Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1883/06.6BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/19/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:OPOSIÇÃO,
GERÊNCIA DE FACTO,
DECLARAÇÕES NA AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:Não constitui prova suficiente da gerência de facto do revertido aquela que se funda unicamente nas declarações da Oponente prestadas em sede de audiência prévia à reversão quando, como no caso dos autos, essas declarações são consideradas pelo órgão de execução fiscal de forma descontextualizada, parcelar, e sem mais diligências probatórias.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição à execução fiscal n.º 327…, intentada por M..., na qualidade de responsável subsidiária.

A Recorrente, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES:

I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a oposição à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que a oponente era parte ilegítima por não ter a Administração Tributária provado que exerceu o cargo de gerente de facto.
II - Neste âmbito, o thema decidendum, consiste em saber se perante a prova recolhida pela Administração Tributária, doravante AT, os indícios da gerência de facto eram fortes capazes de abalar a prova testemunhal.
III - A Fazenda Pública considera que o art.º 13.º do CPT, legislação aplicável ao caso em apreço e não a LGT, foi violado bem como o vício formal de falta de fundamentação, omissão de pronúncia, pois da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo não se percebe o iter cognitivo e valorativo, ou seja, as razões quer de facto quer de direito que levou a desconsiderar a prova documental produzida em favor da prova testemunhal, uma vez que as testemunhas não tiveram um conhecimento directo mas indirecto, sendo de ouvir dizer.
IV - Ora, na audição prévia sobre o projecto do despacho de reversão a oponente declarou que “(…) 2- A depoente disponibilizou-se a passar uma a duas vezes por semana, da parte da manhã, para analisar a situação e ver o que, na sua opinião, se poderia fazer;
3 - Uma vez que não tinha condições para remunerar a depoente pelo seu trabalho, o Sr. J... propôs que o valor atribuído a este trabalho se transformasse em capital;
4 - Analisada a situação e dado que a depoente possuía vários contactos com os bancos sugeriu que se negociasse um financiamento. Como a D... estava inibida do uso de cheques, com letras protestadas e o andar, propriedade do Sr. J... penhorado, o banco só aceitou financiar a empresa se a depoente garantisse a sua ligação à D... até ao final do prazo de reembolso;
5 - Para satisfazer as exigências bancárias foi efectuada a escritura e atribuída a qualidade de gerente à depoente;
6 - A partir de aí a depoente continuou a passar uma ou duas vezes a negociar com os fornecedores, as Finanças e os bancos, a regularização das diversas situações; (bold e sublinhado nosso)

V - Com respeito ao mencionado no ponto anterior, dúvidas não podem restar de que a oponente exerceu o cargo de gerência, pois de que outra forma poderia negociar com os fornecedores, Finanças e bancos sem ter a qualidade de gerente, que já a tinha, e sendo esta de facto e não nominal, como quer fazer crer a oponente.
VI - Por outro lado, a prova testemunhal composta por P... (amigo da oponente conhecendo-a do trabalho), M... (amiga de longa data da oponente não conhecendo a D... só de nome) e J... (foi bancário, conhecido da oponente) não pode abalar a prova documental nem as declarações em sede de direito de audição da oponente sob pena de ter havido contradição nas afirmações feitas.
VII - Com respeito a M... conhecendo só de nome a sociedade devedora originária, D..., não pode saber o que se passava lá pois o seu conhecimento é indirecto, resultante do que a oponente lhe contava.
VIII - Quanto a P..., colega de trabalho da oponente também não poderia saber o se passava na sociedade devedora originária, D..., sendo o seu conhecimento indirecto, de ouvir dizer e mesmo que tivesse trabalhado na devedora originária não saberia precisar por não ter o conhecimento directo de que modo a oponente negociava com os fornecedores, finanças e banca, o que equivale a dizer que a sua prova não pode abalar as declarações da oponente.
IX - Por fim, o testemunho de J... o seu conhecimento advém-lhe do cargo funcional, ou seja, como bancário, conhecendo que a sociedade devedora originária foi financiada e que, para tal a oponente teve que ser nomeada gerente, mas não mais do que isso, pois de que modo sabe que a oponente não exerceu a gerência de facto? Como tomou conhecimento de tal se não estava dentro nem trabalhava junto à oponente?

X - Ora, são estes factos que a douta sentença não explicou as razões de facto e de direito que levaram a desconsiderar o direito de audição exercido pela oponente afastando-a de gerente de facto para a considerar como gerente nominal, pelo que há falta de fundamentação da mesma, havendo omissão de pronúncia pois tendo apenas mencionado que as testemunhas foram unânimes, não esclarece de que modo nem esclarece de que modo a convicção da Fazenda de que a oponente exerceu a gerência de facto, vinculando a sociedade devedora originária quando negociava com bancos e fornecedores e finanças pode ser substituída para gerência de direito.
XI - Pelo exposto, o Tribunal ad quo estribou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito que se encontram subjacentes ao direito de audição exercido pela oponente em favor da prova testemunhal, havendo omissão de pronúncia quanto às razões pois a douta sentença não esclarece de que modo a oponente não exerceu a gerência de facto se do direito de audição resulta que o mesmo foi exercido, pois só assim se explica que se negociasse com fornecedores, bancos e finanças, pois vinculava a sociedade perante terceiros, pelo que o art.º 13.º do CPT foi violado, devendo ser aditada a factualidade mencionada e ser revogada a sentença por outra que julgue improcedente a presente oposição, mantendo o PEF.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a Oposição improcedente, com as devidas consequências legais.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA»

A Recorrida, M..., não apresentou contra-alegações.

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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pela Recorrente Fazenda Pública nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de vício de omissão de pronúncia e falta de fundamentação, porquanto não se compreende as razões de facto e de direito que conduziram a desconsiderar a prova documental produzida em favor da prova testemunhas sendo que a Oponente exerceu de facto o cargo de gerência (conclusões I a XI), erro de julgamento de facto, requerendo-se o aditamento de matéria de facto (conclusão XI).
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«III Fundamentação de Facto
Com base nos documentos juntos aos autos, e no depoimento das testemunhas inquiridas, estão provados, os seguintes factos:

1. No Serviço de Finanças de Lisboa 13 foi instaurada a execução fiscal n° 3271- 9311… apensos outros processos de execução, contra D..., Lda., para cobrança de dívidas de IVA e juros compensatórios do ano de 1993;

2. Por despacho de 21 de Março de 2006, a execução fiscal reverteu contra a ora Oponente, como responsável subsidiária, por constar do pacto social como sócio-gerente –f ls. 71 a 73:
3. A Oponente exercia, a sua actividade profissional ao serviço da sociedade E..., tendo, no exercício dessas funções conhecido J..., gerente da primitiva executada - depoimento das testemunhas;
4. Com o intuito de viabilizar a concessão de um financiamento junto do B..., J... pediu à ora Oponente que assumisse, nominalmente, a gerência da D... - depoimento unânime das testemunhas;
5. Inicialmente, no pacto social de D..., figuravam como gerentes, J... e C..., tendo passado a figurar o nome da ora Oponente, em conjunto com J..., a partir de 24-10-1996, por alteração do pacto social em 09-09- 1994 - fls. 24 a 26;
6. Em 30-01-1997 foi averbada ao registo comercial a renúncia da ora Oponente à gerência em 16-09-1996 (fl., 25 verso);

7. A Oponente nunca assinou cheques, declarações oficiais, negociando ou assinando contratos relacionados com as funções de gerência da primitiva executada - depoimento unânime das testemunhas.»

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Conforme resulta dos autos, na p.i. a Oponente invocou, entre outros fundamentos de Oposição, a sua ilegitimidade nos termos da alínea b), do n.º 1 do art. 204.º do CPPT. Alegou para tanto que a sua gerência na sociedade executada originária era apenas nominal, explicando que esta se deveu a uma necessidade de obtenção de empréstimo bancário por aquela sociedade, tendo abandonado a gerência quando o financiamento findou. Alegou que nunca praticou quaisquer atos e gerência.

Com base na matéria de facto supra transcrita, a Meritíssima Juíza do TT de Lisboa julgou procedente a Oposição com fundamento na ilegitimidade da Oponente (alínea b), do n.º 1, do art. 204.º do CPPT), considerando, em síntese, que esta logrou provar através da prova testemunhal que nunca exerceu de facto a gerência da sociedade executada originária. Neste contexto, julgou-se prejudicado (implicitamente) o conhecimento dos demais fundamentos da Oposição, e por essa razão, não se conheceu dos demais fundamentos invocados, inclusive, da prescrição das dívidas exequendas.

Deste modo, importa ter presente que o não conhecimento dos demais fundamentos de Oposição invocados, cujo conhecimento ficou prejudicado, não configura uma omissão de pronúncia da sentença recorrida quanto a aquele fundamento de oposição, pois apenas “Há omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.” – ac. do STA de 17/06/2015, proc. n.º 0395/15.

Assim, não tendo sido conhecida a prescrição enquanto fundamento de oposição de prescrição, não relevam, e nem sequer se compreendeem, as alegações 9.º a 28.º da recorrente Fazenda Pública que tenta demonstrar a este tribunal de recurso que as dívidas não se encontram prescritas. Ora, não tendo sido declarada a prescrição na sentença recorrida, nem se verificando uma nulidade por omissão de pronúncia, não há qualquer interesse no seu conhecimento imediato. Não obstante, na eventualidade de proceder a presente apelação, entender-se-á tal invocação num contexto de antecipar a pronúncia que seria devida num eventual conhecimento em substituição pelo tribunal de recurso da questão cujo conhecimento ficou prejudicado.

Prosseguindo.

A recorrente insurge-se contra a sentença recorrida, imputando-lhe o vício de “omissão de pronúncia” e a “falta de fundamentação”, porquanto não se compreende as razões de facto e de direito que conduziram a desconsiderar a prova documental produzida em favor da prova testemunhal sendo que a Oponente exerceu de facto o cargo de gerência (conclusões I a XI), mais requerendo o aditamento de matéria de facto (conclusão XI).

No que diz respeito ao vício de omissão de pronúncia, tal não se verifica porque só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas” (cf. Ac. do STA de 28/05/2014, proc. 0514/14). No caso em apreço o tribunal a quo pronunciou-se sobre a questão colocada pela Oponente, nomeadamente da sua ilegitimidade, entendendo que esta se verificava porque resultou provado que nunca exerceu de facto a gerência da executada originária, pelo que, improcede este fundamento do recurso.

Vejamos quanto à “falta de fundamentação” da sentença.

Nos termos do disposto no art. 125.º, n.º 1 do CPPT é nula a sentença por “não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão”. Este preceito ao exigir a especificação dos fundamentos de facto da decisão, refere-se à fundamentação ou motivação da mesma, no plano factual, que não à fixação propriamente dita (v. acórdão do STA de 16/01/2013, proc. n.º 0343/12: “(…) o n.º 1 do art. 144º do CPT (a que corresponde o actual art. 125.º do CPPT) e a alínea b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC, ao exigirem a especificação dos fundamentos de facto da decisão, referem-se à fundamentação ou motivação da mesma, no plano factual, que não à fixação propriamente dita, ao julgamento dos factos necessários à mesma decisão, cuja falta constitui, ao contrário daquela, nulidade do conhecimento oficioso. (…)”).

Deve distinguir-se entre falta absoluta de motivação e motivação deficiente, medíocre ou errada, também é certo e é jurisprudência assente que esta nulidade só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respetivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão (cf. por todos, Ac. do STA de 04/03/2015, proc. n.º 01939/13).

A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade (cf. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 140.) – v. também, acórdão do STA de 24/01/2018, proc. n.º 01411/16: “(…) A nulidade da sentença por não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão só se verifica quando ocorre falta absoluta de fundamentação, a qual se distingue da motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada, sendo que só aquela é considerada pela lei como nulidade, enquanto esta apenas pode afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em sede de recurso.”)

Por isso, como salienta Jorge Lopes de Sousa devam “considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação percetível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação”, já que esta se destina “a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão”, e, por isso, “quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação” (cf. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. II, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, anotações 7 e 8 ao art. 125.º, pp. 357 a 361).

Deste modo, a sentença deve estar minimamente motivada, pois caso seja omitida absolutamente a motivação de facto, então, estaremos perante a nulidade da sentença prevista no art. 125.º, n.º 1 do CPPT.

In casu, porém, não se verifica a ausência absoluta da motivação de facto, pois a Meritíssima Juíza do TT de Lisboa expressamente refere que a sua decisão de que a Oponente não exerceu de facto a gerência de facto assentou na prova testemunhal produzida, bem como na ausência de prova da Fazenda Pública em sentido diverso. Com base nos depoimentos das testemunhas qualificados como “unânimes” na sentença recorrida, deram-se como provados os factos enunciados nos pontos 4 e 7, bem como, de forma mais genérica, o facto do ponto 3, fundado no “depoimento das testemunhas”. Portanto, existe um mínimo de motivação de facto, e por essa razão, não se verificando a nulidade invocada.

Prosseguindo.

Não obstante não se verificarem as nulidades invocadas, a recorrente Fazenda Pública, insurge-se, igualmente, contra a decisão recorrida no que diz respeito à matéria de facto, entendendo, em síntese que a Oponente exercia de facto a gerência e que a prova testemunhal não foi apta a afastar a prova que resulta do direito de audição exercido. Mais se refere expressamente a alguns factos dados como provados no sentido de os colocar em causa.

Por outro lado, a recorrente impugna a matéria de facto, pretendendo-se que se aditem os factos enunciados nas alíneas a) a ii) do ponto 6 das alegações de recurso, indicando para tanto, os respetivos documentos junto aos autos e ao processo executivo em apenso que suportam tais factos.

Apreciando.

O art. 640.º do CPC estabelece um ónus rigoroso para o recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto, que a não ser cumprido implica, necessariamente, a rejeição dessa impugnação (cf. n.º 1).

No que diz respeito à impugnação dos factos dados como provados com base na prova testemunhal, à qual a recorrente pretende que se desconsidere (conclusão III), VII, IX), a verdade é que não cumpriu aquele ónus de impugnação da matéria de facto. Na verdade, tratando-se de meio probatório constante de gravação deveria ter dado cumprimento ao n.º 2, alínea a) do art. 640.º do CPC: “a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;” (destaque nosso).

Portanto, na parte respeitante à prova testemunhal, porque a recorrente não indicou com exatidão as passagens da gravação em que se funda a impugnação, nesta parte, rejeita-se a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

No que diz respeito à impugnação da matéria de facto respeitante aos factos que se enunciam nas alíneas a) a ii) do ponto 6 das alegações de recurso a recorrente cumpriu aquele ónus. Contudo, apenas relevam para a decisão do presente recurso, sem prejuízo de se aditarem oficiosamente factos para um eventual conhecimento em substituição dos demais fundamentos de Oposição, os seguintes que se aditam com base nos documentos juntos aos autos e ao processo de execução fiscal, bem como se entende ser de alterar oficiosamente (n.º 1, do art. 662.º do CPC) o facto enunciado no ponto 1 e 2 dos factos dados como provados com base nos documentos junto aos autos:


1) Corre nos Serviço de Finanças de Lisboa 13 a execução fiscal n.° 3271-9311… e apensos instaurada à sociedade D..., Lda., por dívidas de IVA dos anos de 1990 a 1996, no montante total de 83.501, 40€ (cf. informação de fls. 100 dos autos, e fls. 46 do PEF, e termo de apensação de fls. 5 do PEF);

2) Em 21 de Março de 2006 foi proferido despacho de reversão contra a Oponente com base nos fundamentos na informação de 20/03/2006 na qual consta, para além do mais, que “Em 05/12/2002, veio M... exercer o direito de audição, arguindo que não exercia de facto a gerência, admitindo que negociava com os fornecedores as Finanças e bancos a regularização das diversas situações pendentes na empresa, tendo-se tornado gerente por exigência dos bancos. Ora, a meu ver essas actividades prendiam-se com a gerência efectiva e não meramente virtual (…) afigura-se-me que ao abrigo do disposto nos artigos 13.º do CPT a execução deve reverter contra os gerentes M... e J... e, respectivamente pelos valores 76.798,21 e 83.501,40 Euros (…)” (cf. informação de fls. 72 verso e despacho de fls. 73, ambos do PEF);

(…)

8) Na sequência do despacho referido em 2), em 02/06/2006 a Oponente foi citada na qualidade de executada por reversão da execução fiscal referida no ponto 1) para o pagamento da quantia total de 76.798,21€, referente a IVA dos períodos compreendidos no período de 1995-02 a 1996-04 (cf. certidão de citação de fls. 99 e verso dos autos);

9) Em 05/12/2002, na sequência de notificação do serviço de finanças de Lisboa 13 para o efeito, a Oponente exerceu o direito de audição prévia sobre o projeto de despacho de reversão que antecedeu o despacho enunciado em 2), declarando o seguinte: “1 – Em 1994 foi contactada elo Sr. J... (…) no sentido de o aconselhar sobre a melhor forma de resolver os problemas da sociedade …que atravessava uma grave crise financeira; 2 – A depoente disponibilizou-se a passar uma ou duas vezes por semana, da parte da manhã para analisar a situação e ver o que, na sua opinião, se poderia fazer; 3 _ Analisada a situação e dado que a depoente possuía vários contactos com os bancos sugeriu que se negociasse um financiamento. Como a D... estava inibida de uso de cheques, com letras protestadas e o andar, propriedade do Sr. J... penhorado, o banco só aceitou financiar a empresa se a depoente garantisse a sua ligação à D... até ao final do prazo de reembolso; 5 _ Para satisfazer as exigências bancárias foi efectuada a escritura e atribuída a qualidade de gerente à depoente; 6 _ A partir de aí a depoente continuou a passar uma ou duas vezes por semana, numa parte do dia, pela empresa com vista a negociar com os fornecedores, as Finanças e os banco, a regularização das diversas situações; 7_ Em circunstância alguma exerceu a gerência efectiva da sociedade, não interferindo na actividade normal da empresa nem do seu pessoal, nem tomada de decisões. (…) 9 – (…) indica uma testemunha …que poderá testemunhar o contacto estabelecido pelo Sr. J..., as condições aprovadas para a consultoria e a continuação da permanência da depoente nas funções que anteriormente desempenhava (…)” (cf. auto de defesa verbal de fls. 32 e verso do PEF, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido);

10) Em 24/10/1996, na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, foi levado a registo alteração do contrato social da “D... , Limitada” efetuada por escritura pública outorgada em 09/09/1994, registando-se como sócios da sociedade a Oponente, J..., e V... (cf. certidão da conservatória do registo comercial de Lisboa de fls. 25 verso do PEF);

11) Na sequência da alteração do contrato social referido na alínea anterior, em 24/10/1996 foi levado a registo a nomeação da Oponente e de J... para a gerência da sociedade (cf. certidão da conservatória do registo comercial de Lisboa de fls. 25 verso do PEF);

12) Na sequência da escritura pública referida no ponto anterior, foi levado a registo na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, em 24/10/1996, através da ap.36/961…, que a sociedade “D..., Limitada” se obriga com a assinatura de um gerente (cf. certidão da conservatória do registo comercial de Lisboa de fls. 25 verso do PEF);

13) Em 30/01/1997 foi inscrita na matrícula da sociedade “D..., Limitada” constante da Conservatória do registo Comercial de Lisboa a cessação de funções da oponente, por renúncia em 16/09/1996 (cf. certidão da conservatória do registo comercial de Lisboa de fls. 25 verso do PEF, ap.12/970…).

Estabilizada a matéria de facto assente, vejamos, então, se conforme entende a recorrente Fazenda Pública, a Oponente exercia efetivamente a gerência de facto da executada originária (conclusão II).

Invoca a recorrente que a prova da gerência efetiva da Oponente resulta da prova documental, nomeadamente das declarações da Oponente em sede de audiência prévia ao despacho de reversão, pois se a Oponente era gerente para efeitos de empréstimo bancário durante o tempo da sua duração, então, a sua assinatura vinculava a sociedade para esse efeito. Neste contexto, entende que existe uma contradição entre a prova documental e a testemunhal (conclusões IV a VI e X, XI), tendo sido violado o art. 13.º do CPT (conclusão III).

Vejamos.

Ora, in casu, resulta que, em 24/10/1996 foi levado a registo alteração do contrato social da “D..., Limitada” efetuada por escritura pública outorgada em 09/09/1994, donde resulta que são sócios da sociedade executada originária a Oponente, J..., e V... (ponto 10 da matéria de facto). Também resulta que na sequência dessa alteração do contrato social, em 24/10/1996, foi levado a registo a nomeação da Oponente e de J... para a gerência da sociedade (ponto 11 da matéria de facto).

Contudo, a gerência nominal da Oponente não é suficiente para a sua responsabilização, pois a responsabilidade subsidiária de gerentes de sociedades, prevista no art. 13.º do CPT, depende do exercício de facto da gerência.

Efetivamente, no que diz respeito às regras do ónus da prova importa ter presente que o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão do Pleno do CT do STA de 28/02/2007, proc. n.º 1132/06 (reiterado posteriormente pelo acórdão do STA de 10/12/2008, proc. n.º 0861/08, e pelo acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12) considerou, ainda no âmbito do regime do CPT, que competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, «deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência».

Entendeu-se no que respeita ao exercício das funções de gerência que «sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efetivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal».

Com este acórdão, fica assim sem margens para dúvidas, afastado o entendimento segundo o qual, uma vez verificada a gerência nominal ou de direito, se presume a gerência de facto ou efetiva.

Não obstante, nada impede que o julgador possa valorar criticamente toda a prova que consta do processo de execução fiscal para formar a sua convicção, inclusive a certidão da matrícula da sociedade executada originária e as respetivas inscrições, em particular, aquelas que dizem respeito à existência de um ou mais gerentes ou administradores nomeados, e a forma como se vincula a sociedade, que poderão constituir factos indiciadores da gerência de facto e que podem e devem ser conjugados com outros meios de prova constantes do processo.

O julgador deve extrair do conjunto dos factos provados o efetivo exercício da gerência, formando a sua convicção pelo exame crítico das provas, mas já não pela “aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.” [acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12], e diremos mais, de igual modo, também não poderá o julgador resguardar-se na inexistência de presunção para se eximir do exame crítico da prova (cf. acórdão do TCAS de 11/07/2019, proc. n.º 281/11.4BELRS).

Com efeito, naquele acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12, sumariou-se: “I - No regime do Código de Processo Tributário relativo à responsabilidade subsidiária do gerente pela dívida fiscal da sociedade, a única presunção legal de que beneficia a Fazenda Pública respeita à culpa pela insuficiência do património social. II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário. III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova. IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência. V - Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.” (sublinhado nosso).

Como supra exposto, não existe uma presunção legal segundo a qual o gerente de direito o é, também, de facto, sendo esse um elemento a considerar na decisão de facto.

Em suma, a partir da prova produzida o juiz pode firmar um facto desconhecido, usando as regras da experiência e juízos de probabilidade, através de presunção judicial nos termos do art. 350.º do Código Civil (v. acórdão do STA de 10/12/2008, proc. n.º 0861/08: “(…) IV - No entanto, o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência”). O que não se poderá é inferir a gerência de facto automática e exclusivamente com base na gerência de direito, sob pena de reconduzir a presunção judicial a uma presunção legal, como resulta da jurisprudência fixada pelo STA.

Desta forma, no procedimento de reversão, a AT deve procurar determinar se os gerentes de direito exercerem de facto essa gerência, e para formar essa convicção, deve juntar ao procedimento elementos de prova que a corroborem, de modo a satisfazer o seu ónus probatório, designadamente elementos que evidenciem a prática de atos suscetíveis de demonstrar a efetividade do exercício de funções.

Ora, in casu, quanto à gerência efetiva da Oponente importa considerar que o despacho de reversão assentou na informação que lhe antecedeu, na qual se exarou que a reversão das dívidas exequendas assentou nas declarações que a Oponente fez em sede de audiência prévia (cf. pontos 2 da matéria de facto alterada e ponto 9 da matéria de facto aditada).

Porém, e ao contrário do que invoca a recorrente Fazenda pública as declarações da Oponente não conduzem à conclusão de que a mesma exercia a gerência de facto da sociedade executada originária, não se verifica qualquer contradição entre essas declarações e os factos dados como provados em função da prova testemunhal.

Na verdade, resulta do seu depoimento que foi contactada pelo sócio gerente da sociedade executada originária “no sentido de o aconselhar sobre a melhor forma de resolver os problemas da sociedade …que atravessava uma grave crise financeira; (…) Analisada a situação e dado que a depoente possuía vários contactos com os bancos sugeriu que se negociasse um financiamento. Como a D... estava inibida de uso de cheques, com letras protestadas e o andar, propriedade do Sr. J... penhorado, o banco só aceitou financiar a empresa se a depoente garantisse a sua ligação à D... até ao final do prazo de reembolso; 5 _ Para satisfazer as exigências bancárias foi efectuada a escritura e atribuída a qualidade de gerente à depoente;”. Portanto, a entrada da Oponente para a sociedade é num contexto de viabilizar um empréstimo à sociedade. É nesse contexto de resolução de problemas financeiros no âmbito de um acordo, a Oponente passava “uma ou duas vezes por semana, numa parte do dia, pela empresa com vista a negociar com os fornecedores, as Finanças e os bancos, a regularização das diversas situações;”. Repare-se que a Oponente sempre negou a gerência efetiva da sociedade porque afirmou em sede de declarações que “7.Em circunstância alguma exerceu a gerência efectiva da sociedade, não interferindo na actividade normal da empresa nem do seu pessoal, nem tomada de decisões.” Ou seja, desde sempre a Oponente negou a prática de atos de gestão na sociedade executada originária.

Ora, o que resulta do seu depoimento é que existia um acordo entre a Oponente e o outro gerente da sociedade no sentido de uma espécie de consultoria num contexto de resolução dos problemas financeiros da empresa, e é nesse âmbito restrito que admite ter negociado com bancos e fornecedores, ou seja, com a intenção de resolução de um problema financeiro. Ou seja, a Oponente contextualiza que a prática de tais atos e situam num contexto de um acordo de consultadoria com uma intenção acordada previamente de resolução de um problema financeiro da sociedade, e, portanto, não revestem um carácter de independência funcional e de poder de decisão, de modo a que se possa concluir pela efetividade do exercício de funções de gerência. Importava, então, que o órgão de execução fiscal fosse mais longe na prova coligida de modo a infirmar as declarações da Oponente, o que não fez.

Sublinhe-se que nas referidas declarações a Oponente. “(…) indica uma testemunha …que poderá testemunhar o contacto estabelecido pelo Sr. J..., as condições aprovadas para a consultoria e a continuação da permanência da depoente nas funções que anteriormente desempenhava (…)”

Ou seja, o órgão de execução fiscal sempre poderia ter averiguado tais declarações através da prova que foi indicada pela Oponente aquando o exercício do seu direito de defesa, até porque os demais elementos constantes dos autos não contrariavam a sua tese de não exercício de gerência efetiva da sociedade executada originária. Na verdade, importa considerar que a Oponente não era a única sócio-gerente da sociedade executada originária (cf. ponto 10 e 11 da matéria de facto). Por outro lado, a sociedade obrigava-se com a assinatura de um dos dois gerentes nomeados (cf. ponto 12 da matéria de facto). Ou seja, destes factos dados como provados resulta perfeitamente plausível o exercício efetivo da gerência apenas por J..., tal como tem sido alegado pela Oponente, ou seja, que a sua gerência era apenas nominal motivada para facilitar a obtenção de um empréstimo pela sociedade executada originária, nunca exerceu de facto a gerência.

Por outras palavras, a tese da Oponente apresentada em sede de direito de audição prévia de que não exercia a gerência de facto da sociedade executada originária não é sequer contrariada pelas inscrições constantes da matrícula da sociedade, ou seja, não existe qualquer contradição na apreciação do conjunto das provas. Ademais, como já referimos, o órgão de execução fiscal, neste particular não reuniu qualquer prova que pudesse infirmar tais declarações.


Portanto, neste contexto concreto em que a Oponente nega a gerência efetiva da sociedade executada originária ainda em sede de exercício de direito de audição, e arrola uma testemunha que nem sequer é ouvida pelo órgão de execução fiscal, sendo plausível a sua tese face às inscrições que constam da matrícula da sociedade executada originária, importa concluir que o órgão de execução fiscal não provou a gerência de facto da Oponente, não resultando tal exercício das declarações prestadas pela Oponente em sede de audiência prévia como se assumiu no despacho de reversão. Ademais, em tribunal, face à prova testemunhal produzida acaba por resultar provada a tese da Oponente invocada em sede de audiência prévia de que não exerceu quaisquer funções de gerência (cf. alíneas C) e D) e G) dos factos provados), não havendo qualquer contradição com o depoimento da Oponente prestado em audiência prévia, pelo contrário, a prova produzida vem confirmar o seu depoimento.

Pelo exposto, improcedem in totum as conclusões de recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

Não constitui prova suficiente da gerência de facto do revertido aquela que se funda unicamente nas declarações da Oponente prestadas em sede de audiência prévia à reversão quando, como no caso dos autos, essas declarações são consideradas pelo órgão de execução fiscal de forma descontextualizada, parcelar, e sem mais diligências probatórias.


III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

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Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 19 de novembro de 2020.

A Juíza Desembargadora Relatora

Cristina Flora


A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy.