Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:84/23.3BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:10/26/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:INTIMAÇÃO PARA A DEFESA DE DIREITOS
LIBERDADES E GARANTIAS
DIREITO A FÉRIAS
Sumário:I – Nos termos do art.º 109.º, n.º 1, do CPTA, a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser adotada quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar.
II – Para o uso desta intimação exige-se (i) a urgente emissão de uma decisão de mérito visando a proteção de um direito, liberdade ou garantia, ou um direito fundamental de natureza análoga, nos termos do art.º 17.º da CRP; (ii) e que não seja ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar ou o recurso a qualquer meio cautelar.
III - O direito a férias constitui um direito fundamental de natureza análoga, sendo-lhe aplicável tanto o regime material como o regime orgânico dos direitos, liberdades e garantias.
Têm sido identificados pela jurisprudência e pela doutrina como direitos fundamentais de natureza análoga, entre outros, os direitos de propriedade e iniciativa económica privada (artigos 62.º e 61.º da CRP); o direito à retribuição do trabalho, ao limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal, férias e subsídio de desemprego (artigo 59.º); a contagem do tempo de trabalho para o cálculo das pensões (n.º 4 do artigo 63.º); e os direitos dos administrados (artigo 268.º da CRP).
O direito a férias e os correspondentes e consequentes dias legalmente estabelecidos integram claramente o conteúdo essencial do direito a férias consagrado constitucionalmente no art. 59°, n° 1, alínea d), da Constituição da República Portuguesa, e os nos arts. 126°, da LGTF.
IV - Tal como a ação foi configurada na petição inicial, está pois em causa a intimação ao reconhecimento de um direito que decorre diretamente da lei e que, ademais, no período correspondente a 20 dias úteis, é irrenunciável, não podendo o seu gozo ser substituído, ainda que com o acordo do trabalhador, por qualquer compensação, económica ou outra, sendo que a sua interposição não está sujeita a qualquer prazo de caducidade, em face do que não poderia ter sido decidida a sua intempestividade e, muito menos a absolvição da Entidade Requerida do pedido.
V – A decisão de não autorização da marcação de férias por parte da Diretora de Finanças, é um ato que se não adequa com o direito laboral da Administração Pública vigente, tanto mais que a autorização do gozo das férias por parte de um qualquer dirigente não se consubstancia na atribuição de um direito, mas antes decorre da aplicação de um direto previamente obtido ope legis.
Votação:DECISÃO SUMÁRIA
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I Relatório
P........, no âmbito da Intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias, que apresentou contra a Autoridade Tributária e Aduaneira/Direção de Finanças de Évora, tendente ao reconhecimento do seu direito a férias vencidas a 1 de janeiro de 2022, inconformada com a Sentença proferida no TAF de Beja em 2 de maio de 2023, que julgou procedente a exceção deduzida de intempestividade da ação, veio apresentar Recurso para esta instância, concluindo:
“A. A intempestividade do ato processual invocada na douta sentença recorrida constitui, nos termos dos preceitos também nela invocados, exceção dilatória; enquanto tal daria, nos termos do n° 2 do aludido art. 89° do CPTA, lugar à absolvição da instância, que não do pedido; a absolvição aduzida na sentença recorrida foi, no entanto, do pedido, que não da instância; é ponto, pois, em que se afigura ter-se incorrido em lapso.
B. A douta sentença deve ter-se por retificada neste apontado sentido - da absolvição da instância - retificação que terá relevo à luz e para os efeitos nomeadamente do n° 3 do art.149 do CPTA.
C. O fundamento aduzido na douta sentença recorrida no sentido da intempestividade foi o da natureza de ato administrativo, qua tale, do despacho da Diretora de Finanças de Évora de 22/07/2022 (despacho este a que a douta sentença reconduz e reduz simplesmente a questão da intempestividade), natureza essa de ato administrativo cuja invalidade seria a da anulabilidade, que não a nulidade, anulabilidade essa que, em face da alínea K do n° 4 do art. 89° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ditaria a dita intempestividade .
D. Foi questão trazida à colação nesses redutores termos pela contestação da demandada, sendo que na resposta a tal arguição, a A começando por analisá-la também àquela luz - e porque assim lhe era colocada - adiantou, por outro lado (artigos 14 a 19), que teria que ser analisada também à luz de atos no âmbito da relação contratual de trabalho, que não enquanto ato administrativo puro, exorbitando, portanto, do âmbito, e muito menos exclusivo, de análise à luz do Código de Procedimento Administrativo e do art. 58° do CPTA, e recentrando-a à luz da relação laboral contratual submetida à Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, ao Código do Trabalho e ao próprio Código Civil, estes últimos supletivamente àquela.
E. Fosse ou seja qual fosse ou seja o prisma de análise, estar-se-ia perante nulidade com a consequência da improdução de quaisquer efeitos.
F. Vista a questão a luz de ato administrativo, respetiva teoria, e consequente enquadramento no âmbito do Código do Procedimento Administrativo e mormente nos artigos 161° a 163°, ter-se-ia, a decisão em questão, de se ter por nula por força da alínea d) do n°2 do art. 161°.
G. O direito consagrado na alínea d) do n° 1 do art. 59° da Constituição da República, como os demais elencados nesse preceito, que são direitos fundamentais análogos aos direitos, liberdades e garantias, aplicando-se, por isso, nos termos do art. 17° (que estabelece que o regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no Título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga, regime esse em qualquer das vertentes (material, orgânico ou procedimental, pelo que tem aplicabilidade direta, independentemente da eventual intervenção do legislador; vincula imediatamente os poderes públicos e as entidades privadas; sujeita as leis restritivas aos princípios da exigibilidade ou necessidade, da adequação e da proporcionalidade; e vê salvaguardada a extensão do seu conteúdo essencial perante leis restritivas.
H. A leitura, que parece ser a da douta sentença recorrida, e no que concerne aos direitos fundamentais, de que existe um núcleo duro, que é aquele a que se reporta literalmente o art. 17° da CRP, e, por outro lado, os demais, de entre os quais o direito (fundamental) consagrado na alínea K do n° 2 do art. 59°, ou seja, o direito a férias, e que a alínea d) do n° 2 do art. 161° do Código de Procedimento Administrativo , quando alude a conteúdo essencial de um direito fundamental integraria a própria definição ou delimitação de quais os direitos fundamentais em causa, no sentido que esse conteúdo essencial restringe o âmbito desses dos direitos fundamentais (ou seja, somente os expressamente elencados no art. 17°), tal leitura, dizia-se nem sequer tem apoio literal no preceito.
I. O preceito desdobra-se, com efeito, ele em dois itens: reporta-se indistintamente aos direitos fundamentais (de um direito fundamental), por um lado, e, por outro, ao conteúdo essencial desses direitos, sendo que o que seja(m), ou quais sejam, esse(s) direito(s) fundamental(is) e o conteúdo essencial de (cada um) deles, deixou-o preceito para a exegese e a hermenêutica jurídicas.
J. No que importa ao direito fundamental, nada permite a restrição que a douta sentença opera: o legislador do CPA conhecia as teses doutrinárias em torno dos direitos fundamentais análogos; conhecia o art. 17° da CRP (O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no Título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga); a exclusão destes, de natureza análoga, da previsão dessa alínea d) do n° 2 do art. 161° colidiria frontalmente contra aquele art. 17° da CRP; vale o brocado ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus.
K. Se é certo que o direito fundamental a férias que a Constituição da República consagra necessita, em termos de concretização mas sem lhe retirar o caráter de direito fundamental, da mediação de mediação legislativa - Assim, “vinculado o legislador ordinário a estabelecer o direito a férias remuneradas, está ele livre de optar, antes do mais, pela fixação de um momento temporário em que esse direito se vence desde que, por via dessa opção, o direito ao descanso periódico permaneça intocado” (Ac. n° 555/99 do TC) e ... (pp 609) ao contrário do que sucede com os direitos sociais em sentido amplo, não é verdade que a concretização do conteúdo dos direitos enunciados no art. 59°, n° 1, alínea d), dependa inteiramente de um programa político de concretização, envolvendo, além de uma atuação normativa, uma dimensão material e financeira não totalmente na disponibilidade do Estado (Jorge Miranda e Rui Medeiros, in CRP Anotada, Tomo I, Coimbra Ed., pp. 608) - no caso a mediação foi alcançada por via da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas aprovada pela Lei 35/2014, de 20/06 (e que fora antecedida pela Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro), e do Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, para o qual remete o art. 3° (e mais especificamente alíneas h) e i) do n° 1) e o n° 1 do art. 126° daquela Lei.
L. E da análise daquelas duas leis (LGTFP e CT) apreende-se que o núcleo duro, essencial, irrecusável ou indenegável é constituído por: a) um período de 22 dias úteis (n° 2 do art. 126° da LGTFP e n° 1 do art. 238° do C.T.), com o corolário da irrenunciabilidade e insubstituibilidade no que excede o período de 20 dias úteis (n° 5 do art. 238° do C.T.); b) o direito ao gozo efetivo das férias, quando marcadas unilateralmente, entre 1 de Maio e 31 de Outubro (n° 3 do art. 241° do C.T.); c) inclusive em caso de obstáculo culposo ao gozo das férias nos termos atrás indicados, direito impreterível ao gozo do período de férias em falta até 30 de Abril do ano civil subsequente.
M. E na hipótese de que a questão aqui em apreço se houvesse de aferir em função da teoria e densificação do ato administrativo, à luz, pois, designadamente dos art.s 161° a 163° do CPA, - e é a hipótese que por ora e aqui está em apreço — teria sido a violação desse conteúdo essencial que determinaria a nulidade da decisão da entidade demandada, sendo esta a leitura que se imporia da alínea d) do n° 2 do art. 161° do CPA.
N. Porém, a questão não pode ser equacionada e resolvida à luz da teoria e regime do ato administrativo, teoria e regime este ao abrigo do qual, se aplicável, haveria a considerar os supra aludidos art.s 161° a 163° do CPA - e se é certo que na resposta à exceção deduzida pela entidade demandada a aqui apelante começou por analisar a questão a essa luz, (art.s 1° a 13° do articulado de resposta), apontou-se, no seguimento, numa outra perspetiva.
O. O contrato de trabalho em funções publicas, previsto no n.° 3 do artigo 9.° da Lei 12- A/2008 como o “ato bilateral celebrado entre uma entidade empregadora pública, com ou sem personalidade jurídica, agindo em nome e em representação do Estado, e um particular, nos termos do qual se constitui uma relação de trabalho subordinado de natureza administrativa”, apresenta, no fundo, as mesmas características do contrato de trabalho “privado”, previstas no artigo 1152.° do Código Civil e também no CT 2003, ou seja, a prestação de trabalho ou de uma atividade, a subordinação jurídica e a retribuição, preservando apenas algumas especificidades decorrentes da natureza pública da entidade empregadora e da sujeição ao princípio do interesse público, previsto no artigo 266.° da Constituição.
P. A manifestação do direito laboral público enquanto direito de matriz contratual, com manifesta aproximação ao regime de direito privado, encontra-se também consubstanciada e de modo particularmente expressivo nos dias de hoje, com a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, em cujo corpo se verteu, ter ela por objetivo “Assumir a convergência tendencial do regime dos trabalhadores públicos com o regime dos trabalhadores comuns, ressalvadas as especificidades exigidas pela função e pela natureza pública do empregador, com salvaguarda do estatuto constitucional da função pública.
Q. Na constituição da relação jurídica de emprego público por contrato de trabalho, a produção de efeitos jurídicos vinculativos é imputada à vontade conjunta das partes, embora, com as limitações impostas por lei.
R. Isto posto, há que convir que as manifestações ou dialética das partes no âmbito de uma relação contratual laboral ainda aqui em função pública, se afasta decisivamente do jus imperii característico do ato ou administração pública no sentido que é relevada no âmbito do Código do procedimento administrativo, por exemplo.
S. Ato Administrativo é o ato jurídico, unilateral, praticado no exercício do poder administrativo, de um órgão administrativo, decisório, que versa sobre uma situação individual e concreta, ou seja, e acentuando algumas dessas apontadas características: ato unilateral, no sentido de que provém de um só autor, cuja declaração é perfeita (acabada, completa) independentemente do consenso de vontades de outros órgãos ou sujeitos de direito, ato no exercício do poder administrativo, no sentido de que ele deve ser praticado no exercício do poder administrativo (“puissance publique”) - no âmbito do jus imperii, pois.
T. Do que resulta que o ato de marcação de férias que, no âmbito de uma relação laboral no quadro da Lei Geral de Trabalho em Função Pública, vale por dizer ato bilateral entre entidade empregadora pública e um particular, (vide, de novo, n° 3 do art. 9° da Lei 12- A/2008), não é um ato administrativo reconduzível ou subsumível pura e simplesmente ao regime do CPA, e mais especificamente aos seus art.s 161° a 163°. - em suma, a decisão de denegação ou não autorização ou marcação de férias que a Diretora de Finanças de Évora, proferiu é ato que tem que ser aferido à luz da disciplina da relação de trabalho estabelecida.
U. Se é certo que no âmbito das relações contratuais de trabalho (incluindo as relações de trabalho de natureza pública) se atribui às partes, e nomeadamente à parte empregadora, a faculdade ou prerrogativa de conformar ou contextualizar as prestações com alguma álea ou amplitude (assim com a marcação ou agendamento das férias), essa álea ou amplitude não é arbitrária, estando subordinada à legitimidade e legitimação dos interesses visados e havendo de respeitar e se conformar aos limites imperativos da lei.
V. No que toca às férias, enquanto também modalidade do direito ao repouso e lazer, não é a entidade empregadora que cria ou concede o direito: o direito nasce ope legis, verificados que sejam os requisitos objetivos legalmente consagrados, sendo que o poder da entidade empregadora é de mero agendamento ou gestão, mas sempre nos limites da lei, limites esses que, no caso das férias, são também os da irrenunciabilidade e insubstituibilidade.
W. As medidas ou atos da entidade empregadora em violação dos direitos ou garantias, porque contra a lei, são medidas ou atos nulos porque contrários à lei e aos limites das partes (não sendo despiciendo avocar aqui o art. 280° do Código Civil que consagra um verdadeiro e próprio princípio e regra geral, aplicável também no quadro da relação contratual laboral.
X. Como medida ou ato nulo não introduz qualquer alteração no quadro dos deveres ou direitos contratuais laborais, direitos esses que só poderiam (poderão) ter-se por extintos por prescrição nos termos, condições e prazos do art. 337° do Código de Trabalho (de aplicação supletiva como acima já se disse), prescrição que, aliás, não seria de conhecimento oficioso, carecendo de expressa invocação e que, no caso, nem sequer ocorreria.
Y. E portanto: a) a decisão da Diretora de Finanças de Évora não constitui um ato administrativo reconduzível aos art.s 161° a 163° do Código de Procedimento Administrativo; b) trata-se de mera decisão no âmbito de uma relação contratual bilateral, sujeita ao enquadramento e às regras da LGTFP e CT, e subsidiariamente ao próprio Código Civil e nomeadamente ao regime do seu art. 280°; c) não é avocável, em consequência, o n° 1 do art. 59° do CPTA
Z. A decisão da diretora de finanças - diretora esta a quem não competia, repete-se e sublinha-se, conferir o direito a férias, direito a férias nascido ope legis, mas a quem competia exclusivamente o agendamento (gorado que fosse a marcação consensual) - não teve nem podia ter a virtualidade da extinção do direito da trabalhadora - A, direito este que se manteve incólume na sua esfera jurídica - isto é, não teve efeitos constitutivos ou extintivos, significando tão somente que não exercera o seu poder-dever de marcação ou agendamento de férias, mas direito este que subsistiu.
AA. Sendo certo, que, como demonstrado, não se estava perante um ato administrativo definitivo e executório, por um lado, e, por outro, que o tempo legal para o agendamento se mantinha até 31 de Outubro (n° 3 do art. 241° do C.T.), ou, no limite até 30/04/2023 (art. 130° do LGTFP, como também 246° do C.T.), a A tinha direito à expetativa de que o gozo do seu direito lhe viesse a ser assegurado como era de lei, cumprido que fosse o dever de reanálise, superabundante que haviam sido as explicações e reclamações que tinha promovido.
BB. E foi por isso que, diversamente do prisma pelo qual a douta sentença encarou a problemática, a A-apelante não configurou a ação em termos ou em sede de impugnação de ato administrativo, tout court., mas, com base na relação contratual laboral estabelecida e vigente, demonstrando o seu direito a férias (e sua amplitude ou extensão), a violação desse direito, direito que, não obstante os impedimentos ao seu exercício, subsistia e subsiste, e pugnando pela efetiva garantia do seu gozo no tempo que a lei impunha e impõe, prisma esse que o articulado de resposta à contestação tornou mais claro ainda.
CC. E só avançou com o requerimento de intimação no momento em que o fez e que os autos mostram por só então se tornar claro, que, com toda a probabilidade a entidade empregadora não se aprestava a, no tempo útil que a lei lhe fixava, permitir o efetivo gozo das férias em falta - de outro modo até quiçá lhe pudesse ser apontado o vício da extemporaneidade por prematura.
DD. O meio processual e o tempo dele afiguram-se à A-apelante, pois, serem os próprios. E, por outro lado, afiguram-se-lhe também estarem preenchidos todos os demais requisitos (processuais e substantivos) para ver deferida a requerida intimação - e uma vez que, como se assinalou, o caso foi de absolvição de instância, que não do pedido, poderá ser o caso do n° 3 do art. 149° do CPTA.
EE. O facto de a intimação requerida não ter sido proferida no prazo a que alude o artigo 130 da LGTFP não poderá redundar em penalização da requerente-apelante e, em contrapolo, em prémio à violação, impondo-se, isso sim, a intimação para o gozo imediato das férias ou em conformação com a vontade da trabalhadora.
FF. Deve, pelo exposto e nos termos do douto suprimento, ser revogada a douta sentença recorrida, substituindo-se por outra que julgue a ação atempada e que, ainda que ao abrigo do n° 3 do art. 130° do CPTA, intime a entidade demandada nos termos requeridos, com o que se fará JUSTIÇA.”

A Entidade Recorrida não veio apresentar Contra-alegações de Recurso.

Em 27 de junho de 2023 foi proferido Despacho de admissão do Recurso.

Notificado o Ministério Público em 3 de julho de 2023, veio a emitir Parecer em 5 de julho de 2023, no qual, a final, se pronunciou “no sentido da procedência do presente recurso, julgando-se improcedente a deduzida exceção dilatória da intempestividade da ação prevista no art. 89°, n° 4, alínea k), do CPTA, com a consequente revogação da sentença recorrida e a baixa dos autos, para prosseguimento.”

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, o que se consubstancia na necessidade de verificar, como invocado, se a sentença recorrida padece de erro de julgamento (em matéria de direito).

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte matéria de facto provada:
“1. A Requerente é funcionária da Autoridade Tributária e Aduaneira, detendo a categoria profissional de Técnica da Administração Tributária Adjunta, exercendo as suas funções no Serviço de Finanças de Montemor-o-Novo - cf. documento n.° 1, junto aos autos com o requerimento inicial;
2. Desde data concreta que se desconhece, no ano de 2013, até ao dia 17.10.2021, a Requerente exerceu funções de Vereadora na Câmara Municipal de Montemor- o-Novo - cf. fls. 17 do PA;
3. Em 18.10.2021, a Requerente reiniciou funções no Serviço de Finanças de Montemor-o-Novo - cf. fls. 17 do PA;
4. Em 05.05.2022, a Requerente dirigiu requerimento à Chefe do Serviço de Finanças do Distrito de Évora, com o seguinte teor:
“ P………., Técnica de Administração Tributária em serviço no Serviço de Finanças de Montemor-o-Novo, vem com o presente requerer a concessão de 25 dias de férias relativos ao ano de 2022, distribuídos do seguinte modo: a) Dia 17 de Junho de 2022 (um dia); b) Dia 16 de Agosto de 2022 (um dia) c) De 1 a 23 de Setembro de 2022 (17 dias); d) Dias 6 e 7 de Outubro de 2022; (dois dias) e) Dia 18 de Novembro de 2022 (um dias); f) Dias 2, 9 e 30 de Dezembro de 2022 (três dias)
- cf. documento n.° 2, junto aos autos com o requerimento inicial
5. Em 28.06.2022, a Requerente dirigiu requerimento à Chefe do Serviço de Finanças de Montemor-o-Novo, com o seguinte teor:
“1. P........, Técnica de Administração Tributária Adjunta, em serviço no Serviço de Finanças de Montemor-o-Novo, requereu no pretérito dia 5 de maio, a concessão de 25 dias de férias relativos ao ano de 2022.
2. Contudo e até ao momento, não tomou conhecimento de qualquer decisão que haja recaído sobre o pedido que formulou.
3. Esta situação é profundamente lesiva dos seus direitos laborais, afetando também a sua esfera familiar e mesmo patrimonial, mormente pela impossibilidade de proceder a um adequado planeamento, seleção e reserva atempada dos locais de vilegiatura.
4. Deste modo, reitera-se a solicitação para que V", Ex". exare, com a necessária urgência, o devido despacho no requerimento por si, em devido tempo, apresentado. ”
- cf. documento n.° 3, junto aos autos com o requerimento inicial
6. Em 12.07.2022, a Diretora de Finanças do Distrito de Évora proferiu despacho, de onde se extrai, para além do mais, o seguinte:
“(...) Por sua vez, no dia 01/01/2022 a trabalhadora, adquire 22 dias úteis de férias, acrescidos de um dia por cada 10 anos de serviço efetivamente prestado, no caso mais 4 dias de férias (ou seja, 26 dias úteis de férias), nos termos do disposto no art. 126°da LTFP. Assiste, por isso razão à trabalhadora quando diz que “no ano em curso e considerado o seu número de anos de serviço, tem direito a um período de 26 dias úteis de férias, vencidos em 2022, nos termos do n° 2 e 4 do art. 126° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, o que aliás nunca foi posto em causa.
Já não acontece em relação aos dias gozados em 2021. Na AT apenas teria direito a gozar 8 dias de férias, não havendo na lei fundamento que permita antecipar o gozo das férias de 2022 em 2021. Importa acrescentar que a trabalhadora gozou um dia de férias, em 18/04/2022 (código 108) a descontar nas férias do próprio ano, ou seja a descontar nos oito dias a gozar, o que quer dizer que nesta data terá direito a gozar sete dias de férias. ”
- cf. documento n.° 4, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, junto aos autos com o requerimento inicial;
7. Em 21.07.2022, a Requerente foi notificada do teor do despacho, mencionado no ponto que antecede, e para proceder à marcação dos dias de férias respeitantes ao ano de 2022 - cf. documento n.° 4, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, junto aos autos com o requerimento inicial;
8. Em 22.07.2022, a Diretora de Finanças de Évora proferiu despacho, onde consta, designadamente:
“(...) Assim, tendo em conta o pedido de marcação efetuado, o qual se encontrava pendente de aprovação, mas com parecer favorável do CF e tendo em conta que no requerimento parece manter o interesse em gozar os dias que mencionou no Plano de Férias inicial, sou a informar que irei remeter comunicação ao Sr. Chefe do Serviço com o meu Despacho de Aprovação das férias relativamente aos dias a que tem direito, nesta data.
• 18 de abril de 2022 (já gozado e a descontar nas férias do próprio ano, a seu pedido),
• 16 de agosto de 2022,
• 6 e 7 de outubro de 2022,
• 18 de novembro de 2022,
• 2, 9 e 30 de dezembro de 2022.
Uma vez que o regime legal aplicável em matéria de férias não sofreu alÍeraç6ês legislativas sendo a constante dos artigos 126. ° a 132.° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada pela Lei n. ° 35/2014, de 20 de junho, e por remissão desta lei, dos artigos 237.°a 247.°do Código do Trabalho (CT), se considerar necessário proceder a alteração dos períodos de férias marcados e autorizados ' esta têm de ser solicitada antecipadamente, caso concreto as férias podem ser consideradas como tendo sido gozadas. A ocorrer o pedido dê alteração de férias fica a trabalhadora sujeita a novo acordo e autorização por parte da chefia, sendo que a omissão dê qualquer pedido considera-se o interesse nas datas indicadas no pedido inicial e referidas no parágrafo anterior como aprovadas e autorizadas'
- cf. documento n.° 5, cujo teor se dá aqui por integramente reproduzido, junto aos autos com o requerimento inicial;
9. O despacho, mencionado no ponto 8, foi comunicado à Requerente através de ofício expedido em 22.07.2022, por carta registada com aviso de receção - cf. documento n.° 5, cujo teor se dá aqui por integramente reproduzido, junto aos autos com o requerimento inicial;
10. Em 21.03.2023 foi apresentado, através do SITAF, o requerimento que deu origem à presente ação - cf. fls. 1-3 do SITAF;

IV - Do Direito
No que ao direito concerne, no que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão de 1ª instância:
“(...) Ora, para sustentar a verificação da referida exceção de intempestividade, a Entidade Requerida alegou, em suma, que, tendo a Requerente sido notificada em 21.07.2022 e 22.07.2022 do teor dos despachos proferidos pela Diretora de Finanças, a mesma tinha o prazo de três meses, a contar da data da respetiva notificação, para reagir a cada um desses despachos, mediante a interposição de ação administrativa, o que não fez.
Acrescenta que, à data da interposição da presente intimação, em 21.03.2023, há muito decorrera o referido prazo, o que impossibilita a convolação da presente intimação em ação administrativa, sendo que, cada um desses despachos se consolidaram na ordem jurídica, passando a ser atos administrativos inimpugnáveis.
Em resposta à suscitada exceção, defende a Requerente que não se classifica expressamente o ato como anulável, tão pouco se aduzindo ou ensaiando os critérios ou razões dessa suposta qualificação.
Mais afirma que impor-se-ia a demonstração da natureza do ato, sendo certo que o artigo 58.° do CPTA diferencia dois regimes, não se encontrando sujeito a qualquer prazo os atos nulos.
E que, demonstrada que está a natureza de direito fundamental das férias, direito que a Diretora de Finanças afrontou, impõe-se concluir que se trata de ato nulo, que não produz qualquer efeito, sendo a nulidade invocável a todo o tempo.
Por último alega que, no que toca às férias, enquanto também modalidade do direito ao repouso e lazer, não é a entidade empregadora que cria ou concede o direito, nascendo o direito ope legis, verificados que sejam os requisitos objetivos legalmente consagrados, sendo que o poder da entidade empregadora é de mero agendamento ou gestão, mas sempre nos limites da lei, limites esses que, no caso das férias, são também os da irrenunciabilidade e in substituibilidade. Vejamos, pois.
O artigo 109.° do CPTA regula os pressupostos do processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, dispondo-se, no seu n.° 1, o seguinte:
“A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.”.
Da análise da referida norma, é possível verificar que são os seguintes os pressupostos essenciais para que o Tribunal conheça da intimação em causa, cuja observância, no caso concreto, carece de ser suficientemente alegada pelo Requerente no articulado inicial:
i) urgência da decisão de mérito para assegurar, em tempo útil, o exercício do direito com a natureza de direito, liberdade ou garantia;
ii) imposição de uma conduta positiva ou negativa da Administração e
iii) impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar, atento o carácter absolutamente subsidiário deste meio processual.
O primeiro dos referidos pressupostos exige, assim, que as particulares circunstâncias do caso, tal como concretizadas na petição inicial pelo requerente, revelem a necessidade da prolação de uma decisão sobre o mérito da causa e que tal decisão seja proferida com carácter de urgência, isto é, em tempo útil de assegurar o exercício de um direito que se enquadre no regime constitucional dos direitos, liberdades e garantias.
Assim, verificado que esteja o pressuposto atinente ao objeto do processo, ou seja, que a pretensão requerida se dirija à tutela de um direito, liberdade ou garantia ou um direito fundamental de natureza análoga, impõe-se, ainda, a observância dos requisitos acima mencionados - a urgência numa decisão de fundo e, consequentemente, a impossibilidade ou insuficiência da utilização de um processo cautelar, associado ao devido processo principal, ainda que com recurso ao mecanismo previsto no artigo 131° do CPTA.
Já que, reitere-se, a via normal de reação contra ações ou omissões que o interessado considere lesivas da sua esfera jurídica é a da propositura de uma ação administrativa não urgente, eventualmente associada à dedução de um pedido de decretamento de providências cautelares, destinadas a assegurar a utilidade da sentença que vier a ser proferida no âmbito da ação principal.
Com efeito, importa salientar que a intimação prevista nos artigos 109.° e seguintes do CPTA constitui um meio subsidiário de tutela que não é utilizável sempre que o exercício dos meios normais assegure a satisfação do direito em causa (cf. neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18.02.2010, proferido no Processo n.° 0884/09.
Retomando o caso dos autos:
Compulsada a petição inicial, verifica-se que a Requerente pretende a intimação da Diretora de Finanças de Évora a proferir despacho que, reconhecendo o direito da requerente ao gozo de férias no ano de 2022, das quais 18 dias úteis ainda não gozados, de acordo com a mesma, a autorize ao gozo imediato desse período de férias.
Ora, a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não está condicionada por qualquer prazo de propositura (neste sentido cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 02.07.2009, processo n.° 05139/09, disponível em www.dgsi.pt.).
Todavia, a utilização deste meio processual só se justifica se for o único meio que em tempo útil permita evitar a lesão do direito, estando, assim, necessariamente associada a uma situação de urgência.
(…)
Com efeito, a inexistência de prazo determinado para a intimação não significa que não se tenha de analisar a tempestividade, quando a medida pedida supõe o prévio afastamento de ato administrativo sem o qual não tem sentido.
Ora, no presente caso, decorre do probatório que a Requerente, tendo tido conhecimento dos despachos proferidos em 21.07.0222 e 22.07.2022, pela Diretora do Serviço de Finanças, que indeferiram o gozo dos dias de férias, tal como pela mesma requerido, apenas intentou a presente ação em 21.03.2023.
Assiste assim razão à Entidade Requerida, quando afirma que a presente ação foi instaurada quando há muito havia decorrido o prazo de três, previsto no artigo 58.°, n.° 1, alínea b) do CPTA, para reagir a cada um desses despachos, mediante a interposição de ação administrativa.
Com efeito, a Requerente não alegou, nem resulta dos autos que tenha reclamado, ou impugnado, contenciosamente o ato que lhe indeferiu o gozo das férias como havia requerido.
Ao invés, aguardou vários meses para intentar a presente ação, o que revela, para além do mais, não estar em causa uma lesão cuja proteção se revele urgente, afastando, como tal, a especial urgência, subjacente à necessidade da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.
Saliente-se que a Requerente menciona, inclusive, no requerimento inicial, a eventualidade de não ser viável, ou possível, a prolação de uma decisão nos presentes autos, por motivos de delongas de ordem processual, em termos que viabilize o efetivo gozo de férias no tempo que o art. 246° do C.T., não se percebendo, deste modo, o motivo pelo qual, sendo necessária tutela urgente, não foi de imediato instaurada a presente ação.
Sustenta, todavia, a Requerente, que, são nulos os atos que ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental e que demonstrada que está a natureza de direito fundamental das férias, direito esse que o ato da Diretora de Finanças afrontou, é imperioso concluir que está em causa um ato nulo que, como tal não produz qualquer efeito, sendo a nulidade invocável a todo o tempo.
De acordo com o artigo 161.°, n.° 2, alínea d) do CPA, são designadamente nulos:
“d) Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental. ”
Acerca do alcance da citada expressão, doutrina e jurisprudência evidenciam uma unívoca interpretação do citado preceito, segundo a qual, o escopo do legislador traduz-se na tutela do “núcleo duro” da Constituição, o qual jamais em caso algum deverá invadido, funcionando como uma baliza última da defesa de direitos, liberdades e garantias. (…)
Na senda do exposto, e considerando o explanado no requerimento inicial, considera- se que as alegadas violações da lei não afetam o “núcleo duro” da CRP e, consequentemente, a sua violação não acarreta a nulidade do ato, mas mera anulabilidade.
Assim sendo, em virtude de os vícios de violação de lei assacados ao ato impugnado serem geradores de mera anulabilidade, a respetiva impugnação deveria ter ocorrido no prazo de três meses a contar, neste caso, da notificação dos despachos da Diretora de Finanças.
Pelo exposto, a presente ação foi instaurada muito depois do prazo concedido por lei para efeitos de impugnação do ato em causa.
Ora, se a Requerente, na data em que propôs a presente intimação, não estava em condições de impugnar o ato, a intimação não poderá ser considerada tempestiva.
Tal como se sumariou no Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 30.11.2010, processo n. 0673/10, disponível em www.dgsi.pr:
“A ação de intimação para proteção de direitos liberdades e garantias não está subordinada a prazo, mas não pode proceder se o pedido realizado supõe o afastamento de ato administrativo cujo prazo de impugnação foi ultrapassado. ”
Consequentemente, cumpre concluir pela procedência da exceção de intempestividade da presente ação, o que determina a absolvição da Entidade Requerida do pedido, nos termos dos artigos 89.°, n.° 4, alínea k) do CPTA e artigos 576.°, n.° 3 e 579.° do CPC, ex vi artigo 1.° do CPTA.”

Vejamos:
Nos termos do art.º 109.º, n.º 1, do CPTA, “A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º”.

Trata-se de uma tutela subsidiária, configurada para ser acionada quando os restantes meios processuais não se mostram suficientes para acautelar aquela situação concreta.

Assim, para o uso desta intimação exige-se (i) a urgente emissão de uma decisão de mérito visando a proteção de um direito, liberdade ou garantia, ou um direito fundamental de natureza análoga, nos termos do art.º 17.º da CRP; (ii) e que não seja ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar ou o recurso a qualquer meio cautelar.

Enquadrando ainda a questão controvertida, diga-se que o direito a férias é um direito inderrogável, que não pode sequer ser diminuído ou afastado pela vontade das partes.

Centrando-nos já no objeto da presente intimação, sumariou-se, nomeadamente no Acórdão deste TCAS nº 13317/16, de 20-10-2016 que “O direito a férias constitui um inegável direito fundamental de natureza análoga, sendo-lhe, portanto, aplicável tanto o regime material como o regime orgânico dos direitos, liberdades e garantias”.

Os direitos fundamentais de natureza análoga são posições jurídicas ativas, em regra dispersas na Constituição que, atenta a sua natureza defensiva e conexão com o valor da liberdade, contenham atributos idênticos aos dos direitos, liberdades e garantias de modo a poderem beneficiar, no todo ou maioritariamente, do regime constitucional previsto para estes últimos.

O artigo 17.º da Constituição da República (CRP) clarifica que “O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no Título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga”.

O regime aplicável envolve, nomeadamente, na CRP: a reserva de lei parlamentar (alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º); a submissão ao disposto no artigo 18.º relativamente à restrição de direitos e ao artigo 19.º no que tange à sua suspensão; as garantias de acesso ao direito, previstas no n.º 5 do artigo 20.º; a responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas enunciada no artigo 22.º; e a cláusula de limites materiais de revisão constitucional declarada pela alínea d) do artigo 288.º.

Têm sido identificados pela jurisprudência e pela doutrina como direitos fundamentais de natureza análoga, entre outros, os direitos de propriedade e iniciativa económica privada (artigos 62.º e 61.º da CRP); o direito à retribuição do trabalho, ao limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal, férias e subsídio de desemprego (artigo 59.º); a contagem do tempo de trabalho para o cálculo das pensões (n.º 4 do artigo 63.º); e os direitos dos administrados (artigo 268.º da CRP).

A par destes direitos análogos constitucionalizados, a Constituição admite a existência de direitos fundamentais “extravagantes”, revelados fora do catálogo constitucional e constantes de lei ou tratado (n.º 1 do artigo 16.º) sendo duvidoso que, contudo, assumam natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, dado que, em sede de revisão constitucional, caiu a expressão “natureza análoga” que figurava no texto originário da Constituição.

Aqui chegados, e reconhecendo a admissibilidade da controvertida questão das férias ser tratada em sede de intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias, vejamos em concreto.

Diga-se, desde logo, que o Tribunal a quo, ao decidir julgar procedente a deduzida exceção de intempestividade da presente ação de intimação e, consequentemente, absolvendo a Entidade Requerida do pedido, e tal como suscitado pelo Ministério Público no seu Parecer, incorreu em erro de julgamento.

Com efeito, os atos a que se referem os factos dados como provados 6° e 8°, que incidiram sobre o requerimento constante do facto 4° do probatório, relativo ao gozo de 25 dias de férias no anos de 2022, não se limitam a contender com o seu agendamento, mas com o próprio direito ao gozo do número de “dias de férias a que tem direito, nesta data”.

Ou seja, contendem com o próprio direito a férias e com o respetivo gozo, na vertente do número de dias de férias a que a aqui Recorrente teria direito a gozar no ano de 2022.

Efetivamente, o direito a férias e os correspondentes e consequentes dias legalmente estabelecidos integram claramente o conteúdo essencial do direito a férias consagrado constitucionalmente no art. 59°, n° 1, alínea d), da Constituição da República Portuguesa, e os nos arts. 126°, da LGTF.

Decorre dos referidos normativos que:
- o trabalhador tem direito a um período de férias remuneradas em cada ano civil, que se vence em 1 de Janeiro;
- o período anual de férias tem a duração mínima de 22 dias úteis;
- o direito a férias é irrenunciável e o seu gozo não pode ser substituído, ainda que com o acordo do trabalhador, por qualquer compensação, económica ou outra;
- em regra, as férias são gozadas no ano civil em que se vencem;
- podem, no entanto, ser gozadas até 30 de Abril do ano civil seguinte, em cumulação ou não com férias vencidas no início deste, por acordo entre empregador e trabalhador ou sempre que este as pretenda gozar com familiar residente no estrangeiro.

Decorre do vindo de afirmar que se não acompanha o entendimento a este respeito adotado pelo Tribunal a quo, pois, como se disse já, estamos perante atos que se consubstanciam em direitos análogos a um direito fundamental, o que determina que a sua violação determine a sua nulidade nos termos do disposto no art. 161.°, n.° 2, alínea d) do CPA, cuja impugnação não está sujeita a prazo (v. art. 58°, n° 1, do CPTA, e art. 162°, do CPA).

O referido é quanto basta para afastar o entendimento adotado pelo Tribunal a quo e consequente decisão de procedência da exceção prevista no art. 89°, n° 4, alínea k), do CPTA, a qual, em qualquer caso, enquanto exceção dilatória não poderia determinar a decidida absolvição do pedido, mas apenas da instância - v. art. 89°, n° 2 CPTA).
Efetivamente, tendo sido apresentada intimação para proteção de direitos liberdades e garantias nos termos do disposto no art. 109°, do CPTA, foi objetivo da Requerente intimar singelamente Entidade Requerida “à prolação imediata de despacho de reconhecimento e efetiva concessão do direito a férias da requerente vencidas a 1 de janeiro de 2022”.

Tal como a ação foi configurada na petição inicial, está pois em causa a intimação ao reconhecimento de um direito que decorre diretamente da lei e que, ademais, no período correspondente a 20 dias úteis, é irrenunciável, não podendo o seu gozo ser substituído, ainda que com o acordo do trabalhador, por qualquer compensação, económica ou outra, sendo que a sua interposição não está sujeita a qualquer prazo de caducidade, em face do que não poderia ter sido decidida a sua intempestividade e, muito menos a absolvição da Entidade Requerida do pedido.

Em síntese, da análise conjunta da LGTFP e CT, alcança-se que o núcleo duro, essencial, irrecusável ou indenegável é constituído por:
i - um período de 22 dias úteis (n° 2 do art. 126° da LGTFP e n° 1 do art. 238° do C.T.), com o corolário da irrenunciabilidade e insubstitualidade no que excede o período de 20 dias úteis (n° 5 do art. 238° do C.T.);
ii - o direito ao gozo efetivo das férias, quando marcadas unilateralmente, entre 1 de Maio e 31 de Outubro (n° 3 do art. 241° do C.T.);
iii - inclusive em caso de obstáculo culposo ao gozo das férias nos termos atrás indicados, direito impreterível ao gozo do período de férias em falta até 30 de Abril do ano civil subsequente.

Consequentemente, a decisão de não autorização da marcação de férias por parte da Diretora de Finanças de Évora, é um ato que se não adequa com o direito laboral da Administração Pública vigente, em função de tudo quanto supra se expendeu, e atentos os factos dados como provados, tanto mais que a autorização do gozo das férias por parte de um qualquer dirigente não se consubstancia na atribuição de um direito, mas antes decorre da aplicação de um direto previamente obtido ope legis.

Efetivamente, fosse qual fosse o sentido do Despacho da referida Diretora de Finanças, não teria o mesmo a virtualidade de extinguir o direito a férias por parte da trabalhadora, em face do que o meio processual utilizado, de intimação para a defesa de direitos liberdades e garantias, atento tudo quanto se expendeu, se mostra o meio adequado visando o fim em vista.

Em face de tudo quanto supra se discorreu, importa revogar a decisão recorrida e decidir em substituição nos termos do n° 3 do art. 149° do CPTA, julgando procedente a presente intimação.

V - DECISÃO
Deste modo, nos termos e para os efeitos do Artº 656º CPC, decide-se revogar a Sentença Recorrida, julgando-se, em substituição, julgar procedente a intimação, intimando-se a Diretora de Finanças de Évora à prolação de despacho de concessão do remanescente dos dias de férias da requerente vencidas a 1 de janeiro de 2022.

Custas pela Entidade Recorrida

Lisboa, 26 de outubro de 2023

Frederico de Frias Macedo Branco