Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:408/09.6 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/16/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:FORMULÁRIOS DE ADESÃO
INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE SELO
ACEITAÇÃO DA PROPOSTA
ATIVAÇÃO DO SINAL
INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO INDEVIDA DE GARANTIA
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I-Se o contrato de prestação de serviços se forma com a aceitação da proposta contratual pela impugnante, concretizando-se apenas com a ativação do sinal/serviços contratados, tal implica que a subscrição da proposta de adesão é apenas uma fase preliminar da formação do contrato que poderá, ou não vir a ser celebrado.
II-Logo, as propostas contratuais de adesão a serviços essenciais que carecem de posterior formalização para produzir efeitos contratuais, não estão sujeitas a tributação no âmbito da verba 8 da TGIS.
III-Para efeitos de reconhecimento e condenação no pedido de indemnização por prestação indevida de garantia prestada na modalidade de garantia bancária, formulado em impugnação judicial (cfr. artigo 53.º da LGT e artigo 171.º do CPPT), não se impõe que o Impugnante aí faça prova dos custos suportados com a garantia (prejuízo sofrido), podendo o apuramento do respetivo montante ser relegado para execução de sentença (cfr. artigo 609.º, n.º 2, do CPC).
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante DRFP ou Recorrente) e a Z…, S.A. (Z… ou Recorrente) vieram interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida do indeferimento expresso da reclamação graciosa tendo por objeto os atos de liquidação de Imposto de Selo e respetivos juros no montante de €548.429,68, sentenciando a improcedência na parte referente ao pedido anulatório da liquidação de Imposto, e respetivos juros indemnizatórios e a procedência quanto ao vício formal de falta de fundamentação respeitante ao ato de liquidação de juros compensatórios e inerente condenação em indemnização por prestação indevida de garantia.

A Recorrente Z… apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“A) O presente recurso é interposto contra a Sentença, datada de 29 de junho de 2021, proferida nos autos de Impugnação Judicial que correram termos junto do Tribunal Tributário de Lisboa, sob o n.° 408/09.6BELRS, na parte que julgou improcedente a pretensão da ora RECORRENTE e, consequentemente, manteve na ordem jurídica o ato tributário impugnado na parte relativa ao Imposto do Selo, correspondente a “outros Escritos de Contratos” emitido com referência ao período tributário de 2005.

B) No que respeita à parte da Sentença que constitui objeto do presente recurso, e na qual se considera existir um "escrito” de contrato, é de referir que a Sentença recorrida ter-se-á limitado a considerar que a RECORRENTE se encontra obrigada a reduzir as condições gerais de adesão a escrito, para fundamentar a existência de um “escrito” de contrato, sem atender ao propósito e natureza jurídica de tal documento, nem tão pouco à legitimidade das assinaturas que são apostas no documento disponibilizado aos clientes, o qual se consubstancia no denominado formulário de adesão.

C) Com efeito, parece a Sentença recorrida considerar estar-se perante um contrato, perante um “escrito de contrato", não tendo cuidado, contudo, de aprofundar essa análise um pouco mais, e levar em linha de conta o facto incontornável de o formulário estar estruturado, do ponto de vista funcional, como um “veículo” de recolha de informação;

D) No que respeita à análise da natureza jurídica do formulário de adesão, este apenas poderá ser, quanto muito, caracterizado como proposta contratual, designadamente pelo facto de não ser subscrito por pessoas com poderes para celebrar contratos com potenciais clientes, em nome da RECORRENTE, mas tão só pelo autor da proposta e putativo novo cliente;

E) Na verdade, no que respeita aos canais de venda envolvidos no objeto do presente recurso a ora RECORRENTE procede à divulgação dos seus serviços através de empresas contratadas para o efeito;

F) Assim, nas situações em que o formulário de adesão existe, tal formulário é assinado apenas pelo cliente, como ocorre na situação de comercialização dos serviços T…. através de Kits, ou, em regra, é assinado pelo Cliente e pelo trabalhador da empresa contratada pela Recorrente;

G) Em qualquer dos casos, é de referir que tais contratos não conferem quaisquer poderes às empresas contratadas ou seus colaboradores, para celebrarem contratos em nome da RECORRENTE, OU para a vincular de qualquer outra forma;

H) As referidas empresas contratadas limitam-se a disponibilizar as propostas de adesão fornecidas pela RECORRENTE, e a identificar-se nas propostas de adesão subscritas por clientes, para efeitos da sua remuneração variável;

I) Assim, o processo de aceitação dos pedidos de adesão não se conclui com a intervenção das referidas pessoas ou entidades, envolvidas na promoção de vendas dos serviços T…. , às quais não são dados quaisquer poderes de representação, para o efeito, por parte da Recorrente, mas antes com a ativação dos serviços solicitados;

J) Ativação essa que apenas se manifesta após a aceitação da RECORRENTE do pedido de adesão formulado, depois de efetuados testes de despistagem, tais como de validação de morada ou testes de aferição de capacidade técnica para prestação dos serviços solicitados;

K) Nestes termos, o formulário de adesão não vincula, nem a RECORRENTE, nem o cliente, após o seu preenchimento;

L) Com efeito, nenhum dos diversos modelos de contratação a que a RECORRENTE recorre no decurso do exercício da sua actividade comercial importa a celebração de um contrato escrito com os seus clientes; 

M) Em face do exposto, atento o teor da prova documental carreada para os autos e, bem assim, o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela RECORRENTE, cujos depoimentos foram considerados pela Sentença recorrida como consistentes e credíveis, ficaram provados os factos necessários para concluir que o ato de liquidação, na parte referente aos canais de venda que envolvem o preenchimento de um formulário de adesão, padece dos vícios apontados nos autos, devendo ser anulado em conformidade;

N) No que respeita ao enquadramento em sede de Imposto do Selo, é de referir a extrema relevância conferida à assinatura pelas partes contratantes, a qual é, também, sublinhada pelo próprio Código do Imposto do Selo quando, na alínea a) do seu artigo 5.° determina que o nascimento da obrigação tributária ocorre, “nos actos e contratos, no momento da assinatura pelos outorgantes”, o que apenas se verifica quando o contrato é reduzido a escrito e assinado por ambos os contratantes;

O) Com efeito, o Imposto do Selo assume um carácter formalista, materializado na exigência da assinatura de ambas as partes, o qual, apesar da abolição das estampilhas fiscais entretanto ocorrida, continuou a caracterizar a tributação dos escritos de contratos;

P) Em suma, a incidência da Verba 8 da Tabela Geral anexa ao Código do Imposto do Selo deverá tomar em linha de conta os seguintes aspetos:

(i) a tributação em sede de Imposto do Selo à luz desta Verba pressupõe a existência de um contrato entre duas (ou mais) partes; 

(ii) nem todos os contratos se encontram sujeitos ao Imposto do Selo da Verba 8, mas apenas os que são formalizados por escrito;

(iii) o conceito de escrito aí previsto tem por referência, não a mera reprodução num papel da vontade de uma das partes, mas o documento no qual estas manifestam e expressamente acordam os termos negociais através da aposição da respetiva assinatura;

(iv) o nascimento da obrigação tributária apenas ocorre com a assinatura do escrito pelos outorgantes;

Q) A este respeito, importa deixar claro que a informalidade na angariação e celebração dos contratos com os seus clientes não se trata de um fim mas, tão-somente, de uma consequência natural da natureza da atividade da RECORRENTE;

R) Com efeito, a actividade exercida pela RECORRENTE não é, nem poderia ser de modo algum, compatível com a existência de negócios formais bilaterais;

S) Encontramo-nos, assim, perante um modelo de negociação em que a contratualização se confunde com a própria utilização do serviço prestado pela RECORRENTE numa base contínua, tendo sempre esta última a possibilidade de o interromper em caso de incumprimento do cliente;

T) Relembre-se que o modelo formalístico sobre o qual assentava a Verba 8 da Tabela Gerai tinha subjacente uma aposição de fé pública que justificava a incidência de Imposto do Selo, na medida que a tributação que decorria da aplicação daquela era vista como o "selo que autenticava o documento”;

U) Contudo, no tipo de relações contratuais que se estabelecem no sector em que Recorrente opera, a fé pública é totalmente desnecessária, na medida em que os meios de reação a situações de incumprimento por parte dos clientes se traduzem em ações diretas por parte da Recorrente;

V) Em face do exposto, o ato de liquidação, na parte referente aos canais de venda que envolvem o preenchimento de um formulário de adesão, padece dos vícios apontados nos autos, porquanto não se encontram verificados os pressupostos de incidência de Imposto do Selo, devendo a Sentença recorrida ser substituída em conformidade, e que consequentemente condene a Administração tributária ao pagamento de juros indemnizatórios e, bem assim, ao pagamento de indemnização pela garantia prestada, na parte referente ao valor do imposto.

TERMOS EM QUE E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DETERMINANDO- A REVOGAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA, NA PARTE QUE CONSTITUI OBJECTO DO PRESENTE RECURSO E, BEM ASSIM, A ANULAÇÃO DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DE IMPOSTO DO SELO, PRATICADO COM REFERÊNCIA AO ANO DE 2005, NA PARTE MANTIDA PELA SENTENÇA RECORRIDA COM A CONSEQUENTE CONDENAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA À RESTITUIÇÃO DO IMPOSTO PAGO INDEVIDAMENTE ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS E INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO INDEVIDA DE GARANTIA, NA PARTE REFERENTE AO VALOR DO IMPOSTO.


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A Recorrida (DRFP) optou por não apresentar contra-alegações.

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A Recorrente DRFP apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que decidiu julgar parcialmente procedente a impugnação judicial à margem identificada, e, em consequência determinou a anulação das liquidações de juros compensatórios que vinham impugnadas, e condenou a AT no pagamento à Recorrida de uma “… indemnização pela prestação da garantia na proporção do vencimento da presente impugnação ou seja apenas quanto ao montante dos juros compensatórios.”

B) A douta sentença recorrida sustenta a procedência da impugnação judicial, na parte referente às liquidações de juros compensatórios, por entender que não se encontra verificado, in casu, o pressuposto subjetivo que habilita a AT à liquidação destes juros:

“… o nexo de imputação subjectiva do retardamento da liquidação do imposto não se mostra substantivado, porquanto a interpretação seguida pela Impugnante era passível de ser acolhida segundo o elemento literal de interpretação do preceito da verba 8 da Tabela Geral em exame.(…)”

C) É verdade que a exigência de juros compensatórios depende da existência de um nexo de causalidade entre a atuação do contribuinte e as consequências lesivas para o Estado, porém, quanto a este requisito de imputabilidade, a jurisprudência dominante do STA orienta-se no sentido de que a imputabilidade exigida para a responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios existe quando determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, não porque a culpa seja meramente presumida, mas por ser “algo que em regra ou prima-facie se liga ao carácter ilícito-típico do facto respetivo”. (cfr. Recurso n.º 22612, de 23/09/98, do Supremo Tribunal de Justiça).

D) No caso dos juros compensatórios, a factualidade em que há de radicar o juízo de culpa, não pode ser outra que não aquela que subjaz ao apuramento do imposto entendido em falta, na exata medida em que se integram neste, nos termos do n.º 8, do art.º 35° da LGT.

E) In casu, os juros compensatórios que vêm impugnados foram liquidados ao abrigo do disposto nos art.ºs 40º do CIS e 35º da LGT, por ter sido retardada a liquidação do imposto de selo, que se mostrava devido, pela sujeição àquele imposto, por consubstanciarem contratos escritos, dos formulários de adesão firmados entre a Recorrida e os seus clientes.

F) E, foram emitidas como consequência de uma conduta do próprio sujeito passivo. G) No Relatório da Inspeção Tributária, que contém os fundamentos da liquidação de imposto que vem impugnada, é imputada à Recorrida, no ponto «7 – INFRACÇÕES VERIFICADAS», a falta de liquidação e entrega nos cofres do Estado do Imposto de Selo que recai sobre documentos, livros, papéis e atos, e que constitui infração ao disposto no CIS, punível nos termos da alínea e) do nº 5 do art.º 114º do Regime Geral das Infrações Tributárias, (RGIT), o que tem ínsito a imputação de culpa, já que se trata de infração punível a título de dolo ou negligência.

H) Temos, pois, que, as liquidações de juros compensatórios controvertidas, são o resultado de uma conduta por parte do sujeito passivo, que teve como consequência o apuramento, nos termos da lei, de prestação tributária, que não foi liquidada e entregue nos cofres do Estado, nos prazos legalmente estatuídos.

I) Nestes termos, verificando-se o retardamento da liquidação do imposto devido, por facto imputável à Recorrida, impõe-se concluir que, in casu, se verifica a imputabilidade exigida para a responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios, conforme estipulado no art.º 35º da LGT.

J) A sentença recorrida ao decidir em sentido contrário, incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação aos factos do comando normativo ínsito no art.º 35º da LGT, impondo-se a sua revogação e substituição por Acórdão que mantenha válidas, na ordem jurídica, por legais, as liquidações de juros compensatórios impugnadas.

K) Não se verificando a ilegalidade das liquidações de juros compensatórios impugnadas, e devendo as mesmas subsistir na ordem jurídica, inexiste fundamento para a decisão de condenação da AT no pagamento de uma indemnização pela prestação de garantia, quanto ao montante dos juros compensatórios anulados.

L) Com efeito, o objetivo da norma do art.º 53º da LGT é indemnizar o contribuinte pelos prejuízos que teve com a prestação de uma garantia que não teria que prestar se a Administração não tivesse atuado ilegalmente.

M) No caso em apreço, a Administração Tributária não errou nos pressupostos de facto e de direito (art.º 35º, nº 1 da LGT) ao considerar que estavam preenchidos os pressupostos legais de liquidação de juros compensatórios que originaram o processo de execução no âmbito do qual foi prestada garantia.

N) Não se verificam, pois, in casu, os pressupostos ínsitos no art.º 53º da LGT, para o reconhecimento à Recorrida de uma indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia.

O) Sem conceder, na hipótese de este Tribunal vir a entender, como decidiu a sentença recorrida, que as liquidações de Juros compensatórios em crise nos autos, se mostram ilegais, por não se mostrar verificado o requisito subjetivo que habilita à sua liquidação, ainda assim, dir-se-á como se entende que não se mostram verificados todos os pressupostos, previstos no art.º 53º da LGT, que habilitam à perceção de uma indemnização por prestação de garantia, no que respeita ao montante liquidado a título de juros compensatórios.

P) Resulta da norma do art.º 53º da LGT, que, com a indemnização por prestação de garantia, pretende-se compensar o contribuinte pelos prejuízos resultantes da sua prestação, já que, por via daquela indevida liquidação e errada atuação dos serviços, aquele foi forçado a prestá-la e, consequentemente, a incorrer em despesas.

Q) O mesmo será dizer que a indemnização pela prestação de garantia depende da existência de um erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços, de que tenha resultado uma indevida liquidação de imposto.

R) Ora, in casu, a AT limitou-se a aplicar as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impunham face à ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes às normas convocadas face às situações concretas, pelo que também neste ponto da matéria controvertida deverá ser declarado improcedente o pedido por ausência de base legal.

S) Se no caso sub judicie, o retardamento da liquidação de Imposto não é, subjetivamente, imputável à Recorrida, como decidiu a sentença recorrida, daí não se segue, necessariamente, que à intervenção da Administração Fiscal na liquidação dos juros compensatórios em foco tenha de ser imputado algum erro, seja de facto, seja de direito.

T) Pelo que inexiste o requisito legal de «erro imputável aos serviços» para que sobre a Administração Fiscal impenda a obrigação legal de indemnizar o contribuinte.

U) Julgando procedente o pedido de indemnização por prestação de garantia, no que respeita ao montante liquidado a título de juros compensatórios, a douta sentença sob recurso enferma de erro de julgamento por errónea interpretação e aplicação aos factos dados como provados, dos comandos normativos ínsitos no art.º 53º da LGT, impondo-se a sua revogação e substituição por acórdão que julgue improcedente tal pedido de indemnização.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por Acórdão que julgue totalmente improcedente a impugnação judicial, com as legais consequências.

Todavia,

Decidindo, Vossas Excelências farão, como sempre, a costumada Justiça!”


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A Recorrida (Z…) optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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A Recorrente DRFP apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que decidiu julgar parcialmente procedente a impugnação judicial à margem identificada, e, em consequência determinou a anulação das liquidações de juros compensatórios que vinham impugnadas, e condenou a AT no pagamento à Recorrida de uma “… indemnização pela prestação da garantia na proporção do vencimento da presente impugnação ou seja apenas quanto ao montante dos juros compensatórios.”

B) A douta sentença recorrida sustenta a procedência da impugnação judicial, na parte referente às liquidações de juros compensatórios, por entender que não se encontra verificado, in casu, o pressuposto subjetivo que habilita a AT à liquidação destes juros:

“… o nexo de imputação subjectiva do retardamento da liquidação do imposto não se mostra substantivado, porquanto a interpretação seguida pela Impugnante era passível de ser acolhida segundo o elemento literal de interpretação do preceito da verba 8 da Tabela Geral em exame.(…)”

C) É verdade que a exigência de juros compensatórios depende da existência de um nexo de causalidade entre a atuação do contribuinte e as consequências lesivas para o Estado, porém, quanto a este requisito de imputabilidade, a jurisprudência dominante do STA orienta-se no sentido de que a imputabilidade exigida para a responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios existe quando determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, não porque a culpa seja meramente presumida, mas por ser “algo que em regra ou prima-facie se liga ao carácter ilícito-típico do facto respetivo”. (cfr. Recurso n.º 22612, de 23/09/98, do Supremo Tribunal de Justiça).

D) No caso dos juros compensatórios, a factualidade em que há de radicar o juízo de culpa, não pode ser outra que não aquela que subjaz ao apuramento do imposto entendido em falta, na exata medida em que se integram neste, nos termos do n.º 8, do art.º 35° da LGT.

E) In casu, os juros compensatórios que vêm impugnados foram liquidados ao abrigo do disposto nos art.ºs 40º do CIS e 35º da LGT, por ter sido retardada a liquidação do imposto de selo, que se mostrava devido, pela sujeição àquele imposto, por consubstanciarem contratos escritos, dos formulários de adesão firmados entre a Recorrida e os seus clientes.

F) E, foram emitidas como consequência de uma conduta do próprio sujeito passivo. G) No Relatório da Inspeção Tributária, que contém os fundamentos da liquidação de imposto que vem impugnada, é imputada à Recorrida, no ponto «7 – INFRACÇÕES VERIFICADAS», a falta de liquidação e entrega nos cofres do Estado do Imposto de Selo que recai sobre documentos, livros, papéis e atos, e que constitui infração ao disposto no CIS, punível nos termos da alínea e) do nº 5 do art.º 114º do Regime Geral das Infrações Tributárias, (RGIT), o que tem ínsito a imputação de culpa, já que se trata de infração punível a título de dolo ou negligência.

H) Temos, pois, que, as liquidações de juros compensatórios controvertidas, são o resultado de uma conduta por parte do sujeito passivo, que teve como consequência o apuramento, nos termos da lei, de prestação tributária, que não foi liquidada e entregue nos cofres do Estado, nos prazos legalmente estatuídos.

I) Nestes termos, verificando-se o retardamento da liquidação do imposto devido, por facto imputável à Recorrida, impõe-se concluir que, in casu, se verifica a imputabilidade exigida para a responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios, conforme estipulado no art.º 35º da LGT.

J) A sentença recorrida ao decidir em sentido contrário, incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação aos factos do comando normativo ínsito no art.º 35º da LGT, impondo-se a sua revogação e substituição por Acórdão que mantenha válidas, na ordem jurídica, por legais, as liquidações de juros compensatórios impugnadas.

K) Não se verificando a ilegalidade das liquidações de juros compensatórios impugnadas, e devendo as mesmas subsistir na ordem jurídica, inexiste fundamento para a decisão de condenação da AT no pagamento de uma indemnização pela prestação de garantia, quanto ao montante dos juros compensatórios anulados.

L) Com efeito, o objetivo da norma do art.º 53º da LGT é indemnizar o contribuinte pelos prejuízos que teve com a prestação de uma garantia que não teria que prestar se a Administração não tivesse atuado ilegalmente.

M) No caso em apreço, a Administração Tributária não errou nos pressupostos de facto e de direito (art.º 35º, nº 1 da LGT) ao considerar que estavam preenchidos os pressupostos legais de liquidação de juros compensatórios que originaram o processo de execução no âmbito do qual foi prestada garantia.

N) Não se verificam, pois, in casu, os pressupostos ínsitos no art.º 53º da LGT, para o reconhecimento à Recorrida de uma indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia.

O) Sem conceder, na hipótese de este Tribunal vir a entender, como decidiu a sentença recorrida, que as liquidações de Juros compensatórios em crise nos autos, se mostram ilegais, por não se mostrar verificado o requisito subjetivo que habilita à sua liquidação, ainda assim, dir-se-á como se entende que não se mostram verificados todos os pressupostos, previstos no art.º 53º da LGT, que habilitam à perceção de uma indemnização por prestação de garantia, no que respeita ao montante liquidado a título de juros compensatórios.

P) Resulta da norma do art.º 53º da LGT, que, com a indemnização por prestação de garantia, pretende-se compensar o contribuinte pelos prejuízos resultantes da sua prestação, já que, por via daquela indevida liquidação e errada atuação dos serviços, aquele foi forçado a prestá-la e, consequentemente, a incorrer em despesas.

Q) O mesmo será dizer que a indemnização pela prestação de garantia depende da existência de um erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços, de que tenha resultado uma indevida liquidação de imposto.

R) Ora, in casu, a AT limitou-se a aplicar as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impunham face à ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes às normas convocadas face às situações concretas, pelo que também neste ponto da matéria controvertida deverá ser declarado improcedente o pedido por ausência de base legal.

S) Se no caso sub judicie, o retardamento da liquidação de Imposto não é, subjetivamente, imputável à Recorrida, como decidiu a sentença recorrida, daí não se segue, necessariamente, que à intervenção da Administração Fiscal na liquidação dos juros compensatórios em foco tenha de ser imputado algum erro, seja de facto, seja de direito.

T) Pelo que inexiste o requisito legal de «erro imputável aos serviços» para que sobre a Administração Fiscal impenda a obrigação legal de indemnizar o contribuinte.

U) Julgando procedente o pedido de indemnização por prestação de garantia, no que respeita ao montante liquidado a título de juros compensatórios, a douta sentença sob recurso enferma de erro de julgamento por errónea interpretação e aplicação aos factos dados como provados, dos comandos normativos ínsitos no art.º 53º da LGT, impondo-se a sua revogação e substituição por acórdão que julgue improcedente tal pedido de indemnização.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por Acórdão que julgue totalmente improcedente a impugnação judicial, com as legais consequências.

Todavia,

Decidindo, Vossas Excelências farão, como sempre, a costumada Justiça!”


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A Recorrida (Z…) optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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“(texto integral no original; imagem)”


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3. Posteriormente, foi a Impugnante notificada do seguinte: (cfr. prova documental documento nº8 e seguintes juntos com a petição inicial).


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4. As liquidações impugnadas nos presentes autos foram objecto de cobrança fiscal no âmbito dos autos de execução fiscal nº310720080120897 (cfr. prova documental documento nº8 e seguintes juntos com a petição inicial).

5. No âmbito do processo execução fiscal mencionado no facto provado anterior a Impugnante prestou garantia bancária datada de 22 de Fevereiro de 2008 de modo a suspender a execução fiscal ( cfr. prova documental documento nº16 e seguintes juntos com a petição inicial).

6. No ano em apreço, a Impugnante comercializava os seus serviços através de canais que Kits, e, de canais remotos: telefone e internet (cfr. prova documental documento nº4 junto com a p.i e prova testemunhal).

7. Nos canais de venda que implicam contacto pessoal, vendas “porta-a-porta”, a promoção dos serviços prestados pela Impugnante é feita através de colaboradores de empresas, com quem a Impugnante celebrou contratos de prestação de serviços (cfr. prova documental documento nº4 junto com a p.i e prova testemunhal).

8. Nas situações referidas na alínea anterior o formulário é assinado pelo cliente e pelo vendedor ( cfr. prova testemunhal).

9. A concretização da contratação efectiva-se com a instalação e activação do sinal/serviços contratados (cfr. prova testemunhal).

10. A Impugnante entrega aos seus clientes um texto relativo às “condições gerais dos produtos e serviços T…” (cfr. prova documental documento nº4 junto com a p.i.).

11. Nos diversos tipos de contratação, quer a Impugnante, quer o cliente, até à activação do serviço, podem desistir, respectivamente, da prestação do serviço ou serviço solicitado, podendo ainda a relação contratual estabelecida terminar, a qualquer momento, em caso de incumprimento (cfr. prova testemunhal).


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não se detecta a alegação de factos essenciais relevantes para a decisão da causa que devam ser considerados como não provados.”


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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

“Para convicção do Tribunal, na delimitação da matéria de facto supra provada, foi decisivo o conjunto da prova produzida, analisada individualmente e no seu conjunto. Designadamente nos documentos não impugnados juntos aos autos, referidos nos “factos provados”, com remissão para as folhas do processo onde se encontram, bem como à posição das partes sobre a matéria alegada.

E, no depoimento das testemunhas arroladas que revelaram conhecimento directo dos factos e prestaram um depoimento objectivo consentâneo com a prova documental existente nos autos.

Na verdade, as testemunhas ouvidas basicamente esclareceram os procedimentos de promoção, contratação e prestação de serviços da impugnante que corresponde à factualidade considerada pelos Serviços de Fiscalização no RIT.”


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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

12) A 20 de dezembro de 2013, a Recorrente Z…, SA, procedeu ao pagamento, ao abrigo do Regime Excecional da Regularização de Dívidas Fiscais aprovado pelo Decreto Lei nº 150-A/2013, de 31 de outubro, do montante de Imposto do Selo, num total de €1.541.279,52, dos quais €508.280,00, respeitam à liquidação impugnada (cfr. doc.1 junto com o requerimento a fls. 549 a 554 dos autos numeração plataforma SITAF);


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente Z… não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a anulação do ato de liquidação de Imposto de Selo, por entender que o mesmo não padecia de vício de violação de lei.

Por seu turno, a Recorrente Fazenda Pública dissente da procedência do vício formal atinente ao ato de liquidação de juros compensatórios e inerente condenação em indemnização por prestação indevida de garantia na respetiva proporção, reclamando, assim, a manutenção do ato de liquidação de juros compensatórios por legal e a inexistência de qualquer fundamento para atribuição da visada indemnização.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre apreciar se a sentença padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, porquanto:

- Não pode ser subsumida à previsão da verba 8 da TGIS a venda de serviços de telecomunicações através de canais de venda, em que, seja por via telefónica, seja por meio de agentes, a prestação do serviço tem lugar após a aposição de assinatura do cliente num formulário de condições de adesão.

- Em caso afirmativo, se são devidos juros indemnizatórios por erro imputável aos serviços, e reconhecida, igualmente, a indemnização por prestação indevida de garantia.

- Em caso negativo, improcedendo o erro de julgamento atinente à errada subsunção normativa na citada verba, donde, falta de verificação dos pressupostos de incidência, se a liquidação de juros compensatórios padece de vício formal de falta de fundamentação e, se face a essa procedência há que reconhecer o direito a uma indemnização por prestação indevida de garantia.

Atenta a delimitação supra expendida, cumpre principiar pelo recurso da Impugnante, na medida em que, existindo uma estrita dependência da liquidação de juros compensatórios da liquidação de imposto -integrando-se, como é consabido, na própria dívida deste (artigo 35.º, nº8, da LGT)- tal determina que estando a liquidação de imposto eivada de vício de violação de lei, a liquidação de juros compensatórios não pode, naturalmente, subsistir na ordem jurídica (1) Vide, designadamente, Acórdão TCAS, processo nº 00368/06.5BEPNF, 23.07.2009., acarretando, assim, que o recurso da Fazenda Pública seja julgado prejudicado.

Feito este introito, vejamos, então, se assiste razão à Recorrente quando propugna pela falta de verificação dos pressupostos de incidência de Imposto de Selo.

A Recorrente defende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que interpretou, erradamente, a natureza, âmbito e abrangência dos formulários de adesão os quais, no limite, apenas podem ser caracterizados como proposta contratual, designadamente pelo facto de não ser subscrito por pessoas com poderes para celebrar contratos com potenciais clientes.

O que significa que o processo de aceitação dos pedidos de adesão não se conclui com a intervenção das pessoas ou entidades envolvidas na promoção de vendas dos serviços T…, às quais não são dados quaisquer poderes de representação, para o efeito, por parte da Recorrente, mas antes com a ativação dos serviços solicitados, manifestando-se, portanto, após a aceitação da Recorrente ao pedido de adesão formulado, e depois de efetuados testes de despistagem.

Mais adensa que, o Imposto do Selo assume um carácter formalista, materializado na exigência da assinatura de ambas as partes, logo o conceito de escrito consignado na verba 8 da Tabela Geral anexa ao Código do Imposto do Selo, tem por referência não a mera reprodução num papel da vontade de uma das partes, mas o documento no qual estas manifestam e expressamente acordam os termos negociais através da aposição da respetiva assinatura.

Termina, assim, concluindo que não se encontram verificados os pressupostos de incidência de Imposto do Selo, logo a sentença recorrida que assim o não ajuizou deve ser revogada com as inerentes consequências, mormente, em sede de reembolso do pagamento da quantia indevidamente paga acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios e pagamento de uma indemnização por prestação indevida de garantia.

O Tribunal a quo assim o não entendeu tendo esteado a improcedência tendo por base, designadamente, a seguinte fundamentação jurídica:

“[c]airá, ainda, na previsão normativa da Verba 8 da TGCIS, aqueles contratos que, apesar de terem sido acordados verbalmente, num momento posterior tenham sido reduzidos a escrito de forma livre, por vontade das partes, revelada pela aposição nos mesmos de assinatura, manifestando, deste modo, a vontade de transformar um acordo verbal em contrato escrito, transformando, voluntariamente, a sua forma, em plena conformidade com o disposto nos artigos 219.° e 222.° do Código Civil. (…)
Ora, no caso em apreço, os formulários de adesão e as condições gerais dos produtos e serviços T…. são cláusulas contratuais gerais.
Na verdade, as cláusulas contratuais gerais são aquelas que foram elaboradas sem prévia negociação individual, em que os proponentes ou destinatários individuais se limitam, respectivamente, a subscrever ou a aceitar.
Ou seja, aquelas cujo conteúdo previamente elaborado o aderente não pode influenciar (cfr. artigo 1º, nº 1 e nº 2 do Dec.-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro) como acontece no caso em apreço. (…)
quer ocorra ou não o preenchimento de um formulário de adesão, é sempre a Impugnante a proponente, limitando-se os interessados a aderir a essa proposta.
Assim, a Impugnante está legalmente obrigada a reduzir a escrito as condições gerais de adesão e a disponibilizá-las aos potenciais clientes/aderentes ao seu serviço.
Pelo que, estamos perante contratos, reduzidos a escrito, celebrados por adesão a cláusulas contratuais gerais, assinados pelos aderentes, como tal sujeitos a imposto de selo.”

Atenta a supratranscrita fundamentação jurídica entendemos que o Tribunal a quo não terá realizado a melhor interpretação da norma em contenda atenta a realidade fática contemplada no probatório.

Senão vejamos.

Comecemos por convocar o quadro jurídico aplicável ao caso sub judice.

Preceitua o artigo 1.º do CIS, sob a epígrafe de “incidência objetiva” que:

“[o] imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.”

Consignando, por seu turno, o artigo 2.º, sob a epígrafe de “incidência subjetiva”, que são sujeitos passivos do imposto:

“h) Outras entidades que intervenham em atos e contratos ou emitam ou utilizem os documentos, livros, títulos ou papéis.”

De convocar, outrossim, o artigo 3.º, nº1 o qual estatui que:

“1 - O imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico nas situações referidas no artigo 1º.”

Mais importa chamar à colação, o artigo 5.º do citado diploma que, a propósito do nascimento da obrigação tributária, preceitua, no que para os autos releva, que:

“1 - A obrigação tributária considera-se constituída:
Nos atos e contratos, no momento da assinatura pelos outorgantes (…)”

Importa, in fine, ter presente a verba 8 da Tabela Geral de Imposto de Selo, da qual emerge que o IS devido por escritos de quaisquer contratos não especialmente previstos nesta Tabela, incluindo os efetuados perante entidades públicas, cifra-se em €5.

Donde, do teor dos citados normativos legais dimana inequívoco que, à data, era devido Imposto de Selo aquando a outorga de contratos escritos, no momento da sua assinatura, constituindo, por conseguinte, encargo dos titulares do respetivo interesse económico.

Ora, tendo presente o quadro normativo descrito anteriormente e transpondo o mesmo para o probatório dos autos, ter-se-á de concluir que os visados formulários de adesão não podem ser entendidos e qualificados como contratos para efeitos de subsunção normativa na aludida verba, porquanto as visadas propostas contratuais de adesão carecem de posterior formalização para concreta produção de efeitos contratuais, não estando, assim, sujeitas a tributação no âmbito da verba 8 da TGIS.

Neste particular, e uma vez que a questão foi já tratada pelo STA no âmbito, designadamente, dos processos 0221/12.3BELRS, de 29 de maio de 2019, e 02687/10.7BELRS 0143/14, de 10 de dezembro de 2022, e também por este Tribunal, no âmbito do processo nº 04930/11, de 04 de junho de 2023, e uma vez que a questão é, em tudo, idêntica à dos autos, tendo ainda em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em conformidade com o preceituado no artigo 8.º, nº 3 do Código Civil, eximimo-nos de expender novas considerações, reproduzindo aqui o raciocínio jurídico vertido no primeiro dos citados Acórdãos, inteiramente transponível para o caso vertente, e que se transcreve nos trechos que relevam para o caso vertente:
“No âmbito da sua actividade de telecomunicações, a recorrente celebrou com 77.692 contratos de prestação de serviços. Em causa estão as situações em que os serviços prestados pela recorrente não implicavam a prévia cedência de equipamento (com prazos de fidelização), e em que os respectivos contratos de suporte eram reduzidos a escrito, sendo assinados por ambas as partes, por os clientes em causa já disporem dos equipamentos necessários à utilização dos referidos serviços telefónicos móveis. Neste caso, os clientes limitavam-se a preencher a denominada proposta de acordo de adesão, de que há um exemplo com o documento junto com a p.i., que depois de analisada pela recorrente, era aceite ou rejeitada por esta. Tal documento denominado «proposta de acordo de adesão - serviço telefónico», com o logotipo da recorrente era por esta elaborado e facultado aos seus clientes que o preenchiam com dados pessoais e escolhiam as diversas variantes do serviço que a recorrente se propunha disponibilizar. Desse documento – formulário – constam 19 condições gerais que contêm as normas a que ficará submetida a relação contratual futura – acordo que venha a resultar da aceitação pela A’……… da proposta constante do rosto desse documento, em conformidade com o estatuído na L. 5/2004 de 10 de Fevereiro, no âmbito do Serviço Telefónico Móvel. Na sua clausula 10.1 refere-se que após aceitação da proposta, a A’……… procederá à activação definitiva do cartão que foi entregue ao cliente na data de subscrição da proposta, de modo a permitir-lhe a utilização exclusiva do serviço.
A Administração tributária considerou que as propostas de acordo de adesão preenchidas, assinadas e entregues pelos potenciais clientes - quando pretendessem contratar com a recorrente a prestação de serviços telefónicos móveis — consubstanciam contratos de adesão que preenchem a norma de incidência recortada pela indicada Verba 8 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
O Contrato de adesão – “É aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado” – Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 7ª edição, 262. «Os contratos de adesão costumam ser assim caracterizados por uma defesa exaustiva dos interesses do emitente, e um desinteresse marcado pelo que respeita ao aderente.” – Oliveira Ascensão – “Teoria Geral do Direito Civil”, vol. III, pág.364.
Sabemos que o modelo clássico de contratação sofre acentuada compressão nos “contratos de adesão” dado que nestes não existe uma negociação individual do clausulado que as partes acordam para satisfação dos interesses económicos do negócio, quando não adoptam contratos típicos, ou contratos inominados, ou contratos complexos, e onde vigora, salvo as limitações decorrentes dos arts. 280º, nº2, e 294º do Código Civil, o princípio da liberdade contratual na sua plenitude – art. 405º, nº 1, do Código Civil –.
Importa, desde já, anotar que o contrato que virá a ser celebrado na sequência de aceitação pela impugnante da proposta que lhe é presente pelo seu cliente é um contrato de adesão. Apesar de não constitui um típico modelo imodificável de contrato, por comportar algumas situações alternativas, não consente, para além das escolhas entre estas alternativas, qualquer negociação a quem queira celebrar o contrato em causa. Na verdade, os clientes não podem influenciar o conteúdo do contrato através da apresentação de propostas que sejam objecto de negociação para além do grau de variação que a recorrente nele permitiu. O conteúdo essencial do contrato é constituindo por cláusulas fixas, de formulário, previamente redigidas pela recorrente, que contemplam genérica e massivamente os seus interesses económicos, sem que a outra parte possa alterá-las.
As Cláusulas contratuais propostas não resultaram de negociações, antecedem eventuais negociações, são elaboradas antes e independentemente de quaisquer (hipotéticas) negociações e abstraindo dos contratos que venham futuramente a celebrar-se. A celebração de cada contrato singular é feita pela utilização de tais formulários.

Tal formulário, pese embora haver sido concebido pela recorrente e disponibilizado aos seus clientes, contendo a grande parte das cláusulas segundo o qual ela está disponível para com eles contratar não é uma proposta contratual por ela formulada e apresentada aos seus clientes, mas uma proposta contratual a que os seus clientes aderem, fazem sua e a apresentam à recorrente para que esta a aceite ou rejeite.
Nas relações jurídicas negociais por força do princípio da liberdade de contratar, pode verificar-se o estabelecimento de uma negociação preliminar, que culmina com a elaboração de uma proposta contratual. Mas a fase de negociações preliminares pode nem existir e iniciar-se a relação jurídica negocial com a proposta contratual ou podem até as partes realizar apenas declarações instantâneas, que logo corporizam o negócio jurídico. Entre a proposta e sua aceitação situa-se o momento em que as vontades se conjugam para criar o contrato dando força obrigatória ao mesmo.
No momento em que a recorrente faculta ao seu cliente o formulário estaremos em presença de um convite a contratar, visto ser uma declaração que indica disposição de iniciar um processo de negociação com vista à futura conclusão de um contrato, sem qualquer compromisso na celebração do mesmo.
Quando o cliente preenche e subscreve a proposta de adesão emite uma declaração unilateral da sua vontade que dirige à recorrente, com quem tenciona contratar. O preenchimento e subscrição desta proposta é um elemento inicial do processo de formação do contrato em que o cliente demonstra o seu interesse em contratar, segundo as cláusulas gerais constantes da proposta e convoca o destinatário da proposta a exprimir (expressa ou tacitamente) uma vontade. Contrariamente ao convite a contratar, a proposta contratual quando se torna eficaz, por ser levada ao conhecimento da contraparte, ser suficientemente precisa, e revelar a vontade de o seu autor se vincular em caso de aceitação, configura-se obrigatória, vinculando o proponente a cumpri-la.
A proposta de adesão apresentada pelo cliente, preenchida e subscrita pelo cliente, é uma proposta contratual completa, precisa, firme e formalmente adequada, constituindo um clausulado acabado, bastando um “sim” do destinatário, aqui recorrente, para que aquela se considere aceite e o contrato concluído. A (proposta contratual) a partir do momento em que é formulada, “independentemente de ser ou não aceite, investe cada uma das pessoas que satisfaça os requisitos nela previstos no direito potestativo de formação do contrato e coloca o proponente na situação de sujeição correspondente, nas palavras de Almeida, Carlos Ferreira de, in Contratos I: Conceito, Fontes, Formação, 4ªEd., Coimbra, Almedina, 2008.
Decorre da matéria provada, que o contrato de prestação de serviços se forma com a aceitação da proposta contratual pela impugnante. Decorre da proposta, mas também do art.º 46º, n.º 5 da Lei das Comunicações Electrónicas - Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro – que a impugnante pode recusar a celebração de um contrato relativamente a um assinante que tenha quantias em dívida respeitantes a contratos anteriores celebrados com a mesma ou outra empresa, salvo se o assinante tiver invocado excepção de não cumprimento do contrato ou tiver reclamado ou impugnado a facturação apresentada.
O contrato concretiza-se com a activação do sinal/serviços contratados. Com a aceitação da proposta contratual a Impugnante passa a actuar no quadro de uma relação contratual, nos termos das condições gerais anexas ao formulário.
Se o contrato se forma com a aceitação, pela impugnante, da proposta de contrato não pode ser devido imposto de selo em momento anterior ao da formação do contrato. A subscrição da proposta de adesão é apenas uma fase preliminar da formação do contrato que poderá, ou não vir a ser celebrado.
Sendo fundamento do acto de liquidação a existência de um contrato que apenas se mostra celebrado em momento posterior àquele tido em conta pela Autoridade Tributária, tomando a proposta contratual como se de um contrato se tratasse, enferma o acto de liquidação de ilegalidade por errada avaliação dos pressupostos de facto da tributação, impondo-se a sua anulação.” (destaques e sublinhados nossos).

Ora, aderindo à fundamentação jurídica supra expendida, a qual se perfilha na íntegra, ter-se-á de concluir que o escrito, como visto, formulário de adesão que a AT pretendia tributar ao abrigo da verba 8 da TGIS não se subsume na aludida verba, porquanto não se reconduz ao conceito jurídico de contrato, padecendo, assim, o ato de liquidação de vício de violação de lei por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, o que comina o ato de liquidação de anulabilidade e consequentemente o ato de liquidação de juros compensatórios, cuja validade e vigência, conforme já referido anteriormente, se encontra inteiramente dependente da manutenção da liquidação de imposto.

Subsiste, então, por apreciar o pedido de indemnização por prestação indevida de garantia e o pedido de restituição do montante indevidamente pago acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

Vejamos, então.

Comecemos pelo pedido de indemnização por prestação indevida de garantia por temporalmente anterior ao pagamento da dívida exequenda donde legitimador, sendo caso disso, dos peticionados juros indemnizatórios.

Para o efeito cumpre fazer uma interpretação articulada de dois normativos legais, especificamente: os artigos 53.° da LGT, e 171.° do CPPT.

Preceituava o artigo 53.º da LGT, com a redação à data aplicável, e sob a epígrafe de “Garantia em caso de prestação indevida” que:

“1- O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2- O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3-A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.”

Por sua vez, dispõe o artigo 171.º do CPPT, com a epígrafe “Indemnização em caso de garantia indevida” que:

“1-A indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda.

2-A indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou, em caso de o seu fundamento ser superveniente, no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.”

Resulta, assim, do teor dos normativos legais citados que no domínio do contencioso tributário se “(…) consagra o direito do contribuinte a ser indemnizado, total ou parcialmente, pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária ou equivalente que tenha oferecido para obter a suspensão da execução fiscal, no caso de esta vir a revelar-se indevida por força do vencimento do procedimento ou processo tributário em que era controvertida a legalidade da dívida exequenda (…)” (2) In Acórdão do STA, proferido no recurso nº 01032/10, de 13 de abril de 2011.

Atentemos, então, no que resulta do acervo probatório dos autos:

Para cobrança coerciva da dívida correspondente às liquidações impugnadas nos presentes autos foi instaurado o processo de execução fiscal nº310720080120897, e que nessa sequência, e por forma a suspender o processo executivo, foi prestada garantia bancária datada de 22 de fevereiro de 2008, a qual, no limite, terá sido mantida até à data em procedeu ao pagamento voluntário da dívida, no caso, 20 de dezembro de 2013.

Ora, atenta a factualidade assente e chamada à colação anteriormente, encontram-se preenchidos os requisitos para a atribuição da indemnização por prestação indevida de garantia, porquanto no caso existe, como visto, erro imputável aos serviços dimanante do vício de violação de lei supra explanado.

De relevar, ainda neste particular, que para efeitos de concreta delimitação do erro imputável aos serviços entende-se que “[n]ão existe erro da administração, nos casos em que a ilegalidade da liquidação resulta de um comportamento activo ou omissivo do contribuinte, designadamente disponibilizando informações incorrectas ou ocultando elementos relevantes para efeitos do apuramento da sua situação tributária (3) José Maria Fernandes Pires (coord.), Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, p. 367.”, o que, como visto, não é, de todo, o caso vertente.

Neste particular, é ainda de sublinhar que não constam dos autos quais os encargos, em concreto, que a Recorrente suportou com a prestação da garantia. Contudo, tal facto não obsta a que este Tribunal reconheça esse direito, relegando-se o apuramento do seu quantum para execução de sentença (4) Vide Acórdão do STA, de Uniformização de Jurisprudência, proferido no processo nº 0438/09, de 04.11.2020..

E por assim ser, procede o pedido de pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia, cujo quantum se relega para execução de sentença.

Subsiste, então, por analisar o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

Os pressupostos do direito a juros indemnizatórios encontram-se plasmados no artigo 43.º LGT, sendo os mesmos distintos consoante o seu enquadramento legal, podendo sintetizar-se os requisitos contemplados no seu nº1, da seguinte forma:

- Existência de um erro num ato de liquidação de um tributo;

- Esse erro seja imputável aos serviços;

- Definido em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial;

- Que determine o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Ora, face ao supra expendido e aplicando-se mutatis mutandis os considerandos direito vertidos anteriormente, mormente, quanto ao âmbito e extensão do erro imputável aos serviços, dimana perentório que se encontram preenchidos todos os pressupostos legais para o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

Assim, tendo presente que a dívida foi paga em 20 de dezembro de 2013, há que reconhecer o direito a juros indemnizatórios desde essa data até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

E por assim ser, face a todo o exposto, e sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais, há que conceder provimento ao recurso interposto pela Recorrente Z…, SA.


***


Face a todo o exposto anteriormente, fica, pois, prejudicado o conhecimento do recurso interposto pelo DRFP que tem, como visto, como pressuposto a legalidade do ato de liquidação impugnado.

***


No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo, outrossim, que as questões em apreciação já foram objeto de apreciação quer pelo STA, que por este Tribunal, acarretando, assim, menor complexidade na solução jurídica das questões decidendas, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

***


IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-Conceder provimento ao recurso da Z…, SA

· Revogar a sentença recorrida, julgar a impugnação procedente e anular os atos de liquidação impugnados;

· Reconhecer o direito a indemnização por prestação de garantia indevida no montante que vier a ser apurado em execução de sentença.

· Reconhecer à Impugnante o direito a juros indemnizatórios desde o dia 20 de dezembro de 2013, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

-Julgar Prejudicado o Recurso da DRFP.

Custas pela Recorrida Fazenda Pública, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.

Registe. Notifique.


Lisboa, 16 de novembro de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Maria Cardoso)

(Tânia Meireles da Cunha)