Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1148/14.0 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/19/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES DO RECURSO
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA DE CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS À SEGURANÇA SOCIAL
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
AJUDAS DE CUSTO
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
DEFICIT INSTRUTÓRIO
Sumário:I-As conclusões das alegações de recurso visam identificar e extrair corretamente as questões controvertidas suscitadas pelo Recorrente, tendo a importante função de delimitar o objeto do recurso e circunscrever o campo de intervenção do Tribunal ad quem.

II-O não conhecimento do recurso, deve ser usado com parcimónia e moderação, apenas devendo ser utilizado como solução de última linha, ou seja, quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior ou ainda quando a síntese ordenada se não faça de todo, sendo certo que o Tribunal ad quem deve privilegiar os valores da justiça, da celeridade e da eficácia em detrimento de aspetos de índole formal.

III-Por norma as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar, aplicando as percentagens legais às remunerações, numa figura próxima da autoliquidação. Nessas situações não é aplicável o regime previsto no artigo 45º da LGT, porquanto o ato da entidade emitente do respetivo título executivo (certidão de dívida) não pode ser formalmente definido como ato de liquidação.

IV- A liquidação oficiosa resulta da iniciativa da Administração em suprimento das obrigações dos contribuintes, constituindo, por isso, um verdadeiro ato administrativo declarativo de liquidação de um tributo, praticado por autoridade pública.

V-Ao direito de liquidar tais contribuições é aplicável, por força do disposto nos artigos 1.º, 2.º 3º da LGT, o regime de caducidade do direito à liquidação previsto no artigo 45.º do mesmo diploma legal, uma vez que o regime específico das contribuições à Segurança Social não fixa um prazo especial de caducidade do direito de liquidação.

VI-O princípio do inquisitório não é privativo do procedimento tributário, sendo norteador e basilar de todo o procedimento administrativo conforme regulado, à data, nos artigos 56.º e 87.º do CPA.

VII-Encontrando-se a estipulação contratual de harmonia e uniformidade com o alegado pela Recorrida, tal demandava uma atividade instrutória pautada pelo inquisitório e que demonstrasse, de forma inequívoca, que as despesas em contenda assumiam o, alegado, conteúdo e intuito fraudulento, ou seja, que revestiam a natureza de remuneração e não o intuito de compensação pelas despesas de deslocação realizadas, quando, ademais, é não controvertido que as mesmas, efetivamente, ocorreram e nos locais nelas evidenciados.

VIII-Fundando-se as correções na audição de apenas onze trabalhadores, quando o total dos trabalhadores ascende a mais de 800 trabalhadores, tal amostra não se afigura suficiente e fidedigna, porquanto, sem expressividade, não representando, sequer 1,5% do universo total dos trabalhadores visados.

IX-Não procede num contexto probatório, a alegação conclusiva de que tais inquirições fundaram-se em diligências meramente complementares e coadjuvantes, sem se atestar essa mesma complementaridade, e quando ademais da leitura atenta do Relatório de Inspeção resulta, precisamente, que a pedra angular se coadunou nessa inquirição e nas diretrizes que as testemunhas traçaram para efeitos de atuação e meandros empresarias nas suas situações particulares para depois extrapolar para os demais trabalhadores, concretamente, para os cerca de mais de 800 trabalhadores

X-A outorga de um “Comunicado” com a informação do local exato da prestação de trabalho, em nada permite indiciar o caráter remuneratório, por um lado, porque a existência desses comunicados foi materializada mediante uma amostragem sem representatividade e expressividade, e por outro lado, porque tal não faculta a apelidação de “adenda” conforme faz crer a Recorrente, nem se consegue, per se, retirar que o local da contratação era sempre fora do território nacional.

XI-A regularidade e constância do recebimento dessas verbas não legitima, per se, a sua qualificação como retribuição.

XII-Caberia ao ISS demonstrar cabalmente os pressupostos em que sustentou a sua atuação, o que, a montante, implica a necessidade de realização das diligências suficientes para o efeito, só sendo exigível à Impugnante fazer contraprova se o ISS tiver cumprido o ónus a que está adstrito.

Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. (ISS, I.P.), (doravante Recorrente ou ISS), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “C. C. R., LDA” tendo por objeto o ato de liquidação oficiosa de contribuições e quotizações devidas à Segurança Social, no montante de €.4.227.595,57 respeitantes aos anos de 2008 a 2012, praticado pela Senhora Diretora do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes e notificado à Impugnante, ora Recorrida por ofício registado sob o nº 053884 de 17.02.2014,

A Recorrente veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo tribunal a quo, que julgou procedente a presente impugnação e, consequentemente anulou o ato de liquidação oficiosa de contribuições e quotizações devidas à segurança social, no montante de €4.227.595,57 respeitantes aos anos de 2008 a 2012, praticado pela Senhora Diretora do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes e notificado à Impugnante, ora Recorrida por ofício registado sob o nº 053884 de 17.02.2014,


B) Sucede que, para assim decidir, afigura-se-nos que o Mmo. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, incorreu numa errada interpretação dos factos e do direito aplicável, justificando a interposição do presente recurso.

C) Através da decisão proferida pela douta sentença, foi determinada a caducidade das liquidações referentes aos períodos correspondentes a janeiro de 2008 até janeiro de 2010, cuja fundamentação se alicerça no entendimento vertido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de fevereiro de 2014 (processo 01481/13).

D) No entanto, será de sublinhar que o citado Acórdão foi proferido posteriormente à notificação da decisão de liquidação de apuramento oficioso datada de 17.02.2014, sendo que, até essa mesma data, a jurisprudência expressava uniformemente o entendimento de que as disposições previstas no artigo 45º da Lei Geral Tributária (doravante LGT), não seriam aplicáveis à liquidação das dívidas da segurança social, pelo facto de, não se estar perante uma liquidação em sentido próprio, razão pela qual, o regime da caducidade do direito à liquidação de contribuições nunca esteve previsto, nem está, na legislação previdencial.

E) Por conseguinte, o regime de Bases da Segurança Social, aprovado pela Lei nº 4/2007 de 16 de janeiro, embora preveja um prazo especial de prescrição, nada prevê quanto à caducidade das contribuições. Por sua vez, o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/09 de 16 de setembro (doravante CRCSPSS) no seu artigo 187.º, continua a manter exclusivamente o regime da prescrição, afastando, dessa forma, o regime da caducidade das contribuições para a segurança social.

F) Ainda que, o entendimento perfilhado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de fevereiro de 2014 (processo 01481/13) se tenha assumido para a mais recente jurisprudência como uma importante fonte de direito, será de questionar a possibilidade de conter efeitos retroativos, isto é, aplicar-se a factos tributados e concluídos, anteriores à data em que foi proferido.

G) A este respeito, o nº 1 do artigo 12º da Lei Geral Tributária (doravante LGT), em obediência ao disposto nº 3º do artigo 103º da Constituição da República Portuguesa, estipula que as normas tributárias se aplicam aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos.

H) Sendo certo, que o acórdão não se reveste de uma norma jurídica, é por via do mesmo que se justifica a aplicabilidade de disposições, nomeadamente do artigo 45º da LGT, às liquidações de contribuições da segurança social, que até então, não eram alvo dessa mesma subsunção jurídica.

I) Por sua vez, prevê o nº 3º do citado artigo 12º da LGT que as normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituintes dos contribuintes.

J) Da aplicação das referidas disposições, constituindo a caducidade uma questão que norteia o processo e o procedimento tributário, nomeadamente no que diz respeito ao procedimento de reconhecimento de extinção da relação jurídica tributária, salvo o devido respeito por diverso entendimento, qualquer alteração do seu quadro de aplicação, será de aplicação imediata com efeitos para o futuro. Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo nº 0384/11 de 06.07.2011, « I - Quanto à aplicação no tempo da lei processual civil e tributária, a regra é a mesma que vale na teoria geral do direito: a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não possui eficácia retroactiva - artigo 12.º, n.º do C.Civil e artigo 12.º, n.º 3 da LGT. Porém, da submissão a esta regra geral exceptua-se o caso de a lei nova ser acompanhada de normas de direito transitório ou de para ela valer uma norma especial, como é o caso da norma contida no n.º 2 do artigo 142º do CPC, que determina que a forma de processo aplicável se determina pela lei vigente à data em que a acção é proposta.»

K) Pelo exposto, não estando em causa um processo pendente, ou qualquer norma de direito especial ou transitório, considera o Recorrente, que não deverá ser procedente a alegação da caducidade parcial da dívida tributária imputada à Recorrida.

L) Considerou o tribunal a quo, que as liquidações em causa se demonstram ilegais, por défice instrutório e consequente falta de fundamentação, porquanto não se demonstrou cumprido o ónus que impendia sobre a ora Recorrente.

M) Entende o tribunal a quo, que «caberia demonstrar que todos - atenta a correção efectuada - os trabalhadores foram contratualmente contratados para imediatamente seguir para o estrangeiro»

N) Salvo o devido respeito, em sentido contrário ao do entendimento perfilhado pelo douto tribunal e pela Recorrida, dos dados constantes do processo administrativo e de todos os elementos probatórios nele reunidos, não se poderá vislumbrar qualquer violação ao princípio do inquisitório ou ao “poder- dever” de recolha de provas adequadas à tomada da boa decisão

O) Relativamente à alegação, de que os montantes apurados a título de ajudas de custo, o teriam sido através de amostragem consubstanciada na inquirição de 11 trabalhadores, impor-se-á esclarecer que muito embora, a matéria objeto de apuramento nos presentes autos se reporte a período anterior à entrada em vigor do CRCSPSS, a abertura do processo de averiguações, bem como a sua instrução, ocorreram já no decurso do ano de 2013, ou seja, em data em que o referido código já se encontrava em vigor.

P) Por conseguinte, é ao abrigo deste código que o procedimento de averiguações terá de se enquadrado com todas as suas consequências legais, nomeadamente a aplicação subsidiária do Código de Procedimento Administrativo (doravante CPA), conforme assim é previsto na alínea c) do artigo 3º do CRCSPSS, afastando assim, a aplicação de qualquer outro diploma legal na fase correspondente à fiscalização e elaboração do processo administrativo de averiguações (PROAVE).

Q) Neste contexto, carecem de fundamento, os alegados vícios de défice de instrução e de violação do princípio do inquisitório de que padecerá o processo de averiguações, ora em apreço.

R) No processo judicial tributário, o principio do inquisitório, assume-se de facto, como o suporte e base normativa de toda a base instrutória, competindo assim ao juiz investigar a validade das provas oferecidas e oficiosamente determinar se haverão outras necessárias e relevantes para além das oferecidas.

S) Considerando que, no processo judicial tributário são admitidos os meios gerais de prova, poderão também ser usadas as presunções, tais como são previstas no artigo 349º do Código Civil (doravante CC). De salientar, que serão precisamente as presunções que prestam um relevante auxílio no combate à evasão e fraude fiscal, apelando a factos conhecidos para afirmar outros desconhecidos, salvaguardando a produção de prova em contrário, nos termos do artigo 73º da Lei Geral Tributária (doravante LGT).

T) De outra feita, nos termos conjugados nº 2 do artigo 115º do CPPT e o nº 1 do artigo 76º da LGT, as informações oficiais prestadas pela inspeção tributária “fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei”.

U) Estarão assim em causa, meios de prova a que o legislador atribuir força probatória bastante, a qual que pode ser afastada através de contraprova, bastando ao interessado gerar uma dúvida fundada e razoável quantos aos factos de que foi indiciado.

V) Ora, como adiante se verá, da prova oferecida aos autos, entende o Recorrente que em momento algum a Recorrida ofereceu quaisquer argumentos ou elementos de prova idóneos que pudessem contradizer ou gerar dúvida razoável quanto às conclusões apuradas em sede de PROAVE.

W) No que diz respeito à técnica de amostragem e à alegada “extrapolação”, importará desde logo sublinhar que este método de avaliação é amplamente usado pela administração tributária, sendo certo, que à mesma será exigível um carácter fidedigno.

X) Se atentarmos na prova reunida e produzida pelo Recorrente, constataremos que a inquirição das 11 testemunhas e sobre a qual operou a alegada presunção de factos, apenas se consubstanciou numa diligência meramente complementar, sem a qual, teria sido possível chegar às mesmas conclusões que tiveram por base a elaboração dos mapas de apuramento oficioso. Com efeito, nos termos do artigo 396º do CC, a valoração da prova testemunhal fica sujeita à livre apreciação, pelo que, se pressupõe sempre uma maior cuidado, densificação e articulação com os restantes meios de prova realizados. Ora, no caso em apreço, os depoimentos produzidos em sede inspetiva, não mais do que vem corroborar os indícios que resultaram de uma análise criteriosa, densa e objetiva a toda a documentação contabilística da empresa, nomeadamente balancetes, mapas de processamento de salários e ajudas de custo, boletins itinerários, registos de assiduidade, análise do quadro de pessoal, comprovativos de informação empresarial simplificada e transferências bancárias, apólices de trabalho, contratos e recibos de vencimento.

Y) Salvo o devido respeito, entende o Recorrente, que os elementos instrutórios reunidos no PROAVE e nos autos, como melhor adiante se verá, se revestem da necessária idoneidade, pois são apoiados em critérios estritamente objetivos e suportados através da devida prova documental, permitindo comprovar que as verbas pagas pela Recorrida aos seus funcionários a título de ajudas de custo, não encontram a sustentação legal que a Recorrida quer fazer crer, sendo este, aliás, o cerne de toda a questão a dirimir.

Z) Assim, ainda que a Recorrida seja uma entidade privada, no que tange à atribuição de ajudas de custo aos trabalhadores, encontra-se vinculada aos princípios que norteiam a atribuição daqueles abonos, uma vez que o Decreto-Lei n.º 106/98 de 24 de abril é aplicável, obrigatoriamente, a todas as entidades empregadoras, públicas ou privadas.

AA) Ora, a definição de domicílio necessário, encontra-se regulada no artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 106/98 de 24 de abril, que dispõe “Sem prejuízo do estabelecido em lei especial, considera-se domicílio necessário, para efeitos de abono de ajudas de custo: a) A localidade onde o funcionário aceitou o lugar ou cargo, se aí ficar a prestar serviço; b) A localidade onde exerce funções, se for colocado em localidade diversa da referida na alínea anterior; c) A localidade onde se situa o centro da sua atividade funcional, quando não haja local certo para o exercício de funções”.

BB) Aliás, no mesmo sentido, quanto ao conceito de domicílio profissional, veja-se o artigo 83.º do CC, onde se pode ler: “1- A pessoa que exerce uma profissão tem, quanto às relações a que esta se refere, domicílio profissional no lugar onde a profissão é exercida. 2- Se exerce a profissão em lugares diversos, cada um deles constitui domicílio para as relações que lhes corresponderem”. Na mesma senda, estatui o nº 1 do artigo 193º do CT e, cita-se: “O trabalhador deve, em princípio, exercer a sua atividade no local contratualmente definido (…)”.

CC) Por conseguinte, como primeiro ponto, impor-se-á analisar o qual o domicilio necessário dos trabalhadores contratados, porquanto, se o trabalhador é contratado para exercer atividade num local de trabalho definido pelo empregador, seja em Portugal ou no Estrangeiro, não se considera que haja lugar à atribuição de ajudas de custo, isto porque o local para onde foi contratado é considerado o seu domicílio necessário e as ajudas de custo têm um carácter compensatório, visando essencialmente compensar o trabalhador pelas despesas por si suportadas quando deslocado do seu domicílio profissional ao serviço da sua entidade empregadora.

DD) A este respeito, a própria sentença ora Recorrida, invoca o Acórdão do TCAS de 28 de setembro de 2017, Processo 578/13.9BEALM, no qual se expressa o entendimento que as ajudas de custo, não mais do que «visarão compensar o trabalhador por despesas por si realizadas ao serviço da entidade patronal por motivo de deslocação do lugar habitual de trabalho» (sublinhado nosso)

EE) Cumprirá assim, aferir nos autos, qual é o lugar habitual do trabalho dos trabalhadores ao serviço da Recorrida, porquanto, não é pelo facto do trabalho ser prestado no estrangeiro, sem mais, que a entidade patronal pode suportar, a título de ajudas de custo, as despesas de alojamento e alimentação do trabalhador.

FF) Por conseguinte, para efeitos de atribuição de ajudas de custo, é apenas relevante que o trabalhador esteja deslocado relativamente ao seu local de trabalho e que, por força dessa deslocação de carácter temporário, incorra em despesas que devem ser suportadas pela entidade patronal porque efetuadas ao serviço e a favor desta.

GG) Atento o teor dos contratos de trabalhos celebrados a termo certo celebrados com os trabalhadores, é possível verificar que o motivo justificativo para a celebração do mesmo, fundamenta-se na «execução de trabalhos de construção civil e obras públicas, em regime de empreitada, e pela necessidade de um acréscimo de trabalhadores por um período de 6 meses, para a execução de empreitadas de análoga temporalidade» (sublinhado e itálico nossos)

HH) De acordo com a clausula 2ª do contrato, «o centro funcional da atividade do Segundo Outorgante será em Sacavém. Muito embora, o local de trabalho do Segundo Outorgante seja na sede da Primeira Outorgante, poderá esta ter necessidade de proceder à deslocação do trabalhador para qualquer obra que esteja a funcionar, enquanto o presente contrato vigorar» (sublinhado e itálico nossos)

II) Veio a Recorrida esclarecer, que a menção ao “centro funcional da atividade” prendia-se com o facto de os trabalhadores não terem um local certo para o exercício das suas funções, podendo a todo o momento ser deslocados para locais distintos.

JJ) Ora, se por um lado, como facilmente se constata, não existe qualquer correspondência entre o local de trabalho identificado no contrato, com as funções de construção civil efetivamente exercidas, por outro, para os efeitos do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 106/98 de 24 de abril, considera-se o centro da atividade funcional, quando não haja lugar certo para o exercício de funções, o local onde maioritariamente são exercidas as funções do trabalhador e onde o mesmo efetua o registo de assiduidade, o que não sucede no presente caso. Neste sentido, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul datado de 07.12.2013, Processo nº 04656/08: «A ajuda de custo, conforme resulta do seu regime legal, não visa, verdadeiramente, compensar despesas efectuadas. Visa, isso sim, compensar despesas que o legislador presume que sejam efectuadas pelo funcionário deslocado em serviço, ainda que efectivamente este as não faça. (…) considerando-se que a atividade funcional é exercida na localidade onde estão sediados os serviços aos quais estão adstritos os funcionários, onde têm de comparecer no início do período de trabalho e onde é controlada a sua assiduidade.»

KK) Também o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul datado de 07.12.2013, Processo nº 04656/08 «conclui-se assim que se um trabalhador tiver sido colocado a exercer funções apenas num Matadouro, será a localidade onde este se situa, o seu domicílio necessário para efeitos de abono de ajudas de custo. Se o trabalhador tiver sido colocado em vários Matadouros, então refere a lei, alínea c) do artigo 2º, que o seu domicílio necessário será a localidade onde se situa o centro da sua actividade. Por centro da sua actividade tem de se concluir que será o local onde estará mais tempo a exercer as suas actividades. Aí é que será o centro da sua actividade, o local que para si será o mais representativo. Mesmo que este local seja um Matadouro (entidade privada), pelas conclusões que já anteriormente referimos. Assim sendo, quando um trabalhador tiver sido colocado a exercer funções em vários Matadouros, o seu domicílio necessário será a localidade onde se situa o Matadouro onde exerce mais tempo as suas funções. Questão diferente é quando o trabalhador se encontra a exercer funções na Divisão de Intervenção Veterinária e se desloque, por algumas horas e ou em alguns dias da semana a alguns Matadouros. Ou seja, quando faz da Divisão de Intervenção Veterinária o centro da sua actividade porque é daí que parte ou regressa para os vários locais de trabalho. Neste caso, o seu domicílio necessário já será a localidade onde se situa a Divisão de Intervenção Veterinária.»

LL) Ora, nos presentes autos, não restarão dúvidas que a sede da empresa não só não é o local representativo da atividade dos trabalhadores, como ainda, não é no mesmo que é feito qualquer registo de assiduidade, aliás como, assim é comprovado os mapas de assiduidade junto aos autos.

MM) De salientar, que as regras que norteiam o pagamento das ajudas de custo, não exigem que se indique a localidade específica onde o trabalho será executado, mas apenas que os trabalhadores desenvolvam a sua atividade laboral no local para onde são contratados, constituindo este, para os devidos efeitos legais, o seu domicílio necessário, seja em Portugal seja no estrangeiro.

NN) Assim, se o trabalhador é contratado para exercer atividade num local de trabalho definido pelo empregador, seja em Portugal ou no Estrangeiro, não se considera que haja lugar à atribuição de ajudas de custo, isto porque o local para onde foi contratado é considerado o seu domicílio necessário.

OO) Nos presentes autos, é possível concluir que os trabalhadores foram contratados pela Recorrida, para exercer funções compreendidas da atividade de construção civil, salvaguardando o contrato expressamente a possibilidade dessas mesmas deslocações.

PP) Ademais, como se demonstra evidenciado nos autos, aquando celebração dos Contratos de Trabalho, junto com os mesmos era entregue uma “Adenda” denominada “Comunicado” através da qual, a Recorrida informava os trabalhadores do local exato onde seria prestada a sua atividade. Deste modo, atento o teor dos comunicados junto aos contratos, é possível concluir que os trabalhadores do Recorrente não se “deslocaram em serviço” da sede da empresa para outro local, por não ser aquela, o local de trabalho na realidade contratualmente estabelecido; antes foram contratados, ab initio, para prestarem temporariamente a sua atividade fora da sede da empresa.

QQ) Efetivamente, tendo sido os trabalhadores contratados para exercer as suas funções no local de trabalho designado no comunicado junto ao contrato no momento em que é assinado, não sendo por isso, mais do que um mero aditamento, não se poderá considerar que os mesmos tivessem sido deslocados do seu local de trabalho habitual, sendo inócuo o local da sede da empresa constante no contrato, já que o mesmo não passava de letra morta.

RR) No sentido de, também suportar e corroborar as conclusões apuradas pelo Recorrente, que até prova em contrário, fazem fé pública, foram inquiridos diversos trabalhadores que estiveram ao serviço da Recorrida entre os períodos compreendidos entre 2008 e 2012.

SS) Todos estes trabalhadores afirmaram que os seus locais de trabalho correspondiam às obras das empresas estrangeiras relativamente às quais a Recorrida era subempreiteira. Neste sentido, aquando da celebração do contrato de trabalho, assinavam simultaneamente uma comunicação na qual constava o local onde seriam prestados os serviços. De igual modo, todos estes trabalhadores afirmaram que enquanto permaneceram no efetivo local de trabalho a Recorrida pagava as despesas de alimentação e estadia.

TT) Os testemunhos, não mais do que vêm corroborar o que documental e objetivamente se encontrava indiciado, não restando à Recorrente margem para dúvidas para concluir que os montantes auferidos a título de ajudas de custo, não mais do que seriam verdadeiras retribuições.

UU) Apelando às regras de experiência e senso comum, ou seja, mesmo sem recorrer a uma análise de carácter mais técnico e contabilístico, desde logo, seria de equacionar e atendendo à atividade desenvolvida pela empresa, nomeadamente execução de empreitadas de construção civil a clientes, cujo objeto envolve necessariamente a deslocação aos vários locais onde a empresa desenvolve a sua atividade (no caso em apreço, maioritariamente no estrangeiro) a razão pela qual a Recorrida optou por indicar como o local de trabalho, a própria sede, bem sabendo que na mesma não se coaduna com a tipologia de atividade exercida, nem têm qualquer correspondência com a motivação do contrato a termo certo, subordinada à execução de determinada obra ou atividade de construção temporalmente definida.

VV) Com base nestes pressupostos, é possível afirmar, atenta à natureza das obras desenvolvidas e respetiva área geográfica operada pela empresa, em momento algum os trabalhadores tiveram a expectativa de vir a desenvolver os seus trabalhos na sede, e sem que, para tal não ocorresse a sua imediata deslocação, no caso em apreço, para obras sitas no estrangeiro.

WW) De esclarecer, e como devidamente comprovado nos autos, no âmbito do período de fiscalização em apreço, a empresa apenas teve uma empreitada a decorrer em território nacional, nomeadamente no Porto.

XX) Dada a grandeza de volume de negócios da empresa, é impossível equacionar que esses trabalhadores não foram desde logo deslocados para exercer a sua atividade nas obras contratualizadas em território estrangeiro, atendendo a que, em território nacional não se encontravam a decorrer empreitadas.

YY) Sendo certo, como já anteriormente esclarecido, que a realização de obras em território nacional, não constituiu só por si condição ou implica a alteração da natureza das verbas pagas a título de ajudas de custo, porquanto, trata-se tão só de aferir a existência da definição, contratualização e conhecimento das deslocações que poderão ser envolvidas na atividade exercida ao serviço da empresa, pelo que, a existir esses mesmos pressupostos, tal como sucede para obras a realizar no estrangeiro, não se encontrem preenchidos os pressupostos para atribuição de ajudas de custo.

ZZ) Por conseguinte, no que diz respeito à obra que se realizou no Porto, foi afirmado pelas testemunhas da Recorrida, nomeadamente M. V. e P. P., que apenas foram atribuídas ajudas de custo aos trabalhadores que residam fora da zona/local da obra.

AAA) O critério usado pela Recorrida quanto à definição dos pressupostos de atribuição de ajudas de custo não se compadece com os critérios legalmente definidos.

BBB) No caso em apreço, sendo a sede da empresa em Sacavém, e tendo ficado devidamente comprovado que no período objeto de fiscalização, todas as empreitadas de obras de construção civil não se realizaram na sede da empresa, toda e qualquer deslocação, por ter sido devidamente acautelada e contratualizada, não terá a natureza de ajuda de custos.

CCC) Assim, os abonos pagos a título de “ajudas de custo”, não podem ser consideradas verdadeiras ajudas de custo, mas, ao invés complementos de retribuição, uma vez que não visam compensar o trabalhador por despesas por si realizadas ao serviço da entidade patronal por motivo de deslocação do lugar habitual de trabalho.

DDD) Muito embora, o tribunal a quo, considera que este cenário ficou apenas comprovado relativamente a um universo restrito de trabalhadores, como se explicará o volume de negócios da empresa sem o recurso imediato de mão de obra disponível, para os países estrangeiros, nos quais ocorreram as empreitadas desenvolvidas pela empresa no decorrer do período de fiscalização?

EEE) Não tendo a sede da empresa qualquer correspondência com as funções exercidas, restará concluir, pelo confronto dos boletins itinerários com os mapas de ajuda de custos, que os trabalhadores devidamente identificados nos mapas de apuramento oficioso, foram de facto, ab initio contratados para seguir para as obras existentes e que se encontravam a decorrer, no caso em apreço, no estrangeiro, não sendo de configurar qualquer outra situação, a qual inviabilizaria e colocaria em causa, o próprio desempenho e compromissos assumidos pela empresa Recorrida relativamente aos contratos de empreitada outorgados.

FFF) No que diz respeito, a esta situação, nomeadamente quanto ao facto de,os trabalhadores não terem sido de imediato contratados e destacados para os locais de obra, vieram as testemunhas da Recorrida alegar o seguinte: M. V., referiu que «logicamente quando havia um obra para começar ou duas em que era necessário 50 ou 100 trabalhadores as pessoas tinham que ser contratadas e praticamente deslocadas no imediato, mas o procedimento normal era, portanto as pessoas, ora a empresa sempre teve em simultâneo às vezes 15 ou 20 obras, quer em Portugal, quer no estrangeiro, portanto as pessoas assinavam um contrato de trabalho em que é indicado como centro funcional da atividade a sede da empresa, uma vez que, inicialmente eles iam inclusivamente receber formação quer a nível técnico quer a nível de higiene e segurança no trabalho, que era uma das grandes preocupações da empresa (…) portanto as pessoas eram contratadas dessa forma e depois havendo necessidade da sua deslocação assinavam uma comunicação da deslocação para a obra “tal” onde era indicada o valor de ajuda de custo diária que iriam receber (…) isto porque não havia uma obra específica onde os trabalhadores iam trabalhar.»

GGG) P. P., declarou que «A C. desde o inicio tinham obras no Portugal e no Estrangeiro, quando contratavam as pessoas, inicialmente tinham formação na sede do estabelecimento e só depois é que eram distribuídas pelas obras, tanto fosse em Portugal como no Estrangeiro. Quando havia necessidade de ir para o estrangeiro comunicava-se ao trabalhador se estava interessado, qual o valor que se pagaria de ajuda de custo e aí é que assinavam a declaração a dizer se queriam ir ou não e só era paga nessa instância»

HHH) No que diz respeito a ocorrência do imediato destacamento, assim que os trabalhadores são contratados declarou que «Não era regra da empresa fazer isso, não digo que não tenha acontecido abrir uma obra e não termos pessoal suficiente e termos que contratar e assinar tudo no mesmo dia»

III) Ora, se por um lado, não existe nos autos, qualquer comprovativo quando às datas de realização dessas mesmas formações, por outro, o local de formação profissional em nada altera o local de trabalho efetivamente contratualizado para efeitos de domicílio necessário, sendo aliás, prática corrente a formação profissional ser ministrada em local diferente ao do local de trabalho, não estando a mesma condicionada a ocorrer na sede da empresa ou no local onde efetivamente são exercidas as funções dos trabalhadores.

JJJ) De outra feita, as referidas declarações induzem ao entendimento, que após a celebração do contrato de trabalho, os trabalhadores vão sendo chamados de acordo com as necessidades da empresa, o que não só contraria o principio de efetividade de funções, como ainda, indicia a existência de um contrato promessa de contrato de trabalho, sem que para o efeito, conste qualquer documento assinado pelos promitentes.

KKK) Ainda, de acordo com o testemunho de P. C., funcionário do Recorrente, em conformidade com a prova documental junto aos autos, será de salientar que os “comunicados” contêm a mesma data do contrato de trabalho, sendo que, de acordo com o cruzamento entre os dias de deslocação constantes nos boletins itinerários, com a própria data de admissão dos trabalhadores (dados constantes no Sistema de Informação Interno da Segurança Social) verifica-se que desde o primeiro dia de admissão, salvo algum pontual desfasamento, os trabalhadores encontravam-se desde logo a trabalhar para a obra a que na realidade foram contratados.

LLL) Por conseguinte, não se verifica qualquer deslocação em relação ao local de trabalho habitual, até porque não existia a este respeito, qualquer possibilidade de os trabalhadores regressarem ao putativo local de trabalho de origem, a sede da empresa em Sacavém, que mais não se trata de uma fração afecta a serviços, e não um estaleiro, não podendo nela decorrer quaisquer contratos de empreitadas de obras de construção civil.

MMM) Conforme o depoimento prestado pela testemunha P. P., e no que concerne às apólices de seguro de acidentes de trabalho, documentação que aliás se encontra junto aos autos, «tínhamos uma apólice de seguros para cada país que trabalhávamos, tínhamos uma apólice para Portugal, Espanha, Itália, Ucrânia por exigência da seguradora, porque para seguradora não fazia sentido a taxa de Portugal ser igual por exemplo à taxa de Ucrânia quando caso houve um um repatriamento o custo é muito mais elevado, então proe exigência da seguradora, tínhamos uma apólice para cada obra, para cada país não para cada obra»

NNN) De acordo com as previsões contidas nos artigos 14º e 18º da Portaria nº 256/2011 de 05 de Julho, que aprova a parte uniforme das condições gerais da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, bem como as respetivas condições especiais uniformes, a cobertura dos riscos inicia-se no dia e hora indicados no contrato e depende do prévio pagamento do prémio.

OOO) Pelo exposto, o próprio regime de seguro de acidentes de trabalho não se compadece com a realidade defendida pela Recorrida, porquanto, apenas faz sentido celebrar uma apólice de acidentes de trabalho para países estrangeiros e com efeitos imediatos nos contratos de trabalho dos trabalhadores, se de facto, for esse o seu real e efetivo local de trabalho.

PPP) Relativamente ao modo como a empresa organizava a saída dos trabalhadores, bem como ao decurso de tempo decorrido entre a celebração do contrato e a respetiva deslocação, muito embora, tenham sido as testemunhas confrontadas na audiência de julgamento quanto a esta matéria, inclusivamente pelo Meritíssimo Juiz, não foi dado qualquer esclarecimento a este respeito.

QQQ) Da análise de todos estes elementos, é possível comprovar, que os dados indicados no contrato de trabalho quanto ao local de prestação de atividade, não coincidem com a realidade efetivamente praticada, o que só por si constitui um motivo de descredibilização quanto à veracidade material dos documentos internos e contabilísticos oferecidos pela Recorrida, os quais não terão a virtualidade de inverter o ónus da prova dos factos apurados.

RRR) Face a este enquadramento e como melhor adiante se fundamentará, entende o Recorrente que foram recolhidas factualidades pertinentes que permitem reconhecer o mínimo de solidez e consistência quanto à matéria de que a Recorrida vem indiciada.

SSS) Para além da análise relativa ao domicilio necessário dos trabalhadores, impor-se-á também analisar as demais características das verbas pagas a título de ajudas de custo, a partir das quais foi possível concluir que se tratavam de verdadeira retribuição.

TTT) Da análise aos recibos de vencimento, balancetes, boletins itinerários e aos mapas de ajudas de custo, cuja análise por trabalhador se encontra refletida nos mapas de apuramento, facilmente se demonstrará que as quantias auferidas a título de ajuda de custo, são atribuídas por cada dia de serviço prestado, independentemente da existência de quaisquer deslocações em relação ao local de trabalho contratualmente definido.

UUU) As referidas verbas representam montantes superiores ao salário contratualizado, sendo inequívoco o seu carácter fixo e regular. De igual modo, não se encontram temporalmente balizadas, delongando-se ao longo de todo o período de execução do contrato, situação que não se compadece com o carácter excecional e meramente compensatório de que se deverão revestir as ajudas de custo, pelo que se refletem num claro acréscimo patrimonial dos trabalhadores.

VVV) No que concerne, às quantias disponibilizadas a título de adiantamento para fazer face a despejas de alojamento e refeição, não é oferecido qualquer elemento de prova, recibo ou factura, a partir do qual, fosse possível posteriormente fazer o alegado “acerto de contas”.

WWW) Ademais, os trabalhadores em sede de inquirição aquando do processo de fiscalização, declararam existir alojamento e cantina nos locais das obras, informação essa, corroborada pelo testemunho da funcionária M. V.. A este respeito, a informação constante nos comunicados juntos aos contratos de trabalhos, refere existir inclusivamente compensação quanto aos custos envolvidos em deslocações.

XXX) A este respeito, a informação constante nos comunicados juntos aos contratos de trabalhos, refere existir inclusivamente compensação quanto aos custos envolvidos em deslocações.

YYY) Por seu turno, a funcionária P. P., vem referir a existência e de um “adiantamento em vale em obra, vale de caixa” atribuído aos trabalhadores, desconhecendo-se nos autos, por falta de prova, que de tipo de documento se trataria.

ZZZ) De igual modo, em conformidade com o depoimento dos trabalhadores inquiridos e dos próprios testemunhos dos funcionários da empresa em sede de audiência de julgamento, os trabalhadores tinham desde logo, a expectativa de receberam ajudas de custo pelo facto de ir trabalhar para o estrangeiro.

AAAA) Porquanto, em conformidade com o depoimento da testemunha M. V. «Se estavam deslocados tinham de ter essa expectativa (...)», sendo um dado assente que a empresa não conseguiria recrutar mão de obra sem recorrer à atribuição de ajudas de custo, pois os trabalhadores não aceitariam trabalhar no estrangeiro sem qualquer compensação relativamente ao salário definido por contratação coletiva. Neste sentido, o próprio testemunho de S. C. esclarece que «havia uma determinada remuneração que era paga em ajudas de custo para compensar, de certa forma, a pessoa estar fora (…) Afetam as pessoas à sede da empresa, mas, como é óbvio, o local de trabalho não é na sede da empresa, é sempre fora, e por isso há essa compensação quando são afetas a uma determinada obra» Também, de acordo com o testemunho de P. P., e como já anteriormente referido, aos trabalhadores era comunicado o valor que iriam receber a título de ajudas de custo, visando perceber se estariam interessados em aceitar ou não a deslocação para a obra.

BBBB) Ora, todo este procedimento contraria a lógica e os pressupostos jurídicos da atribuição de ajudas de custo, sendo que, da prova constante dos autos, no entender do Recorrente, as denominadas ajudas de custo, pagas aos trabalhadores, não passam de despesas ficcionadas, constituindo-se na realidade, como verdadeira retribuição.

CCCC) Assim, impor-se-á, cruzar o conceito de remuneração adotado pela segurança social com a figura de retribuição prevista no Código de Trabalho, porquanto, será a partir da análise destes normativos que é possível distinguir a natureza da retribuição relativamente à de ajudas de custo e por conseguinte, sair reforçado o entendimento do Recorrente quanto à natureza das prestações, ora em apreço.

DDDD) O artigo 258º do CT, determina os elementos constitutivos que compõem a noção de retribuição, nomeadamente: uma prestação com valor patrimonial, atribuída em dinheiro ou espécie; paga de forma regular e periódica; devida pela entidade patronal aos trabalhadores como contrapartida da sua força de trabalho.

EEEE) Por sua vez, o nº 1 do artigo 260º do CT prevê que não se consideram retribuição: a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador;

FFFF) Relativamente à prova da verificação dos pressupostos condicionantes da atribuição da natureza retributiva a qualquer prestação pecuniária paga pelo empregador ao trabalhador, a lei consagra um regime favorável aos trabalhadores, prevendo no nº 3 do artigo 258º do CT, que se presume qualquer retribuição toda e qualquer prestação da entidade empregadora ao trabalhador, cabendo a este somente provar a perceção das prestações pecuniárias, não tendo de provar que a mesmas são contrapartida do trabalho.

GGGG) Em toda a jurisprudência citada, é uniforme o entendimento de que cabe à entidade empregadora, nos termos do nº 1º do artigo 344º e nº 1 do artigo 350.º do CC provar que a atribuição patrimonial por ela feita ao trabalhador reveste a natureza de ajudas de custo, sob pena de não lhe aproveitar a previsão do artigo 260.º do CT e de valer a presunção do n.º 3, do artigo 258.º do citado diploma, de que se está perante uma prestação com natureza retributiva.

HHHH) Em suma, toda e qualquer prestação periódica, certa e obrigatória, que o trabalhador receba em razão do seu vínculo laboral, deve ser considerada retribuição, porquanto o trabalhador criou legítimas expectativas em relação ao seu recebimento.

IIII) Serão, portanto, dois os critérios utilizados pelo legislador para determinar a qualificação de certa quantia como retribuição. O primeiro critério sublinha a ideia de correspetividade ou contrapartida negocial - é retribuição tudo o que as partes contratarem (ou resultar dos usos ou da lei para o tipo de relação laboral em causa) como contrapartida da disponibilidade da força do trabalho. O segundo critério assenta numa presunção: considera-se que as prestações que sejam realizadas regular e periodicamente pressupõem uma vinculação prévia do empregador e suscitam uma expetativa de ganho por parte do trabalhador, ainda que tais prestações se não encontrem expressamente consignadas no contrato (Monteiro Femandes, Direito do Trabalho, 11.ª edição, Coimbra).

JJJJ) Deste modo, enquanto, a ideia de retribuição está ligada a uma ideia de correspectividade, contrapartida e regularidade, as ajudas de custo estão intimamente relacionadas com a compensação das despesas do trabalhador ao serviço da entidade patronal, sempre que verifiquem excedidos os critérios e os limites previstos no Decreto-Lei 106/98 de 24 de Abril, nomeadamente a deslocação do domicílio necessário, que de resto não se verificou nos presentes autos.

KKKK) Dos elementos reunidos nos autos, verifica-se que as verbas patrimoniais em análise, têm um carácter regular e periódico (o que se justifica pela própria natureza do contrato de trabalho, como contrato de execução duradoura ou continuada) sendo superiores inclusivamente aos próprios salários base, criando no trabalhador uma expectativa de ganho relativamente às mesmas.

LLLL) As referidas circunstâncias operam a favor da presunção prevista no nº 3 do artigo 258º do CT, pois não basta a mera qualificação de determinado montante como “ajuda de custo”, para que assim fique excluído de base de incidência, quer para efeito de segurança social, quer para efeitos fiscais. Neste sentido, tem a jurisprudência entendido que “as prestações regulares e periódicas pagas pelo empregador ao trabalhador, independentemente da designação que lhes seja atribuída no contrato ou no recibo, só não serão consideradas parte integrante da retribuição se tiverem uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho.”, (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo n.º 2195/05.8TTLSB-4).

MMMM) Nesta medida, para o efeito das disposições previstas no nº 1 e na alínea p) do nº 2 do do artigo 46º do CRCSPSS que respetivamente determinam: “1. Para efeitos de delimitação da base de incidência contributiva, consideram-se remunerações as prestações pecuniárias ou em espécie que nos termos do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos são devidas pelas entidades empregadoras aos trabalhadores como contrapartida do seu trabalho.” “p) As importâncias atribuídas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte e outras equivalentes, na parte em gue excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado.” constituem-se como ajudas de custo, as prestações que tenham uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho, que visem compensar aos trabalhadores gastos, em consequência de deslocações do seu local de trabalho habitual, ao serviço da entidade patronal, resultantes de uma situação transitória, o que não se verifica presente situação.

NNNN) Ainda a propósito do conceito de ajudas de custo, segundo o Ilustre Jurista João Alfaia: “Ajudas de custo são precisamente os abonos ocasionados mediatamente pela deslocação em serviço, quando esta ultrapasse determinados limites mínimos espaciais e temporais, visando compensar ou indemnizar os trabalhadores, de despesas efetuadas por virtude dela, sendo referidas a cada dia durante os quais se verifique”.

OOOO) Do que fica dito resulta que do conceito aduzido por tão Ilustre Jurista ressaltam três aspetos essenciais e que não encontram correspondência nos documentos juntos aos autos, mas antes confirmam tudo quanto até aqui, se vem vindo a defender, ou seja: a)As ajudas de custo visam ressarcir os trabalhadores que se deslocam em serviço para fora do seu local habitual de trabalho; b) Visam compensar tais trabalhadores das despesas por eles efetuadas, por força dessa mesma deslocação de serviço; c) A sua atribuição não pode ultrapassar limites temporais impostos por lei, ou seja, não podem ultrapassar os 90 dias consecutivos.

PPPP) Ora, cotejada toda a documentação constante dos autos extrai-se que nenhum dos pressupostos legais antes referidos foi respeitado, motivo pela qual os pagamentos efetuados a título de ajudas de custo não revestem essa natureza tout court, antes se tratando de complementos remuneratórios e nessa sequência sujeitos a base de incidência contributiva.

QQQQ) Por esta ordem de motivos, entende o Recorrente que em momento algum, foram juntos aos autos elementos probatórios com força de prova bastante suficiente a ilidir a matéria de facto e de direito reunida nos autos.

RRRR) Perante tais provas, visando gerar a dúvida e apelar ao défice instrutório e à falta de fundamentação do ato de liquidação praticado, o Recorrida invocou por um lado, que os factos apurados se baseiam numa mera amostragem e análise casuística e por outro, que não se encontram reunidos os pressupostos jurídicos das ajudas de custo.

SSSS) De salientar, que muito embora, os argumentos aduzidos pela Recorrida, partam de um pressuposto errado quanto à aferição do domicilio necessário, ou seja, a definição da sede da empresa para efeitos de ajudas de custo, é sobre este, que a mesma define e calcula os montantes a atribuir aos trabalhadores, sempre admitido a este respeito, a ocorrência das necessárias deslocações.

TTTT) Ou seja, em momento algum a Recorrida vem apresentar meios de prova idóneos que ilidam a natureza das verbas pagas a titulo de ajudas de custo, como verdadeira retribuição. Ao invés, sustenta essa mesma natureza com base na deslocação dos trabalhadores em relação ao seu domicilio necessário, que como já vimos não poderá ser acolhido legalmente, por se tratar da sede da empresa e não ser este o seu domicilio necessário ou centro funcional de atividade.

UUUU) Por conseguinte, o Recorrida afirma perentoriamente a existência de deslocações, oferendo a titulo meramente exemplificativo, boletins de itinerário e requerimentos de destacamento que assim as comprovam, de forma aliás, pormenorizada e concreta, não se vislumbrando de que modo esses trabalhadores não tenham desde logo sido contratados e destacados para as obras de empreitadas contratualizadas com os clientes estrangeiros.

VVVV) Relativamente às quantias prestadas a título de adiantamento de despesas em alojamento e transportes, é possível verificar que junto aos autos não consta qualquer comprovativo, nomeadamente faturas ou recibos a partir dos quais fosse possível fazer o alegado acerto de contas, sendo que, é afirmado por uma testemunha da recorrida existir um “adiantamento em vale em obra, vale de caixa”.

WWWW) Se de algum modo, o Recorrente não logrou aos olhos do tribunal demonstrar a imediata deslocação dos trabalhadores para o estrangeiro ao serviço da empresa, sem dúvida que a recorrido faz essa demonstração e esmiúça pormenorizadamente em que termos é a mesma operada.

XXXX) Imperando no processo tributário, o principio da aquisição processual, feita a prova de facto relevante para a decisão do litigio, independentemente da parte que o alega, deverá o mesmo ser considerado para efeitos de conhecimento do mérito da causa, afastando-se assim o principio do dispositivo.

YYYY) Com efeito, os documentos oferecidos pela própria Recorrida, apenas vêm corroborar que todo o trabalho desenvolvido pela empresa, não ocorre na sua sede, comprovando também que é maioritariamente exercido no estrangeiro, condição essa, expectável para o tipo de atividade levado a cabo pela empresa. Ademais, o facto de os trabalhadores mudarem constantemente de obra, e, por conseguinte, de localidade e país, em nada altera as conclusões até aqui formuladas, nomeadamente a ausência de contratualização dessas mesmas deslocações, de resto, esta mesma mobilidade vai ao encontro da natureza do próprio contrato de trabalho a termo certo.

ZZZZ) No que toca, às alegações respeitantes ao facto de alguns dos trabalhadores terem recebido “salário completo”, sem ajudas de custo, por se encontrarem a trabalhar em Portugal, sem outros factos que assim o legitimem, não será possível ao Recorrente retirar destes elementos quaisquer ilações para a análise da questão sindicada. Aliás, se esta situação se reporta à obra realizada no Porto, relativamente à qual, vêm as testemunhas da Recorrida referir que aos trabalhadores residentes no Porto não eram pagas ajudas de custo, apenas sendo conferida essa verba a trabalhadores residentes noutras localidades obrigados a se deslocarem em relação à sua área de residência, verifica-se que este modus operandi não se compadece com os pressupostos jurídicos de atribuição de ajudas de custo.

AAAAA) Por outro lado, se nalguns recibos consta a menção de categoria profissional relativa a técnicos administrativos, desde logo seria possível presumir que se tratam de funcionários com funções meramente administrativas, porquanto sem qualquer deslocação associada. Quanto aos demais trabalhadores, seria de estabelecer, o que não foi feito, a análise dos demais elementos e especificidades contratuais.

BBBBB) De resto, em momento algum, o Recorrente vem apresentar provas que coloquem em causa o teor dos contratos de trabalho e dos respetivos “comunicados”, fazendo apenas valer que dado o reduzido nº de testemunhas inquiridas, a realidade neles atestada não poderá merecer acolhimento, sem, no entanto, apresentar qualquer prova que a refute.

CCCCC) Importará ainda fazer referência ao regime de destacamento, sendo de sublinhar que o destacamento de trabalhadores só por si não implica a atribuição de ajudas de custo, porquanto, as mesmas devem ser consideradas parte do salário mínimo, em condições idênticas àquelas a que está sujeita a inclusão dessas ajudas no salário mínimo pago aos trabalhadores locais aquando de um destacamento dos mesmos no interior do Estado-membro originário, ou seja, aos pressupostos de deslocação do domicílio convencionado.

DDDDD) O destacamento de trabalhadores, constitui uma formalidade obrigatória consagrada nos artigos 6.º a 8.º e 108.º do Código do Trabalho, sendo este, o regime que possibilita ao trabalhador destacado continuar sujeito à legislação de Segurança Social do país de origem, quando a entidade empregadora o envia para outro país para aí realizar temporariamente uma atividade profissional por conta desta, não colidindo com as condições para atribuição de ajudas de custo, considerando-se como rendimentos do trabalho dependente, as ajudas de custo na parte em que excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado (Código do IRS).

EEEEE) Em sede de alegações, vem ainda a Recorrida afirmar que não corresponderá à verdade que os trabalhadores fossem contratados para de imediato serem deslocados, com base numa listagem onde são descritos os trabalhadores ao serviço em 2008, com vínculo contratual respeitante a anos anteriores, não obstante, não se consegue descortinar o nexo existente entre a impossibilidade de ter ocorrido o destacamento imediato para a obra, e o facto de, os trabalhadores poderem ter um vínculo contratual anterior a 2008, o que aliás, é perfeitamente razoável, atento a rotatividade dos mesmos, e que se tratam de trabalhadores contratados a termo, cuja renovação contratual vai ocorrendo em função da necessidade de mão-de-obra, o que não invalida a sua imediata e necessária afetação à obra a que se encontram vinculados.

FFFFF) Com base em pressupostos que não encontram qualquer correspondência e fundamentação para com o regime legal relativo a ajudas de custo, entende a Recorrida que o mapa de apuramento de remunerações deveria conter a indicação das obras em que o trabalhador esteve, de forma a comprovar a sua imediata deslocação.

GGGGG) Ora, será de esclarecer que o mapa de apuramento oficioso corresponde ao modelo legal que deveria ter sido preenchido pela Recorrida, pelo que, não poderão os serviços do Recorrente inserir quaisquer outros dados, sob pena de, estarem a incumprir os requisitos formais do documento.

HHHHH) Ao elaborar o mapa de apuramento oficioso, o Recorrente não mais do que, apenas se está a substituir ao contribuinte na omissão do seu cumprimento, sendo que, ao próprio, aquando da elaboração do mapa de remunerações também não lhe é possível inserir quaisquer outros dados ou referências, para além das que lhe são legalmente permitidas no modelo que dispõe para o efeito.

IIIII) Não obstante, para a apreciação da matéria sindicada, e em conformidade com a toda a linha de entendimento esgrimida nas presentes alegações, a omissão dos referidos elementos relativos à indicação das obras, não assumirá qualquer relevância, impondo-se o cruzamento das remunerações com os demais elementos contabilísticos e restante documentação, nomeadamente boletins de itinerário, registos do SISS, contratos de trabalho, mapas de assiduidade, boletins itinerários, entre outros.

JJJJJ) Pelos motivos aduzidos, considera o Recorrente que se encontra suficientemente demonstrado o esforço empreendido pela Segurança Social na tomada das devidas diligências, visando a prossecução da verdade material, afigurando-se não existir qualquer vício de fundamentação no ato de liquidação praticado.

KKKKK) Na realidade, entende o Recorrente, que não se verifica qualquer extrapolação das conclusões, constando-se, ao invés, sólidas e sustentadas evidências de facto e de direito, em como as quantias pagas não têm qualquer natureza de ajudas de custo.

LLLLL) Deste modo, para a questão controvertida, ou seja, para efeitos de atribuição de ajudas de custo, apenas interessa que o trabalhador esteja deslocado em relação ao seu local de trabalho e que, em virtude dessa deslocação, incorra em despesas que devem ser suportadas pela entidade empregadora, o que, no caso em apreço, não sucedeu.

MMMMM) Assim, resulta líquido que a Recorrida se comprometeu, contratualmente, a pagar ajudas de custo aos seus trabalhadores, independentemente, de os mesmos a elas terem direito, bastando para tanto que se encontrassem a trabalhar no Estrangeiro.

NNNNN) Enquanto, que o Recorrente entende a noção de domicilio necessário, nos exatos termos legais em que está definido, porque vinculado ao princípio da legalidade, a Recorrida ignorou o que a lei reguladora da atribuição das ajudas de custo estabelece, e optou por considerar que o domicílio necessário dos trabalhadores é a sede da empresa, em sentido contrário a lei e à jurisprudência.

OOOOO) Provado que está, que os trabalhadores exercem a sua atividade nos locais para onde foram contratados e não na sede da Recorrida, bem andaram os serviços de Fiscalização da Recorrente ao lançar mão da doutrina vertida no Acórdão do TCA do Norte de 8/11/2007, Processo 01006/04.6BERBG “I- Provado que esteja que o recorrido foi contratado para trabalhar num país estrangeiro, sendo aí o seu local de trabalho, e que não houve mudança do local de trabalho contratualmente previsto ou deslocações e novas instalações por força da prestação ocasional do trabalho fora do local habitual ou por força da transferência das instalações da sua entidade patronal, não pode deixar de se concluir que as prestações auferidas pelo contribuinte a título de ajudas de custo integravam a respetiva retribuição ou remuneração de trabalho, constituindo um complemento desta. (…) II1- Relevante, para efeitos da atribuição de ajudas de custo, é que o trabalhador esteja deslocado relativamente ao seu local de trabalho e que, por força dessa deslocação, incorra em despesas que devem ser suportadas pela entidade patronal porque efetuadas ao serviço e a favor desta.”

PPPPP) Em relação aos factos não provados, considerou o tribunal a quo, que «Não se deram como não provados quaisquer factos com relevância para a decisão da lide»., desvalorizando a pertinência da apreciação dos factos e da matéria de direito relativos à natureza das ajudas de custo, sendo esta, o cerne de toda a questão a dirimir nos presentes autos. Assumindo-se tal matéria de facto e de direito, no entendimento da recorrente, da maior relevância para o conhecimento do bom mérito da causa, a sentença comportará uma contradição insanável.

QQQQQ) No que concerne à ónus da produção da prova, afigura-se-nos, não poder ser formulada a alegação de que pelo motivo de ter sido inquirido um número reduzido de trabalhadores, em relação ao universo total dos mesmos, «ter sido extrapolado, a partir de tais depoimentos, que a totalidade das ajudas de custo pagas à totalidade dos trabalhadores revestiam uma natureza remuneratória», com desprimor para com toda a prova reunida, cerca de cinco mil boletins itinerários, recibos de vencimento, mapa de remunerações, consultas ao SISS, contratos de trabalho, cujo teor se encontra devidamente refletido no mapa de apuramento de remunerações.

RRRRR) Com efeito, sobre as afirmações de que terá sido extrapolado o universo dos trabalhadores da Recorrida, com base na referência a apenas 11 testemunhos, sempre se dirá, que não existirá razão para que as demais situações laborais apresentassem alterações substanciais, não sendo plausível e de admitir, atentas as provas reunidas no processo, que a factualidade relatada pelos trabalhadores não corresponderá à verdade material da situação.

SSSSS) Cumpre esclarecer, que as testemunhas notificadas compareceram voluntariamente nos serviços de fiscalização da Recorrente, prestaram declarações sem reservas, de modo livre e esclarecido, tendo sido unânimes na descrição dos procedimentos observados pela entidade patronal quanto ao modo de contratação e despesas derivadas do exercício de funções nos locais onde exerciam funções.

TTTTT) Pelo que, perante a ausência de contradições desses depoimentos recolhidos, considerou-se que a atividade instrutória desenvolvida foi a bastante, atendendo ao que era necessário apurar, sobretudo porque aquelas declarações vieram complementar ou confirmar os indícios da ausência de carácter compensatório das verbas classificadas como ajudas de custo, alicerçadas nos demais elementos probatórios juntos ao processo.

UUUUU) Ademais, e para demonstrar que o Recorrente não se absteve de analisar a situação de cada trabalhador de per si, basta atentar nos mapas de apuramento elaborados a partir dos processamentos de salários pagos pela Recorrida, os quais refletem os trabalhadores e meses em que foram pagas verbas a título de ajudas de custo.

VVVVV) Pelo confronto dos salários versus boletins de ajudas de custo, caso o Recorrente não tivesse analisado a situação individual de cada trabalhador, certamente teria imputado ajudas de custo em relação a todo o período em averiguação e não apenas nos meses em que aquele abono foi pago.

WWWWW) A este respeito, sempre será de esclarecer e sublinhar que as obras para onde os trabalhadores foram contratados, constam dos boletins de itinerário das ajudas de custo, tal como constam os períodos em que as mesmas foram processadas.

XXXXX) De todo o modo, o que resulta dos autos e que não poderá ser ignorado, é que os trabalhadores em causa são efetivamente contratados não para a sede da empresa, mas para o local onde irão desenvolver a sua atividade e, em consequência, é este, e não outro, o seu local de trabalho.

YYYYY) Com efeito, não será razoável uma empresa pretender colocar mão-de-obra no estrangeiro, pagando apenas o salário mínimo aplicado ao sector, sob pena de, não conseguir trabalhadores que se sujeitem a mudarem de residência e a abandonarem as famílias, por um salário idêntico ao que receberiam se estivessem a trabalhar em Portugal.

ZZZZZ) Compreende-se que os trabalhadores colocados no estrangeiro, incorrem diariamente em custos diferentes dos que trabalham em Portugal, mas tal terá que ser compensado por um salário adequado, em conformidade com o salário estabelecido nesse país para a função a desempenhar pelo trabalhador, com as devidas contribuições para a Segurança Social, que permitam ao trabalhador criar uma carreira contributiva compatível com a atividade profissional,

AAAAAA) Deste modo, será de concluir pela veracidade do alegado pelo Recorrente, improcedendo o alegado vício de violação do ónus da prova.

BBBBBB) Pelos motivos expostos, entende o Recorrente, que a sentença a quo, não colocou a questão da melhor forma, uma vez que, faz uma errada interpretação quanto ao local de trabalho para efeitos de preenchimento do conceito de domicílio necessário e centro funcional de atividade, não descortinando a manifesta contradição que constitui a previsão da prestação de funções na sede da recorrida e a modalidade contratual adotada, nomeadamente contratos de trabalho a termo certo, que têm como fundamento uma obra especifica a realizar em local especifico e pelo tempo que a mesma durar.

CCCCCC) No que diz respeito ao ónus da prova, em como caberia ao Recorrente demonstrar que os trabalhadores foram contratados para imediatamente seguir para o estrangeiro, atento o teor de toda a documentação reunida em sede de PROAVE e devidamente comprovada nos autos, cumprirá apelar ao raciocínio já devidamente formulado e através do qual se conclui, que sendo a recorrida uma empresa de construção civil, e não correspondendo à sua sede um estaleiro, em momento algum poderia ser a sede da empresa, fração afeta a serviços, o centro funcional de atividade dos trabalhadores, pelo que não lhe restaria outra alternativa, que não a de destacar de imediato e diretamente os trabalhadores para os locais das obras onde era necessário desenvolver a sua mão-de-obra.

DDDDDD) A este respeito, ainda que seja de admitir, o que não se concede, algum défice instrutório, será de constatar que a decisão de liquidação oficiosa assumida pelo Recorrente, baseou-se em fortes indícios em como a Recorrida estaria a incumprir com os seus deveres legais, inclusivamente já reportados pela Autoridade Tributária, no âmbito da ação de inspeção denominada “sinais exteriores de riqueza”, e na Informação a fls. 4 e seguintes do PROAVE, dados que originaram a ação de fiscalização levada a cabo pelo Recorrente.

EEEEEE) Cumprirá nesta matéria, fazer uma importante ressalva, já que a Recorrida vem alegar a ilegalidade das correções efetuada pelo Recorrente face às conclusões retiradas da inspeção levada a cabo pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

FFFFFF) Neste sentido, como já o Recorrente teve oportunidade de referir em sede inclusivamente de alegações finais, a Autoridade Tributária e Aduaneira e o ISS, IP, embora cooperam ao abrigo de acordos de cooperação, são organismos autónomos independentes, e com serviços de inspeção distintos, procedimentos próprios e, consequentemente, com formas de atuar e orientações diferentes, considerando inclusivamente as matérias sobre as quais recai a sua tutela, pois à Recorrente, nos termos do alínea u) do nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 83/2012 de 30 de Março e o nº 1 do artigo 8º da Portaria nº 135/2012 de 08 de Maio cabe exercer a ação fiscalizadora no cumprimento dos direitos e obrigações dos beneficiários do sistema de segurança social.

GGGGGG) No entanto, a favor da verdade dos factos, sempre se dirá que as alegações deduzidas pela Recorrida a este respeito não poderão merecer o alcance pretendido.

HHHHHH) Da análise aos relatórios elaborados pela Administração Tributária relativos aos pedidos de pronúncia arbitral juntos às PI, não se vislumbra em que moldes foi analisado o mérito de cada situação em concreto, desconhecendo-se a fundamentação que originou a decisão final emitida.

IIIIII) Quanto ao documento nº 8 junto à PI, verifica-se que o mesmo se reporta à ação de inspeção denominada “sinais exteriores de riqueza”, tendo por base a tributação referente aos anos de 1996 e 1997. Em abono da verdade, não surpreende que dessa mesma fiscalização apenas tenha resultado correções a quatro trabalhadores, já que a inspeção visava concretamente a averiguação desses mesmos trabalhadores, nomeadamente os gerentes da empresa Recorrida, não podendo ser extraída a alegação de que num universo tão abrangente de funcionários, apenas se detetaram quatro situações irregulares, como quer fazer crer, a Recorrida.

JJJJJJ) No que concerne ao documento nº 9, como se poderá verificar, não é mais do que uma listagem dos processos arquivados por trabalhador, sem qualquer carácter oficial, desconhecendo-se aliás o universo total de processos e de decisões proferidas pela Autoridade Tributária. No entanto, será sempre de sublinhar que às decisões determinadas por qualquer órgão administrativo/tributário não poderão assumir força de caso julgado para outro órgão autónomo e independente, sob pena, de essa vinculação poder vir a retirar e colocar em causa as garantias conferidas aos próprios particulares.

KKKKKK) No presente caso, bastaria inverter o raciocínio, ou seja, se porventura a inspeção tivesse origem num relatório da segurança social quanto a estes mesmos factos, a autoridade tributária estaria então vinculada a concluir pela ilegalidade da natureza das verbas pagas a título de ajuda de custos o que não se poderá aceitar. Por esta razão, jamais este entendimento poderá ser tomado como ponto de partida para se considerar a existência de uma dúvida fundada quanta à matéria alvo de tributação.

LLLLLL) De todos os elementos reunidos, é possível constatar que documentação oferecida pela Recorrida, não oferece qualquer base de credibilidade por partir de uma falta de correspondência com a realidade efetivamente praticada, a contratação de trabalhadores para países estrangeiros, situação que não se compadece com o domicílio necessário que é assumido pela mesma.

MMMMMM) Em obediência ao principio da legalidade e da verdade material, dos elementos reunidos no processo, não poderá ser formulada outra conclusão que não seja, o não estarem em causa verdadeiras ajudas de custo.

NNNNNN) Pela ordem de motivos aduzidos, salvo o devido respeito, considera o Recorrente, que a sentença, ora em crise, deveria ter submetido todos os factos pertinentes a um tratamento jurídico adequado, isto é, ter identificado as regras e direito aplicáveis, interpretado essas regras, e determinado os correspondentes efeitos jurídicos. Neste sentido, a douta sentença deveria ter efetuado a qualificação jurídica das designadas “ajudas de custo”, matéria dirimida nos autos, através da devida subsunção e, posterior aplicação da norma, estabelecendo o seu efeito jurídico. A verdade, é que à exceção da matéria referente à fixação das custas do processo, não faz qualquer aplicação da legislação ao caso em concreto aos autos, violando assim, o disposto no nº 3 do artigo 607º do CPC ex vi artigo 2ºdo CPPT.

OOOOOO) De outra feita, afigura-se-nos que a não foi feita uma apreciação crítica das provas, atendendo a que, a sentença recorre à mera transcrição dos argumentos oferecidos pelas partes e teor dos acórdãos, sem a necessária e inerente apreciação, tanto assim, que em matéria de fixação de domicilio é invocada jurisprudência sem qualquer aplicabilidade ao caso em concreto.

PPPPPP) Salvo o devido respeito, a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento deverá também ter merecido a devida valoração, atento o teor das declarações que o Recorrente teve oportunidade de esgrimir ao longo das presentes alegações.

QQQQQQ) Considera assim, o Recorrente, que a sentença recorrida não especificou, outros fundamentos, que eventualmente tivessem sido decisivos para a desejável e prudente convicção do tribunal, nem compatibilizou toda a matéria de facto adquirida nos autos, pelo que, não se logra alcançar a base de sustentação para as suas conclusões.

RRRRRR) A ausência de fundamentação legal da sentença, determina nos termos do disposto nas alíneas b) e d) do nº1 do artigo 615º do CPC ex vi artigo 2º do CPPT a sua nulidade, o que se invoca.

SSSSSS) Donde se conclui que não padece o ato impugnado, de qualquer vício de fundamentação, ou qualquer outro, sendo o mesmo absolutamente válido e legal.

TTTTTT) Nesta conformidade, não poderá merecer qualquer acolhimento, a invocação do artigo 100º do CPPT, porquanto, contrariamente ao alegado pela Recorrida, da prova produzida não resulta qualquer dúvida fundada sobre a existência e quantificação do facto tributário que justifique a anulação do acto impugnado.

UUUUUU) Por conseguinte, relativamente às demais questões sindicadas dependentes do conhecimento da presente questão prejudicial, mantém-se o entendimento já oportunamente perfilhado em sede contestação e alegações finais.

VVVVVV) Considerando os referidos elementos probatórios constantes do processo instrutor, que atestam que os trabalhadores exerceram atividade em locais de trabalho contratualmente definidos pelo empregador, ao contrário do entendimento propugnado pela douta sentença recorrida, deveria o Mmº Juíz a quo, e não obstante a matéria dada por provada, ter concluído pela não verificação de circunstâncias que legitimam o pagamento de ajudas de custo, devendo todas as importâncias pagas aos trabalhadores a este título serem consideradas como complementos de retribuição, e consequentemente, integrar a base de incidência contributiva para a segurança social., nos termos nos termos dos artigos 13º, 44º e 46º do CRCSPSS, aprovado em anexo à Lei n.º 110/2009 de 16 de setembro.

Nestes termos e nos demais de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas,

Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida, tudo com as devidas e legais consequências legais como é de Justiça.


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A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, contra-alegou tendo concluído da seguinte forma:

“(a) As conclusões formuladas pelo Recorrente nas suas alegações de recurso não obedecem ao disposto no n.º 1 do artigo 639.º do CPC, aqui aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, porquanto se tratam da reprodução quase integral (senão completamente integral), em sede de conclusões, dos argumentos por si previamente alegados.

(b) O dever de apresentação das conclusões do recurso foi manifestamente violado, equiparando-se à efetiva ausência de conclusões, de tal modo que deve o recurso apresentado pelo Instituto da Segurança Social, I.P. ser rejeitado, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 641.º do CPC.

(c) O direito do Instituto da Segurança Social, I.P. à liquidação (oficiosa) de contribuições e quotizações já se encontra extinto, por caducidade, no que respeita aos montantes pagos a título de ajudas de custo no período de janeiro de 2008 a janeiro de 2010, contabilizando um total de € 1.724.680,17, pois o regime previsto no artigo 45.º da LGT aplica-se ao caso vertente por força da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, devidamente identificada acima, na qual se decidiu que nos casos em que a Segurança Social proceda à liquidação oficiosa de tributos (in casu, quotizações e contribuições) com base em elementos por si recolhidos, como sucedeu no caso sub judice, o referido regime de caducidade é aplicável e, bem assim, porque não se verificou qualquer causa interruptiva ou suspensiva daquele prazo, já que a ação de fiscalização em crise excedeu o prazo máximo de 6 meses, legalmente previsto.

(d) O relatório final proferido no âmbito da ação de fiscalização, que fundamenta as liquidações em crise, padece do vício de défice instrutório e, consequentemente, de falta de fundamentação (por omissão), porquanto dos elementos que constam do relatório resulta que foram inquiridos apenas 11 trabalhadores da Recorrida, sendo que, no período de janeiro de 2008 a dezembro de 2012, aquela havia tido, no total, cerca de 880 trabalhadores - o que, sem dúvida, denota não só aleatoriedade, como falta de critério ao nível da recolha de prova, para além de afigurar particularmente limitada/diminuta quando em comparação com o universo de trabalhadores da Recorrida no período a que se aludiu, pelo que em face disto as conclusões alcançadas na senda da ação de fiscalização são, evidentemente, abusivas, sendo patente o défice instrutório alegado.

(e) Em sede de inquirição de testemunhas no âmbito do presente processo, as testemunhas arroladas pelo Recorrente (duas delas diretamente envolvidas na ação de fiscalização e uma outra de forma indireta, por se tratar de superior hierárquico das restantes) confirmaram a “normalidade” conferida pelo Recorrente ao tipo de condução do procedimento (ou seja, a recolha de prova por (exígua) amostragem), revelando uma má condução da investigação que deve presidir a uma ação inspetiva, bem como a deficiente utilização dos poderes de inquisitório e de oficiosidade que lhe incumbem e tem aquela entidade o dever de utilizar de modo adequado no que respeita à recolha de prova, por forma a fundamental correta e convenientemente as suas conclusões.

(f) Em razão das deficiências evidentes na recolha de prova no âmbito do processo de averiguações, nada justifica que o Recorrente, atentos todos os elementos recolhidos, tenha partido para uma generalização como aquela que fez, a qual deu origem a um montante absurdo de alegadas contribuições em dívida, quando apenas foram analisados contratos de trabalho e ouvidos, em sede instrutório, cerca de 1,25% do total dos trabalhadores da Recorrida no período em discussão.

(g) A conclusão de que se estava hipoteticamente diante de ajudas de custo dissimulados, sob a “capa” de verdadeiras retribuições, apenas poderia ter sido alcançada caso o Recorrente tivesse apurado todos os elementos factuais demonstrativos de que os montantes atribuídos não tinham qualquer finalidade compensatória, no período controvertido, quanto a cada um dos trabalhadores ao serviço da Recorrida; ou, pelo menos, a uma amostragem mais significativo e com outro suporte probatório (designadamente, documental) – prova que não foi, de todo, efetuada.

(h) O Recorrente socorreu-se de uma mera extrapolação (presunção) sem suporte válido que a legitime, para tentar justificar a assunção da premissa de que todos os montantes pagos aos trabalhadores, por parte da Recorrida, constantes dos elementos contabilísticos por ela fornecidos, assumiam a verdadeira natureza de retribuições.

(i) In casu, é evidente a carência de atividade instrutória condigna, de tal modo que o processo de averiguações em crise sofre de défice de instrução ao nível da verificação da efetiva natureza de todas as importâncias pagas pela Recorrida e recebidas pelos trabalhadores ao seu serviço a título de ajudas de custo, em violação dos princípios nucleares do procedimento administrativo, nomeadamente o disposto no n.º 1 do artigo 87.º do CPA, aplicável à data dos factos.

(j) Verifica-se, portanto, que a sentença recorrida não merece censura, devendo ser mantida na íntegra e, em consequência, ser negado provimento ao Recurso da Fazenda Pública.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como improcedente, por não provado e, em consequência, manter-se válida na ordem jurídica a sentença proferida pelo Tribunal a quo, tudo com as legais consequências. Espera deferimento.”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de não ser concedido provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Compulsados os autos, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

1) Em 25 de Julho de 2012 foi emitida na Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Acções Especiais da Autoridade Tributária, informação a remeter ao Centro de Segurança Social de Lisboa na sequência de ação de investigação à sociedade C. C. R. Lda., que deram origem ao processo de Averiguação n.º 201200039170, ao abrigo do qual foi efectuado o primeiro contacto com a Impugnante em 11 de Janeiro de 2013 – cfr. capa do processo, informação e auto de diligências, a fls. 1 a 24 do processo de averiguação [PA] apenso ao suporte físico dos autos;

2) No âmbito do processo de Averiguação n.º 201200039170 foram elaborados 12 documentos intitulados “auto de declarações, referentes a trabalhadores da sociedade C. Lda., constando destes que “Na altura em que assinava o contrato de trabalho assinava também um documento com a designação “comunicado, o qual referia o local onde iria trabalhar. No momento da assinatura do contrato ficava a saber para onde iria exercer funções, estando junto a tais documentos os comunicados ali referidos mas constando do processo outros comunicados, referentes a outros trabalhadores – cfr. autos de declarações e comunicados, a fls. 54H a 370, 615, 681 a 687, do PA apenso ao suporte físico dos autos;

3) Em 21 de Outubro de 2013 foram assinados ¯mapas de apuramento de remunerações respeitantes aos anos de 2008 a 2012 e à Impugnante, e onde se mostram identificados os vários trabalhadores da empresa, bem como os valores que lhes foram atribuídos enquanto “ajudas de custo cfr. mapas, a fls. 164 a 203 do suporte físico dos autos;

4) Pelo ofício 05243 do Departamento de Fiscalização do Instituto de Segurança Social, IP, de 24 de Outubro de 2013, foi a Impugnante informada para, querendo, se pronunciar […] sobre a proposta de decisão constante da informação em anexo, elaborada na sequência da ação inspetiva realizada ao abrigo do Proave nº 20004508884 – cfr. ofício e projecto de relatório, a fls. 60 do suporte físico dos autos;

5) No projecto de relatório do processo 20004508884 consta que “A ação inspetiva visou o apuramento dos factos necessários à avaliação, perante a Segurança Social, das verbas pagas aos trabalhadores da sociedade, designadamente pessoal de produção nos anos de 2008 a 2012, a título de Ajudas de Custo. A inspecção incidiu sobre os montantes pagos no período de janeiro de 2008 a dezembro de 2012, procedendo-se à análise de contratos de trabalho, recibos de vencimento, boletins de itinerário, registos de assiduidade, mapas resumo de processamento de vencimentos, mapas de processamento de ajudas de custo, documentos fiscais e contabilísticos, quadro de pessoal e relatório único. Durante a instrução do processo de averiguações em questão foram ainda recolhidos depoimentos, mediante auto de declarações, de diversos trabalhadores que exerceram funções na empresa durante os anos de 2008 a 2012.[…] 4.1 Metodologia utilizada 4.1.1 para apuramento dos factos que a seguir se referem[…] a metodologia adotada assentou em três estratégias[…] A) Análise global às demonstrações financeiras/modelos fiscais do contribuinte e de algumas rúbricas contabilísticas; B) Cruzamento de elementos da contabilidade e dos pagamentos efectuados aos trabalhadores da empresa com outras fontes de informação […] C) Inquirição de trabalhadores.” […] 4.3.1 Da instrução efetuada, apurou-se que as verbas designadas por ajudas de custo foram pagas, na vigência dos respectivos contratos de trabalho, aos trabalhadores que exerciam funções no estrangeiro[…] ao analisar os contratos de trabalho destes trabalhadores verifica-se que estes referem no 2º ponto da cláusula segunda que ¯o centro funcional da actividade do segundo outorgante será em Sacavém” […] a apólice de seguro mencionada na cláusula sétima, cobre os riscos de trabalho no estrangeiro […] no mesmo dia em que é celebrado o contrato, é realizada uma comunicação pela C. ao trabalhador, que se encontra anexa a cada contrato, informando-o da necessidade da sua deslocação para efectuar serviços numa das obras que a sociedade esta a executar no estrangeiro, bem como a indicação do montante de ajudas de custo diário a que terá direito” […] ¯a empresa apenas tem clientes estrangeiros […] ¯mensalmente eram pagas aos trabalhadores […]

IV. Ajudas de custo – contratualmente previstas, atribuídas em função do número de dias que o trabalhador se encontra deslocado […] e em regra de valor substancialmente superior ao vencimento. 4.3.10 Nesse quadro sublinhe-se que aos trabalhadores em causa […] desde o início da sua relação laboral, lhes eram pagos tais montantes, ou seja, a rúbrica “ajudas de custo” assume-se como uma parcela ordinária da remuneração dos trabalhadores”[…] “com efeito, a empresa contratou os trabalhadores especificamente para prestar trabalho nas obras que tinham no estrangeiro, não prestando qualquer trabalho em território nacional designadamente no centro funcional da actividade do trabalhador, em Sacavém, sendo apenas remunerados, tanto a título de vencimento, como de subsídio de férias, subsídio de Natal, férias não gozadas e alegadas ajudas de custo, pelos dias de trabalho efectivamente prestados nas obras no estrangeiro, 4.3.14 Os trabalhadores receberam sempre as referidas ajudas de custo que assentavam num valor diário pré-fixado, processado e pago periódica e regularmente ao longo da prestação do trabalho […] conforme resulta do confronto entre contratos de trabalho e boletins de itinerário, os locais de trabalho contratualizados ab initio entre as partes e onde efectivamente exerceram funções os trabalhadores foram previamente definidos pela empresa, em território estrangeiro, e a duração do trabalho foi igualmente definida em função das suas necessidades, nunca tendo os trabalhadores prestado ou tido qualquer perspectiva de vir a prestar actividade profissional na sede da empresa”[…] ¯não existir qualquer possibilidade de regresso a esse hipotético local de trabalho (centro funcional da actividade do trabalhador em Sacavém), findo o trabalho que efetua no estrangeiro, para reconstituição da situação norma do trabalhador e previsibilidade da consequente remuneração devida pelo trabalho prestado se não existisse deslocação” […] ¯4.3.25 conforme foi verificado no decurso da ação inspetiva os trabalhadores na mesma data em que celebram o contrato de trabalho é-lhes comunicado a sua deslocação para o estrangeiro. Pelo que, a C. ao definir como centro de actividade dos trabalhadores Sacavém (local da sua sede), mais não está a fazer do que a ficcionar uma deslocação dos seus trabalhadores da sua sede para as diversas obras no estrangeiro, e assim proceder ao pagamento de ajudas de custo, que estipulou como natureza afixa, regular e permanente por cada dia, independentemente da existência de quaisquer deslocações ocasionais efectuadas em serviço e a favor da entidade empregadora.

[…] os clientes da empresa são estrangeiros o que reforça a intenção de simulação de local de trabalho atrás mencionada, uma vez que a empresa sabia à partida não existir possibilidade de prestação de trabalho no local menciona no contrato, nem sequer, arrisca-se, em qualquer outro local do território nacional” […] ¯o período de 90 dias foi largamente excedido na grande parte dos trabalhadores a quem foram processadas ajudas de custo e que se encontra identificados nos mapas de apuramento anexos ao presente relatório, existindo caso em que os trabalhadores receberam essas verbas durante mais de um ano consecutivo”[…] “aos trabalhadores […] atribuía um vencimento base na ordem dos €550,00 mensais, isto é semelhante aos atribuído aos trabalhadores nacionais […] independentemente do vencimento devido nesses países para trabalhadores com a mesma categoria” […] ¯relativamente às declarações prestadas pelos trabalhadores […] todos afirmaram que os seus locais de trabalho correspondiam às obras das empresas estrangeiras das quais a C. era subempreiteira […] referiram também alguns deles que quando assinavam o contrato de trabalho assinavam também uma comunicação a referir o local onde seriam prestados os serviços […] a C. lhes pagava as despesas de alimentação e estadia” cfr. projecto de relatório, a fls. 99 a 112 do suporte físico dos autos

6) Por requerimento datado de 08 de Novembro de 2013, a Impugnante “notificada do projecto de decisão proferido no âmbito do Processo de Averiguações n.º 201200039170, vem […] exercer o seu DIREITO DE AUDIÇÃO”- cfr requerimento, a págs. 114 a 144 do suporte físico dos autos;

7) Pelo ofício 06676 do Departamento de Fiscalização do Instituto de Segurança Social, IP, de 30 de Dezembro de 2013, foi a Impugnante informada “do teor da decisão constante do Relatório Final de Fiscalização, elaborado na sequência da ação inspetiva realizada ao abrigo do Proave nº 20004508884 – cfr. ofício, a fls. 147 do suporte físico dos autos;

8) Consta, no relatório final do processo 20004508884, que ¯No que respeita ao alegado na alínea a) a que corresponde o articulado 6 a 18, cumpre esclarecer […] que o processo de averiguação em causa iniciou-se na sequência de uma informação da ATA a qual mencionava a falta de entrega de contribuições à Segurança Social (irregularidades contributivas). […] a ação inspetiva levada a efeito pela Unidade de Fiscalização de Lisboa e Vale do Tejo visou o apuramento dos factos necessários a avaliação, perante a Segurança Social, das verbas pagas aos trabalhadores da C. nos anos de 2008 a 2012 a titulo de ajudas de custo. Tendo, com efeito, sido instruído o respetivo processo de averiguações e elaborado um Projeto de Relatório no qual se concluiu pela existência de irregularidades contributivas. […], sempre se dirá que o alegado através dos pontos 9 a 15 não tem o alcance pretendido porquanto do relatório da inspeção tributária que junta não consta que tenha sido alvo de qualquer análise os fundamentos de atribuição daqueles abonos. Também não surpreende que tenham sido efetuadas correções a apenas quatro trabalhadores já que a inspeção em causa, inserida na ação denominada sinais exteriores de riqueza visava a averiguação de 4 trabalhadores, conforme consta do mesmo relatório. Relativamente ao alegado na alínea b) da pronúncia, […] embora a matéria apurada se reporte a anos anteriores à entrada em vigor do Código Contributivo a abertura do processo, bem como a sua instrução, tiveram início já no decurso do ano de 2013, ou seja, em data em que o referido Código já se encontrava a vigorar. Donde, é ao abrigo deste Código que a presente averiguação, forçosamente, tem de ser enquadrada, sendo que, em termos procedimentais, a alínea c) do artº 3ª deste diploma nos impõe que se aplique, subsidiariamente, o Código de Procedimento Administrativo (CPA), afastando neste aspeto qualquer outro diploma legal. Neste contexto, carece de fundamento invocar o dispositivo da Lei Geral Tributaria que refere - o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de 4 anos —uma vez que existe legislação própria a fixar o prazo de prescrição da obrigação do pagamento das contribuições a Segurança Social em cinco anos, concretamente a Lei nº 4/2007. de 16 de janeiro, no seu artº 60º e o artº 187º do Código Contributivo. Refira-se aliás que neste sentido se tem pronunciado a jurisprudência recente (vd. Acórdão do STA, de 21.04.2010, Proc. 023/04 e Acórdão do STA. de 30.05.2012, Proc. 0104/12), reforçando a existência de um regime específico relativamente às quotizações e contribuições para a Segurança Social instituído pela lei de bases anteriormente referida, o que afasta em definitivo a aplicabilidade da caducidade à matéria em causa. […]

No que concerne a alínea c) da pronúncia e que corresponde ao articulado 46 a 57, refira-se primeiramente que não houve qualquer revogação da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, pelo Código dos Regimes Contributivo do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS) pelo que continuaremos a aplicar o diploma (Vide artº 5º do Código). Estabelece então a referida lei, no n.º 3 do artigo 60.º, um prazo prescricional do pagamento das contribuições à segurança social de cinco anos. Sendo que, no nº 4 do mesmo artigo se encontra previsto que interrompe a prescrição «qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente a liquidação ou à cobrança da dívida». Preceito idêntico consta do art. 187.º do CRCSPSS. Ora, recupere-se que, no caso concreto, foi o contribuinte notificado pessoalmente em 11 de janeiro de 2013 para entrega de documentos com vista à verificação do cumprimento das obrigações contributivas, e por isso com o seu conhecimento (que obviamente reconhece), pelo que tal diligência representa a primeira conducente à liquidação em causa, uma vez que se tratam dos documentos necessários para apurar a existência e o montante das omissões Contributivas, pelo que a interrupção do prazo de prescrição da obrigação contributiva, prevista naquele preceito legal, ocorre com a verificação da referida notificação. […] Posto isto, conclui-se que não procede o alegado pela respondente quando refere que as contribuições e quotizações do período de janeiro a setembro de 2008 estão prescritas. Relativamente ao alegado na alínea d) da pronuncia nos artigos 58 a 96, onde a respondente faz o exercício de tentar provar que as ajudas de custo pagas aos trabalhadores da sociedade não são retribuição mas montantes compensatórios, no sentido de obviar a incidência contributiva, reiteramos os factos provados nos autos, isto é, a sociedade contratou os trabalhadores especificamente para prestar trabalho nas obras que tinha no estrangeiro, não prestando qualquer trabalho em território nacional designadamente no centro funcional da atividade do trabalhador, em Sacavém, sendo apenas remunerados, tanto a titulo de vencimento, como de subsídio de ferias, subsidio de Natal, férias não gozadas e alegadas ajudas de custo, pelos dias de trabalho efetivamente prestados nas obras no estrangeiro. Verificou-se ainda que, conforme resulta do confronto entre os contratos de trabalho e boletins de itinerário, os locais de trabalho contratualizados ab initio entre as partes e onde efetivamente exerceram funções os trabalhadores foram previamente definidos pela empresa, em território estrangeiro, e a duração do trabalho foi igualmente definida em função das suas necessidades, nunca tendo os trabalhadores prestado ou tido qualquer perspetiva de vir a prestar atividade profissional na sede da empresa ou como referem os contratos no "centro funcional do segundo outorgante" em Sacavém. Ainda de acordo com os denominados “Comunicados, anexos aos contratos. a empresa comprometia-se a pagar as viagens de deslocação de Portugal para o local de trabalho e vice-versa, no inicio e fim da deslocação do trabalhador. Assim, se os trabalhadores foram contratados diretamente para os locais de trabalho definidos pela empresa, no estrangeiro, não se verificaram quaisquer deslocações, sendo que para os trabalhadores o seu local de trabalho e de facto e somente o das instalações ou obras que estão a efectuar no estrangeiro. […] Com efeito, revela-se consensual que qualquer trabalhador incorre potencialmente em despesas relacionadas com alojamento e alimentação, fazendo o mesmo uso dos abonos que constituem o seu orçamento normal para fazer face a tais encargos. E nesse sentido, um trabalhador que opte por trabalhar no estrangeiro, operando com as regras da experiência comum e num juízo de normalidade, certamente não o faria pelo salário de cerca de 500/600 Euros (vencimento médio dos trabalhadores em causa) mas exigirá, desde o início uma contrapartida remuneratória que compense o ónus da distância e que permita fazer face aos encargos diários normais. […] após análise da documentação enviada-pela sociedade, que durante os anos em causa no presente processo (2008 a 2012) a empresa realizou unicamente em 2012 uma empreitada no Porto, tendo pago ajudas de custo aos trabalhadores envolvidos na mesma porque não residem no Porto, e pela obra não decorrer na sede da empresa. Da listagem enviada e através do seu confronto com o período registado na segurança social em que os trabalhadores exerceram actividade no contribuinte, veja-se por ex. os trabalhadores A. G., E. S., M. M., P. D. que exerceram funções unicamente na obra acima mencionada, e mesmo nessa situação beneficiaram do pagamento de ajudas de custo, sendo também neste caso mais claro ainda que nunca existiu qualquer deslocação em serviço, porquanto o seu local de trabalho permaneceu inalterado desde o inicio da relação laboral entre as partes. […] Refira-se também que o que fundamenta a intenção de liquidação de contribuições sobre as ajudas de custo pagas não assenta, embora constitua um importante indício, no que é referido pela respondente nos pontos 64 a 68 e que resultou das declarações prestadas pelos trabalhadores. Não se deixa contudo de referir que os adiantamentos que o contribuinte menciona não tem reflexo em qualquer dos documentos que o mesmo refere. No que concerne ao alegado pela respondente na alínea d) ponto i) a que corresponde os artigos 97 a 121 e concedendo que o diploma que regula o abono de ajudas de custo no estrangeiro não prevê nenhum limite temporal, esta situação em nada abala ou diminui a convicção da Segurança Social em qualificar as ajudas de custo pagas aos trabalhadores da sociedade não como montantes compensatórios mas como retribuição. Com efeito, se atentarmos no nº 1 do artº 1ª de referido diploma, constata-se desde logo que na sua génese se encontra a atribuição de ajudas de custo por deslocações em serviço público ao estrangeiro o que obviamente, significa que as mesmas são efetuadas a partir do domicílio necessário do trabalhador e que tais deslocações são efetuadas ao serviço da entidade patronal o que. conforme decorre dos autos, não é o caso. De facto e no que tange a deslocação em serviço, quer a doutrina, quer a jurisprudência são unânimes em afirmar que esta só existe quando qualquer trabalhador, possuindo um determinado local de trabalho, é incumbido/obrigado gela empresa a deslocar—se, temporariamente a outro local não contratualmente fixado, para ai excepcionalmente, desempenhar quaisquer tarefas inerentes às suas funções regressando sempre, depois de mais ou menos tempo, ao seu local de trabalho gare onde foi inicialmente contratado. Já no que respeita à noção de domicilio estabelece o Decreto-Lei n.º 106/96, de 24 de abril, na sendo do artº 83º do Código Civil, domicílio necessário para os trabalhadores será o local onde exercem funções ao serviço da empresa, ou seja, as obras /instalações definidas pela empresa. Assim, mesmo que o trabalhador tenha residência em território nacional e a entidade patronal tenha a qui a sua sede, para efeitos de atribuição de ajudas de custo, o que é relevante é que o trabalhador esteja deslocado do seu local de trabalho. […] Ora, conforme foi verificado no decurso da ação inspetiva os trabalhadores na mesma data em que celebram o contrato de trabalho é-Ihes comunicado a sua deslocação para o estrangeiro. Pelo que, a C. ao definir como centro de atividade dos trabalhadores Sacavém (local da sua sede), mais não esta a fazer do que a ficcionar uma deslocação dos seus trabalhadores da sua sede para as diversas obras no estrangeiro, e assim proceder ao pagamento de ajudas de custo, que estipulou como natureza fixa, regular e permanente por cada dia, independentemente da existência de quaisquer deslocações ocasionais efectuadas em serviço e a favor da entidade empregadora. Como já referido, as ajudas de custo pressupõem deslocações do trabalhador enquanto tal e que, portanto, tenham como ponto de partida o seu local de trabalho. Deslocação em serviço só existe quando um qualquer trabalhador. de determinada empresa, possuindo um determinado local de trabalho, é incumbido/obrigado pela empresa a deslocar-se, temporariamente, a outro local, não contratualmente fixado, para aí, excecionalmente, desempenhar quaisquer tarefas inerentes às suas funções e que daí decorrem despesas adicionais, regressando. sempre, ao seu local de trabalho contratualizado. É precisamente dentro desta relação estável entre trabalhador e entidade empregadora, quando ocorrendo alguma alteração excecional e anormal ao local normal de prestação de trabalho. que se pode aceitar a atribuição de verdadeiras ajudas de custo já que em virtude dessa alteração o trabalhador irá realizar despesas extraordinárias, não previstas a coberto do salário inicialmente definido, e que cessarão quando a deslocação terminar e a relação laboral regressar à normalidade. Se o serviço a efetuar se localiza desde logo em determinada obra da empresa no estrangeiro não estão reunidas as condições legais para a sua qualificação como ajudas de custo. Deste modo não tendo resultado provada a realização de quaisquer deslocações, tendo-se aliás demonstrado o contrario, necessariamente resulta a qualificação daquela prestação como integrando o conceito de remuneração. Neste sentido diga-se aliás que é o próprio contribuinte que assume a verdadeira finalidade da atribuição de ajudas de custo: compensar os mesmos "pelos incómodos inerentes à sua deslocação" e apenas compensar a circunstância dos trabalhadores terem de se manter deslocados da sua residência habitual e da sede da sociedade que os contratou, que como já se viu não têm correspondência Ao que legalmente se encontra definido como domicilio profissional. […] Clarifique-se ainda que os montantes apurados a titulo de ajudas de custo e inscritos nos mapas de apuramento junto aos autos dificilmente poderiam ser apurados com base em “amostragem, como refere a respondente no ponto 119 da sua resposta, como de resto, o demonstra a análise casuística efetuada, que teve o seu culminar na elaboração dos mapas de apuramento, juntos em autos. Com efeito, antes se constata que os factos concretos em causa, pelo conteúdo da pronúncia em análise acabam por ser corroborados, designadamente que as ajudas de custo pagas o são unicamente pelo facto dos trabalhadores exercerem a sua atividade fora da sede da empresa e distante da sua residência familiar, pelo que não se compreende o alcance pretendido com o alegado no ponto 119. […] - cfr. relatório, a págs. 148 a 163 do suporte físico dos autos;

9) Pelo ofício 053884 de 17 de Fevereiro de 2014, foi a Impugnante informada que ¯na sequência da ação inspetiva realizada ao abrigo do Proave n.º 201200039170 e da decisão de liquidação de contribuições proferida nessa sede pela Unidade de Fiscalização, foram registadas oficiosamente as Declarações de Remuneração de vários trabalhadores, relativas ao(s) período de Janeiro/2008 a Dezembro/2012, a que correspondem omissões nas contribuições/quotizações devidas no montante total de 4.227.595,57 – cfr. ofício, a fls. 209 do suporte físico dos autos;

10) No dia 13 de Março de 2014 foi carimbado, na secção de processo de Lisboa I, requerimento da Impugnante na qual solicita “a emissão de certidão da(s) liquidação(ões) de juros apurados na sequência da acção inspectiva” – cfr. requerimento, a fls. 204 a 207 do suporte físico dos autos;

11) Os documentos designados “CONTRATO DE TRABALHO A TERMOS CERTO assinados por representantes da Impugnante e os seus trabalhadores continham, no ponto 2 da cláusula segunda, a referência ¯O centro funcional da actividade do Segundo Outorgante será em Sacavém – cfr. contratos, a fls. 462 a 486 do suporte físico dos autos;

12) Posteriormente à assinatura dos documentos referidos em 10), a Impugnante preenchia e entregava formulários E101 PT, referentes a ¯destacamento de trabalhadores – cfr. formulários, a fls. 488 a 519 do suporte físico dos autos;

13) Foram efectuadas inspecções tributárias aos trabalhadores da Impugnante, tendo sido emitidas correcções em sede de IRS, que foram anuladas por via de decisão arbitral ou revogação – cfr. documentos 9 a 21 juntos com a petição inicial, a fls. 258 a 461 do suporte físico dos autos;

14) A sociedade impugnante transferiu “remunerações” para 373 pessoas em 2008, 269 pessoas em 2009, 288 pessoas em 2010, 232 pessoas em 2011 e 319 pessoas em 2012 – cfr. mapas de apuramento de remunerações, a fls. 782 a 819 do PA apenso ao suporte físico dos autos;


***

A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não se deram como não provados quaisquer factos com relevância para a decisão da lide.”


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No atinente à motivação da decisão sobre a matéria de facto assentou no seguinte:

“Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.

A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental constante dos autos e indicada a seguir a cada um dos factos, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos, bem como o do PA apenso aos autos.

A prova testemunhal ouvida não logrou influir na matéria de facto dada como provada.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente, não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação oficiosa de contribuições e quotizações devidas à Segurança Social, no montante de €4.227.595,57 respeitantes aos anos de 2008 a 2012.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:

Ø Se as conclusões das alegações de recurso da Recorrente não cumprem os requisitos constantes no artigo 639.º do CIRC, devendo, por isso, o recurso ser rejeitado;

Ø A decisão recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação.

Ø Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento:

o De facto, por errada valoração da prova, importando, assim, aferir dos requisitos do artigo 640.º do CPC;

o Por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, na medida em que:

§ Sentenciou que se encontra caducado o direito à liquidação respeitante aos períodos de janeiro de 2008 a janeiro de 2010;

§ Ajuizou que o Instituto da Segurança Social cometeu deficit instrutório na instrução e demonstração atinente à requalificação das ajudas de custo em remuneração e consequente incidência e tributação.

Apreciando.

Comecemos, então, pela rejeição do recurso atentas as deficiências das conclusões.

Defende a Recorrida, nas suas contra-alegações, que as conclusões formuladas pela Recorrente nas suas alegações de recurso não obedecem ao disposto no n.º 1 do artigo 639.º do CPC, porquanto se tratam da reprodução quase integral, em sede de conclusões, dos argumentos por si previamente alegados.

Concluindo, para o efeito, que o dever de apresentação das conclusões do recurso foi manifestamente violado, equiparando-se à efetiva ausência de conclusões, de tal modo que deve o recurso apresentado pelo Instituto da Segurança Social, ser rejeitado, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 641.º do CPC.

Compete, assim, aferir se estão reunidos os pressupostos legais e condições para se conhecer do objeto do recurso.

Apreciando.

Preceitua, desde logo, o artigo 281.º do CPPT que:

“Os recursos das decisões proferidas pelos tribunais tributários, ainda que interlocutórias, regem-se pelo disposto no Código de Processo Civil, salvo o disposto no presente título.”

Mais consignando o artigo 282.º do CPPT, sob a epígrafe de “Interposição do recurso”, que:

“1 - O prazo para a interposição de recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão recorrida.

2 - O recurso é interposto mediante requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão, que inclui ou junta a respetiva alegação e no qual são enunciados os vícios imputados à decisão e formuladas conclusões.

3 - Recebido o requerimento, a secretaria promove oficiosamente a notificação do recorrido e do Ministério Público, salvo se este for recorrente, para alegações no prazo de 30 dias.

4 - Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias.

5 - Findos os prazos concedidos aos recorrentes, o juiz ou relator aprecia os requerimentos apresentados e pronuncia-se sobre as nulidades arguidas e os pedidos de reforma, ordenando a subida do recurso se a tal nada obstar.

6 - Do despacho do juiz ou relator que não admita o recurso pode o recorrente reclamar, segundo o disposto na lei processual civil, para o tribunal que seria competente para dele conhecer.

7 - Do despacho do relator que não receba o recurso interposto de decisão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo para o Pleno do mesmo Tribunal, ou o retenha, cabe reclamação para a conferência e da decisão desta não há recurso.”

Neste concreto particular e atenta a remissão consignada no citado artigo 281.º do CPPT, há que chamar à colação o artigo 639.º, do CPC, o qual sob a epígrafe de “ónus de alegar e formular conclusões” dispõe que:

“1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:

a) As normas jurídicas violadas;

b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;

c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.

3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.

4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.”

Consignando, outrossim, o artigo 652.º, nº2, alínea a), do CPC, com a redação anterior à conferida pela Lei nº 55/2021, de 13 de agosto, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT que compete ao Juiz Relator “[c]onvidar as partes a aperfeiçoar as conclusões das respetivas alegações, nos termos do nº3 do artigo 639.º”.

Resulta, assim, que no domínio dos recursos jurisdicionais das decisões proferidas pelos Tribunais Tributários de 1ª instância, de carácter não urgente, os Recorrentes devem apresentar as suas alegações de recurso no prazo de 30 dias a contar da notificação da decisão, as quais têm, obrigatoriamente, de revestir conclusões.

Sendo que, na falta de apresentação de conclusões ou contendo as mesmas deficiências, a lei, à data, dispunha que devem os Recorrentes ser previamente convidados a apresentá-las ou a suprir as suas deficiências, sendo que só após o incumprimento dessa formalidade está o Tribunal legitimado a não conhecer do objeto do recurso.

Com efeito, as conclusões das alegações de recurso visam identificar e extrair corretamente as questões controvertidas suscitadas pelo Recorrente, tendo a importante função de delimitar o objeto do recurso e circunscrever o campo de intervenção do Tribunal ad quem.

Neste particular, importa atentar no sumário do Aresto do STA, proferido no processo nº 0958/17, de 23 de novembro de 2017, o qual claramente doutrina:

“I - A finalidade ou função das conclusões é definir o objecto do recurso, através da identificação, abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas já desenvolvidas nas alegações;

II - Sendo as conclusões a delimitar o objecto do recurso, a sua precisão tem essencialmente por finalidade tornar mais fácil, mais pronta e segura a tarefa da administração da justiça, numa perspectiva dinâmica de estreita cooperação entre os vários agentes judiciários, e permitir eficaz contraditório ao recorrido, que terá ganho total ou parcialmente a causa, e que, por via disso, terá todo o interesse em manter o decidido, reagindo, para isso, a questões que deverá perceber;

III - A lógica, e a boa arte de alegar, mandam que as conclusões sejam proposições sintéticas que emanam do que se desenvolveu nas alegações. Devem, portanto, ser em número consideravelmente inferior aos artigos das alegações, mas não só, devem traduzir, ainda, o esforço de condensar, de forma clara, a exposição realizada naquelas;

IV - É nessa perspectiva dinâmica de cooperação, servindo o objecto do recurso e a efectividade do contraditório, e bem assim a promoção das decisões de mérito, que deve ser enquadrado o despacho convite formulado pelo relator nos termos do artigo 639º, nº3, do CPC;

V - O que significa que nunca se deverá atribuir ao «convite» uma impositividade que ele não tem, nem extrair do seu eventual incumprimento, total ou parcial, consequências que ele não comporta. É que, enquanto convite, a sua aceitação não poderá deixar de ficar na disponibilidade do destinatário, e, enquanto convite incumprido, sempre fica a dever a cominação de «não conhecimento do recurso, na parte afectada» à permanência e efectividade dos vícios detectados nas conclusões.”

Visto o direito, regressemos ao caso dos autos.

In casu, a Recorrida entende que as conclusões não cumprem o seu desiderato, e que tal situação determina a sua rejeição, no entanto, e ainda que as alegações de recurso em contenda não representem a melhor técnica jurídica, na medida em que extensas, e muitas vezes epanafóricas mediante cotejo com as suas alegações, a verdade é que atentando no seu teor é possível percecionar e alcançar a concreta delimitação das questões, sendo, outrossim, evidenciados os respetivos fundamentos de facto e de direito, com a inerente convocação das normas jurídicas.

De relevar, a final, que o não conhecimento do recurso, deve ser usado com parcimónia e moderação, apenas devendo ser utilizado como solução de última linha, ou seja, quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior ou ainda quando a síntese ordenada se não faça de todo, sendo certo que o Tribunal ad quem deve privilegiar os valores da justiça, da celeridade e da eficácia em detrimento de aspetos de índole formal.

Face a todo o exposto inexiste fundamento para a sua rejeição.

Prosseguindo.

Atentemos, ora, na nulidade por falta de fundamentação de facto.

Alega a Recorrente que o Tribunal a quo, à exceção da matéria referente à fixação das custas do processo, não faz qualquer aplicação da legislação ao caso concreto, não fazendo, outrossim, qualquer apreciação crítica das provas, limitando-se à mera transcrição dos argumentos oferecidos pelas partes, a convocar jurisprudência desajustada, e a não especificar outros fundamentos decisivos.

Vejamos, então.

Dispõe o artigo 123.º, nº2, do CPPT que: “O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.”

Mais preceitua o artigo 125.º do CPPT, sob a epígrafe de “nulidades da sentença” que:

“ 1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”

Dir-se-á, neste âmbito, que esta norma corresponde ao regulamentado no normativo 615.º, nº1, alínea b), do CPC, segundo o qual “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e direito que justifiquem a decisão”.

De convocar, ainda neste particular, o comando constitucional contemplado no artigo 205.º da CRP o qual prevê que: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

Quanto à falta de fundamentação de facto, a Doutrina(1)tem entendido que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito, o mesmo sucedendo com a Jurisprudência dos Tribunais Superiores a qual aduz que “[P]ara que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário". (2)

No caso em apreço, compulsado o teor da decisão recorrida verifica-se que vêm discriminados os fundamentos de facto. Com efeito, no item denominado de “fundamentação” estão elencados os factos provados deles constando, expressa e individualmente, o meio probatório que permitiu a fixação da aludida factualidade, existindo um item inerente à própria motivação da matéria de facto no qual, expressamente, se evidencia a concreta decisão sobre a matéria de facto.

No atinente à factualidade não provada consta expressa menção que inexistem quaisquer factos a valorar e com relevância para a decisão da lide.

Logo, inversamente ao propugnado pela Recorrente a decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada, quer de facto, quer de direito, com a devida enunciação das questões, convocação do quadro normativo e devida transposição para o caso vertente, e inerente apreciação crítica da prova. Neste âmbito, cumpre relevar que a decisão recorrida evidencia, de forma expressa, que a prova testemunhal não contribuiu para a fixação de qualquer asserção fática, sendo certo que a Recorrente nada contradita nesse concreto particular, limitando-se a tecer juízos genéricos e conclusivos sem qualquer alusão, devidamente substanciada ao probatório, e sem proceder a uma adequada impugnação da matéria de facto em ordem aos requisitos consignados no artigo 640.º do CPC, conforme apreciaremos com superior detalhe e em sede própria.

Mais importa ter presente que, o juiz não está vinculado à fixação de toda a factualidade alegada na sua petição inicial, mas, tão-só, a valorar e ponderar aquela que tenha relevo para a presente lide. Noutra formulação, dir-se-á que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.

Competindo, assim, ao julgador formular livremente a sua convicção, sopesando as provas apresentadas pelas partes, dando a cada uma o relevo que entender que lhe cabe, que pode ser total ou nenhum, assim como às razões e argumentos formulados pelas partes.

Como doutrinado no Aresto do TCAN, no âmbito do processo nº 00820/06, de 12 de janeiro de 2012: “[a] lei só manda fundamentar na decisão da matéria de facto os factos provados e dos factos não provados, omitindo qualquer referência aos factos irrelevantes (isto é, os factos que o tribunal se absteve de enquadrar numa categoria ou noutra). De outro lado, porque a obrigação de fundamentar a irrelevância de determinados factos frustraria os desígnios do legislador ao reconduzir o juízo de facto aos factos relevantes, manifestamente norteados pelos princípios da economia processual e da boa (e célere) administração da justiça. Finalmente, porque a falta de especificação das razões porque se desconsideraram outros factos não tolhe o direito de defesa da parte, que se reconduzirá então à demonstração da sua relevância para o sentido da sua decisão.”

Note-se que, a admitir-se que há outros factos relevantes para a decisão, o que haverá, então, é um erro de julgamento sobre a irrelevância desses factos, ou seja, se a factualidade constante no acervo probatório, se afigura insuficiente para dirimir o litígio tal a suceder, redunda, quando muito em erro de julgamento e não em nulidade da decisão por falta de fundamentação.

Como já evidenciado anteriormente, é jurisprudência unânime e pacífica, que só a absoluta falta de fundamentação gera nulidade, dado que a fundamentação obscura, incongruente, deficiente ou escassa não integra tal vício, constituindo apenas uma mera irregularidade, que pode dar lugar à sua revogação ou mesmo anulação, sendo caso disso.

Em face de todo o exposto, conclui-se que inexiste a arguida nulidade por falta de fundamentação de facto.

Ainda no âmbito da nulidade da decisão recorrida, cumpre relevar que não obstante a Recorrente faça alusão à alínea d), do citado artigo 615.º do CPC, a verdade é que não substancia qualquer asserção que permita corporizar uma nulidade passível de subsunção normativa no citado preceito legal. E por assim ser, não cumpre tecer quaisquer considerandos adicionais, neste e para este efeito.


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Analisemos, ora, o erro de julgamento de facto.

Atentemos, então, se a Recorrente ao convocar uma errónea valoração da matéria de facto, mormente, das testemunhas, procedeu à impugnação da matéria de facto.

Para o efeito, importa começar por aferir se os Recorrentes cumpriram os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida. (3)

Sendo que quanto à prova testemunhal tem de existir uma indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, porquanto além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova.

In casu, conforme se extrai do teor das alegações recursivas e suas conclusões, a Recorrente não cumpriu o ónus a que estava adstrita, na medida em que não advoga qualquer aditamento por complementação ou substituição, nem, tão-pouco, qualquer supressão do acervo fático dos autos, limitando-se a convocar um erro de julgamento de facto sem qualquer indicação clara e expressa dos factos que consideram provados, nem o específico meio probatório em que sustenta o seu entendimento.

É certo que, por vezes, convoca o depoimento das testemunhas, com alusão a alguns excertos, no entanto nada substancia e requer em termos de concreta alteração do probatório, limitando-se, tão-só, a concretizar juízos de valor quanto ao ajuizado pelo Tribunal a quo, reconduzindo-se, por isso, a meros erros de julgamento de facto.

E por assim ser, rejeita-se a aludida impugnação por falta de requisitos legais.


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Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto, importa, então, atentar no erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto de direito.

Comecemos pelo erro de julgamento atinente à caducidade do direito à liquidação.

A Recorrente advoga que foi, erroneamente, determinada a caducidade das liquidações referentes aos períodos correspondentes a janeiro de 2008 até janeiro de 2010, e cuja fundamentação se alicerça no entendimento vertido no Acórdão do STA, proferido no processo nº 01481/13, de 26 de fevereiro de 2014, o qual foi prolatado posteriormente à notificação da decisão de liquidação de apuramento oficioso datada de 17 de fevereiro 2014, não sendo passível de qualquer aplicação retroativa.

Densificando, para o efeito, que até essa mesma data, a jurisprudência expressava uniformemente o entendimento de que as disposições previstas no artigo 45º da LGT não seriam aplicáveis à liquidação das dívidas da Segurança Social, porquanto inexistia uma liquidação em sentido próprio.

Mais sublinhando que, o regime da caducidade do direito à liquidação de contribuições nunca esteve previsto, nem está previsto na legislação previdencial e o acórdão visado não se reveste de uma norma jurídica, e só pode aplicar-se para o futuro.

Dissente a Recorrida relevando, para o efeito, que a decisão recorrida procedeu a uma correta análise jurídica da questão, na medida em que o direito do Instituto da Segurança Social, à liquidação oficiosa de contribuições e quotizações já se encontra extinto, por caducidade, no que respeita aos montantes pagos a título de ajudas de custo no período de janeiro de 2008 a janeiro de 2010, contabilizando um total de €1.724.680,17, porquanto aplicável o regime previsto no artigo 45.º da LGT, conforme, aliás, corroborado de forma uniforme e unânime pela Jurisprudência do STA, e em particular, pelo citado Aresto do Pleno.

O Tribunal a quo esteou, por seu turno, a procedência do aludido vício, relevando, de forma expressa, que é aplicável o prazo de 4 anos previsto no artigo 45.º da LGT ao caso em apreço, aderindo à fundamentação jurídica constante no Acórdão proferido pelo STA, em Plenário, no âmbito do processo nº01481/13, de 26 de fevereiro de 2014, concluindo, depois, que “[t]endo em conta que a notificação da liquidação apenas foi efectuada em Fevereiro de 2014 [facto provado 9)], bem como o facto de a acção inspectiva ter ultrapassado o prazo de seis meses previsto no artigo 46.º da LGT [cfr. factos provados 1) e 7)], encontram-se caducas as liquidações referentes aos períodos correspondentes a Janeiro de 2008 até Janeiro de 2010, no valor global de €1.724.680,17.”

Ora, analisando a aludida fundamentação nenhuma censura merece a decisão recorrida, porquanto realizou uma correta análise do regime jurídico vigente com a devida transposição para o caso vertente.

Senão vejamos.

Ab initio, importa relevar que contrariamente ao aduzido pela Recorrente, o Tribunal a quo, não externou o seu entendimento com base em Jurisprudência e sem apelo ao respetivo regime jurídico e respetiva densificação legal, com efeito, o que fez, e sem que nenhuma censura lhe possa ser imputada, foi enunciar, de forma expressa, que era aplicável o regime jurídico consignado no artigo 45.º da LGT e depois materializar uma fundamentação por adesão ao vertido no citado Aresto.

Dir-se-á, portanto, que a decisão recorrida convoca o citado Aresto e adota o que se pode apelidar de uma fundamentação por adesão, sendo que “[n]ada obsta a que a fundamentação se faça por adesão à fundamentação jurídica de anterior acórdão de tribunal superior, sendo que a lei apenas impede que a fundamentação se faça por mera adesão aos fundamentos alegados por uma das partes". (4)

E, portanto, face a todo o expendido carecem de qualquer relevo as alegações atinentes à aplicação, tout court, da aludida Jurisprudência, e naturalmente a todas as questões laterais e concatenadas com a aplicação retroativa, as quais, como visto não têm qualquer fundamento.

Sem embargo do exposto, sempre se dirá que o se retira da Jurisprudência, até mediante uma leitura cuidada do citado Aresto do Pleno, é que devendo as contribuições devidas à Segurança Social considerar-se como verdadeiros impostos, assumindo essas dívidas natureza tributária, se encontravam sujeitas ao regime da caducidade estabelecido na LGT, concretamente, do artigo 45.º do citado diploma legal.

Doutrinando, no entanto, a necessidade de apreciação casuística, ou seja, de curial e particular destrinça entre liquidação oficiosa e/ou autoliquidação, sendo que, nessa última, resultando as mesmas da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte (autoliquidação), as mesmas mais não representavam que uma homologação implícita pela Administração decorrente da aceitação do pagamento do imposto. Donde, tal legitimava a extração de certidões de dívida perante a mera constatação de omissão de um pagamento, sem que existisse um ato administrativo ou tributário prévio definidor da obrigação, não havendo, por isso, que convocar e fazer-se a subsunção normativa no citado preceito legal.

A patentear o supra expendido, veja-se que o Acórdão fundamento, do citado Aresto do Pleno, data de 08 de janeiro de 2008, e foi prolatado no processo nº 02108/2007, e no qual logo se doutrinou que:

“Assumindo essas dívidas natureza tributária, como tal, estão sujeitas ao regime da caducidade estabelecido na LGT e das notificações dos actos tributários consagrado no artº 38º do CPPT (…)

o que é determinante para o caso é saber se estamos perante uma situação em que o contribuinte tivesse procedido à auto-liquidação das contribuições em causa ou, antes, perante uma liquidação oficiosa levada a cabo pela Segurança Social, nos termos do disposto nos artºs dos diplomas mencionados nas certidões executivas.(…)

no que tange à liquidação e cobrança da TSU, verifica-se uma autoliquidação em relação às contribuições das entidades patronais, e uma liquidação por terceiro (liquidação em substituição) no que se refere às contribuições dos trabalhadores, dado que estas são objecto de retenção na fonte a título definitivo pelas entidades patronais.

não havendo liquidação adicional (oficiosa)(7) mas auto-liquidação autoliquidação e uma liquidação por terceiro (liquidação em substituição), não é configurável a caducidade do direito á liquidação não havendo que acatar a injunção normativa contida no n° l do art. 65° do CPT (ou do artº 38º do CPPT) de que sempre que "tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes" as notificações são obrigatoriamente efectuadas por carta registada com aviso de recepção.”

Logo, não só em nada releva o expendido pela Recorrente em torno da aludida Jurisprudência, como não logra mérito a alegação atinente à insusceptibilidade de aplicação do regime vertido no artigo 45.º da LGT às liquidações oficiosas emitidas pela Segurança Social, no decurso da respetiva ação inspetiva.

Com efeito, o direito de liquidar tais contribuições é aplicável, por força do disposto nos artigos 1.º, 2.º 3º da LGT, o regime de caducidade do direito à liquidação previsto no artigo 45.º do mesmo diploma legal, uma vez que o regime específico das quotizações e contribuições à Segurança Social não fixa um prazo especial de caducidade do direito de liquidação.

Uma vez que a questão foi tratada de forma exaustiva, detalhada e profícua, no visado Acórdão do Pleno, convocado, e bem, na decisão recorrida, e uma vez que a questão é, em tudo, idêntica à dos autos, tendo ainda em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em conformidade com o preceituado no artigo 8.º, nº 3 do Código Civil, eximimo-nos de expender novas considerações, reproduzindo aqui o raciocínio jurídico vertido no mesmo, o qual foi acolhido em ulteriores Arestos prolatados pelo STA, e também pelos TCAS e TCAN, dele se extratando, designadamente, o seguinte:

“[a] questão objecto do recurso que é a de saber se, nos casos em que o apuramento do valor das contribuições devidas à Segurança Social e a própria liquidação dessas contribuições é feita oficiosamente pelos serviços da Segurança Social, será aplicável o regime da caducidade previsto no artº 45º da Lei Geral Tributária e bem assim o regime das notificações dos actos tributários consagrado nos arts. 36º a 38º do Código de Procedimento e Processo Tributário.

12.1 Como vimos o acórdão recorrido considerou que o regime de caducidade previsto no artº 45º da Lei Geral Tributária era inaplicável às contribuições devido à Segurança Social, quer essas contribuições tivessem sido apuradas por autoliquidação por parte das entidades empregadoras através da entrega das respectivas declarações de remunerações, quer através de liquidação oficiosa ao abrigo da faculdade prevista no artº 33º do decreto-lei nº 8-B/2002.

Ponderou-se no acórdão recorrido que “mesmo nos casos de discordância entre o obrigado tributário e a administração sobre os elementos da declaração de remunerações apresentada, avulta o aspecto voluntário da apresentação da mesma liquidação subsequente das contribuições por aplicação das taxas correspondentes; voluntariedade que não é afastada pela obrigação declarativa que recai sobre as entidades empregadoras (artigo 4.º do Decreto-Lei nº 8-B/2002, citado), pois que, quer o preenchimento do conteúdo da declaração, quer a determinação do quantitativo em falta é tarefa que compete à entidade devedora.

E prosseguindo neste discurso argumentativo conclui-se que «seja por falta de previsão legal, seja por falta de adequação ao regime legal das contribuições para a segurança social em apreço, a caducidade do direito à liquidação não tem aplicação no quadro da quantificação da dívida em apreço“.

Não sufragamos no entanto este entendimento.

Em primeiro lugar cumpre referir, como bem se nota no acórdão fundamento, que doutrinaria e jurisprudencialmente, as contribuições para a Segurança Social são consideradas como impostos, ou pelo menos como equiparadas a impostos (Neste sentido, e sobre a natureza das contribuições para a Segurança Social vide , Casalta Nabais, Direito Fiscal, 6ª edição, Almedina, pags. 662 e segs., Nazaré da Costa Cabral, Contribuições para a Segurança Social - Natureza de Regime e de Técnicas e Perspectivas de Evolução num Contexto de Incerteza, Cadernos do IDEFF, nº 12, ed. Almedina, J.J.Teixeira Ribeiro, anotações ao Acórdão de 24 de Janeiro de 1996, revista de Legislação e Jurisprudência, 1 de Junho de 1996, Ano 129º, nº 3863, e Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, vol. I, ed. Rei dos Livros, pag. 322.).

Como refere Casalta Nabais (ob. citada, pag. 663) trata-se de uma acepção que vem sendo admitida um pouco por toda a parte e que, no nosso regime jurídico, tem manifestações importantes traduzidas no seguinte : «1) na integração das contribuições para a segurança social no nível de fiscalidade ou carga fiscal, nomeadamente para efeitos da sua comparação internacional ; 2) na equiparação das contribuições para a segurança social aos impostos, ao menos para efeitos jurídico-constitucionais, que o mesmo é dizer em sede da constituição fiscal ; 3) na aplicação às contribuições para a segurança social das normas do procedimento e processo tributários e do regime das infracções tributárias (v. o art. 1 .º do CPPT e os arts. 1 .º, n.º 1, al. d) e 106.º e 107 .º do RGIT)”

Também a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem considerado as contribuições para a Segurança Social como impostos, desde a Constituição de 1976, e como tal sujeitas ao princípio da legalidade tributária (cfr., entre outros, os Acórdãos n ºs 183/96 e 621/99, publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 23/05/1996 e 23/02/2000).

E no mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência desta secção, de que destacamos, para além dos arestos citados no acórdão fundamento, os Acórdãos de 16.06.1999, recurso 23889 e de 23.05.2007, recurso 63/07, ambos in www.dgsi.pt.

Temos pois por seguro que, em temos doutrinais e jurisprudenciais, as contribuições para a Segurança Social são consideradas, à luz do actual quadro legislativo, como impostos (pese embora com algumas peculiaridades).

Por outro lado, e como já ficou dito, o caso em apreço tem características específicas porque não está em causa uma situação de autoliquidação mas sim uma liquidação oficiosa de contribuições para a Segurança Social.

Por norma as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar, aplicando as percentagens legais às remunerações, numa figura próxima da autoliquidação.

Verifica-se nestes casos, como refere Casalta Nabais, (Direito Fiscal, 6ª edição, Almedina, 2010, pag. 664) reportando-se à liquidação e cobrança da Taxa Social Única, «uma autoliquidação relativamente às contribuições das entidades patronais, e uma liquidação por terceiro (liquidação em substituição) no concernente às contribuições dos trabalhadores, já que estas são objecto de retenção na fonte a título definitivo pelas entidades patronais»

Nestas situações, que têm assim um carácter de autoliquidação, a jurisprudência desta secção vem entendendo que não será aplicável o regime previsto no artº 45º da Lei Geral Tributária, o que se justifica porque «o acto da entidade emitente do respectivo título executivo (certidão de dívida) não pode ser formalmente definido como acto de liquidação, desde logo porque não está subordinado a qualquer procedimento próprio para liquidação de tributos, nem é imposta por lei a notificação de qualquer acto antes da citação em processo de execução] fiscal» - cf., neste sentido, os já citados acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 14.06.2012, recurso 443/12, de 23 de Setembro de 2009, recurso n.º 436/09, e de - de 30 de Maio de 2012, recurso n.º 104/12, todos in www.dgsi.pt.

Mas nem sempre será assim.

Casos há, como o dos presentes autos, em que a liquidação é oficiosa e resulta da iniciativa da Administração em suprimento das obrigações dos contribuintes.

Com efeito o artº 33º do decreto-lei nº 8-B/2002, sob a epígrafe «suprimento oficioso das obrigações dos contribuintes» dispõe o seguinte:

«1 — Nos casos em que as entidades obrigadas a promover a respectiva inscrição como contribuinte ou a apresentar a declaração de remunerações não cumpram tais obrigações, a inscrição e a declaração de remunerações são efectuadas oficiosamente ou por solicitação de terceiro que prove ter interesse no cumprimento daquelas obrigações.

2 — A inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam são efectuados oficiosamente, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção.»

Como se constata do probatório no caso subjudice foi impugnada uma liquidação oficiosa efectuada pela Segurança Social na sequência de investigação efectuada à recorrente em que se apurou a omissão de declaração de remunerações pagas aos seus trabalhadores bem como as correspondentes omissões de pagamento e de contribuições devidas referentes aos períodos de Julho de 2003 a Maio de 2007, no montante total de 1.071.750,77 €.

Trata-se, portanto, de uma liquidação oficiosa por iniciativa do Instituto da Segurança Social, efectuada em suprimento das obrigações dos contribuintes, e que constitui, por isso, um verdadeiro acto administrativo declarativo de liquidação de um tributo, praticado por autoridade pública.

Na verdade enquanto que nas situações de autoliquidação se verifica, por via de regra uma homologação implícita pela Administração decorrente da aceitação do pagamento do imposto, já na liquidação estamos perante uma verificação constitutiva da existência da obrigação de imposto, cujos efeitos se reportam ao momento da verificação do facto tributário , por via de uma retrodatação de efeitos. (Mas não retroactividade de efeitos -cf., neste sentido, Casalta Nabais, Direito Fiscal, 6ª edição, Almedina, pag. 325 ).

Ora dúvidas não há, atento o regime previsto no referido artº 33º do Decreto-lei 8 B/2002, que esta inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam, efectuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção, constituem uma verificação constitutiva da existência daquela obrigação contributiva, e assumem, por isso, a natureza de uma verdadeira liquidação.

Sendo assim, ao direito de liquidar tais contribuições é aplicável, por força do disposto nos artigos 1.º, 2.º 3º da Lei Geral Tributária, o regime de caducidade do direito à liquidação previsto no artº 45.º do mesmo diploma legal, uma vez que o regime específico das quotizações e contribuições à Segurança Social não fixa um prazo especial de caducidade do direito de liquidação.

Com efeito, tratando-se, como se trata, de um acto de liquidação de tributos, está sujeito ao regime de notificação dos actos tributários nos termos do disposto nos artigos 36º nº1 do CPPT e 77º nº6 da L.G.T., devendo ser notificado ao contribuinte no prazo de caducidade de quatro anos previsto no artigo 45º da Lei Geral Tributária.

Ora no caso resulta do probatório (al.D) que a impugnante e ora recorrente foi apenas notificada em 06/01/2009 da elaboração oficiosa das declarações de remunerações a que correspondem omissões nas contribuições devidas no valor de € 1.071.750,77, por referência ao período de Julho de 2003 a Maio de 2007 (Doc. 1 da P1 e PAT apenso), não tendo sido alegado ou provado qualquer facto integrante de causa suspensiva do prazo de caducidade nos termos do artº 46º da Lei Geral Tributária.

Deste modo e, tal como sustenta a recorrente, aplicando o regime de caducidade do direito de liquidação previsto no artº 45º, nº 1 da Lei Geral Tributária ao caso subjudice, mostra-se efectivamente caducado o direito de liquidação das contribuições para a Segurança Social referentes aos meses de Julho a Dezembro de 2003 e de Janeiro a Dezembro de 2004, cuja notificação foi efectuada em 9 de Janeiro de 2009.

Procede pois o recurso pelo que o acórdão recorrido, que assim não decidiu, não pode ser confirmado.” (destaques e sublinhados nossos).

Face ao exposto, e aderindo à aludida fundamentação jurídica que se acolhe, na íntegra, dimana inequívoco que é aplicável o artigo 45.º da LGT o qual preceituava, à data, que o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, sendo que nos impostos de obrigação única, o dies a quo coincide com a data em que o facto tributário ocorreu.

Importando, outrossim, ter presente, que o prazo de caducidade se suspende com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação, em ordem ao preceituado no artigo 46.º da LGT.

Vistos os considerandos de direito que relevam para a presente lide, regressemos ao caso sub judice.

In casu, é não controvertido -na medida em que o dissenso reside, tão-só, na possibilidade de aplicação do citado normativo- e resulta plasmado no acervo fático-não impugnado-dos autos que:

· Foi realizada uma ação de inspeção, tendo nessa sequência, sido elaborado o Relatório Final de inspeção, dele resultando um conjunto de correções meramente aritméticas, e consequentes liquidações oficiosas;

· Que a aludida ação inspetiva ultrapassou o período de seis meses;

· Que os atos de liquidação oficiosa foram objeto de notificação em fevereiro de 2014.

Ora, face ao supra expendido, há, efetivamente, que secundar o entendimento constante na decisão recorrida no sentido de que se encontram caducadas as liquidações referentes aos períodos correspondentes a janeiro de 2008 até janeiro de 2010, no valor global de €1.724.680,17.

Face a todo o exposto, improcede o aludido erro de julgamento.

Prosseguindo, ora, com o erro de julgamento atinente ao deficit instrutório.

A Recorrente alega que o Tribunal a quo ponderou desacertadamente a prova produzida, concluindo, erradamente, que as liquidações em causa se demonstram ilegais, por deficit instrutório e consequente falta de fundamentação, porquanto contrariamente ao ajuizado na decisão recorrida a amostragem realizada foi suficiente para efeitos de prova e requalificação das quantias pagas a título de ajudas de custo como remunerações, não tendo, por seu turno, a Recorrida logrado demonstrar o caráter meramente compensatório das verbas auferidas.

Aduz, desde logo, que o entendimento propugnado pelo Tribunal a quo padece de erro interpretativo base, na medida em que a abertura do processo de averiguações, bem como a sua instrução, já ocorreu na vigência do CRCSPSS, logo ter-se-á de aplicar, subsidiariamente, o regime constante no CPA, carecendo, assim, de fundamento, os alegados vícios de deficit de instrução e de violação do princípio do inquisitório.

Não obstante, redargue a falta de cumprimento do ónus probatório, porquanto dos dados constantes do processo administrativo e de todos os elementos probatórios nele reunidos, não se poderá vislumbrar qualquer violação ao princípio do inquisitório ou ao “poder- dever” de recolha de provas adequadas à tomada da boa decisão.

Concretiza, para efeitos da aduzida amostragem que, por um lado, a técnica de amostragem e a alegada “extrapolação”, são amplamente usadas pela AT assumindo carácter fidedigno, e por outro lado, que não obstante a mesma se tenha consubstanciado na inquirição de onze trabalhadores, a mesma mais não representa que uma diligência meramente complementar, sendo certo que tais resultados poderiam ter sido obtidos mediante mero cotejo da prova documental junta aos autos, e que levaram à elaboração dos mapas de apuramento oficioso.

Advoga, ainda, como suficiência da prova produzida, e alocada ao domicílio necessário o teor dos contratos celebrados, dos quais dimana, desde logo, que o motivo justificativo para a celebração do mesmo, se coaduna com a execução de trabalhos de construção civil e obras públicas, em regime de empreitada, e pela necessidade de um acréscimo de trabalhadores por um período de 6 meses, para a execução de empreitadas de análoga temporalidade, sendo que não poderá ser entendido enquanto tal Sacavém, não obstante essa estipulação contratual.

Adensa, outrossim, que o facto de as verbas representarem montantes superiores ao salário contratualizado, e apresentarem carácter fixo e regular, permite inferir e legitimar essa requalificação, sem que qualquer deficit possa ser reclamado.

Desfecha, assim, que é possível concluir-se que os trabalhadores foram contratados pela Recorrida, para exercer funções compreendidas de atividade de construção civil, salvaguardando o contrato expressamente a possibilidade dessas mesmas deslocações, e existindo um ulterior comunicado que mais não representa que uma adenda que atesta esse caráter retributivo.

Conclui, portanto, que da análise de todos estes elementos, é possível comprovar, que os dados indicados no contrato de trabalho quanto ao local de prestação de atividade, não coincidem com a realidade efetivamente praticada, o que só por si constitui um motivo de descredibilização quanto à veracidade material dos documentos internos e contabilísticos oferecidos pela Recorrida.

Logo, foram recolhidas factualidades pertinentes que permitem reconhecer o mínimo de solidez e consistência quanto à matéria de que a Recorrida vem indiciada.

Dissente a Recorrida, propugnando pela manutenção da decisão recorrida, porquanto o Relatório Final proferido no âmbito da ação de fiscalização, que fundamenta as liquidações em crise, padece do vício de deficit instrutório e, consequentemente, de falta de fundamentação, na medida em que dos elementos que constam do Relatório resulta que apenas foram inquiridos onze trabalhadores da Recorrida, sendo que, no período visado o universo dos trabalhadores ascendia a cerca de 880 trabalhadores.

Densifica, assim, que tal metodologia denota não só aleatoriedade, como a falta de critério ao nível da recolha de prova, para além de se afigurar particularmente limitada/diminuta quando em comparação com o universo de trabalhadores da Recorrida no período a que se aludiu, pelo que em face disto as conclusões alcançadas na senda da ação de fiscalização são, evidentemente, abusivas, sendo patente o deficit instrutório sentenciado.

Adensa, ainda, que em razão das deficiências evidentes na recolha de prova no âmbito do processo de averiguações, nada justifica que a Recorrente, atentos todos os elementos recolhidos, tenha partido para uma generalização como aquela que fez, a qual deu origem a um montante desmesurado de alegadas contribuições em dívida, quando apenas foram analisados contratos de trabalho e ouvidos, em sede instrutório, cerca de 1,25% do total dos trabalhadores da Recorrida no período em discussão.

Conclui, assim, que a asserção do Instituto da Segurança Social de que as ajudas de custo eram dissimuladas, e consistiam em verdadeiras retribuições, carecia de uma demonstração inequívoca, assente no apuramento de todos os elementos factuais demonstrativos de que os montantes atribuídos não tinham qualquer finalidade compensatória, no período controvertido, quanto a cada um dos trabalhadores ao serviço da Recorrida, ou, pelo menos, a uma amostragem mais significativa e com outro suporte probatório, designadamente, documental, prova que não foi, de todo, efetuada.

Destarte, se a Recorrente se socorreu de uma mera extrapolação sem suporte válido que a legitime, para tentar justificar a assunção da premissa de que todos os montantes pagos aos trabalhadores, por parte da Recorrida, constantes dos elementos contabilísticos por ela fornecidos, assumiam a verdadeira natureza de retribuições, é evidente a carência de atividade instrutória condigna, de tal modo que o processo de averiguações em crise sofre de deficit de instrução ao nível da verificação da efetiva natureza de todas as importâncias pagas pela Recorrida e recebidas pelos trabalhadores ao seu serviço a título de ajudas de custo, em violação dos princípios nucleares do procedimento administrativo, nomeadamente o disposto no n.º 1 do artigo 87.º do CPA, aplicável à data dos factos.

O Tribunal a quo esteou a procedência de acordo com a fundamentação jurídica que se extrata na parte que releva para os autos:

“conforme decorre do probatório, foram tomadas declarações a 11 trabalhadores da Impugnante que indicaram que, na data da assinatura do contrato de trabalho, lhes era comunicado que iriam trabalhar para um determinado país estrangeiro [sendo ainda juntas outras comunicações nesse sentido].

Com tal base, concluíram os serviços de inspecção do ISS que tal sucedia com todos os trabalhadores da Impugnante e que, portanto, não ocorriam as deslocações que possibilitam a atribuição de ajudas de custo, pelo que as mesmas teriam de ser consideradas como retribuição.

Ora, como também consta do probatório, a Impugnante tinha, no período em causa, cerca de 800 trabalhadores ao seu serviço, cujo domicilio profissional, constante do contrato de trabalho, era Sacavém.

Constam dos autos os respectivos boletins de itinerário, que demonstram a circulação de trabalhadores [quer dentro dos países onde se encontravam como para outros países estrangeiros], bem como diversos requerimentos referentes ao destacamento de trabalhadores para o estrangeiro.

No entanto, para suportar o entendimento do ISS, apenas constam menos de duas dezenas de comunicações de trabalho em país estrangeiro [efectuadas no próprio dia da celebração do contrato de trabalho].

Tais documentos mostram-se parcos para a asserção tomada, atenta a multitude de trabalhadores em causa, devendo ser corroborados com outros indícios. É certo que o ISS alega que a Impugnante não dispunha de obras em território nacional para onde pudesse deslocar trabalhadores. No entanto, caberia demonstrar que todos – atenta a correcção efectuada – os trabalhadores foram contratados para imediatamente seguir para o estrangeiro, prova que não se encontra efectuada, senão para a referida vintena

Não se mostra, então, cumprido o ónus que impendia sobre o ISS, pelo que as liquidações em causa se mostram ilegais, por défice instrutório e consequente falta de fundamentação.”

Atentemos, então, evidenciando, desde já, que não se vislumbra qualquer erro de julgamento por parte do Tribunal a quo na enunciação, densificação e respetiva materialização do ónus da prova e inerente conclusão atinente ao deficit instrutório.

Senão vejamos.

De facto, o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, e com entrada em vigor a 1 de janeiro de 2011, dispõe no seu artigo 3.º que:

“São subsidiariamente aplicáveis:

a) Quanto à relação jurídica contributiva, a Lei Geral Tributária;

b) Quanto à responsabilidade civil, o Código Civil;

c) Quanto à matéria procedimental, o Código do Procedimento Administrativo;

d) Quanto à matéria substantiva contraordenacional, o Regime Geral das Infrações Tributárias.”

Logo, tendo presente a data em que foi iniciado o competente procedimento de fiscalização, há, efetivamente, que convocar, para efeitos de matéria procedimental, o contemplado no CPA, no entanto, ainda que se aquiesça essa valoração quanto ao direito subsidiário, a verdade é que não se consegue, de todo, aquilatar o alcance do expendido pela Recorrente quanto à insusceptibilidade de convocar a aludida violação. E isto porque, o princípio do inquisitório não é privativo do procedimento tributário, sendo norteador e basilar de todo o procedimento administrativo conforme regulado, à data, nos artigos 56.º e 87.º do CPA.

Com efeito, preceituava, à data, o artigo 56.º do CPA, sob a epígrafe de “princípio do inquisitório” que:

“Os órgãos administrativos, mesmo que o procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados, podem proceder às diligências que considerem convenientes para a instrução, ainda que sobre matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados, e decidir coisa diferente ou mais ampla do que a pedida, quando o interesse público assim o exigir.”

Estatuía, por seu turno, o artigo 87.º do CPA que:

1 - O órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito.

2 - Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, bem como os factos de que o órgão competente tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções.

3 - O órgão competente fará constar do procedimento os factos de que tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções.

Sendo que esse preceito legal, é a expressão da conceção ampla e flexível da atividade probatória, atualmente plasmado no artigo 58.º do CPA, com o seguinte teor: “O responsável pela direção do procedimento e os outros órgãos que participem na instrução podem, mesmo que o procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados, proceder a quaisquer diligências que se revelem adequadas e necessárias à preparação de uma decisão legal e justa, ainda que respeitantes a matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados.”

Importando, outrossim, ter presente que o principio do inquisitório a que alude o citado artigo 56º do CPA, tem de ser conciliado com a regra do n.º 1, do artigo 88.º do CPA, atinente ao ónus da prova.

Ora, face ao supra expendido, dimana, desde logo, que o direito processual administrativo é norteado pelo princípio do inquisitório na fase da instrução do procedimento, em ordem à plena tutela e à descoberta da verdade material e à justa composição do litígio.

E bem assim que, tal princípio funciona como um poder/dever e não esgota as suas dimensões aplicativas na fase instrutória, projetando-se ao longo de todo o procedimento, devendo, naturalmente, ser sustido pelo princípio da cooperação. Sendo certo que, o aludido princípio do inquisitório deve ser, naturalmente, sopesado com o princípio dispositivo não podendo subsidiar e contribuir para uma inversão do ónus probatório.

Como doutrina, o Aresto do STA, proferido pelo Pleno da Seção do Contencioso Administrativo no processo nº 0175/03, de 25 de janeiro de 2005: O artigo 87.º n.º 1 do CPA, vincula em primeira linha a Administração a averiguar a verdade material dos factos pertinentes a cada decisão que lhe incumbe tomar, ficando o poder de apreciar a prova de modo livre condicionado por aquele corolário do princípio geral de justiça bem como por um outro atinente à adequação ou equilíbrio (proporcionalidade) entre as exigências de segurança no exercício do poder e a garantia de não defraudar a confiança do particular na faculdade de usar dos meios habituais de prova quanto àqueles factos para os quais a lei em sentido formal não a restringe expressamente.” (destaques e sublinhados nossos).

E por assim ser, a Administração tem o poder, como visto, o poder/dever de realizar todas as diligências tendentes a demonstrar os factos índice da sua atuação, no caso os pressupostos vinculativos para legitimar as correções em contenda, concatenadas com a requalificação das ajudas de custo em remunerações, e inerente sujeição a tributação.

Como efeito, e como é entendimento pacífico da doutrina (5) e da jurisprudência, e sustentado pelo citado artigo 87.º do CPA, em termos correspondentes ao plasmado no artigo 342.º do CC, tendo em conta o princípio da legalidade administrativa, recai sobre a Administração, o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), ou seja, a verificação dos respetivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua atuação cabendo ao sujeito passivo provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito.
Sendo certo que, “[p]elo facto de o interessado surgir no processo de impugnação contenciosa numa posição em que vem invocar vícios de um acto administrativo, não se lhe deve imputar o ónus de prova de factos que não tinha de provar no procedimento administrativo, designadamente o de provar que não se verificam os pressupostos que justificam que Administração actuasse como actuou, pressupostos esses cuja prova competia a esta demonstrar no procedimento administrativo". (6)

E por assim ser, não se vislumbra qualquer erro de julgamento podendo/devendo o princípio do inquisitório e o deficit instrutório serem convocados e ponderados enquanto vícios autónomos, como in casu.

Feito este enquadramento vejamos, então, se procede o erro de julgamento atinente ao alegado deficit instrutório.

Primeiramente há que ter presente que, contrariamente ao advogado pelo Instituto da Segurança Social, e na linha de entendimento propugnada pelo Tribunal a quo, o teor dos contratos não permite estabelecer o caráter de retribuição, na medida em que o teor da cláusula 2ª, ponto 2, estatui, expressamente, que “o centro funcional da atividade do Segundo Outorgante será em Sacavém”

Sendo que do teor dos mesmos contratos resulta, expressamente, consignado no ponto 3, da citada cláusula que “muito embora o local de trabalho do Segundo Outorgante seja na sede da Primeira Outorgante, poderá esta ter necessidade de proceder à deslocação do trabalhador para qualquer obra que esteja a efectuar, enquanto o presente contrato vigorar”.

Logo, o que se infere é que os trabalhadores são contratados para prestar serviço em Portugal e aceitam trabalhar deslocados em qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a Recorrida exerça ou venha a exercer a sua atividade, incluindo no estrangeiro. Porquanto, o que resulta do seu clausulado é que o centro da sua atividade funcional é em Sacavém, sendo a questão atinente à natureza da atividade manifestamente insuficiente para demonstrar o caráter remuneratório que a Entidade Fiscalizadora se encontrava investida, podendo/devendo ir mais além na sua atividade instrutória.

Dir-se-á, portanto, que encontrando-se a estipulação contratual de harmonia e uniformidade com o alegado pela Recorrida, tal demandava, por isso, uma atividade instrutória pautada pelo inquisitório e que demonstrasse, de forma inequívoca, que as despesas em contenda assumiam o, alegado, conteúdo e intuito fraudulento, ou seja, que revestiam a natureza de remuneração e não o intuito de compensação pelas despesas de deslocação realizadas, quando, ademais, é não controvertido que as mesmas, efetivamente, ocorreram e nos locais nelas evidenciados.

Neste particular, vide o expendido no Aresto proferido pelo TCAN, no âmbito do processo nº 00764/13, de 10 de novembro de 2016, (7) do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

“Contudo, compulsado o contrato de trabalho celebrado entre o impugnante marido e a sua entidade empregadora, verificamos, na sua cláusula 4.ª, que o impugnante marido foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da “C...”, obrigando-se a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C... exerça ou venha a exercer a sua actividade, a fim de realizar a prestação de trabalho contratada. Resultando da decisão da matéria de facto (ponto 3.º) que a C... tem sede em Amora [Seixal]. Assim, embora o ponto 2 da cláusula 4.ª refira que no início da execução do contrato o impugnante se deslocará para as instalações da obra da S… s.r.I., em Southampton [Inglaterra], podendo a entidade empregadora a todo o tempo indicar outro local para a realização da prestação do trabalho, o certo é que o impugnante marido foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da “C...”, em Amora, Seixal, obrigando-se, todavia, a efectuar todas as deslocações, dentro e fora do território nacional, necessárias para a execução das suas funções, com as correspondentes despesas a cargo da C... – cfr. cláusula 4.ª do contrato. Logo, da leitura do contrato não podemos concluir, como o fizeram os serviços inspectivos, que o impugnante marido foi contratado para exercer funções em diversos países da União Europeia.”

Por outro lado, há que ter presente e como bem expendido na decisão recorrida que as asserções que motivaram as correções fundaram-se na audição de apenas onze trabalhadores, donde uma amostra sem expressividade, sem representatividade, não representando, portanto, sequer 1,5% do universo total dos trabalhadores visados, como visto, um total de cerca de mais de 800 trabalhadores.

Logo, não logra mérito o aduzido em QQ), no sentido de que foram inquiridos diversos trabalhadores que estiveram ao serviço da Recorrida entre os períodos compreendidos entre 2008 e 2012, porquanto tais audições são manifestamente insuficientes para efeitos de extrapolação para os demais trabalhadores.

Note-se, neste âmbito, que não basta à Recorrente alegar que os depoimentos produzidos em sede inspetiva, mais não vêm que corroborar os indícios que resultaram da análise inspetiva à documentação contabilística da empresa, nomeadamente balancetes, mapas de processamento de salários e ajudas de custo, boletins itinerários, registos de assiduidade, análise do quadro de pessoal, comprovativos de informação empresarial simplificada e transferências bancárias, apólices de trabalho, contratos e recibos de vencimento, porquanto é preciso que essa prova esteja perfeitamente patenteada, e seja discernível na fundamentação contemporânea do ato.

Daí que, seja manifestamente insuficiente para o efeito, invocar-se -como faz a Recorrente- que as testemunhas representam uma diligência complementar e coadjuvante, sem se atestar essa mesma complementaridade, quando ademais da leitura atenta do Relatório de Inspeção resulta, precisamente, que a pedra angular se coadunou nessa inquirição e nas diretrizes que as testemunhas traçaram para efeitos de atuação e meandros empresarias nas suas situações particulares para depois extrapolar para os demais trabalhadores, concretamente, para os cerca de mais de 800 trabalhadores.

Não podendo, igualmente, proceder a alegação atinente à credibilidade da própria extrapolação, ou seja, de que não seria crível que as declarações dos demais trabalhadores não fossem em sentido consentâneo com o produzido pelas onze testemunhas, não só porque nos encontramos a fazer uma extrapolação sem qualquer fundamento e substrato atinente ao efeito, como nada nos autos nos permite inferir nesse sentido.

Não podendo, de todo, secundar-se que “[n]ão existirá razão para que as demais situações laborais apresentassem alterações substanciais, não sendo plausível e de admitir, atentas as provas reunidas no processo, que a factualidade relatada pelos trabalhadores não corresponderá à verdade material da situação”, porquanto nos encontramos a fazer uma “extrapolação” consubstanciada numa outra “extrapolação”.

Em nada podendo legitimar, para efeitos de suficiência da atividade instrutória, o facto de as testemunhas notificadas terem comparecido a testemunhar de forma voluntária, e muito menos a ausência de qualquer contradição.

Acresce que, da leitura do Relatório de Inspeção resulta uma atuação e postura colaborante da Impugnante, ora, Recorrida, sendo certo que convocou em sede de audição um conjunto de asserções fáticas que motivariam, desde logo, diligências adicionais, mormente, no domínio dos adiantamentos.

Não podendo, outrossim, almejar o mérito visado pela Recorrente a alegação atinente ao pagamento das despesas de alimentação e estadia, porquanto tal realidade teria de ser, devidamente, investigada, porquanto, conforme resulta expresso, desde logo, no seu direito de audição foi alegado, e convocada prova documental tendente a demonstrar tais adiantamentos.

Conforme resulta alegado no aludido direito de audição, remetendo, desde logo, para o teor dos recibos de vencimento dos trabalhadores, dos boletins itinerários e dos extratos bancários, a Recorrida evidencia que “apenas pagou aos seus trabalhadores os montantes relativos a ajudas de custo (para além, obviamente, do vencimento). E, se o Instituto da Segurança Social, I.P. tivesse analisado devidamente a documentação que lhe foi fornecida pela Requerente teria, facilmente, concluído que os “pagamentos das despesas de alimentação e estadia” a que se referem os trabalhadores mencionados no ponto 4.3.46 do projeto de decisão, mais não são que meros adiantamentos dos valores devidos a título de ajudas de custo-os quais, como é óbvio, são descontados aquando do apuramento das contas finais de cada mês, para apuramento do pagamento do vencimento e ajudas de custo (valores constantes dos boletins itinerários e recibos de vencimentos dos trabalhadores).”

E a verdade é que, o Instituto da Segurança Social, limitou-se a apartar tal realidade, de forma absolutamente conclusiva, sem se percecionarem as razões para descurar esse acervo documental, e sem requerer qualquer esclarecimento adicional ou junção de qualquer elemento documento complementar.

Concretizando, para o efeito.

Em sede de audição, o Instituto da Segurança Social, advoga que “os adiantamentos que o contribuinte menciona não têm reflexo em qualquer dos documentos que o mesmo refere”, no entanto, não basta alegar, de forma genérica e sem qualquer substanciação, que a documentação carreada nada permite concluir nesse sentido, é preciso que explicite, de que forma e em que moldes, a documentação carreada é insuficiente, e o que, em rigor, carecia de ser demonstrado e com que roupagem documental, o que, não foi, de todo, realizado no caso vertente, em clara violação do inquisitório.

Sem embargo do exposto, sempre se dirá que, atentando em alguns dos recibos de remuneração que integram o PA, constata-se uma verba, justamente, com o descritivo “adiantamentos”, de que são exemplo, designadamente, os recibos de vencimento dos trabalhadores C. G. (junho, julho, setembro, outubro de 2008) e M. M. (setembro, outubro, novembro de 2010, maio de 2011).

Logo, face ao exposto, competia à Entidade Fiscalizadora ir mais além, não podendo, sem mais, entenda-se sem qualquer justificação, devidamente concretizada no espaço e no tempo, e corporização de qualquer diligência adicional, refutar as aludidas asserções fáticas que resultam, como visto, claramente patenteadas nos aludidos documentos e em sentido totalmente convergente e consonante com o advogado pela, ora, Recorrida em sede de audição prévia.

Daí que, não possa lograr provimento o aduzido quanto à junção de faturas e recibos, até porque, por um lado, essa prova não estava adstrita a essa documentação, e por outro lado, não decorre do PA apenso, nem a Recorrente, o assim alegou, de que a entidade fiscalizadora diligenciou complementarmente, nesse e para esse efeito.

Como tal, estando na esfera jurídica do Instituto da Segurança Social, o ónus probatório das premissas base, a mesma teria de analisar, casuisticamente, a realidade visada, e externar quais as situações concretas em que existem tais adiantamentos, aquilatar se os mesmos são descontados, mediante encontro de contas, a final, e depois concluir mediante esse acervo e concreto cotejo.

Sendo, portanto, manifestamente insuficientemente a alegação de que há que por em causa “a veracidade material dos documentos internos e contabilísticos oferecidos pela Recorrida”, sem que, como visto, concretize essa falta de veracidade, e particularize os competentes documentos.

Por outro lado, importa relevar que é, claramente, exíguo para efeitos do preenchimento do ónus probatório em contenda, mormente, no atinente à demonstração do seu centro de atividade funcional, e consequente requalificação das ajudas de custo a convocação –genérica e conclusiva-dos mapas de assiduidade, quando de uma leitura atenta do Relatório de Inspeção inexiste qualquer convocação e materialização, devidamente substanciada, desses mapas. Como é bom de ver, não basta os aludidos documentos integrarem o respetivo processo administrativo, é preciso que seja demonstrada a sua análise, que a mesma seja, devidamente, substanciada, e que se explicitem os motivos atinentes a essa concreta ponderação, e valoração.

Sendo que, no caso vertente, mediante uma leitura atenta, quer do projeto de relatório, quer do relatório final, dimana perentório que inexiste essa substanciação sendo que, como é consabido, a fundamentação a valorar para efeitos da aferição da legalidade do ato tem de quedar-se pela fundamentação contemporânea do ato.

Ainda neste conspecto, cumpre salientar que não tem o efeito almejado pela Recorrente, a outorga de um “Comunicado” com a informação do local exato da prestação de trabalho, porquanto tal em nada permite indiciar o caráter remuneratório, e isto porque, por um lado, a existência desses comunicados foi materializada, como visto, mediante a aludida amostragem, portanto, sem a inerente representatividade e expressividade no universo de cerca de mais de 8o0 trabalhadores, e por outro lado, porque tal não faculta a apelidação de “adenda” conforme faz crer a Recorrente, nem se consegue, per se, retirar que o local da contratação era sempre fora do território nacional.

Com efeito, para efeitos de legitimação da visada requalificação era imperioso que a Entidade Fiscalizadora, aquilatasse, casuisticamente, ou no limite recorrendo a uma amostragem, necessariamente mais expressiva -entenda-se em percentagem superior a pelo menos mais de 50% dos seus trabalhadores- qual a frequência de elaboração do visado documento, qual o fito inerente ao mesmo, e qual o universo objetivo e subjetivo adstrito ao mesmo. Ora, nada disso resultou investigado no visado procedimento de investigação, em claro deficit instrutório.

Dir-se-á, portanto, que contrariamente ao advogado pela Recorrente pela outorga de tais “comunicados” não é possível concluir que os trabalhadores da Recorrente foram contratados, ab initio, para prestarem temporariamente a sua atividade fora da sede da empresa.

Aliás, a ulterior redação dos convocados comunicados está, como já evidenciado anteriormente, de harmonia com o clausulado nos contratos de trabalho, donde, demandava, inevitavelmente, o encetar de diligências que apartassem, de forma inequívoca, o, expressamente, clausulado nos contratos de trabalho.

E a verdade é que nada disso foi feito, sendo, portanto, patente o deficit instrutório.

De relevar, ainda neste concreto particular, que a alegação, designadamente, contemplada em TTT), no sentido de que a análise documental se encontra refletida nos mapas de apuramento, e que os mesmos permitem por si só conglomerar toda a realidade documental carreada e valorada, não encontra qualquer respaldo no seu teor, na medida em que tais mapas em nada permitem identificar e densificar essa análise.

Por outro lado, importa ter presente que em nada releva, neste e para este efeito, as regras de experiência e senso comum a que a Recorrente faz alusão. E isto porque, não pode naturalmente, defender-se que mesmo sem recorrer a uma análise de carácter mais técnico e contabilístico seria de concluir, em face da atividade desenvolvida pela empresa, que os trabalhadores foram, desde logo, contratados para as obras alocadas no estrangeiro.

Como é bom de ver, as regras da experiência comum podem servir para alicerçar realidades que são manifestas e do senso comum, no fundo autorizam a apreciar um determinado comportamento em razão e em ordem da cultura e comportamento social de um determinado grupo de pessoas, devidamente contextualizadas e num tempo determinado e não para atestar o caráter retributivo de verbas auferidas pelos trabalhadores, as quais carecem, necessariamente, de uma análise criteriosa de toda a documentação externa e interna da empresa visada patenteando-se, ulterior e consequentemente, todas as premissas, e pressupostos que permitiram concluir pela natureza retributiva.

Com efeito, “[n]a dimensão valorativa das “regras da experiência comum” situam-se as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidade ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência de vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta." (8)

Não podendo, assim, defender-se, como pretende a Recorrente, que em momento algum os trabalhadores tiveram a expectativa de vir a desenvolver os seus trabalhos na sede, e sem que, para tal não ocorresse a sua imediata deslocação, no caso em apreço, para obras sitas no estrangeiro.

Ademais, existindo, como reconhece, desde logo, a Recorrente, uma empreitada a decorrer em território nacional, nomeadamente no Porto, tal extrapolação carece, desde logo, de uma base, devidamente, fundamentada.

Sendo certo que, como já devidamente explicitado, o Instituto da Segurança Social não pode descurar que o ónus probatório se encontra, a montante, na sua esfera jurídica, não bastando criar dúvidas. Sendo, portanto, irrelevante todo o aduzido em torno do volume de negócios da empresa, e expetativas não, faticamente, demonstradas dos trabalhadores.

De relevar, ainda neste particular, que inexistindo qualquer apreciação devidamente concretizada no Relatório de Inspeção atinente aos boletins itinerários e aos mapas de ajudas de custo, não pode proceder o aduzido em EEE), porquanto não se encontra devidamente substanciado, sendo uma alegação absolutamente genérica, apelando-se, conclusivamente, a um nexo e correspondência cujo iter de demonstração estava adstrito ao Instituto da Segurança Social, não podendo, assim, inverter-se o ónus probatório para a Recorrida.

Acresce que, atento o teor dos visados documentos não se consegue, de todo, inferir em que moldes e de que forma o neles expressado -como legalmente impendia sobre a Recorrente- poderia atestar que os trabalhadores foram, de facto, contratados inicialmente para seguir para as obras existentes e que se encontravam a decorrer, no estrangeiro.

No mesmo sentido se terá de concluir, mutatis mutandis, quanto às apólices de seguro, sendo certo que, o ora vertido, nas conclusões de recurso não encontra qualquer respaldo, devidamente substanciado, no Relatório Final.

Ainda neste concreto particular, há, outrossim, que relevar que não pode almejar o provimento pretendido pela Recorrente a alegação atinente às formações, na medida em que as diligências instrutórias se encontravam na sua esfera jurídica, podendo/devendo a mesma encetar quaisquer providências tendentes a atestar a sua esteira de entendimento e não, demitir-se da sua atividade fiscalizadora, como in casu.

Acresce que, em sentido inverso ao propugnado pela Recorrente, o reconhecimento do recebimento do “salário completo”, sem ajudas de custo, por se encontrarem a trabalhar em Portugal, implicaria, outrossim, que existisse uma atividade instrutória complementar, e não um apartar -sem qualquer justificação atinente ao efeito- de que tais realidades, por si só, não permitem justificar as ajudas de custo.

Dir-se-á, neste particular, que tal era um indício que deveria ter sido, devidamente, ponderado, e analisado, sendo que existindo um non liquet terá, naturalmente, de favorecer a parte, a qual alegou, documentadamente, essa realidade, desde logo, em sede de audição prévia.

Não podendo, outrossim, ter o almejo pretendido pela Recorrente a concreta denominação nos recibos, não só porque tais asserções, não se encontram contempladas no Relatório, como por outro lado, a mera menção à categoria profissional relativa a técnicos administrativos, nada faz assumir quanto à necessidade ou não de qualquer deslocação.

No atinente ao aduzido pelas testemunhas, nada há a valorar, neste concreto particular, na medida em que, inexistindo uma adequada impugnação da matéria de facto, não cumpre tecer quaisquer considerandos para o efeito, mormente, ao vertido em ZZ), FFF), GGG), HHH), KKK), MMM), XXX), YYY), ZZZ) e AAAA), na medida em que a asserção fática a ponderar é apenas a contemplada no probatório.

Ainda neste âmbito, importa refutar o aduzido pela Recorrente quanto ao facto das referidas verbas representarem montantes superiores ao salário contratualizado, sendo inequívoco o seu carácter fixo e regular.

E isto porque, não só tal realidade não se encontra minimamente densificada no Relatório por trabalhador, e por verba mensal, com a devida destrinça do valor do salário, do subsídio de Natal e do respetivo subsídio de férias, como tais alegações em nada permitem fundar e legitimar a requalificação das verbas pagas enquanto ajudas de custo.

Sendo que, quanto à alegada regularidade e constância do seu recebimento é jurisprudência unânime que “[d]o facto de a quantia paga aos trabalhadores a esse título ser «fixa e regular» não decorre em si mesmo que seja retribuição. Circunstâncias relacionadas com a dificuldade de estimar a natureza e os montantes das despesas adicionais a que se sujeita quem está deslocado no estrangeiro, com a inexistência de estruturas administrativas para as processar ou com idiossincrasias desses países (como a dimensão da economia informal) estão entre muitas possíveis razões para que entre a entidade patronal e os trabalhadores seja fixado um valor constante, correspondente aos custos que presumivelmente irão suportar.”

Não logrando aqui qualquer operatividade a presunção prevista no nº3 do artigo 258.º do CT, carecendo, portanto, de qualquer relevo essa abordagem para efeitos da questão em contenda atinente, como visto, ao deficit instrutório.

De relevar, in fine, que não se vislumbra o alcance do expendido quanto ao princípio da aquisição processual, sendo certo que não resulta minimamente demonstrado, bem pelo contrário que os documentos oferecidos pela própria Recorrida, venham fundamentar e legitimar a requalificação em contenda.

Não podendo, igualmente, proceder a alegação atinente a um critério de razoabilidade, mormente, atinente ao salário mínimo, de resto, sem a devida contextualização quanto ao universo da empresa e às demais condições particulares nela erigidas.

Uma nota final, para evidenciar que carece de qualquer relevo face ao âmbito objetivo do presente recurso e atenta a procedência do vício inerente ao deficit instrutório, as considerações atinentes à própria densificação do conceito de domicílio necessário, ao conceito de remuneração constante no Código de Trabalho, de destacamento, e todas as realidades já intrinsecamente relacionadas com a própria análise dos pressupostos, porquanto, concatenadas com a análise do próprio caráter retributivo, donde a jusante.

E por assim ser, face a todo o exposto e sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais, entende-se que, de facto, se verifica o aludido deficit instrutório.

Neste âmbito, chama-se à colação o Aresto prolatado por este TCAS, no âmbito do processo nº 2348/09, de 02 de março de 2023, no qual a, ora, Relatora interveio como Segunda Adjunta, e onde também se concluiu pela existência de deficit instrutório, dele se extratando, designadamente, o seguinte:

“Como é referido pelo Tribunal a quo, desde já se antecipe que a própria redação do relatório evidencia o défice instrutório inerente à ação de fiscalização. Tal défice impede, desde logo, sequer a identificação das situações concretas relativas aos concretos trabalhadores – o que sempre condicionaria o exercício do direito de defesa por parte da Impugnante.

Daí que o alegado, no sentido de que a Impugnante não solicitou diligências ou não juntou documentos adicionais, padece de uma limitação de partida: não são cabalmente percetíveis as situações concretas em causa e a fundamentação respetiva. (…)

caberia ao ISS demonstrar cabalmente os pressupostos em que sustentou a sua atuação, o que, a montante, implica a necessidade de realização das diligências suficientes para o efeito, só sendo exigível à Impugnante fazer contraprova se o ISS tiver cumprido o ónus a que está adstrito.

Não o tendo feito, não é exigível à Recorrida contraprova sobre factos que nem estão cabalmente caraterizados e identificados – não se podendo aqui, pois, falar na existência de inércia da Impugnante.” (destaques e sublinhados nossos).

Destarte, tudo visto e ponderado e sem necessidade de mais considerações, improcedem, na íntegra, as razões invocadas pela Recorrente, mantendo-se a anulação decretada pelo Tribunal a quo.


***

Subsiste, então, por analisar a dispensa do remanescente da taxa de justiça.

De acordo com o disposto no citado artigo 6.°, nº7, do RCP que:

“(…) 7 - Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”

Em termos de densificação dos critérios da dispensa do pagamento do remanescente, veja-se, designadamente, o Acórdão proferido pelo STA, no âmbito do processo nº 0627/16, de 20 de setembro de 2017, e demais jurisprudência nele citada, que se transcreve na parte que releva para os autos:

“[a] dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes. A jurisprudência tem vindo também a admitir essa dispensa quando o montante da taxa de justiça devida se afigurar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe, configurando uma violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, da proporcionalidade e da necessidade (A título de exemplo, vide o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 1 de Fevereiro de 2017, proferido no processo n.º 891/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/bc712805391451a8802580c00036138a.”

Ora, considera-se que o valor de taxa de justiça devido, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Assim, não obstante, se entender que, face à pluralidade e complexidade das questões envolvidas e à tramitação dos autos, não deve haver dispensa total do pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda os 275.000,00 Eur., entende-se ser adequado e proporcional, face às caraterísticas concretas dos autos e à atuação das partes, dispensar o pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda 325.000,00 Eur.

Face ao exposto, por fundada a pretensão da Recorrente em matéria de condenação em custas, deve ser decretada a dispensa do remanescente da taxa de justiça, mas apenas na parte em que excede os €325.000,00, o mesmo se decretando na presente instância.


***
IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e manter a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente na parte que excede os 325.000,00.

Registe. Notifique.


Lisboa, 19 de outubro de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Maria Cardoso)

(Susana Barreto)












1)Neste sentido Alberto dos Reis “Código de Processo Civil Anotado”: Coimbra Editora 1984, reimpressão, Volume V, página 140.
2) Vide, designadamente, Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 09420/16, de 29 de junho de 2016.
3) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
4) In Acórdão do STA, proferido no processo nº 050/15, de 20.05.2015.
5) Vide José Carlos Vieira de Andrade A Justiça Administrativa, Almedina, 5.ª edição, p. 435
6) In Acórdão do STA, proferido no processo nº 0978/09, de 27.01.2010.
7) No mesmo sentido vide, Acórdão do TCAS, de 28.09.2017 (Processo: 578/13.9BEALM); Acórdão do TCAS, de 17.05.2018 (Processo: 696/13.3BEALM); Acórdão do TCAS, de 31.10.2019 (Processo: 588/13.6BEALM); Acórdão do TCAS, de 30.09.2020 (Processo: 766/13.8BEALM); Acórdão do TCAS, de 16.12.2020 (Processo: 803/13.6BEALM); Acórdão do TCAS, de 14.01.2021 (Processo: 583/13.5BEALM); Acórdão do TCAS, de 25.02.2021 (Processo: 623/13.8BEALM); Acórdão do TCAS, de 27.05.2021 (Processo: 1484/14.5BESNT); Acórdão do TCAS, de 11.11.2021 (Processo: 14/14.3BEALM).
8) In Acórdão do STJ, proferido no processo nº 936/08.JAPRT, datado de 06.10.2010.
9) Ac. TCAN, proferido no processo nº 00237/06.9 BEBRG, de 13.02.2014; Vide, no mesmo sentido, designadamente, Arestos proferidos nos processos 00272/06.7 BEPNF, de 08.05.2008 e 00083/02 Porto, de 16.11.2006.