Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:540/09.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/08/2021
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO.
Sumário:Viola o princípio do contraditório se não for dada à Impugnante a oportunidade de se pronunciar sobre questão suscitada pelo MP impeditiva da apreciação do mérito da causa, que a MMª juiz acolheu, julgando extinta a instância por impossibilidade da lide.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
RECORRENTE: G....... LDA
RECORRIDO: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA
OBJECTO DO RECURSO:

Sentença proferida pela MMª juiz do TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA que recaiu sobre a impugnação judicial apresentada por G....... LDA. contra o despacho de 16.01.2009 do Diretor de Finanças Adjunto, da Direção de Finanças de Lisboa, no segmento em que indefere a reclamação graciosa (RG) deduzida contra a autoliquidação de IRC de 2005.

Por entender que a ação carecia de objecto, julgou extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do art.277.º, alínea e) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do art. 2.º alínea e) do CPPT aos presentes autos.


CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:

1. Como dela resulta, a douta Sentença recorrida baseou-se no facto de "A fls. 249 do SITAF (06-02-2020, 10:28:20), a Administração Tributária (AT) informou que "...a liquidação de IRC de 2005 resultou em imposto a favor do Sujeito Passivo (947,58€), creditado em 29.07.2006".

2. Vai daí, o Tribunal a quo entendeu que a presente Impugnação deixou de ter objecto, com a consequente inutilidade superveniente da lide.

Desde logo,

3. A douta Sentença foi antecedida do douto Parecer do MP de 11.03.2020, segundo o qual "Como consta dos autos, o impugnante veio informar que da liquidação impugnada veio a resultar imposto a favor da impugnante no valor de 947,58€, sendo que notificada a impugnante nada requereu. Assim sendo entende-se que a presente impugnação não pode prosseguir por falta de objeto. Tal falta de objeto, constitui exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa (art. 576°, n° 2, do CPC ex vi al. e), do art. 2°, do CPPT. Nestes termos, emite-se parecer no sentido de a AT ser absolvida da instância."

4. Esse Parecer, onde foi suscitada matéria de excepção que nunca esteve em discussão, pois nunca foi suscitada nos presentes autos,

5. não foi notificado previamente às partes, designadamente à Impugnante, para efeitos do eventual exercício prévio do direito ao contraditório, face à excepção dilatória suscitada naquele Parecer,

6. que foi outrossim notificado conjuntamente com a douta Sentença, sem qualquer possibilidade da Impugnante/Recorrente exercer o seu direito ao contraditório (artigo 3° n° 3 do CPC).

7. Como resulta dos autos, esse Parecer foi absolutamente relevante no sentido decisório da douta Sentença recorrida.

8. Como a Recorrente não foi previamente ouvida sobre o Parecer do Ministério Público, verifica-se, assim, uma nulidade processual, por omissão de formalidade legal - prévia notificação do Parecer do Ministério Público - susceptível de influir na decisão de mérito (cfr. artigo 195° n° 1 do CPC).

9. Com a consequente anulação dos termos subsequentes, designadamente da douta Sentença recorrida, nos termos dos artigos 195° n° 2 do CPC.

10. Sendo as presentes alegações de recurso o lugar próprio para suscitar esta nulidade processual.

11. O Parecer do MP suscitou matéria de excepção, sobre a qual as partes não puderam pronunciar-se previamente.

12. Sendo certo que a Recorrente só teve conhecimento da existência de um Parecer do MP com a notificação da douta Sentença recorrida.

13. Por outro lado, independentemente da posição que o Tribunal antecipadamente tenha sobre a matéria, as considerações que a parte prejudicada pelo Parecer porventura venha a fazer previamente (no exercício do seu direito ao contraditório) podem, em abstracto, influir na decisão final.

14. Com efeito, ao não lhe ter sido previamente notificado o Parecer do MP (para exercido do direito ao contraditório), a Recorrente foi prejudicada na prévia e "ampla" discussão de todos os fundamentos em que a subsequente decisão judicial se poderia basear (face a todas as questões até então suscitadas).

15. Com efeito, o próprio princípio da igualdade das partes e de "armas" demanda a prévia notificação de Parecer do MP no qual se suscite matéria de excepção.

16. Tendo o douto Parecer do MP agravado a posição processual da Recorrente, impunha-se que o mesmo tivesse sido previamente notificado à Recorrente, conforme resulta do douto Acórdãos deste Venerando TCAN, Secção de CT, de 25.02.2016, Proc. 00343/14.6BEPRT-A, in www.dgsi.pt.

17. Assim, verifica-se uma nulidade processual, com a consequente anulação dos termos subsequentes, designadamente da douta Sentença aqui recorrida.

Acresce que,

18. Como se começou por referir, a douta Sentença recorrida entendeu que a presente Impugnação deixou de ter objecto, com a consequente inutilidade superveniente da lide, dado que a Administração Tributária (AT) informou que "...a liquidação de IRC de 2005 resultou em imposto a favor do Sujeito Passivo (947,58€), creditado em 29.07.2006’”'.

19. Salvo o devido respeito, a douta Sentença padece de erro de julgamento.

Com efeito,

20. Como resulta dos sinais dos autos, aquela informação da AT reporta-se à liquidação decorrente da autoliquidação/declaração de rendimentos modelo 22 oportunamente apresentada pela Recorrente em Maio de 2006, relativamente ao exercício de 2005 - da qual resultou o sobredito reembolso de 947,58, creditado em Julho de 2006.

21. Ora, daí não resulta, obviamente, que a presente Instância deixou de ter objecto, com a consequente inutilidade superveniente da presente lide.

22. Desde logo, a presente lide foi instaurada em 2009, como resulta dos sinais dos autos, pelo que qualquer crédito/reembolso de imposto ocorrido anteriormente, em 2006, jamais poderia conduzir à inutilidade superveniente da lide (ou seja, depois de apresentada a presente Impugnação), por pretensa perda superveniente de objecto.

23. Como é lógico e óbvio.

24. De facto, a presente Impugnação vem interposta do despacho de indeferimento parcial da Reclamação Graciosa apresentada CONTRA a sobredita autoliquidação de IRC de 2005 - no segmento em que aquele despacho indeferiu a Reclamação.

25. A ora Recorrente procedeu, nos termos e para os efeitos do n.° 1 do artigo 112° do Código do IRC, à entrega da Declaração de Rendimentos (Modelo 22) de IRC e respectivos anexos, respeitantes ao exercício de 2005, em 31 de Maio de 2006 (cfr. documento 1 junto à reclamação graciosa, cujo teor, por brevidade de exposição, se dá aqui por inteiramente reproduzido).

26. Nessa declaração autoliquidou um lucro tributável de Euro 1.469.181,05.

27. No âmbito de uma revisão interna aos procedimentos adoptados, a ora Recorrente apercebeu-se que o apuramento do Lucro Tributável do exercício de 2005 foi efectuado sem tomar em consideração vários aspectos relevantes para esse apuramento - tendo cometido alguns erros declarativos no preenchimento da declaração de rendimentos inicialmente apresentada com respeito ao exercício de 2005.

28. Por isso, a Recorrente, em 28 de Novembro de 2007, apresentou uma declaração de rendimentos (Modelo 22) de substituição, na qual declarou/autoliquidou um lucro tributável inferior, de Euro 612.158,16. (cfr. documento 2 junto à reclamação, cujo teor, por brevidade de exposição, se dá aqui por inteiramente reproduzido).

29. Como é por demais evidente, essa declaração de rendimentos de substituição foi apresentada DEPOIS do reembolso do referido crédito de € 947,58, ocorrido em Julho de 2006.

30. Em simultâneo com a apresentação dessa declaração de substituição, e em consonância com a mesma, a Recorrente, na mesma data, 28.11.2007, apresentou reclamação graciosa contra a autoliquidação inicial efectuada com respeito ao exercício de 2005 - conforme se extrai dos sinais dos autos.

31. Tendo essa reclamação sido parcialmente indeferida por meio do despacho impugnado por meio da presente Impugnação Judicial.

32. Foi produzida prova testemunhal sobre a matéria de facto a que se reportam os artigos 3, 4, 13 a 21 e 23 a 35 da PI, conforme resulta dos sinais dos autos.

33. Com efeito, para além de prova documental, foi produzida prova testemunhal - depoimentos de M....... e C........

34. Dessa prova resultou que, com a ajuda de consultores fiscais, a Recorrente apresentou declarações de substituição relativamente aos exercícios de 2005 e 2006, visando rectificar aqueles erros declarativos, ali tendo efectuados correcções ora a favor da AT, ora a favor do contribuinte.

35. Algumas dessas correcções já foram aceites pela AT, em resposta à reclamação graciosa, conforme resulta dos sinais dos autos.

36. Subsistindo ainda as seguintes correcções:

Quanto aos "ajustamentos de valores de activos não dedutíveis ou para além dos valores legais e reversões de ajustamentos de valores de activos tributados"

37. Estão em causa provisões.

38. Conforme prova documental e testemunhal produzida (depoimentos de M....... e C.......), por lapso no preenchimento da declaração de rendimentos modelo 22 inicial relativa a 2005, a Recorrente considerou todos os créditos de cobrança duvidosa como estando em mora,

39. não tendo em conta que alguns dos créditos estavam em contencioso e, por isso, eram provisionáveis para efeitos fiscais a 100%, e não apenas em parte, como sucede com os créditos em mora.

40. O mesmo lapso foi cometido na declaração de rendimentos inicial respeitante ao exercício de 2004.

41. Por isso, nas declarações de rendimentos de substituição dos exercícios de 2004 e 2005, a Recorrente alterou os valores dos campos 270 e 272 do quadro 07 da declaração de rendimentos, em consequência da passagem de "créditos em mora" para "créditos em contencioso",

42. pois alguns dos créditos estavam indevidamente considerados como créditos em mora, quando deveriam ter sido considerados como créditos em contencioso - o que tem óbvios reflexos nas provisões legalmente admissíveis para efeitos fiscais.

43. Em consonância, a Recorrente alterou os mapas de provisões, já que os créditos em mora eram provisionáveis para efeitos fiscais com limitações quantitativas, enquanto os créditos em contencioso eram provisionáveis na íntegra - cfr. doc. 3 junto à reclamação graciosa e mapa de provisões junto na diligência de inquirição de testemunhas.

44. Com efeito, a Recorrente estava a considerar erradamente todos os créditos de cobrança duvidosa como estando em mora, fazendo o respectivo acréscimo no campo 270, não tendo em conta que alguns desses créditos estavam em contencioso e eram, por isso, provisionáveis a 100%.

45. Contrariamente ao que se afirma no despacho de indeferimento parcial da reclamação, o campo 270 deve passar de Euro 175.547,66 para Euro 171.337,75, e o campo 272 de Euro 35.229,00 para Euro 165.481,68 - conforme decorre do doc. 3 junto à reclamação; decorre do mapa de provisões junto na diligência de inquirição de testemunhas; e como advém dos depoimentos das mesmas.

46. Sendo certo que as alterações efectuadas nas provisões fiscais do exercício de 2005 têm em conta e são o reflexo das alterações efectuadas nas provisões fiscais do exercício de 2004 - conforme prova testemunhal produzida.

47. A análise feita pela AT no âmbito da reclamação graciosa que antecedeu esta Impugnação não teve em conta as alterações afectuadas pela Recorrente às provisões do exercício de 2004 - as quais tiveram reflexo nos valores correctos a considerar quanto ao exercício aqui em questão, 2005,

48. razão pela qual estão incorrectos os valores referidos no despacho de indeferimento parcial da reclamação.

49. Com efeito, conforme prova testemunhal produzida, a alteração efectuada no campo 272 da declaração de rendimentos de substituição é uma consequência da alteração do campo 270 da mesma declaração.

50. Deste modo, devem ser aceites os valores autoliquidados pela Recorrente nos campos 270 e 272 da declaração de rendimentos de substituição, a acrescer e a deduzir ao lucro tributável do exercício, respectivamente.

Quanto às mais e menos-valias fiscais,

51. Conforme prova documental e testemunhal produzida (depoimento de M.......), também aqui houve lapso no preenchimento da declaração modelo 22 inicial de 2005, pois a Recorrente não teve em conta o reinvestimento efectuado e o correspondente regime legal da não tributação de 50% do saldo positivo das mais e menos-valias fiscais realizadas no mesmo exercício.

52. Sendo certo que a Recorrente declarou, no verso do mapa de mais e menos-valias, o reinvestimento do saldo entre as mais e menos-valias realizadas, Euro 3.431.527,45, nos termos do artigo 45° do CIRC - conforme cópia daquele mapa junto na diligência de inquirição de testemunhas.

53. E também certo que a omissão dessa declaração na declaração anual de informação contabilística e fiscal adveio do facto da mesma ter sido apresentada antes da declaração de substituição em questão - e essa falta constituiria sempre mera falha declarativa, passível apenas de coima, não podendo fundamentar a não aplicação do dito regime legal do reinvestimento.

54. Com efeito, a Recorrente, aquando da apresentação da declaração de rendimentos inicial, não teve em consideração o disposto no artigo 45° do CIRC, redacção de 2005.

55. Daí que tenha procedido, na declaração de rendimentos de substituição, a uma diminuição de Euro 210.257,89 no campo 216 do respectivo Quadro 07, conforme doc. 4 junto à reclamação.

56. A alteração em questão adveio, como se disse, do facto da primeira declaração de rendimentos, erroneamente, não ter tido em consideração o regime legal do reinvestimento.

57. De modo que se confirma a correcção do campo 216 para Euro 866.928,77 e do campo 274 para Euro 210.257,89, dado que a Recorrente beneficiava da tributação em apenas 50% (e não pela totalidade) do saldo positivo entre as mais e as menos-valias realizadas em 2005, nos termos do referido artigo 45° do CIRC.

58. É certo que, conforme depoimento da testemunha M......., por lapso, mas em casos pontuais, foram considerados veículos vendidos em 2005 que haviam sido detidos por menos de 1 ano, por uma ligeira diferença de dias.

59. O mapa de mais e menos-valias não obrigava à especificação do dia da aquisição, mas apenas do mês de aquisição - e, considerando o mês da aquisição, todos os veículos considerados foram detidos por pelo menos um ano, conforme depoimento da dita testemunha.

60. E sendo certo que o dito saldo entre as mais e menos-valias relativa aos activos (veículos) detidos por menos de um ano totalizam o valor de apenas Euro 54.223,08, correspondendo 50% desse valor - o valor do benefício - a apenas Euro 27.111,54.

61. Valor, aquele, de Euro 54.223,08, que se discrimina conforme junto às alegações escritas pré-sentenciais.

62. De modo que, na pior das hipóteses, do total pretendido pelo contribuinte, este apenas não poderia beneficiar do dito regime da não tributação (decorrente do reinvestimento das mais e menos-valias) apenas no que concerne ao referido valor de Euro 27.111,54.

63. No remanescente, o contribuinte tinha direito a essa não tributação, conforme declarado na declaração de rendimentos de substituição apresentada com referência ao exercício de 2005.

Quanto às importâncias devidas pelo aluguer de viaturas sem condutor,

64. Conforme prova documental e testemunhal (depoimento de M.......), também estava errado o campo 220 do Quadro 7 da declaração de rendimentos inicial, atento o disposto no artigo 42° h) do CIRC.

65. Na declaração de rendimentos modelo 22 inicial, a Recorrente incluiu erroneamente naquele campo 220 valores que não tinham a ver com "aluguer sem condutor de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas" (ALD).

66. De facto, conforme prova testemunhal, incluiu ali valores que respeitavam outrossim a AOV (aluguer operacional de viaturas)/renting/aluguer de curta duração de centenas de viaturas (ligeiras de passageiros e de mercadorias), alugadas pela Recorrente junto da sociedade P........

67. Sendo certo que todas essas viaturas, conforme depoimento testemunhal, foram afectas à actividade operacional corrente de rent a car (aluguer de curta duração) da Recorrente.

68. Ou seja, destinaram-se a ser "alugados no exercício da actividade normal da empresa sua proprietária", nos termos do artigo 33° n° 1 e) do CIRC - pelo que são excluídas do disposto no artigo 42° h) do CIRC.

69. Em virtude disso, a Recorrente declarou, na referida declaração de rendimentos de substituição, um decréscimo de Euro 10.112,40 no campo 220 do quadro 07.

70. Conforme se referiu, esta correcção (redução) é devida pelo facto de se tratar de alugueres operacionais de viaturas contratados pela Recorrente junto da referida sociedade P......., tendo essas viaturas sido afectas pela Recorrente ao exercício da sua actividade operacional normal corrente - o aluguer de curto prazo de viaturas.

71. Não havendo, por isso, lugar ao acréscimo decorrente do disposto nos artigos 42° h) e 33° alíneas c) e e) do CIRC (redacção de 2005) - que erradamente havia sido feito na declaração de rendimentos inicialmente apresentada.

Finalmente:

72. Neste processo de Impugnação Judicial são reclamadas correcções à autoliquidação do exercício de 2005 similares às correcções igualmente reclamadas pela Impugnante com respeito à autoliquidação do exercício de 2004.

73. Mais do que isso, e como acima se referiu, a correcção das provisões do exercício de 2005 está correlacionada com a correcção das provisões relativa ao exercício de 2004.

74. Deste modo, parece-nos que estes autos deveriam ser apensados ao processo de Impugnação Judicial apresentado pela Impugnante quanto à autoliquidação de IRC de 2004 (cfr. artigo 267° do CPC) - o qual está pendente na UO 1 deste Tribunal Tributário de Lisboa sob o processo n° 421/09.3BELRS.

Assim,

75. Como se alegou na PI e depois, em sede de alegações escritas pré-sentenciais, o Despacho de indeferimento parcial da reclamação graciosa violou as sobreditas disposições legais e padece de errónea quantificação da matéria tributável do exercício de 2005.

76. Não tendo a AT aceite as correcções acima referidas, reclamadas em sede de reclamação graciosa e na esfera da presente Impugnação Judicial - ambas apresentadas contra a autoliquidacão/declaracão inicial de IRC relativa ao exercício de 2005.

77. Pelo que é inquestionável que a presente Impugnação não perdeu o seu objecto, muito menos pode ser declarada a extinção da Instância com fundamento em inutilidade superveniente da presente lide.

78. O objecto da presente Impugnação mantém-se e mantém-se a utilidade da mesma - pois a AT não aceitou as correcções à autoliquidação reclamadas/impugnadas pelo contribuinte.

79. Pelo que a douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento e violação dos artigos 277° e) do CPC, ex vi do artigo 2° e) do CPPT.

Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., concedendo provimento ao presente recurso, revogando a douta Sentença recorrida e julgando a presente Impugnação procedente, com a consequente anulação do despacho de indeferimento parcial da reclamação graciosa, na parte em que o mesmo indeferiu a reclamação, e aceitando às correcções à autoliquidação reclamadas, V. Exas., como sempre, farão inteira JUSTIÇA.

NÃO HÁ CONTRA ALEGAÇÕES APRESENTADAS.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer

concluindo pela improcedência do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se o despacho que julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide é ilegal, desde logo por violação do princípio do contraditório.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

É a seguinte a fundamentação, de facto e de direito, do despacho recorrido:

G......., LDA., sociedade por quotas, Pessoa Coletiva n.°501 738 681, com os demais sinais dos autos que aqui dou por reproduzidos, doravante abreviadamente designada Impugnante, vem ao abrigo do art.131.°, n.°2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentar impugnação judicial contra o despacho de 16.01.2009 do Exmo. Diretor de Finanças Adjunto, da Direção de Finanças de Lisboa, no segmento em que aquele despacho indefere a reclamação graciosa (RG) deduzida contra a autoliquidação de IRC de 2005, com os fundamentos da douta petição inicial, que, por uma questão de desnecessidade de repetição e de economia processual aqui se dão por reproduzidos, para todos os efeitos legais.

A fls.249 do SITAF (06-02-2020,10:28:20), a Administração Tributária (AT) informou que “...a liquidação de IRC de 2005 resultou em imposto a favor do Sujeito Passivo (947,58€), creditado em 29.07.2006”.

As partes foram notificadas desta informação.

O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da inutilidade do prosseguimento dos autos por falta de objeto.

Cumpre apreciar:

A presente impugnação judicial visa sindicar a legalidade do indeferimento da reclamação graciosa que tinha por objeto a liquidação de IRC referente ao exercício de 2005.

Como consta dos autos, a AF veio informar que da liquidação impugnada veio a resultar imposto a favor da Impugnante no valor de 947,58€.

Notificada a Impugnante nada requereu.

Assim sendo entende-se que a presente impugnação não pode prosseguir por falta de objeto.

Tal falta de objeto, constitui exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa (art. 576.°, n.° 2, do CPC ex vi al. e), do art. 2.°, do CPPT.

Assim sendo, a presente impugnação judicial, fica sem objeto, consubstanciando-se desta forma uma causa de extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide.

Decisão

Atento o exposto e sem necessidade de maior fundamentação, e por carência de objeto, julga-se extinta a presente instância, por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do art.277.°, alínea e) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do art. 2.° alínea e) do CPPT aos presentes autos.

Custas pela Impugnante, por ter dado causa à inutilidade (cf. art. 536.°, n.° 3, 2a parte, do CPC).

Valor da causa: O da Impugnação - cf. art. 306.°, n.°s 1 e 2, do CPC, ex vi art. 2.°, alínea e), do CPPT, e art. 97.°-A, n.° 1, al. a), do CPPT.

Registe e notifique.

Notifique o douto parecer do Digno Magistrado do Ministério Público às partes. D.N.


*
IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

A impugnante deduziu impugnação judicial contra o indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a auto liquidação de IRC de 2005, alegando que na sequência de uma revisão interna aos procedimento adotados se apercebeu que o exercício de 2005 foi efetuado com vários erros que identifica na douta petição inicial.

O Exmo. Magistrado do Ministério Público promoveu a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide uma vez que, de acordo com a informação prestada, da liquidação impugnada resultou “...imposto a favor da impugnante no valor de 947,58€, sendo que notificada a impugnante nada requereu.”

A MMª juiz julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide com os fundamentos que supra se transcreveram.

A Recorrente não se conforma nos termos que constam das doutas conclusões, cumprindo assim apreciar.

O objecto da presente impugnação é o acto de indeferimento da reclamação graciosa contra a auto liquidação de IRC referente ao exercício de 2005.
Procedeu-se a inquirição de testemunhas, houve junção de documentos e alegações pré sentenciais (da Impugnante).

Notificada para informar o tribunal do “...estado da liquidação objeto dos presentes autos, nomeadamente se a mesma se encontra prescrita ou anulada por qualquer motivo”, a AT informou que “...a liquidação de ITRC 2005 resultou em imposto a favor do Sujeito Passivo (947,58€), creditado em 29.07.2006”.
Com base nesta informação o Exmo. Magistrado do Ministério Público promoveu a absolvição da instância da AT por a impugnação não poder prosseguir por falta de objeto.

Sem audição das partes, a MMª juiz proferiu o despacho recorrido. Ou seja, a Impugnante nunca teve oportunidade de se pronunciar sobre a utilidade ou inutilidade/impossibilidade de continuação desta lide face à informação prestada pela AT.

Mas a extinção da instância por impossilidade/inutilidade da lide só pode ocorrer se, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de ter todo o interesse e utilidade, conduzindo, por isso, à extinção da instância [art.º 287º, al. e), do CPC] (Cfr. José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 555).

A falta de notificação do aludido parecer à Impugnante comprometeu a possibilidade de esta se pronunciar sobre a questão da impossibilidade da lide suscitada pelo EMMP, e reiterada pelo Exmo. PGA neste TCA, o que não pode deixar de representar uma nulidade processual face ao disposto nos artigos 3.º/3 e 195º  do CPC.

Com efeito, o art. 195º/1 CPC, estabelece que “...a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.

E o art. 3.º/3 estabelece que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

É o chamado princípio do contraditório, que, sobretudo após a reforma operada pelo Dec.Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, e pelo Dec.Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, se transformou numa das pedras basilares em que assenta todo o nosso Código de Processo Civil.

Dele decorre o dever de facultar sempre às partes a oportunidade de, antes de a decisão ser proferida, se pronunciarem sobre qualquer questão que as possa afectar e que ainda não tenham tido possibilidade de contraditar, mesmo tratando-se de questões meramente de direito e que sejam de conhecimento oficioso.

Só assim não será em casos de manifesta desnecessidade, por se tratar de questão simples e incontroversa.

Aliás, o Tribunal Constitucional tem vindo a considerar a consagração do princípio do contraditório como integrado no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (Cfr., nomeadamente, o Acórdão nº 177/00, proferido em 22/03/00 e o Acórdão nº 358/98, proferido em 12/05/97, consultáveis no endereço electrónico http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos) e, como já deixou sublinhado, «o processo de um Estado de Direito (processo civil incluído) tem, assim, de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra, antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º nº1, da Constituição.».

Por conseguinte, o escopo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de influir activamente, no desenvolvimento e no êxito do processo (Cfr. LEBRE DE FREITAS, in “Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à luz do Código Revisto", 1996, pág. 96.). Daí que, mesmo relativamente às questões de direito, a norma proíba as decisões-surpresa, ou seja, decisões baseadas em fundamento que não tenha sido considerado previamente pelas partes, enquanto violadoras do princípio do contraditório.

Neste contexto, nenhuma decisão judicial deve ser tomada sem que previamente tenha sido dada efetiva possibilidade à parte contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar, de a valorar, consubstanciando a inobservância desse contraditório uma nulidade processual se for suscetível de influir no exame ou decisão da causa.

E é essa, também, a razão essencial que tem levado a jurisprudência do STA a afirmar, de forma constante e reiterada, (Cfr., entre tantos outros, os acórdãos da Secção de CT do STA proferidos em 4/12/2002, no Proc. n.º 1314/02, em 29/06/2005, no Proc. n.º 432/05 e em 25/06/2009, no Proc. n.º 485/08.) que no processo judicial tributário a falta de notificação do parecer do MP constitui uma nulidade processual caso nele sejam suscitadas questões novas suscetíveis de influenciar a decisão da causa.

No caso vertente, é inequívoco que foi violado o princípio do contraditório, uma vez que não foi dada à Impugnante a oportunidade de se pronunciar sobre a nova questão suscitada pelo MP, impeditiva da apreciação do mérito da causa, que a decisão acolheu e sufragou, julgando extinta a instância por impossibilidade da lide.[1]

O facto de a Impugnante ter sido notificada da informação prestada pela AT que dava conta de na liquidação impugnada ter resultado imposto a seu favor, já creditado, não implica, por si só, a extinção da instância.

Se o Tribunal perspetivava a extinção da instância com fundamento na informação prestada pela AT, deveria ter notificado a Impugnante advertindo-a dessa possibilidade.
Não o fazendo, resulta claro a violação do princípio do contraditório. 

Tão pouco se pode afirmar, com segurança, que a irregularidade cometida não tem potencialidade para influenciar a decisão, pois, abstratamente pelo menos, as considerações que a Impugnante possa tecer poderão, efetivamente, influenciá-la.

Em conclusão, a irregularidade cometida constitui uma nulidade processual à luz do art.º 195º/1 CPC, do CPC, o que implica a anulação de todo o processado a partir do parecer emitido pelo Ministério Público em 1ª instância, ficando prejudicada a apreciação  das restantes questões suscitadas no recurso.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAS em conceder provimento ao recurso e anular a decisão recorrida e todo o processado posterior.

Sem custas.

Lisboa, 8 de julho de 2021.

[Nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, o relator consigna e atesta que têm voto de conformidade as Exmas. Senhoras Desembargadoras Patrícia Manuel Pires e Susana Barreto que integram a presente formação de julgamento.]

(Mário Rebelo)

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[1] Seguimos de perto o Ac. do STA n.º 034/12 de 27-06-2012 Relator: DULCE NETO