Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1808/05.6 BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:10/19/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:PRESUNÇÃO DA VERDADE DECLARATIVA
CONTROLO DAS EXISTÊNCIAS
DIVERGÊNCIAS/INCONGRUÊNCIAS
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I-Gozando o contribuinte da presunção de verdade da sua declaração, compete à AT o ónus da prova dos pressupostos legais da sua atuação.
II-O controlo efetivo das existências tem uma importância central na determinação da exata medida da matéria tributável das empresas, controlo esse que tem de ser documentado e registado nos respetivos inventários, sendo que existindo divergências e incongruências as mesmas têm de ser, devidamente, justificadas e apartadas.
III-A AT cumpre o ónus probatório que sobre si impende, fazendo cessar a presunção da verdade declarativa, se constata irregularidades contabilísticas, demonstrando que as mercadorias descritas nos inventários de “material e preparação de consumo” se repetem nos “inventários de peças”, e que inexistem justificações para essas divergências e duplicações.
IV-Não compete à AT fazer um controlo adicional, mediante, designadamente, confronto com as faturas emitidas aos clientes, na medida em que o ónus da prova de que tais realidades se encontram conforme com o nelas inventariado compete à Recorrente.
V-Vigorando o princípio da verdade declarativa, e abalando-o a AT, de forma consistente, demonstrando os factos génese que legitimam a tributação, cumprindo, por isso, o ónus probatório a que se encontrava adstrita, e não tendo, por seu turno, a Recorrida demonstrado a conformidade das existências declaradas, e bem assim que inexistia qualquer duplicação, tal comina o ato tributário de anulabilidade por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito.
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

T. –T.M. (doravante Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) respeitante ao exercício de 1999, no montante de €63.445,40.

A Recorrente veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“1. No relatório final da acção inspectiva, a Senhora Inspectora consignou que a contabilidade da recorrente estava devidamente organizada e arrumada em obediência às leis comercial e fiscal;

2. não obstante isso, a Senhora Inspectora fez uma correcção técnica, que deu causa a uma liquidação adicional de IRC relativo ao exercício de 1999;

3. para justificar essa liquidação adicional, a Senhora Inspectora sustentou que teria de desconsiderar o valor das existências declaradas sob a rubrica material de preparação e consumo;

4. e isso porque, em termos genéricos, os artigos se repetem no inventário de peças e nos inventários de preparação e consumo;

5. o Exm°. Senhor Dr. Juiz do Tribunal o quo aderiu a essa mesma fundamentação e julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela recorrente;

6. o Exm°. Senhor Dr. Juiz do Tribunal a quo considerou provados os factos discriminados nas alíneas J), K), M), N) e O) da sentença recorrida unicamente com base nos depoimentos das testemunhas arroladas pela recorrente;

7. no entanto, não considerou provada a matéria constante dos art°s. 28, 30, 31, 32, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 45 e 46 da impugnação judicial deduzida pela recorrente com o fundamento de que tal matéria teria de ser documentalmente demonstrada, sendo insuficiente a prova testemunhal;

8. os factos indicados nas duas conclusões precedentes são de idêntica natureza;

9. por conseguinte, se considerou uns provados meramente com base na prova testemunhal, o que se aceita, também, por maioria de razão, teria de considerar provados os outros;

10. e essa conclusão é tanto mais acertada porque o Exm°. Senhor Dr. Juiz do Tribunal a quo considerou que as testemunhas arroladas pela recorrente demonstraram ter conhecimento directo da factualidade em discussão nestes autos;

11. posto isso, a mais dos factos que na sentença recorrida estão dados como provados, devem também ser considerados provados os factos indicados na conclusão 7;

12. e, em consequência, deve este recurso ser julgado provado e procedente e, por conseguinte, ser revogada a sentença recorrida e declarada nula e de nenhum efeito a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 1999 que a recorrente impugnou;

13. e esse desiderato mais se justifica, dado que ao momento da realização da acção inspectiva não existia norma que impusesse outra forma de organizar o sistema de inventário de preparação e consumo;

14. mais, o relatório da Senhora Inspectora encerra uma contradição insanável;

15. de facto, os inventários de preparação e consumo de 1998 foram executados segundo a exacta metodologia que foi empregue para realizar os de 1999;

16. no entanto, a Senhor Inspectora não preconizou qualquer correcção aos ditos inventários de 1998 por os ter achado conformes;

17. assim sendo, também deveria ter considerado os inventários dessa natureza referentes a 1999 conformes porque, reitera-se, a metodologia utilizada para a elaboração desses for exactamente a mesma de que se havia feito uso para executar os da mesma natureza e referentes a 1998.

18. acresce ainda que a Senhora Inspectora declarou, no seu relatório final, que a recorrente dispunha de registos manuscritos de todas as máquinas compradas e registo informático de todas as peças;

19. por outro lado, nas facturas emitidas aos clientes da recorrente surgiam discriminados todos os artigos usados numa assistência ou em qualquer intervenção realizada pelos funcionários da recorrente;

20. daí que pela confrontação entre os documentos manuscritos e os registos informáticos de peças e as facturas seria sempre possível apurar as reais existências da recorrente;

21. assim como seria possível determinar se os inventários de preparação e consumo eram, parcial ou totalmente, duplicação do inventário de peças;

22. por outro lado, não se pode concluir que existe repetição de artigos entre os inventários de preparação e consumo e o inventário de peças por simplesmente de ambos constarem designações idênticas, tais como rolamentos e óleos;

23. em ambos os inventários existiam esse tipo de artigos, pelo que em ambos teriam de constar essas designações, sem que isso significasse que havia repetição de artigos;

24. por isso, competia à Senhora Inspectora fazer essas confrontações, a fim de apurar se havia duplicação de material registado no inventário de peças e nos inventários de preparação e consumo;

25. e ao assim não ter actuado, nunca poderia ela ter concluído que havia repetição de artigos entre os referidos inventários;

26. mais, aceitando-se o argumento de que não havia quantidades, e valores unitários nos inventários de preparação e consumo, é ele também impeditivo de permitir à Administração Frscal fundamentar qualquer quantitativo de liquidação adicionai;

27. nessa perspectiva, a Administração Fiscal agiu sem fundamento e ilegalmente ao corrigir a matéria colectável do exercício de 1999, para feitos de IRC;

28. e, em consequência, devem este recurso, também por esta via, ser julgado provado e procedente e, por conseguinte, ser revogada a sentença recorrida e declarada nula e de nenhum efeito a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 1999 que a recorrente impugnou;

29. mostram-se violadas, entre outras, as disposições dos art°s. 15, 17 e 25 do CIRC.”


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A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

A) Em cumprimento da Ordem de Serviço n° 13159, com despacho de 10-8- 2001, os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) da Direcção de Finanças de Lisboa realizaram uma acção de inspecção externa dirigida à impugnante, de âmbito geral e com incidência no IRC e IVA do exercício de 1999, tendo a final sido elaborado o competente Relatório de Inspecção Tributária (RIT) (cfr. relatório de inspecção tributária, a fls. 26 a 50 do PAT apenso aos autos);

B) Em 27-11-2002, a ora impugnante exerceu por escrito o seu direito de audição prévia sobre o projecto de conclusões do referido relatório de inspecção (cfr. requerimento, a fls. 214 a 217 do PAT apensos aos autos);

C) Na sequência da mencionada acção de inspecção externa, os SIT efectuaram, entre o mais, uma correcção técnica à matéria tributável de IRC do exercício de 1999, no montante de €86.509,14 (17.343.525$oo), relativa a desconsideração do custo das matérias vendidas - material de preparação e consumo, nos termos dos artigos 17.ºe 23.º do Código do IRC (cfr. relatório de inspecção tributária, a fls. 26 a 50 do PAT apenso aos autos);

D) Como resulta do teor do relatório de inspecção, a correcção técnica referida na alínea antecedente, ora impugnada, foi efectuada com os fundamentos que a seguir se indicam:

“(...) III CARACTERIZAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO

C —Organização Contabilística (...)

No exercício em análise a empresa não possui inventário permanente.

O custo das mercadorias vendidas é calculado apenas no final do ano, através da fórmula:

Existências Iniciais + compras - Existências Finais = CEVC.

No entanto existem registos manuscritos de todas as máquinas compradas e registo informático de todas as peças.

Existe uma ficha por cada máquina entrada em armazém à qual se atribui o numero “T.”, esta ficha tem indicação do n° de série da máquina, custo (factura do fornecedor + transporte) e também indicação da venda (n° da factura de venda e valor).

Todas as peças compradas são registadas em fichas de armazém, onde é apurado o custo. (...)

IV ANÁLISE CONTABILISTICO - FISCAL (...)

D — Análise à conta 32 Existência de Mercadorias

Nesta análise procedeu-se à verificação dos inventários físicos, através do confronto dos mesmos com a contabilidade e declaração Mod. 22.

Verificou-se também se as últimas compras do ano tinham sido facturadas até 31 de Dezembro ou no caso de não terem sido facturadas se constavam do inventário físico em 31/12/99.

i.Divergências apuradas entre os Inventários Físicos e a contabilidade

No decurso da acção inspectiva e de controle aos valores declarados na Decl. Mod.22 do IRC, constatou-se que entre os valores declarados de Existências Iniciais Esc: 550.740.021$ e os valores inscritos nos documentos de Inventário Esc: 339-411.575$, existia uma diferença de Esc: 211.328.446$. O mesmo acontece em relação às Existências Finais em que o valor declarado na Mod.22 do IRC foi de Esc: 529.099.321$ e o valor de Inventário Físico é de Esc: 335.114.440$, sendo o diferencial de Esc: 193.984.921$.

O sujeito passivo foi notificado (Anexo n° 6) para justificar o motivo das diferenças existentes entre os valores declarados na contabilidade /Decl.Mod.22 e os Inventários Físicos.

Na resposta à notificação (consultar Anexo n° 7) foram declarados de Existências Iniciais e Finais os valores seguintes respeitantes a Máquinas, Peças, Material de Preparação e Consumo e Outros:

O valor das Existências Iniciais e Finais de Peças, declarados na resposta à notificação (Anexo n° 7), correspondem na totalidade aos valores dos Inventários Físicos apresentados na empresa:

Existência Inicial Esc: 108.108.010$

Existência Final Esc: 124.616.440$

1.3 Material de Preparação e Consumo

Na resposta à notificação foram declarados os seguintes valores de existências de material de preparação e consumo (Anexo n° 7):

Existência Inicial de Material Prep. e Consumo Esc: 26.328.446$

Existência Final de Material Prep. e Consumo Esc: 8.984.921$

Os inventários apresentados somam os seguintes valores:

Existência Inicial de Mat. de Prep. e Consumo Esc: 25.488.622$ (Anexo 18)

Existência Final de Mat. de Prep. e Consumo Esc: 8.984.921$ (Anexo n° 19)

Diferença verificada entre o inventário inicial apresentado e a contabilidade Esc: 26.328.446$ - 25.488.622$ = 839.824$

Na análise efectuada a estes inventários verificou-se que os mesmos não foram devidamente elaborados, dado que os artigos não se encontram referenciados e parte dos mesmos inventários não têm indicação das quantidades existentes em armazém bem como os valores unitários.

Por outro lado na confrontação dos inventários de material de preparação e consumo com os inventários de peças verifica-se que as mercadorias se repetem em ambos os inventários: material eléctrico, material hidráulico, rolamentos, óleos, pneus, filtros, etc..

Tendo em atenção o referido anteriormente não é de aceitar os valores declarados de preparação e consumo pelo que a determinação do CEVC vai ser efectuado no ponto 1.5 sem estes valores.

Valor a corrigir 17-343-525$ = (26.328.446$ - 8.984.921$ = 17-343-525$)

(...)

IX DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO

O sujeito passivo foi notificado conforme art° 60.º da LGT e art° 60 do RCPIT, por via postal com aviso de recepção, para no prazo de dez dias exercer o seu direito de audição sobre o Projecto de Conclusões do presente relatório.

O direito de audição foi exercido por escrito (anexo n° 20) tendo este dado entrada nos nossos serviços com data de 11/12/02.

Na análise ao teor da resposta em direito de audição verifica-se que o contribuinte não aceita as correcções seguintes:

1. Material de Preparação e Consumo

Os Inventários Estatístico Comercial elaborados em 31/12/98 e 31/12/99 (Inventários de Peças), incluem todos os armazéns da empresa:

S. João da Talha

Leça da Palmeira

Caxarias

Porto da Raiva

6 Leiria

8 Silves

Nota: consultar os resumos dos Inventários de Peças nos anexos 10 e 11. Conforme se pode constar nestes resumos, o canto superior esquerdo indica os armazéns a analisar.

O Inventário de Peças efectuado em 31/12/98 com 193 páginas das quais as páginas 192 e 193 são resumos (anexo lo), encontra-se devidamente elaborado. Ao longo das 191 páginas estão listados por códigos, designação, quantidade, valor unitário e valor total, todos os artigos existentes, discriminados por armazém.

O mesmo acontece em relação ao Inventário de Peças elaborado 31/12/99, com 206 páginas (e não, mais de 500 folhas como é referido na resposta em audição prévia). Das quais as páginas 205 e 206 são resumos. Ver anexo 11.

As 204 páginas deste inventário compreendem todos os bens existentes nos vários armazéns da empresa devidamente identificados por códigos e discriminados por armazém.

Os artigos mencionados nos inventários de material de preparação e consumo, em 31/12/98 e 31/12/99, nos valores respectivos de Esc: 25.488.622$ e 8.984.921$ não se encontram codificados no entanto as designações dos bens são exactamente as mesmas que constam dos inventários de peças, não se percebendo porque não se encontram codificados.

Conforme já foi referido, os inventários de peças compreendem todos os armazéns da empresa inclusive, o material existente nas viaturas T.,, conforme se pode constatar nos resumos desses inventários em Anexo n° 10 e 11, sendo perceptível que o material arrolado de preparação e consumo já se encontra referenciado nos inventários de peças.

Assim, não é de aceitar a pretensão do contribuinte, mantendo-se a correcção ao CEVC (custo da mercadoria vendida) no valor de Esc: 17.343.525$ = (26.328.446$ - 8.984.921$). (...)» (cfr. relatório de inspecçao tributária, afls. 26 a 50 do PAT apenso aos autos);

E) Sobre o relatório parcialmente transcrito na alínea antecedente recaiu parecer da Chefe de Equipa e despacho concordante, de 23-12-2002, do Chefe de Divisão (cfr. fls. 25 do PAT apenso aos autos);

F) Em 17-1-2003, o Director de Finanças proferiu despacho de concordância com o parecer referido na alínea antecedente e as conclusões finais do relatório de inspecçao (cfr. fls. 25 do PAT apenso aos autos)

G) Pelo ofício n° 1739, de 31-1-2003, foi a impugnante notificada do Relatório de Inspecção Tributária e respectivos anexos, nos termos dos artigos 77o da LGT e 6l° do RCPIT (cfr. fls. 229 e 232 do PAT apenso aos autos);

H) Em resultado da acção de inspecção, foi emitida, em 12-3-2003, a liquidação adicional n° 8310001951, relativa ao IRC do ano de 1999, no valor de €63.445,40, incluindo juros compensatórios, e que constitui objecto da presente impugnação (cfr. documento de fls. 268 do PAT apenso aos autos);

I) A impugnante tem por objecto principal a importação, comércio de máquinas, acessórios e peças, e como actividade secundária o aluguer, manutenção e reparação de máquinas — CAE 51140 (cfr. relatório de inspecção tributária, a fls. 26 a 50 do PAT apenso aos autos);

J) No âmbito da sua actividade a impugnante presta assistência de manutenção e reparação de máquinas pesadas de construção civil e equipamentos aos clientes espalhados por todo o País (cfr. depoimento das testemunhas inquiridas);

K) A impugnante detém um armazém central em Sacavém que funciona como um stock central onde são recepcionadas todas as compras de mercadorias (cfr. depoimento das testemunhas inquiridas);

L) A impugnante detém ainda seis armazéns/oficinas espalhados pelo País que funcionam como centros de assistência técnica (cfr. relatório de inspecção tributária, a fls. 26 a 50 do PAT apensos aos autos, e depoimento das testemunhas inquiridas);

M) Cada centro de assistência técnica é constituído por várias unidades móveis que se deslocam em viaturas apetrechadas com ferramentas e pequenas peças e componentes necessárias às intervenções correntes (cfr. depoimento das testemunhas inquiridas);

N) A impugnante tem cerca de 30 viaturas de assistência técnica espalhadas pelos seis centros de assistência técnica (cfr. depoimento das testemunhas inquiridas);

O) A partir do armazém central o material de preparação e consumo é distribuído periodicamente e em pequenas quantidades para os armazéns/oficinas, os quais por sua vez fornecem directamente as viaturas de assistência técnica (cfr. depoimento das testemunhas inquiridas).


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.”


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No atinente à motivação da matéria de facto resulta que a mesma se fundou “[a] decisão da matéria de facto efectuou-se com base na análise dos documentos constantes dos autos, do processo administrativo tributário e do depoimento das testemunhas arroladas pela impugnante, que revelaram conhecimento directo da factualidade em causa, tudo conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.”

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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente, não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 1999, e respetivos JC.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a decisão recorrida:

Ø Incorreu em erro de julgamento de facto, na medida em que não ponderou factualidade alegada e demonstrada por via da prova testemunhal, competindo, assim, aquilatar do preenchimento dos requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Ø Padece de erro de julgamento, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, porquanto ajuizou que a desconsideração do valor das existências iniciais e finais declaradas sob a rubrica de inventário de material de preparação e consumo não padece de qualquer ilegalidade, devendo, por conseguinte, manter-se a correção técnica no valor de €86.509,14.

Apreciando.

A Recorrente começa por evidenciar que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, na medida em que deveria ter considerado como factos assentes, as asserções constantes nos artigos 28, 30, 31, 32, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 45 e 46 da petição inicial em ordem à produção de prova testemunhal, a qual, como reconhecido na decisão recorrida, se afigurou como credível.

Requer, assim, o aditamento da seguinte factualidade, atenta a produção de prova testemunhal realizada nos autos:

i. As compras de todos esses materiais e componentes são feitas, centralizadamente, pela sede da impugnante, em grandes partidas, e registadas num inventário permanente, elaborado informaticamente (art°. 28);

ii. Por razões pragmáticas, de economia e de rapidez, são fornecidos regularmente, às oficinas e aos veículos de reparação pequenas quantidades dessas pequenas peças e acessórios destinados às reparações e assistências (art°. 30);

iii. Sempre que esses fornecimentos parcelares se forem esgotando vão sendo renovados sucessivamente (art°. 31);

iv. Assim se procede dada a dispersão das oficinas e dos veículos de reparação, mas também da absoluta impossibilidade que seria ir fornecendo unidade a unidade em função de cada concreta necessidade (art°. 32);

v. Por isso, desde longa data, o procedimento tem sido o de emitir uma factura interna por cada fornecimento ou entrega de pequenas partidas às oficinas e aos veículos de reparação (art°. 35);

vi. Fica assim documentado um acto de consumo interno provisório (art°. 36);

vii. O acto de consumo definitivo (externo) surge com a aplicação dessas peças e acessórios a cada reparação ou assistência, com a consequente facturação ao cliente respectivo (art°. 37);

viii. E cada acto de consumo definitivo pode ser comprovado e fiscalizado em cada factura emitida para o cliente, visto que aí aparecem discriminados esses pequenos materiais (art°. 38);

ix. Acresce que em cada oficina e em cada viatura de reparação existe um inventário intermitente (manual), denominados inventários de "material de preparação" e de "material das caninhas", respectivamente (art°. 39);

x. Ora, no fim de cada exercício, as existências apuradas nos inventários intermitentes ("material de preparação” e "material das carrinhas”) são somados ao do inventário permanente, apurando-se, desse modo, todas as existências físicas, rigorosamente discriminadas por espécies e quantidades (art°. 40);

xi. O método seguido é antigo, fiável e não pode merecer censura, sob risco de tornar inoperacional, ou, pelo menos, extremamente onerosos os serviços de assistência e reparação em todo o território português (artº. 41)

xii. Posto isso, não havia, e não há, razão para não aceitar os valores declarados no inventário inicial e final dos exercícios em causa (art°. 45);

xiii. Ao invés, impunha-se, e impõe-se, aceitar os valores declarados nos inventários do "material de preparação" e do "material das carrinhas” (art°. 46).

Ora, atentando nas conclusões coadjuvadas com as suas alegações de recurso, resulta, desde logo, que a Recorrente não impugna a matéria de facto em ordem aos requisitos estabelecidos no artigo 640.º do CPC.

Senão vejamos.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida. (1)

Sendo que quanto à prova testemunhal tem de existir uma indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, porquanto além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova.

In casu, como já deixámos antever a Recorrente não cumpriu o ónus a que estava adstrita, na medida em que, não obstante convoque o aditamento, por complementação, que pretende ver retratado no probatório, e apele aos depoimentos prestados, a verdade é que não particulariza, desde logo, os visados depoimentos, não procede à indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos, nem, tão-pouco, transcreve os depoimentos nos excertos reputados de relevo para efeitos do requerido aditamento.

Com efeito, e como já evidenciado anteriormente, no caso da prova testemunhal, deve ser indicada não só a testemunha, mas também a específica passagem da gravação que funda o recurso para efeitos do aditamento ao probatório.

Face a todo o supra expendido, conclui-se que este nível de concretização não consta das alegações, mesmo lidas integralmente, não cumprindo, por isso, os aludidos requisitos constantes do artigo 640.º do CPC.

Sem embargo do exposto, sempre se dirá que as asserções contempladas anteriormente, para além de, na sua globalidade, não assumirem a roupagem de um facto, mas antes de juízos opinativos e conclusivos, donde insuscetíveis de integrarem o probatório, a verdade é que a sua prova, carecia, efetivamente, de prova documental, como propugnado na decisão recorrida.

De referir, ainda neste particular, que carece de qualquer relevo o aludido em 6), na medida em que a Recorrente não requer a eliminação da factualidade elencada em J), K), M), N) e O), apenas pretende que, em ordem à produção de prova testemunhal, seja, em igualdade de circunstâncias e de forma consentânea, realizado o aditamento supra expendido, o que, como já devidamente expendido anteriormente, se encontra cerceado atenta, desde logo, a falta de cumprimento dos requisitos atinentes ao efeito. Logo, tal situação encontra-se afastada por uma questão a montante e já cabalmente explanada.

E por assim ser, rejeita-se o recurso nesta parte.


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Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto cumpre, então, analisar o erro de julgamento por errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito.

A Recorrente advoga, desde logo, que a decisão recorrida não ponderou, devidamente, o facto de, reconhecidamente, a contabilidade se encontrar devidamente organizada, e bem assim que no momento da realização da ação inspetiva inexistia qualquer norma que impusesse outra forma de organizar o sistema de inventário de preparação e consumo.

Aduzindo, ainda, que atenta a prova carreada aos autos, e as asserções dimanantes do próprio Relatório de Inspeção Tributária, particularmente as concernentes à existência de registos manuscritos de todas as máquinas compradas e registo informático de todas as peças, sempre se teria de concluir que a AT poderia ter apurado as reais existências e confirmado a inexistência de qualquer duplicação mediante confronto dessa documentação com as faturas emitidas aos clientes.

Concluindo, in fine, que a decisão recorrida interpretou erroneamente a repetição de artigos entre os inventários de preparação e consumo e o inventário de peças.

O Tribunal a quo assim o não entendeu, porquanto ajuizou que a AT cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia, e que as patenteadas irregularidades determinaram a cessação da presunção da verdade declarativa, passando, assim, a competir à Recorrente atestar, de forma documentada, a inexistência de qualquer erro na contagem e declaração das existências iniciais e finais, ou seja, de que as existências iniciais e finais do exercício em causa, respetivamente no valor de 25.488.622$oo e 8.984.921$oo, constantes dos designados “inventários de preparação e de consumo” são autónomas e acrescem aos valores de existências consignados nos “inventários de peças”, não congregando, assim, qualquer repetição, realidade que não foi concretizada nos autos.

Com efeito, e no que concerne, especificamente, à valoração da prova, lê-se na decisão recorrida, designadamente, o seguinte:

“Para infirmar a conclusão extraída pela Administração Fiscal, alegou a impugnante que o método de inventariação que utiliza é fiável, não permitindo uma duplicação da contabilização das existências em causa porquanto as mesmas são inicialmente registadas num inventário “permanente” (inventário de peças) e à medida que vão sendo fornecidas aos diversos armazéns/oficinas é emitida uma factura interna que abate as referidas mercadorias no sistema, assim se evitando a duplicação contabilística.
Mais alegou que em cada oficina e em cada viatura de reparação existe um inventário manual, os denominados inventários de “material de preparação” e de “material das carrinhas”, e, ainda, que no final de cada exercício as existências apuradas nos inventários manuais são somadas ao do inventário permanente (de peças), apurando-se, desse modo, todas as existências físicas, rigorosamente discriminadas por espécies e quantidades.
No entanto, o Tribunal não pode dar por demonstradas tais alegações, desde logo porque a impugnante não demonstrou documentalmente que seja emitido um documento interno a dar baixa das mercadorias do “inventário permanente” (inventário de peças) para os “inventários intermitentes” (inventários de preparação e consumo), sendo insuficiente a produção de prova testemunhal quanto a tal facto.
Depois, porque o método de inventariação alegado pela impugnante pressupõe a existência de um inventário por cada um dos (seis) armazéns/oficinas da impugnante, e, bem assim, a existência de um inventário por cada uma das cerca de 30 carrinhas de reparação, o que não encontra mínima correspondência com os documentos juntos aos autos.”

Adensando, ainda, que os “[i]nventários de “preparação e consumo” anexos ao relatório de inspecção tributária (cfr. anexos 10 e n, referidos em D) do probatório), grande parte das existências não refere quantidades nem valores unitários (…)” concluindo, assim, que a “[a]legação da impugnante sempre careceria de ser acompanhada por um documento de inventariação agregador de todos os referidos inventários, nada tendo sido apresentado a esse propósito.”

Ora, analisando a aludida fundamentação nenhuma censura merece a decisão recorrida, porquanto realizou uma correta análise do regime jurídico vigente com a devida transposição para o caso vertente.

Atentemos, para o efeito, no quadro normativo e nos considerandos de direito que reputamos relevantes para o caso sub judice.

De relevar, ab initio, que por imposição constitucional, a tributação das pessoas coletivas obedece ao princípio da tributação do rendimento real efetivo, ou seja, o imposto deve incidir sobre o rendimento efetivamente obtido (artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa - CRP).

Em obediência a este princípio, determina-se no artigo 16.º, n.º 1, do CIRC que a matéria tributável é, por regra, determinada com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do controlo que a AT venha a fazer da mesma.

O IRC incide, então, sobre o “lucro das sociedades comerciais”, sendo que, conforme estabelece o n.º 2 do artigo 3.º do CIRC “o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas no código”.

O lucro tributável das pessoas coletivas, de acordo com o artigo 17.º do CIRC, é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas nesse mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos daquele Código.

Sendo que, no atinente ao ónus da prova, incumbe à AT a prova dos factos constitutivos do ato administrativo, ou seja, compete à entidade fiscalizadora aquilatar e indagar sobre a verificação do facto tributável e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, porquanto, o procedimento só pode produzir uma liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos apurados, estiver adquirida a plena convicção da existência e conteúdo do facto tributário.

De resto, tal conclusão resulta evidente em face do princípio da verdade material, ínsito nos artigos. 50.º, do CPPT e 58.º, n.º 1, da LGT.

Mais se refira, com particular interesse para os presentes autos, que vigora neste âmbito o princípio da verdade declarativa, plasmado no artigo 75.º da LGT, segundo o qual:

“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.

Daí resulta que, gozando o contribuinte da presunção de verdade da sua declaração, compete à AT o ónus da prova dos pressupostos legais da sua atuação. O que significa que, in casu tem o ónus de demonstrar factualidade suscetível de abalar a presunção de veracidade das existências contabilizadas pela Impugnante, ora Recorrente, só então passando a competir à mesma o ónus da prova de que as existências contabilizadas correspondem à realidade.

Ora, no caso sub judice, secundando-se o expendido na decisão recorrida, entende-se que a Recorrida cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia, fazendo cessar a presunção da verdade declarativa, atentas as irregularidades contabilísticas apontadas, sem que a Recorrente tenha logrado demonstrar o desacerto da correção.

Para o efeito, atentemos na fundamentação constante no Relatório de Inspeção Tributária, porquanto, como é consabido, só a fundamentação nele gizada releva para efeitos de justificação das correções realizadas.

Conforme descrito no probatório -não devidamente impugnado-mormente, na alínea D), a AT avançou como fundamentação para a realização da correção técnica o seguinte:

Ø No decurso da ação inspetiva e de controle aos valores declarados na Declaração Mod.22 do IRC, constatou-se que entre os valores declarados de Existências Iniciais Esc: 550.740.021 e os valores inscritos nos documentos de Inventário Esc: 339-411.575, existia uma diferença de Esc: 211.328.446. O mesmo acontece em relação às Existências Finais em que o valor declarado na Mod.22 do IRC foi de Esc: 529.099.321 e o valor de Inventário Físico é de Esc: 335.114.440, sendo o diferencial de Esc: 193.984.921.
Ø As mercadorias descritas nos inventários de “material e preparação de consumo” repetem-se nos “inventários de peças”;
Ø Nos “inventários de peças” as mercadorias encontram-se discriminadas por códigos, designação, quantidade, valor unitário e valor total;
Ø Nos inventários de “material de preparação e consumo” os artigos não se encontram referenciados e parte dos inventários não têm indicação das quantidades existentes e valores unitários;
Ø Os resumos dos inventários de peças incluem no campo superior esquerdo a indicação “armazéns a analisar1 2 3 4 6 8 9” o que permite inferir que se encontram englobados todos os armazéns da empresa.

Conclui, assim, que tal determina a realização de correção técnica ao CEVC (custo da mercadoria vendida) no valor de Esc: 17.343.525 = (Esc.26.328.446 – Esc.8.984.921).

E face ao supra expendido, e à fundamentação avançada pela AT, entende-se que a sua atuação se encontrava, devidamente, legitimada, tendo, efetivamente, cessado a presunção da verdade declarativa.

Com efeito, e de acordo com a fundamentação supra expendida resultou atestado que a AT mediante constatação de que os valores declarados de Existências Iniciais e Existências Finais não tinham correspondência com os valores constantes nos Inventários, interpelou a Recorrente para justificar essa discrepância, a qual foi explicada mediante a convocação dos valores de existências de material de preparação e consumo, no entanto, a aludida prova carreada aos autos apresentava debilidades e inconsistências, que não foram, devidamente, apartadas pela Recorrente.

Note-se que foi, efetivamente, demonstrado que as mercadorias descritas nos inventários de “material e preparação de consumo” repetem-se nos “inventários de peças”, sendo que, inversamente ao aduzido pela Recorrente, não resultou provado que existisse uma coincidência de peças que permitisse justificar essa repetição de nomenclatura.

Ademais, o aludido confronto encontra-se, desde logo, inviabilizado pela circunstância de nos “inventários de peças” as mercadorias se encontrarem discriminadas por códigos, designação, quantidade, valor unitário e valor total, enquanto nos inventários de “material de preparação e consumo” os artigos não se encontram referenciados e parte dos inventários não contemplam a indicação das quantidades existentes e valores unitários. Sendo, como visto, de ponderar a circunstância dos visados inventários de peças congregarem todos os armazéns da empresa.

Não podendo, neste âmbito, lograr provimento a alegação de que a AT deveria ter feito um controlo adicional, mediante, designadamente, confronto com as faturas emitidas aos clientes, na medida em que, o ónus da prova de que tais realidades se encontravam conforme com o nelas inventariado competia à Recorrente, porquanto, como visto, uma vez demonstrados os factos índice pela AT, circunscrevia-se na esfera da Recorrente o encargo probatório da adequacidade e conformidade dos valores declarados.

Note-se, ademais, que o controlo efetivo das existências tem uma importância central na determinação da exata medida da matéria tributável das empresas, controlo esse que tem de ser documentado e registado nos respetivos inventários, sendo que existindo divergências e incongruências as mesmas têm de ser, devidamente, justificadas e apartadas.

Não granjeando, outrossim, mérito a alegação atinente ao reconhecimento de uma escrita devidamente organizada, e à verdade declarativa, porquanto, in casu, as divergências apontadas às Existências Iniciais e Finais, mediante confronto com os inventários físicos determinaram a cessação da presunção da verdade declarativa, em ordem ao consignado no artigo 75.º, nº2, da LGT. Donde, passou, assim, a competir à Recorrente demonstrar de forma inequívoca e fidedigna que o apuramento realizado pela Entidade Fiscalizadora padecia de erro, prova essa que não logrou fazer nos autos.

Note-se que, conforme bem evidenciado na decisão recorrida e, ora, se secunda a Recorrente não demonstrou a existência, de qualquer documento, mormente, interno a dar baixa das mercadorias do “inventário permanente” (inventário de peças) para os “inventários intermitentes” (inventários de preparação e consumo).

Ademais, e como sufragado na sentença, e sem que tenha merecido uma contradita eficaz, o método de inventariação alegado pela Recorrente pressupunha a elaboração de um inventário por cada um dos seis armazéns/oficinas e, bem assim, a existência de um inventário por cada uma das cerca de trinta carrinhas de reparação, o que não foi minimamente demonstrado nos autos, bem pelo contrário.

Neste âmbito, cumpre chamar à colação o Acórdão do TCAS, proferido no processo nº02571/08, de 05 de novembro de 2015, numa situação de irregularidades nas existências e igual dimensão valorativa da prova, no qual se doutrinou, designadamente, que: “[a] ATA apurou na contabilidade da Recorrente, irregularidades consubstanciadas na diferença dos valores inscritos no Inventário Final e nas Existências Finais que, em seu entender, afastavam a presunção estabelecida no artigo 75.º da LGT.(…) o controlo efectivo das existências tem uma importância central na determinação da exacta medida da matéria tributável das empresas, controlo esse que é documentado e registado nos respectivos inventários de que, aquelas têm de dispor nos termos da lei comercial e fiscal. (…) Resultando a correcção da matéria tributável declarada do facto de a ATA ter constatado uma diferença entre valores contabilizados pela Recorrente, é de considerar verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção do lucro tributável, competindo por isso à Recorrente o ónus da prova da existência dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito. Ora, a prova testemunhal produzida nos autos.Algumas mercadorias ao nível do inventário, são registadas quando chegam ao armazém da impugnante (prova testemunhal);. As mercadorias a nível contabilístico são registadas quando facturadas pelo fornecedores (prova testemunhal)]desacompanhada de qualquer outra prova, nomeadamente a documental - “guias de transporte” ou “guias de remessa” - não permite demostrar que a diferença de valores é resultante do facto das mercadorias serem recebidas no armazém perto do final do exercício de 1999, mas facturadas pelo fornecedor no início do exercício seguinte.”

Uma nota final, para salientar que carece de relevo o aduzido em 14) a 17), atinente à metodologia adotada para o ano de 1998, na medida em que, não só não se encontra minimamente substanciada e demonstrada nos autos, como esse não é o exercício visado nos autos, em nada podendo patentear qualquer errónea asserção na questão, ora, em contenda.

Conclui-se, assim, que vigorando o princípio da verdade declarativa, a AT abalou-o, de forma consistente, demonstrando os factos génese que legitimam a tributação, cumprindo, por isso, o ónus probatório a que se encontrava adstrita, não tendo, por seu turno, a Recorrida demonstrado a conformidade das existências declaradas, e bem assim que inexistia qualquer duplicação, o que comina o ato tributário de anulabilidade por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Destarte, tudo visto e ponderado e sem necessidade de mais considerações, improcedem, na íntegra, as razões invocadas pela Recorrente, mantendo-se a correção impugnada inexistindo a aduzida violação de lei.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e manter a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe. Notifique.

Lisboa, 19 de outubro de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)

(Maria Cardoso)
























1) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.