitui excepção dilatória, nos termos do disposto na alínea f) do artigo 577.º do CPC, devendo o juiz abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância, conforme o previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 278.º do CPC.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

F… e H… melhor identificados nos autos, deduziram oposição ao processo de execução fiscal n.º 1724200701019023 e apensos, que o Serviço de Finanças de Ponte de Sor lhes moveu por reversão de dívidas da sociedade G… & G… Exploração e Comercialização de Madeiras, Lda, relativas a IVA e IRS, no valor de € 46.132,49.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, por decisão de 12 de março de 2013, julgou verificada a exceção dilatória de coligação ilegal de autores e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância.

Não concordando com a decisão, F… e H…, interpuseram recurso da mesma, tendo, nas suas alegações de recurso, formulado as seguintes conclusões:

«1- Não tem razão o tribunal recorrido, porque de facto, existe pelo menos uma causa de pedir coincidente e fulcral entre os ora coligantes.

2- Ambos os oponentes alegam que não podem ser responsabilizados pela dissipação do património da sociedade devedora originária,

3- De facto, ambos referem que não podem ser responsabilizados, por dissipação do património da sociedade, devedora originária, sendo esta (Pedido) a causa de pedir essencial nas duas oposições.

4- Os pedidos efectuados por ambos os coligantes e a sua causa de pedir, estão na verdade, dependentes de factos que em si, são originários de uma mesma e única situação.

5- Entre os pedidos, dos dois coligantes existe pelo menos coincidência total de um deles e conexão entre outros.

6- O tribunal a quo deveria ter efectuado a notificação prevista no art.º 31-A do CPC, para que os oponentes se pronunciassem.

7- Devendo a sentença ser revogada e substituída por uma conforme o atrás aludido, respeitando o art.º 31-A e 265, n. º2 do CPC.

8- Ao não o fazer, violou as normas do art.º 30, 31-A E 265, 2 do CPC.

Fazendo-se assim justiça,»


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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos, vem o processo submetido à conferência da Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

Com interesse para a presente decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

1. Em 4 de agosto de 2011, foi remetido ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, oposição ao processo de execução fiscal n.º 1724200701019023 e apensos, deduzida por F… e H…, por reversão de dívidas da sociedade G… & G… Exploração e Comercialização de Madeiras, Lda, relativas a IVA e IRS, no valor de € 46.132,49, movido pelo Serviço de Finanças de Ponte de Sor. - Cfr. Fls. 1 dos autos.

2. O Exmo. Representante Fazenda Pública apresentou a contestação, alegando por exceção, que os Oponentes se apresentaram coligados sem que estejam preenchidos os pressupostos previstos no artigo 30.º do Código de Processo Civil (CPC de 1961) para a coligação e, por impugnação, que se mostram preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade subsidiária dos Oponentes– Cfr. fls. 297 a 306 dos autos.

3. Por requerimento junto aos autos os Oponentes pronunciaram-se pela improcedência da invocada exceção, alegando que os pedidos formulados na petição inicial dependem essencialmente dos mesmos factos – Cfr. fls. 426 dos autos.

4. O Magistrado do Ministério Público, pronuncia-se pela procedência da invocada exceção de coligação ilegal e concluindo pela absolvição da Fazenda Pública da instância. – Cfr. parecer de fls. 435 dos autos.


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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se o Tribunal a quo errou ao julgar procedente a exceção dilatória de coligação ilegal de autores, nos termos do artigo 30.º do CPC de 1961.

Vejamos.

Está aqui em causa a sentença proferida pelo TAF de Castelo Branco que considerou procedente a excepção dilatória de ilegal coligação dos Oponentes e absolveu a Fazenda Pública da instância.

Para tanto, considerou a sentença recorrida que:

“(…) Começando pelas causas de pedir (o facto jurídico concreto gerador do direito invocado pelo autor e em que este baseia o pedido), verifica-se que não existe identidade das mesmas, dado que, conforme resulta do teor da petição inicial, aqueles deduzem conjuntamente a oposição invocando fundamentos não coincidentes (…)”

Dissentem os ora Recorrentes do assim decidido, invocando que ambos referem que não podem ser responsabilizados por dissipação do património da sociedade devedora originária, considerando que esta constitui a causa de pedir essencial na oposição.

Concluem que os pedidos efectuados estão dependentes de facto que, em si, são originários de uma mesma e única situação. E que existe, pelo menos, um pedido, uma causa de pedir, que é o facto totalmente comum a ambos os Oponentes.

Recorde-se que os ora Recorrentes invocaram, na p.i., serem parte ilegítima, sendo que o Francisco referiu não ter sido gerente de facto e o Hélder que não foi responsável pela dissipação do património da devedora originária, terminando pedindo a extinção da execução fiscal.


A questão ora em apreciação foi, já, decidida por este TCAS, em Acórdão de 31/10/2019 (proferido no âmbito do processo nº 2528/16), em situação idêntica à dos presentes autos, que acolhemos e do qual nos permitimos recuperar o seguinte:

“(…)A coligação de oponentes à execução fiscal, é permitida nos termos previstos no Código de Processo Civil (artigo 30.º e segs.), que é de aplicação subsidiária ao processo tributário, nos termos do artigo 2º, al.c) do Código de Procedimento e Processo Tributário (Jorge Lopes de Sousa, "Código de Procedimento e Processo Tributário - Anotado e Comentado", Áreas Editora, Volume II, 2007, p. 407 e s.). Neste mesmo sentido, vide: Rui D. Morais, A execução Fiscal, 2ª ed., Coimbra, 2006, pág. 67 e ss., e Casalta Nabais, Direito Fiscal, 7ª ed. Almedina, 2012, pág. 313.

Aliás, sobre esta matéria o Supremo Tribunal Administrativo, no seu Acórdão de 08.02.2017, proferido do processo n.º 755/14, é bastante elucidativo, podendo ler-se:

«(…) embora não haja norma legal que preveja a coligação de oponentes, não haverá obstáculo a que ela ocorra, se se verificarem os requisitos em que a coligação é admitida pelo CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do art. 2.º, alínea c), do CPPT. Ou seja, é permitida a coligação de autores quando seja a mesma e única a causa de pedir, quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, ou quando a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito, nos termos do art. 36º do CPC (Na redacção anterior, artº 30º). Sendo que, se não verificar qualquer um dos referidos requisitos, a coligação de oponentes constitui excepção dilatória, nos termos do art. 577.º, alínea f), do CPC, pelo que o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância (alínea e) do n.º 1 do artigo 278.º do Código de Processo Civil) - cf. neste sentido, entre outros, os Acórdãos de 03.05.2012, recurso 131/12, de 14.02.2013, recurso 1067/12, de 17.10, 2012, recurso 702/12, de 30.10.2013, recurso 979/12, de 31.10.2012, recurso 640/12, de 09.07.2014, recurso 194/13, de 06.05.2012, recurso 1310/14 e de 27.04.2016, recurso 339/15, todos in www.dgsi.pt.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Também no caso vertente se chega à mesma conclusão de que a coligação dos Oponentes não se enquadra no disposto no artigo 36.º, nºs 1 ou 2 do CPC (diz o preceito: «1 - É permitida a coligação de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência. 2 - É igualmente lícita a coligação quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas»), já que não foi invocada uma “mesma e única” causa de pedir pelos Oponentes.

(…) o disposto no n.º 1 do art. 30.º do CPC (…) exige que a causa de pedir susceptível de suportar a coligação de autores seja, não só a mesma, como única. O que bem se compreende, pois, como também já ficou referido, da prossecução da oposição para conhecimento dessa causa de pedir comum nenhum ganho resultaria, em termos de economia processual, em face da possibilidade de cada um dos autores aqui coligados poder vir apresentar a sua própria oposição suportada pela causa ou causas de pedir próprias.» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de n.º 1471/13.0BESNT, proferido em 20.12.2018, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Sendo assim, não estamos perante a mesma e única causa de pedir e, sendo diferentes as causas de pedir, a procedência dos pedidos não depende da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito.

Por outro lado, os pedidos formulados pelos Oponentes não estão entre si numa relação de prejudicialidade, pois que podem ser apreciados autonomamente, sendo que um poderá ser julgado procedente e outro improcedente (neste sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08.02.2017, proferido no processo n.º 755/14, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Daí que se conclua, também aqui, que se verificam diferentes fundamentos de oposição, pelo que os Oponentes estavam impedidos de se coligarem, conforme bem decidido o Tribunal de 1ª Instância.

Por conseguinte, constituindo a coligação ilegal excepção dilatória, nos termos do disposto na alínea f) do artigo 577.º do CPC, deve o juiz abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância, conforme o previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 278.º do CPC, não obstante a faculdade que assiste aos oponentes nos termos do disposto no artigo 279.º do CPC (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04.10.2017, proferido no processo n.º 1314/16, disponível em texto integral em www.dgsi.pt). (…)”

Entendemos, na linha do que se escreveu no Acórdão citado, que também aqui não se verificam os pressupostos legais para a coligação, pelo que bem andou a sentença recorrida ao decidir pela verificação da excepção de coligação ilegal de Oponentes.

Resta dizer que, contrariamente ao invocado pelos Recorrentes, concordamos com o segmento da sentença que concluiu não se justificar a efectivação da notificação nos termos e para os efeitos do preceituado no artigo 31º A do CPC.

De resto, a fundamentação da sentença, quanto a este aspecto, é esclarecedora, e não vem posta em causa em sede recursiva, e, por com a mesma concordarmos, nos permitimos transcrever:

“(…) Esclarecemos, por fim, não se impor, in casu, a notificação dos Oponentes ao abrigo do disposto no artigo 31.º-A do CPC, ou seja, para, querendo, “por acordo, esclarecerem quais os pedidos que pretendem ver apreciados no processo”, tendo em vista o prosseguimento da oposição quanto a causa de pedir comum aos dois Oponentes, pois, como se conclui no já citado acórdão de 17.02.2012, “a tal obsta o disposto no n.º 1 do art. 30.º do CPC, que exige que a causa de pedir susceptível de suportar a coligação de autores seja, não só a mesma, como única. O que bem se compreende, pois, como também já ficou referido, da prossecução da oposição para conhecimento dessa causa de pedir comum nenhum ganho resultaria, em termos de economia processual, em face da possibilidade de cada um dos autores coligados poder vir apresentar a sua própria oposição suportada pela causa ou causas de pedir próprias”.(…)”

Atento o exposto é de concluir pela improcedência de todos os fundamentos do recurso, mantendo-se a sentença recorrida, que não merece reparo.



III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes, sem prejuízo de apoio judiciário.

Registe e Notifique.

Lisboa, 13 de Setembro de 2023

(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Maria Cardoso)