Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:705/12.3BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2019
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:COBRANÇA COERCIVA
IFADAP
EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - Os serviços de finanças têm competência para instaurar os processos de execução fiscal que visam a restituição de ajudas previamente decidida pelo IFADAP (actual IFAP, IP).
II – No caso em análise, verifica-se que a discussão sobre a legalidade do acto que determinou a reposição de verbas deveria ter sido feita em sede própria (que não em oposição à execução fiscal), já que o interessado teve a possibilidade de impugnar contenciosamente a decisão do Conselho Directivo do IFAP que determinou a devolução das ajudas indevidamente recebidas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

J……, inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que, na oposição deduzida contra a execução fiscal nº 110….., instaurada pelo Serviço de Finanças de Olhão, com vista à cobrança coerciva de dívida ao IFAP, IP, Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP, julgou “procedente a excepção de erro na forma do processo invocada pelo IFAP, IP.” e, em consequência, absolveu “da instância a entidade exequente”, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formulou, para tanto, as seguintes conclusões:

da igualdade de tratamento.

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A Recorrida apresentou contra-alegações que concluiu assim:


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A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência.

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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

“A) O Oponente celebrou, em 22.02.2005, com o IFADAP – Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas, atualmente IFAP, IP, um contrato de atribuição de ajuda ao abrigo do Programa AGRO MEDIDA 1, em projeto que recebeu o n.º 2003……… – cfr. doc. 2 junto com a petição inicial.

B) Por ofício n.º 003…../2011, endereçado ao Oponente em 17.02.2011, por fax, subordinado ao assunto “QCA III – Programa Operacional da Agricultura e Desenvolvimento Rural – Medida 1 / Projeto N.º 2003……; N.º do Processo IRV: 05353/2009 / DECISÃO FINAL”, o IFAP notificou-o de que foi determinada a modificação unilateral do contrato de atribuição de ajudas e a reposição do montante de € 48.941,55, acrescida de juros regulamentares/legais contabilizados à taxa estipulada, desde que as ajudas foram colocadas à sua disposição até à data da elaboração do ofício, tudo no valor de € 59.127,82, com a cominação de, não pagando voluntariamente no prazo de 30 dias, ser o montante da dívida compensado com créditos a ser atribuídos, seguindo-se, na falta ou insuficiências destes, a instauração do processo de execução fiscal – cfr. doc. 4 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos.

C) Em 09.03.2011 (e não 2008, como por lapso consta da sentença), o Oponente dirigiu ao Conselho Diretivo do IFAP carta registada com AR, na qual acusa “a receção do (…) ofício, contendo a decisão final” e diz que “não é dada qualquer explicação sobre como (…) chegaram ao valor (…) solicitado”, solicitando que “expliquem fatura a fatura como chegaram ao referido valor, sob pena de ficarmos impedidos de contraditar o cálculo efetuado, direito que nos assiste” – cfr. doc. 3 junto com a contestação.

D) Em 09.11.2011 o IFAP respondeu ao requerimento identificado em C), conforme doc. 4 junto com a contestação, correspondente ao ofício n.º 0322…./2011, que aqui se dá por reproduzido, concluindo “que se mantém a decisão final de modificação contratual comunicada a coberto do ofício com a referência 0031…./2011” – cfr. doc. 4 junto com a contestação.

E) Em 21.11.2011 o Oponente dirigiu ao Conselho Diretivo do IFAP carta registada com AR, na qual discorda dos fundamentos constantes da decisão mencionada em B) – cfr. doc. 5 junto com a contestação.

F) Em 15.02.2012 o IFAP respondeu através do ofício n.º 0026…../2012, correspondente ao doc. 6 junto com a contestação, que aqui se dá por reproduzido, concluindo “que se mantém a decisão comunicada a coberto do anterior ofício, com a referência 0322…/2011” – cfr. doc. 6 junto com a contestação.

G) Em 09.06.2012 foi extraída certidão de dívida no montante total de € 67.201,45, correspondente a ajudas indevidamente recebidas no âmbito do Programa Operacional POAGRO, e acrescido – cfr. doc. 7 junto com a contestação.

H) O processo de execução fiscal foi autuado em 25.09.2012 – cfr. fls. 42 dos autos.

I) O Oponente foi citado em 05.10.2012 – cfr. fls. 54 e 55 dos autos.

J) A petição inicial foi apresentada em 31.10.2012 – cfr. fls. 2-A dos autos.

Fundamentação do julgamento.

Todos os factos têm por base probatória os documentos referidos em cada alínea”.


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2.2. De direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, lidas as conclusões da alegação recursória, dúvidas não restam que a primeira questão a apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal a quo errou ao não concluir, como sustentado na oposição, que a dívida em causa, originada pelo eventual incumprimento contratual de concessão de ajudas financeiras pelo IFADAP não pode ser cobrada nos Tribunais Administrativos e Fiscais através do processo de execução fiscal, já que no contrato celebrado com aquela instituição está inserta uma cláusula onde se estabelece que “para todas as questões emergentes deste contrato ou da sua execução é sempre competente o foro cível da comarca de Lisboa”. Acresce que, como sustenta o Recorrente, os contratos celebrados entre os beneficiários e o IFADAP estão sujeitos às normas de direito privado e, como tal, a relação jurídica controvertida assume a natureza de uma relação jurídica privada.

Vejamos, então, tendo presente o que a Mma. Juíza a quo concluiu a este propósito, após convocar o quadro legal aplicável e jurisprudência proferida sobre a questão em análise.

Assim, lê-se na sentença o seguinte:

“(…)

Em conclusão, são os Serviços de Finanças competentes para instaurar os processos de execução fiscal que visam a restituição de ajudas entregues ao abrigo de contratos celebrados com o IFADAP (actual IFAP IP), bem como, também é competente o Tribunal Tributário para conhecer da oposição à execução fiscal ali instaurada, não colhendo a argumentação do oponente”.

A questão aqui em reapreciação tem sido reiterada e uniformemente decidida pelo STA, em termos que aqui também se acolhem e dos quais o TAF de Loulé não se afastou.

Sendo inúmeros os acórdãos daquele Tribunal Superior, convocamos e transcrevemos o teor do acórdão proferido em 06/03/14, no processo nº 01804/13, cuja fundamentação é inteiramente aplicável ao caso sub judice. Em tal aresto se escreveu o seguinte:

“(…) A questão que se levanta nos presentes autos é a de saber se os Serviços de Finanças (no caso o Serviço de Finanças de Paredes), têm competência para cobrança coerciva de dívidas ao IFAP, resultantes de incumprimento de contratos de atribuição de ajudas financeiras, através de processo de execução fiscal, no âmbito do Decreto-Lei nº 163-A/2000, de 27 de Julho, ou se, nos termos do artº 16º deste diploma, a competência pertence ao foro cível da Comarca de Lisboa.

O TAF de Penafiel entendeu que a competência acima referida pertence ao Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, na consideração de que a dívida exequenda decorre do incumprimento dum contrato celebrado ao abrigo do Decreto-Lei nº 163-A/2000, e nos termos do seu artº 16º o foro competente é o Tribunal Cível de Lisboa, acrescenta ainda que a jurisprudência invocada pelo IFAP não deve ser tida em conta, pois esta não se referia a execuções fiscais instauradas no âmbito do Decreto-Lei nº 163-A/2000.

Por outro lado o ora recorrente IFAP, bem como o EMMP neste Supremo Tribunal entendem que no caso sub judice o órgão de execução fiscal é o Serviço de Finanças de Paredes e não o Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, por considerarem que a norma contida no citado artº 16º está ferida de inconstitucionalidade.

Vejamos.

O Ora relator interveio como 1º adjunto no Ac. tirado no recurso nº 0279/13 em 22/05/2013 que espelha jurisprudência que se mantém actual e onde se escreveu:

«Conforme se salientou no Acórdão deste STA, de 20.06.2012 - Processo nº 0324/12, esta questão tem sido objeto de jurisprudência consolidada da secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo a qual se vem pronunciando, de forma constante no sentido de que os serviços de finanças têm competência para a cobrança coerciva de dívidas ao ex-IFADAP, resultantes de incumprimento de contratos de atribuição de ajudas financeiras, mediante processo de execução fiscal - vão neste sentido os acórdãos de 26/08/09, recurso 609/09, de 23/09/09, recurso 650/09, de 13/05/2009, recurso n.º 187/09, de 25/06/2009, recurso n.º 416/09, de 03.03.2010, recurso 21/10, de 04.05.2011, recurso 202/11 e de 11.05.2012, recurso 139/11.

Em defesa deste entendimento, escreveu-se no mesmo aresto o seguinte, reproduzindo, aliás, doutrina do anterior Acórdão de 04.05.2011 - Processo nº 202/11: «O IFADAP é um instituto de direito público, dotado de personalidade jurídica, com autonomia administrativa e financeira e património próprio, que se rege pelo disposto no seu Estatuto e, subsidiariamente, pelas normas aplicáveis às empresas públicas, e que tem como atribuições a promoção do desenvolvimento da agricultura e das pescas, bem como do setor agroindustrial, em especial através de esquemas de financiamento, direto ou indireto, às referidas atividades, competindo-lhe assegurar o funcionamento dos sistemas de apoio e de ajudas comunitárias e nacionais aos setores da agricultura e das pescas (artigos 1.º, 3.º e 5.º do DL 414/93, de 23/12).

Sobre os contratos de atribuição de ajudas celebrados pelo IFADAP no âmbito das suas atribuições, se pronunciou já o Tribunal Constitucional, em acórdão de 23/3/2007, no recurso n.º 859/03, onde se afirma, designadamente, que “(...) seja qual for o critério que se adote para a qualificação dos contratos como administrativos, há que concluir, face ao regime legal aplicável e ao clausulado concretamente estabelecido, que reveste essa natureza o contrato celebrado entre o recorrente e o IFADAP. Trata-se de um acordo de vontades em que uma das partes é uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e património próprio (artigo 1.º dos Estatutos do IFADAP, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 414/93, de 23 de dezembro), a quem são conferidos poderes de direito administrativo, entre os quais a competência para emitir atos administrativos e celebrar contratos administrativos como meio de prosseguir as suas atribuições, que consistem na promoção do desenvolvimento da agricultura e das pescas, bem como do setor agroindustrial, em especial através de esquemas de financiamento, direto ou indireto, às referidas atividades (artigo 5.º dos referidos Estatutos). Na situação específica em causa, trata-se de contrato celebrado no âmbito de gestão de fundos públicos, inserida na atividade mais ampla de fomento de determinados interesses públicos, designadamente através da atribuição de ajudas pelo IFADAP aos particulares (no caso, ao ora recorrente), para que estes invistam nessas mesmas estruturas.

Acresce que, no âmbito da regulamentação legal e convencional do contrato, são consagradas cláusulas exorbitantes, inadmissíveis num contrato de direito privado (isto é, de cláusulas apenas concebíveis numa relação jurídica em que pelo menos uma das partes é a Administração intervindo nessa qualidade), como a atribuição ao IFADAP de poderes de acompanhamento, fiscalização e controlo de programas e projetos apoiados por ajudas nacionais ou comunitárias (artigo 5.º, n.º 2, alínea e), dos Estatutos) ou do poder de unilateralmente rescindir ou modificar o contrato no caso de incumprimento pelo beneficiário de qualquer das suas obrigações (...). (…) deparamos nesta hipótese com a determinação autoritária do pagamento de determinada quantia em consequência do exercício de um poder sancionatório. Na verdade, a atribuição de um poder com tal conteúdo à Administração constitui um fator determinante para a conclusão pela administratividade dos contratos em causa: trata-se manifestamente de um poder outorgado à entidade administrativa, exorbitante do direito privado e que releva da respetiva supremacia jurídico-pública. Na relação constituída, o contraente público detém o poder de praticar atos administrativos no âmbito da execução do contrato que celebrou com o particular, o que não sucederia se estivéssemos no horizonte de um contrato de direito privado.». O citado acórdão do TC julgou organicamente inconstitucional, por violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea q) da CRP [atual alínea p)], a norma constante do artigo 53.º, n.º 2 do DL 81/91, de 19/2, que determina a competência dos tribunais civis para as execuções instauradas pelo IFADAP em virtude do não cumprimento pelos particulares dos respetivos contratos de atribuição de ajudas.

Por outro lado, o ato de rescisão do contrato por incumprimento das obrigações assumidas tem a natureza de ato administrativo, na medida em que traduz uma estatuição autoritária do IFADAP fundada no regime jurídico aplicável (artigos 52.º do DL 81/91, de 19/2, e 120.º do CPA e acórdãos da SCA do STA de 2/5/2000 e de 24/6/2004, nos recursos 45774 e 1229/03, respetivamente).

Acresce que, «nos casos e termos expressamente previstos na lei», podem ser cobradas mediante processo de execução fiscal, as dívidas ao Estado e «a outras pessoas coletivas de direito público que devam ser pagas por força de ato administrativo», de acordo com o que se estabelece na alínea a) do n.º 2 do artigo 148.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Isso significa que a admissibilidade da utilização do processo de execução fiscal depende necessariamente de lei expressa que tal preveja.

E o que é certo é que, relativamente a dívidas que devam ser pagas por força de ato administrativo, como as do IFADAP, o n.º 1 do artigo 155.º do Código do Procedimento Administrativo estabelece que “quando por força de um ato administrativo devam ser pagas a uma pessoa coletiva pública, ou por ordem desta, prestações pecuniárias, seguir-se-á, na falta de pagamento voluntário no prazo fixado, o processo de execução fiscal regulado no Código de Processo Tributário”.

Ora, esta norma de caráter geral satisfaz a referida exigência de lei expressa, e, dessa forma, legitima a cobrança dos créditos do IFADAP, de reposição considerada indevidamente recebida, mediante o processo de execução fiscal - cf., por todos, neste sentido, os acórdãos desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 13/5/2009, de 20/5/2009 e de 25/6/2009, proferidos nos recursos n.ºs 187/09, 427/09 e 416/09, onde se cita Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 5.ª edição, a fls. 23, anotação 5.ª ao artigo 148.º.

Daí que os serviços de finanças tenham, pois, competência para instaurar os processos de execução fiscal que visam a restituição de ajudas previamente decidida pelo IFADAP (atual IFAP, IP)».

Assim, e com a fundamentação supra transcrita, a que se adere, não há como negar a competência do SF de Olhão para a instauração da execução fiscal nº 1104……., com vista à cobrança coerciva da dívida ao IFAP IP (anterior IFADAP), proveniente de ajudas indevidamente recebidas no âmbito do Programa Operacional POAGRO.

Por conseguinte, tal como o TAF de Loulé concluiu, os Tribunais Administrativos e Fiscais são os competentes para decidir da oposição à execução fiscal deduzida.

Em face do exposto, não assistindo razão ao Recorrente, improcedem as conclusões 1ª a 22ª das alegações de recurso.


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Passemos às conclusões 23º a 27ª.

Em síntese, defende o Recorrente que, caso se entenda que os tribunais administrativos e fiscais têm competência para o conhecimento das questões suscitadas e que a execução fiscal é o meio adequado à cobrança das quantias em causa, então, sustenta, não pode o executado ser impedido de, na execução fiscal, lançar mão dos mesmos meios de defesa que na execução comum lhe seriam proporcionados, sob pena de violação dos princípios da boa-fé contratual, da segurança e confiança jurídica e da igualdade. Em concreto, sustenta o Recorrente que lhe deve ser possibilitada a prova dos factos alegados nos artigos 59º a 80º da p.i de Oposição, tudo na salvaguarda do princípio da justiça material.

Como é óbvio, nenhuma razão assiste ao Recorrente, nem se afigura violado qualquer um dos princípios invocados.

Em primeiro lugar, para esta sede, não há que convocar os meios de defesa que na execução comum lhe seriam proporcionados, porquanto, pelas razões já expostas anteriormente, a cobrança coerciva de dívidas ao (ex) IFADAP, resultantes de incumprimento de contratos de atribuição de ajudas financeiras, é feita através do processo de execução fiscal, pelos Serviços de Finanças. Consequentemente, a oposição a tal cobrança faz-se através da oposição à execução fiscal, com o seu procedimento e regras próprias, e não através da execução comum (com as suas especificidades).

Por outro lado, nunca o Oponente esteve impedido de fazer prova do que quer que fosse, designadamente do alegado nos artigos 59º a 80º da p.i de Oposição, nos quais sustenta, em resumo, a inexistência da dívida, uma vez que, como defende, não se verificou qualquer incumprimento contratual.

O que o Oponente não pode pretender é fazer essa prova em sede de oposição à execução fiscal, já que tal meio processual não se mostra adequado à discussão da legalidade da dívida exequenda, nos termos detalhadamente expostos – e bem – na sentença recorrida.

Na verdade, a este propósito, lê-se na sentença o seguinte:

“Por sua vez, os fundamentos de oposição à execução são os que se encontram taxativamente previstos no n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

Há erro na forma de processo quando se usa meio processual diverso do legalmente previsto, em relação à respetiva pretensão, isto é, ao pedido formulado - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.1 1.2001, proferido no âmbito do Processo nº 026297.

Em síntese, o Oponente, nos artigos 59.º a 80.º da petição inicial, relativamente aos quais se propôs produzir a prova testemunhal oferecida, invoca a ilegalidade da pretensão do IFAP, IP, em obter o reembolso dos subsídios, e a consequente inexigibilidade da dívida, como peticiona a final, com fundamento em violação de lei por erro nos pressupostos de facto, alegando que o projeto foi pontualmente cumprido e que as ajudas recebidas se destinaram integralmente aos fins para os quais foram concedidas, pelo que o IFAP, ao rescindir unilateralmente o contrato de atribuição de ajudas, e ao solicitar a restituição de subsídios, fez uma errada avaliação e interpretação do contrato e do projeto. Acrescenta, ainda, que cumpriu pontualmente o projeto a que se candidatou, pelo que lhe são devidas as ajudas recebidas no âmbito do Programa Operacional POAGRO e do contrato celebrado com o exequente.

Ora, dúvidas não se levantam de que se discute nos presentes autos, tal como configurados pelo Oponente, uma questão de legalidade do ato que determina a reposição de verbas.

De facto, o CPPT prevê na alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º, como fundamento de oposição, a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação.

Todavia, esta norma, sucedânea da alínea g) do n.º l do artigo 286.º do Código de Processo Tributário, pretende acautelar as situações em que o sujeito passivo não dispõe de meios de impugnação contenciosa do ato de liquidação, como é o caso das contribuições para a segurança social, em que se permite a extração de certidões de dívida perante a mera constatação de omissão de um pagamento, sem que haja um ato administrativo ou tributário prévio, definidor da obrigação (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, em Código do Procedimento e do Processo Tributário - Anotado e comentado, Vol. II, Áreas Editora, 2007, págs. 366 e367).

O mesmo é dizer que, a discussão da legalidade da liquidação da dívida exequenda, em sede do meio processual de oposição à execução fiscal, depende de se verificar um condicionalismo adicional: a lei não assegurar outro meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação.

(…)

O que significa que relativamente às dívidas criadas por atos administrativos e ou tributários nunca existe a possibilidade de discutir a sua legalidade em concreto em sede de oposição à execução fiscal (acerca da qualificação como ato administrativo do ato que determina a rescisão unilateral do contrato pelo IFADAP, por incumprimento, com a consequente reposição das quantias pagas, veja-se, entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 13.05.2009, 25.06.2009, 03.03.2010 e de 04.05.2011, proferidos nos processos n.ºs 0187/09, 0416/09, 021/10 e 0202/11, respetivamente).

(…)

ln casu, pretende o Oponente, em sede de oposição à execução fiscal, discutir a legalidade concreta da dívida exequenda, quando a lei lhe conferiu meios de impugnação graciosa e contenciosa para esse efeito.

Com efeito, o Oponente teve a possibilidade de impugnar contenciosamente a decisão do Conselho Diretivo do IFAP que determinou a devolução das ajudas indevidamente recebidas -ora exigidas coercivamente - mediante a instauração de uma ação administrativa especial de impugnação, nos termos do disposto nos artigos 51.º e 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). E, assim sendo, não pode pretender, agora, através da oposição à execução fiscal, a apreciação da legalidade da dívida exequenda.

Ocorre, por isso, erro na forma de processo.”

O percurso argumentativo seguido pela Mma. Juíza é de sufragar, pouco, aliás, havendo a acrescentar quanto ao decidido erro na forma de processo.

Salvo o devido respeito, o Recorrente confunde duas situações que não são confundíveis: uma coisa é o Tribunal considerar que uma determinada causa de pedir (ou a causa de pedir, sendo única) não é adequada ao meio processual usado e, nessa medida, não conhecer tal fundamento e, naturalmente, não proceder à produção da prova requerida a esse propósito; outra coisa, bem diversa, é se o interessado se viu impossibilitado de, com recurso ao meio processual adequado, produzir a prova dos factos que alega com vista à defesa da ilegalidade da dívida.

O que aqui se verifica, como está bem de ver, é que, tal como o Tribunal a quo considerou, a discussão sobre a legalidade do acto que determinou a reposição de verbas deveria ter sido feita em sede própria, já que o interessado teve a possibilidade de impugnar contenciosamente a decisão do Conselho Directivo do IFAP que determinou a devolução das ajudas indevidamente recebidas, mediante a instauração da competente acção administrativa especial.

Com efeito, em sede de oposição à execução fiscal, apenas se permite a discussão da legalidade da dívida exequenda em casos residuais, concretamente quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação, o que, no caso, manifestamente não se verifica.

Na verdade, no caso, se o Recorrente não viu judicialmente apreciado o quadro argumentativo convocado para defesa da ilegalidade da dívida exequenda, tal ficou a dever-se unicamente ao facto de não ter lançado mão do meio processual adequado para o efeito – à data dos factos, a acção administrativa especial.

Daí, portanto, a verificação de erro na forma de processo, tal como decidido em 1ª instância.

O erro na forma de processo, constitui excepção dilatória que determinará a anulação de todo o processo, e a absolvição do réu da instância, nos casos em que a própria petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada, em conformidade com o disposto nos artigos 199º, nº 1; 288º, nº 1, al. b); 493º, nº 2, e 494º, al. b), todos do CPC, ex vi do artigo 2º do CPPT.

Em suma, e sem necessidade de maiores considerados, improcedem as conclusões em análise, sendo de confirmar o julgamento quanto ao erro na forma de processo e rejeitar a invocada violação dos princípios referidos, concretamente da boa-fé contratual, da segurança e confiança jurídica, da igualdade ou da justiça material.


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Diga-se, ainda, que, a par do erro na forma de processo, a Mma. Juíza ponderou a possibilidade de convolar a oposição em acção administrativa especial, meio entendido como adequado a pôr em causa a legalidade da decisão administrativa.

A este propósito, a Mma. Juíza considerou, em síntese útil, o seguinte:

“(…)

Não haverá lugar a convolação sempre que a mesma represente um ato inútil, cuja prática a lei proíbe, como resulta do artigo 130.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.0 do CPPT (cfr. nesse sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo com data de 08.09.2010 e 15.09.2010, proferidos, respetivamente, no âmbito dos processos n.ºs 0662/1O e 0234/10).

Em suma, para que se proceda à referida convolação é necessário, cumulativamente, que (i) a petição seja tempestiva em relação ao meio para o qual opera a convolação; (ii) que os fundamentos aduzidos na petição (causa de pedir) apontem no sentido daqueles que são próprios de um processo de impugnação e que (iii) o pedido seja compatível com aquela forma de processo.

Ora, no caso vertente, a convolação da petição de oposição à execução em acção administrativa especial de impugnação da decisão do Conselho Diretivo do IFAP que, através de uma modificação unilateral do contrato de atribuição de ajudas, determinou a reposição voluntária da quantia € 59.127,82 (capital e juros) constituiria um ato inútil.

É que, da prova documental constante dos autos verifica-se que o Oponente foi notificado daquela "decisão final" por oficio, por si rececionado, em 17.02.2011 [cfr. al. B) da fundamentação de facto], pelo que, desde essa data poderia, durante o prazo de 3 meses previsto no artigo 58.º, n.º 2, alínea b) do CPTA, ter lançado mão daquele mencionado meio processual. E, ainda que o requerimento identificado em C) produzisse os efeitos previstos no n.º 3 do art. 60.º do CPTA, de interrupção do prazo de impugnação, sempre o mesmo iniciou novamente o seu curso com a notificação do oficio n.º 0322..../201 1, de 09.11.2011, mostrando-se, igualmente, largamente transcorrido o prazo legal de impugnação judicial.

Ora, atento o expendido, e tendo em conta que a presente oposição à execução foi apresentada junto do Serviço de Finanças de Olhão em 31.10.2012 [cfr. al. J) da fundamentação de facto], é inevitável conclui que o prazo de 3 meses para a apresentação de ação administrativa especial há muito se encontrava esgotado e, assim, se toma, claro ser impossível proceder à convolação da presente lide na forma processual adequada, por manifesta extemporaneidade”.

Também este Tribunal entende que, face ao que resulta do probatório, concretamente dos pontos B) e J), nunca a convolação seria possível, desde logo por se mostrar manifestamente intempestiva a acção administrativa especial, a qual deve ser instaurada no prazo de três meses (artigo 58° do CPTA), contados da notificação do acto que se pretendia impugnar.

Verifica-se, pois, que no momento em que foi apresentada a oposição (31/10/12) estava já esgotado o prazo legal para instaurar tal acção, o que inviabiliza a conversão deste processo em acção administrativa especial.


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Por último, resta-nos a apreciação das conclusões 28ª a 31ª, nas quais se alega que a notificação do acto que ordenou a reposição das quantias em causa não indicou os meios de defesa, o que contende com a exigibilidade da dívida, em resultado da ineficácia do acto que a define. Mais refere o Recorrente que “mesmo que se considere, como faz erradamente a douta sentença sindicada, que a indicação do órgão competente para apreciar a impugnação do acto e o prazo para este efeito só é devida no caso de o acto não ser susceptível de recurso contencioso, ainda, assim, consideramos que neste caso impunha-se a indicação dos meios de defesa, atendendo às suas particularidades assentes nas expectativas resultantes da lei e do contrato e no respeito pelo princípio da boa fé, que implica uma actuação correcta, leal e transparente da Administração Pública, para se evitar decisões controversas e contraditórias”.

Atentemos, então, ao percurso argumentativo seguido na sentença recorrida a propósito desta concreta questão.

Sobre este aspecto, lê-se o seguinte na decisão do TAF de Loulé:

“(…) Por fim, e sobre a alegada falta de notificação dos meios de defesa em relação ao ato administrativo que ordena a reposição das ajudas indevidamente recebidas, e que o Oponente considera ser fundamento da presente oposição nos termos da al. i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, importa esclarecer que constituem elementos essenciais da notificação do ato administrativo, a indicação do autor do ato, bem como o sentido e data da decisão. Só a falta destes elementos toma a notificação inoponível ao seu destinatário e irrelevante para efeitos do início do prazo da sua impugnação contenciosa. Ora, no caso em apreço, como se alcança da matéria de facto [cfr. ais. B) e D)], tais elementos constavam da notificação realizada. Ou seja, a notificação realizada é elucidativa quanto aos apontados elementos essenciais, pelo que era a mesma oponível ao seu destinatário, o ora Oponente, na data do seu recebimento tendo, assim, a virtualidade de desencadear o início do prazo de interposição da ação administrativa especial.

Acresce que, nos termos do n.º 1 do art. 68.º do CPA, da notificação de uma decisão definitiva e lesiva da esfera jurídica do particular deve constar o texto integral do ato administrativo; a identificação do procedimento administrativo e o órgão competente para apreciar a impugnação do ato e o prazo para este efeito, no caso de o ato não ser suscetível de recurso contencioso (agora impugnação judicial).

Ora, no caso presente o ato administrativo com eficácia externa (antes ato definitivo), notificado ao ora Oponente, não é suscetível de recurso hierárquico necessário, conforme decorre da lei, pelo que, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 68.º do CPA, a contrario, tal menção não é legalmente obrigatória.

Aliás, ao fazer-se menção expressa no ofício, no qual se contém o ato administrativo, de que aquele é a DECISÃO FINAL, nos termos do art. 103. º n. º 2 a) do Código do Procedimento Administrativo - cfr. ai. B) da fundamentação de facto, onde se dá por reproduzido o doe. 4 junto com a petição inicial -, não se suscitam quaisquer dúvidas sobre a imediata impugnabilidade de tal ato.

Assim, a falta de indicação dos meios de defesa na notificação que foi efetuada ao ora Oponente em 17.02.2011 não é fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos em que a mesma se mostra prevista na al. i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT”.

Mais uma vez, conclui este Tribunal que a Mma. Juíza decidiu com acerto e que nenhuma razão assiste ao Recorrente.

Aliás, também aqui, convocamos jurisprudência do STA que decidiu questão que se apresentou àquele Tribunal com idênticos contornos.

Com efeito, no acórdão do STA, de 08/03/17, proferido no processo nº 0489/15, pode ler-se, com aplicação ao caso que aqui nos ocupa que:

“(…) Por outro lado também se mostra que contrariamente ao alegado pela recorrente, no caso concreto não contende nem com a validade nem com a eficácia da notificação do acto administrativo que determinou a reposição das ajudas recebidas a circunstância de não haver a recorrente sido dele notificada com expressa referência ao órgão competente para apreciar a impugnação administrativa do ato e o respetivo prazo, no caso de o ato estar sujeito a impugnação administrativa necessária, como se estabelece no actual art.º 114.º do Código do Procedimento Administrativo actual e se estabelecia no seu art.º 68.º da redacção vigente à data da notificação de tal acto. A decisão proferida no procedimento administrativo que determinou a reposição das ajudas era contenciosamente impugnável, sem necessidade de qualquer reclamação ou recurso administrativo necessário, e, só nesta situação a indicação do órgão competente para a apreciar teria sentido, e seria legalmente exigível.

A recorrente foi notificada da decisão administrativa que ordenou a reposição das ajudas. Não terá concordado com ela, mas nada fez e, pretende pela oposição à execução ter uma segunda oportunidade de impugnar aquela decisão quando o prazo para esse efeito se mostra, há muito esgotado”.

Como se vem entendendo, uma das situações enquadráveis na alínea i) do artigo 204º do CPPT é a falta de notificação da liquidação do acto tributário, que afecte a sua eficácia e exigibilidade.

No caso que aqui nos ocupa, como se mostra patente, não é a falta de notificação do acto que o Oponente/Recorrente alega. A notificação do acto administrativo ocorreu; disso não há dúvidas.

A questão, tal como a entendemos, pretende-se com uma alegada irregularidade na notificação. Porém, a irregularidade da notificação, por falta de indicação dos meios de defesa, não é equiparável à sua falta para os efeitos previstos no artigo 204º do CPPT.

Na verdade, se atentarmos no artigo 37º do CPPT, constamos que se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a indicação dos meios de reacção contra o acto notificado pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento. No caso se ser usada tal faculdade, o prazo para a reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial conta-se a partir da notificação ou da entrega da certidão que tenha sido requerida. É esta, pois, a consequência desta irregularidade da notificação, não equiparável – repete-se – à sua falta.

Portanto, tal irregularidade da notificação não é subsumível ao artigo 204º, alínea i) do CPPT, nela não encontrando previsão.

Termos em que improcedem, também, as conclusões que vínhamos analisando.


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A finalizar, deve esclarecer-se que as conclusões 32ª a 35ª não nos suscitam qualquer consideração adicional, porquanto, como é patente, o seu teor reconduz-se ao âmbito das conclusões já antes analisadas.

Em suma, face a todo o exposto, improcedem na totalidade as conclusões da alegação de recurso, negando-se, assim, provimento ao mesmo. Mantém-se, pois, a sentença recorrida.


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3 - DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso jurisdicional.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 14/03/19


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Vital Lopes)

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(Hélia Gameiro)