Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2947/19.1 BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 05/18/2023 |
Relator: | HÉLIA GAMEIRO SILVA |
Descritores: | IRS MAIS VALIAS REGIME OPCIONAL DE TRIBUTAÇÃO DOS NÃO RESIDENTES NOUTRO EM DA EU OU DO EEE PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS ARTIGO 63º CONJUGADO COM O ARTIGO 65º AMBOS DO TFUE |
Sumário: | I - Não se retira do artigo 17.º-A do CIRS, qualquer atribuição obstativa, à prossecução dos respetivos efeitos, ou seja, à aplicação do regime de tributação nela previsto, decorrente do incumprimento declarativo de acordo com os prazos ali previstos. II - Consideramos para o caso, irrelevante o facto de a declaração ter sido apresentada fora de prazo legalmente previsto para o efeito, face ao estipulado no artigo 63.°, lido em conjugação com o artigo 65.°, ambos do TJUE. III - Assim, as mais valias provenientes da alienação de bens imóveis situados num Estado Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado Membro, não estão sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais valias realizadas por um residente do primeiro Estado Membro. |
Votação: | Unanimidade |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
l – RELATÓRIO A......, melhor identificada nos autos, veio deduzir ação de IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, contra o ato de indeferimento do recurso hierárquico que interpôs da decisão de indeferimento de reclamação graciosa que apresentara contra a liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) de 2017 (20185005428370), na importância total de € 127.995,60. O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença de 29 de novembro de 2022, julgou totalmente procedente a impugnação judicial, em consequência, determinou a anulação da liquidação impugnada e a respetiva liquidação de juros compensatórios, julgando procedente também o pedido de pagamento de juros indemnizatórios. Inconformada, a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões: «a. A douta sentença ora sob recurso fez errada aplicação do Direito ao caso concreto, bem como errou na interpretação do percurso decisório da AT; »« Regularmente notificados da interposição de recurso, a RECORRIDA, apresentou contra-alegações e formulou as seguintes conclusões: «A) A Recorrente invoca erro de julgamento de facto e de direito, mas não identifica qual o erro de julgamento de facto e, ao não o fazer, é um argumento inócuo, inconsequente e sem fundamento, pelo que não merece atendimento, sendo que, em qualquer caso, nenhum erro de facto existe e os factos dados por provados na douta sentença não são postos em crise e consideram-se, todos, consolidados. B) A Recorrente invoca a não boa aplicação dos factos ao direito, o que não será essa, certamente, a melhor prática jurídica e não será, certamente, a que o douto tribunal faz. Antes pelo contrário, será a boa aplicação do direito aos factos. E, no caso, foi isto que a douta sentença recorrida fez, e bem. C) Invoca a Recorrente ilógica na argumentação e minudenciosa na análise, sendo que também não evidencia onde está a ilógica na argumentação da douta sentença, bem como o que chama minudenciosa na análise, pelo que, também aqui, tal alusão é gratuita e inconsequente, que não merece atendimento. D) Invoca ainda a Recorrente a não verificação de dois requisitos para a tributação como residente – a não entrega da declaração modelo 2 de IRS dentro do prazo e a não entrega de documentos que comprovem que cumpre as condições de que depende a aplicação, sem que isso seja verdade. E) Como consta dos autos, a AT não considerou a opção da Impugnante de ser tributada pelas regras dos residentes, exclusivamente por a apresentação da declaração modelo 3 de IRS ter sido feita para além do fim do prazo estipulado, e foi exclusivamente com este fundamento, e não outro, que foi apresentada a impugnação judicial, não podendo a AT acrescentar novo fundamento, como insiste em fazer e já havia feito em sede de contestação, com a pretensa falta do segundo requisito de não entrega de documentos que comprovem que cumpre as condições de que depende a aplicação. F) A invocação da não junção de documentos é um facto novo, nunca invocado nas decisões administrativas objecto de impugnação, bem pelo contrário, pelo que não pode tal alegação ter acolhimento em sede judicial, como não teve no Tribunal a quo. G) E ao contrário do alegado pela AT e tal como consta da proposta de decisão e da decisão da reclamação graciosa da mesma AT: “A contribuinte cumpre o requisito de não residente fiscal em Portugal e reside em França, a considerar os valores declarados também cumpre o requisito de ser titular de rendimento obtido em território português, pelo menos, de 90% da totalidade dos seus rendimentos relativos ao ano em causa, 2017, incluindo os obtidos fora do território. Porém, não cumpriu o requisito previsto no n.º 6 do art.º 17º-A do CIRS, não apresentou a sua declaração de rendimentos prevista no art.º 57º n.º 1 do CIRS, no prazo legal previsto no art.º 60º n.º 1 do mesmo código, que prevê o prazo de entrega da referida declaração de 1 de abril a 31 de maio de 2018, e a contribuinte apenas apresentou a sua declaração de rendimentos modelo 3 após o decurso do prazo legal, isto é, apresentou a mesma em 30/06/2018. A falta de cumprimento da obrigação declarativa no prazo legal só por si implica o não cumprimento do requisito previsto no n.º 6 do art.º 17º-A do CIRS, não lhe sendo aplicável o regime opcional previsto no mesmo” H) Também não é verdadeira nem séria a alegação de que a Recorrida não optou no modelo 3 de IRS pela tributação como residente, bastando ver o mesmo modelo 3, em que, no Campo 8, consta assinalada a quadrícula 10 “Opção pelas regras dos residentes – art.º 17-A do CIRS”. I) O documento comprovativo dos rendimentos em França da Recorrida, não constitui qualquer requisito da opção tomada, e não foi tido como tal pela AT, sendo que a declaração efectuada pela Recorrida goza, como gozou, da presunção prevista no nº 1 do artº 75º da LGT. J) E o certo é que a AT não usou da previsão do nº 7 do artº 17º-A do CIRS, como se lhe impunha, caso a falta do documento pusesse em causa a “correcta aplicação deste regime”. K) Em qualquer caso, a Recorrida juntou aos autos o documento dos rendimentos em França, sanando a eventual ausência ou necessidade, pelo que o alegado a este propósito pela Recorrente, não só não é verdade, como não é objecto dos autos. L) Resta o alegado erro de julgamento de direito e o alegado não cumprimento do requisito de entrega da declaração modelo 3 dentro do prazo, o que, na verdade, resulta numa questão só e a douta sentença recorrida é lapidar na sua fundamentação: “Sobre o artº 17º-A do CIRS, “o que estipula o nº 6 (número que serve de base ao indeferimento da reclamação e recurso hierárquico apresentados pela Impugnante), é que a Impugnante tinha de fazer uma opção pela tributação de acordo com as regras aplicáveis aos sujeitos passivos não casados residentes em território português, o que fez. Por outro lado, aquela declaração teria de ser entregue nos prazos previstos na alínea a), do nº1, do art.º 60º do Código de IRS, ou seja, desde 01 de Abril a 31 de Maio de 2018, sendo que a Impugnante apenas efetuou a entrega da modelo 3 do IRS em 30/06/2018, cf. ponto 2 do probatório. Para além de cumprir aquele prazo, exigia ainda aquela norma que a Impugnante deveria juntar os documentos que comprovem as condições de que depende a aplicação deste regime, ou seja, o comprovativo de residência em Estado membro da União Europeia e os rendimentos ali obtidos. Porém, estipula o nº 7 daquele preceito que a AT podia solicitar à Impugnante ou aos seus representantes a apresentação dos documentos que julgue necessários para assegurar a correta aplicação do regime. Será que a entrega da declaração de rendimentos (modelo 3 de IRS) tem como consequência a tributação pelo regime geral como não residente, isto, a sujeição das mais valias na sua totalidade à taxa de 28%? Ora, a AT está sujeita ao princípio da legalidade, consagrado no artigo 266º da CRP e art.º 3º do CPA, isto é, a atuação da Administração encontra-se subordinada à lei (entenda-se bloco legal, o qual engloba a Constituição, o direito internacional, o costume interno, a lei ordinária, os regulamentos administrativos e o direito comunitário), não a podendo contrariar. Por outro lado, a atuação tem de ser precedida por lei. Ora, não há qualquer norma que estipule como consequência para a entrega da declaração de rendimentos (modelo 3 de IRS) a tributação pelo regime geral, há, isso sim, no Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), a previsão de aplicação de coima quando tal acontece. Aliás, diga-se que se a Impugnante não entregasse a declaração de rendimentos, a AT elaboraria a mesma oficiosamente e não era por isso que, posteriormente, deixava de ter o dever de tributar os rendimentos de acordo com a prova que a Impugnante apresentasse, designadamente declaração com o valor dos rendimentos obtidos em França, aliás, tal como faria com qualquer residente em Portugal. Acresce que, o facto de a Impugnante não entregar nenhum documento com a declaração modelo 3 também não é suficiente para que os rendimentos não possam beneficiar do regime previsto no CIRS para os residentes, pois, por um lado a AT sempre teria o poder/dever de pedir tais documentos à Impugnante, estipulando o prazo de 30 dias para a sua apresentação. Por outro lado, teria ainda ao seu alcance o mecanismo de troca de informações com a França para aferir a veracidade dos rendimentos declarados pela Impugnante (29.220,00 Euros), o que não fez. Acresce que como tem vindo a ser entendimento do TJUE e do STA o regime aqui em apreço é violador do Tratado da União Europeia, designadamente o princípio da liberdade de circulação de capitais, previsto no artigo 63º conjugado com o artigo 65º daquele Tratado. Com efeito, e de forma bem esclarecedora, o TJUE declarou, na decisão de 18/03/2021, proferida no âmbito do processo C-388/19 (MK), que: »O artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, para permitir que as mais- valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado-Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente do primeiro Estado-Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.« Também o STA teve oportunidade de se pronunciar em 09/12/2020, no âmbito do processo nº 75/20.6BALSB onde conclui que: “III - A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou. IV - Essa incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67- A/2007, de 31 de Dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.” Face ao exposto, sem necessidade de quaisquer outras considerações, e revertendo à situação dos autos, inexiste base legal que permita à AT excluir da tributação das mais-valias o regime previsto sob o nº 2 do artigo 43º da CIRS, com o argumento da apresentação da declaração de rendimentos fora de prazo, procedendo, em consequência, a Impugnação intentada pela Autora, ficando, deste modo, prejudicado o conhecimento das questões de falta de fundamentação da liquidação e de preterição de audiência prévia”. M) Este Ac. do STA de 09/12/2020 é um acórdão uniformizador, pelo que se dúvidas houvesse, mas que não há, ter-se-iam dissipado, sendo que já anteriormente a jurisprudência do STA considerava estas situações como violadoras do Tratado da União Europeia, realçando-se a título meramente exemplificativo os Ac. Do STA de 16/01/2008, Proc. 0439/06; de 03/02/2016, Proc. nº 01172/14 e de 16/01/2008, Proc. nº 0439/06, bem como o TJUE no Acórdão de 11/10/2007, Proc. C-443/06, conhecido por Acórdão Hollmann. N) Consequentemente, é por demais evidente a absoluta ausência de fundamento das alegações da Recorrente, devendo ser confirmada a douta sentença recorrida, que de nenhum vício padece e nenhuma censura merece. O) Caso pudesse ter algum provimento a pretensão da Recorrente, o que não se concede, sempre devem ser conhecidas, por ampliação do objecto do recurso, a preterição de audiência prévia e a falta de fundamentação da liquidação,invocadas na Impugnação e não conhecidas na douta sentença por prejudicadas com a decisão de procedência da anulação. P) a liquidação de IRS do ano de 2017 objecto dos autos, por desconforme ao declarado no Mod. 3 de IRS, deveria ter sido precedida do direito de audição prévia, nos termos do art.º 60.º, n.º 1, al. a), da LGT, e não foi. Q) Não tendo a liquidação resultado da declaração entregue pela Impugnante (em violação dos art.º 59.º, n.º 2, do CPPT e art.º 75.º, n.º 1, da LGT) e não tendo a Impugnante sido notificada nos termos do art.º 76º, n.º 3 do CIRS, não se encontra verificada nenhuma das alíneas previstas no n.º 2, do art.º 60.º da LGT, que prevê as situações em que é dispensada a audição, sendo que o princípio da participação dos contribuintes nas decisões que lhes dizem respeito não pode ser afastado, a não ser nas exactas situações que a lei define. R) O direito de audição de que gozam os contribuintes, consignado no artigo 60º da LGT, constitui um direito constitucional aplicado ao procedimento tributário, enquanto corolário do princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações da Administração Pública que lhe digam respeito, visando assegurar uma tutela preventiva contra qualquer lesão dos seus direitos ou interesses, de acordo com o disposto no artigo 267º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP). S) A falta de audição prévia da liquidação constitui a preterição de uma formalidade essencial e, não podia ser dispensada, pelo que deverá a liquidação ser declarada nula ou anulada, por ser ilegal. T) A Recorrente foi notificada pela AT da liquidação sem ser informada do que levou à liquidação de modo diverso ao declarado no Modelo 3, tão pouco foi notificado da devida fundamentação, tal como decidido pelo Ac. do STA de 07/06/2017, processo n.º 0723/15. U) Da análise da liquidação não se depreende quais as normas que a AT aplicou para o apuramento do IRS; percebemos, sim, que o regime previsto no art.º 17.º- A do CIRS escolhido pela contribuinte na sua declaração não foi aplicado, sendo que a Recorrente apresentou a declaração de rendimentos, que foi validada e aceite pela AT, não foi dado qualquer sinal de erro ou de inadmissibilidade de aplicação do regime de tributação escolhido, pelo que a Recorrente ao recepcionar a liquidação não podia saber dos motivos por que o regime seleccionado não foi aceite, nem qual foi o regime, afinal, aplicado. V) Não é possível, a partir das informações disponibilizadas pela administração tributária, compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo da elaboração do acto e, para procurar entender o fundamento não identificado da decisão da AT, não é exigível que tenha o contribuinte de fazer tal exercício, procurando adivinhar os fundamentos da AT. X) Nada disto faz qualquer sentido, e daqui resulta a incongruência, opacidade e ilegalidade com que todo este processo foi tratado pela AT, sendo patente a falta de fundamentação da liquidação em crise, tendo sido violado o nº 2 do art.º 77º da LGT, bem como os art.ºs 268º da CRP e 125º do CPA. Termos em que: »« »« Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão. »« II – OBJECTO DO RECURSO Como sabemos, independentemente das questões que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente é pelas conclusões do recorrente nas alegações de recurso que se determina o âmbito da sua e intervenção (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil). Acresce dizer que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo. Cumpre assim apreciar e decidir, as questões elencadas pela recorrente nas conclusões das alegações de recurso, incumbindo a este Tribunal, a título principal a questão de saber se a sentença errou ao concluir pela inexistência de “base legal que permita à AT excluir da tributação das mais-valias o regime previsto sob o nº 2 do artigo 43º da CIRS, com o argumento da apresentação da declaração de rendimentos fora de prazo”. Em caso afirmativo, importa ainda apreciar as questões, cujo conhecimento ficou prejudicado pela solução dada ao litígio consubstanciadas na de falta de fundamentação da liquidação e de preterição de audiência prévia, arguidas, também, em sede do presente recurso pela recorrida em contra-alegações no âmbito da sua ampliação. »« III – FUNDAMENTAÇÃO De facto A sentença recorrida considerou como provados e não provados os seguintes factos: IV.B - FACTOS NÃO PROVADOS Nada mais se provou com interesse para a decisão causa
IV.C - MOTIVAÇÃO O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na posição das partes assumida nos articulados e na análise crítica e conjugada dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, conforme identificado nos factos provados.»
Nos termos estatuídos no artigo 662.º do CPC adita-se ao probatório o seguinte facto: 17.º Do valor de 127.590,11 apurado na liquidação de IRS n º20185005428370 indicados no ponto 5.º deste probatório, 126 553,55 Euros, diz respeito a imposto relativo a tributações autónomas – cf. Doc. 4 junto com a PI »« De direito Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a impugnação deduzida contra o ato de liquidação de IRS de 2017, por considerar que “inexiste base legal que permita à AT excluir da tributação das mais-valias o regime previsto sob o nº 2 do artigo 43º da CIRS, com o argumento da apresentação da declaração de rendimentos fora de prazo”. Inconformada a Autoridade Tributária (AT) mantendo os argumentos invocados em sede de contestação e rebatidos e bem, no texto decisório, com os quais antecipamos, concordar. Mas vejamos porque assim o entendemos, encetando por recordar que na censura que faz à sentença proferida pelo TT de Lisboa, a AT vem içar o entendimento de que aquela labora em errada aplicação do direito quanto ao regime previsto no artigo 17.º-A do Código do IRS, sopesando que não foram ali respeitados os requisitos ínsitos no seu n.º 6, nomeadamente: (i) a apresentação da declaração mod. 3 de IRS, no prazo previsto no n.º 1 do artigo 60.º do Código do IRS, ou seja até 31 de maio de 2018, que, ao invés, terá sido apresentada 30 de junho desse mesmo ano(1) e bem assim que (ii) a referida declaração deveria ter sido acompanhada por documentos capazes de comprovar as condições de que depende a aplicação do regime opcional de tributação para os residentes noutro EM da UE ou do EEE previsto na norma citada. Quanto a esta matéria a sentença recorrida esmiuçou o dito artigo 17.º-A do CIRS(2), que sustenta a argumentação recursiva e alicerçou o discurso fundamentador, que, como dissemos, acompanhamos e, nesta parte, deixamos transcrito: “(…) Estipula o artigo 17º-A do Código de IRS, sob a epígrafe “Regime opcional para os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu” que “1 - Os sujeitos passivos residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu com o qual exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, quando sejam titulares de rendimentos obtidos em território português, que representem, pelo menos, 90 % da totalidade dos seus rendimentos relativos ao ano em causa, incluindo os obtidos fora deste território, podem optar pela respetiva tributação de acordo com as regras aplicáveis aos sujeitos passivos não casados residentes em território português com as adaptações previstas nos números seguintes. (…) 6 - A opção referida nos números anteriores deve ser efetuada na declaração a que se refere o n.º 1 do artigo 57.º, a entregar nos prazos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º, acompanhada dos documentos que comprovem as condições de que depende a aplicação deste regime. 7 - A Autoridade Tributária e Aduaneira pode solicitar aos sujeitos passivos ou aos seus representantes que apresentem, no prazo de 30 dias, os documentos que julgue necessários para assegurar a correta aplicação deste regime.” (sublinhado nosso) Ora, o que estipula o nº6 (número que serve de base ao indeferimento da reclamação e recurso hierárquico apresentados pela Impugnante), é que a Impugnante tinha de fazer uma opção pela tributação de acordo com as regras aplicáveis aos sujeitos passivos não casados residentes em território português, o que fez. Por outro lado, aquela declaração teria de ser entregue nos prazos previstos na alínea a), do nº1, do art.º 60º do Código de IRS, ou seja, desde 01 de Abril a 31 de Maio de 2018, sendo que a Impugnante apenas efetuou a entrega da modelo 3 do IRS em 30/06/2018, cf. ponto 2 do probatório. Para além de cumprir aquele prazo, exigia ainda aquela norma que a Impugnante deveria juntar os documentos que comprovem as condições de que depende a aplicação deste regime, ou seja, a comprovativo de residência em Estado membro da União Europeia e os rendimentos ali obtidos. Porém, estipula o nº 7 daquele preceito que a AT podia solicitar à Impugnante ou aos seus representantes a apresentação dos documentos que julgue necessários para assegurar a correta aplicação do regime. Será que a entrega da declaração de rendimentos (modelo 3 de IRS) tem como consequência a tributação pelo regime geral como não residente, isto, a sujeição das mais valias na sua totalidade à taxa de 28%? Ora, a AT está sujeita ao princípio da legalidade, consagrado no artigo 266º da CRP e art.º 3º do CPA, isto é, a atuação da Administração encontra-se subordinada à lei (entenda-se bloco legal, o qual engloba a Constituição, o direito internacional, o costume interno, a lei ordinária, os regulamentos administrativos e o direito comunitário), não a podendo contrariar. Por outro lado, a atuação tem de ser precedida por lei. Ora, não há qualquer norma que estipule como consequência para a entrega da declaração de rendimentos (modelo 3 de IRS) a tributação pelo regime geral, há, isso sim, no Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), a previsão de aplicação de coima quando tal acontece. Aliás, diga-se que se a Impugnante não entregasse a declaração de rendimentos, a AT elaboraria a mesma oficiosamente e não era por isso que, posteriormente, deixava de ter o dever de tributar os rendimentos de acordo com a prova que a Impugnante apresentasse, designadamente declaração com o valor dos rendimentos obtidos em França, aliás, tal como faria com qualquer residente em Portugal. Acresce que, o facto de a Impugnante não entregar nenhum documento com a declaração modelo 3 também não é suficiente para que os rendimentos não possam beneficiar do regime previsto no CIRS para os residentes, pois, por um lado a AT sempre teria o poder/dever de pedir tais documentos à Impugnante, estipulando o prazo de 30 dias para a sua apresentação. Por outro lado, teria ainda ao seu alcance o mecanismo de troca de informações com a França para aferir a veracidade dos rendimentos declarados pela Impugnante (29.220,00 Euros), o que não fez.” – fim de citação. E, na verdade, assim é, com efeito, não se retira da norma citada qualquer atribuição obstativa, à prossecução dos respetivos efeitos, ou seja, à aplicação do regime de tributação nela previsto, decorrentes do incumprimento declarativo de acordo com os prazos ali previstos. Sendo certo que lidas as conclusões recursivas constatamos que a questão colocada se prende exclusivamente com interpretação desta norma, na parte que sustenta o regime de tributação, de cariz opcional, para os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu. Assim, e sendo com vimos que é, para a recorrente uma questão de interpretação, importa trazer à colação o disposto no artigo 9.º do Código Civil (CC) no qual o nosso legislador «consagra o elemento literal como ponto de partida da interpretação ao referir que “a interpretação deve…reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo” (nº1), estabelecendo a função negativa ao afirmar que o intérprete não pode considerar aquele pensamento “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal” (nº2) e reconhecendo a função positiva, quando determina que o intérprete presumirá que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (nº3) (cfr. Marcelo Rebelo de Sousa e Sofia Galvão, Introdução ao Estudo de Direito, 2ª ed., págs. 57/58; Neves Pereira, Introdução ao Direito e às Obrigações, 3ª, ed., págs. 229 e ss; Heitor Consciência, Breve Introdução ao Estudo do Direito, 3ª ed., revista, págs. 43 e ss.).» (3) Termos em que, como sabemos, na interpretação das normas jurídicas o primeiro elemento a ter presente, são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal, também apelidado de gramatical); os outros a que seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico). Em suma, são as palavras em que a lei se exprime que consubstanciam o ponto de partida do intérprete. Dito isto, fica para nós óbvio que da norma citada não se retira a interpretação que dela faz a recorrente, já que, não há ali qualquer expressão que determine a não aplicação daquele regime de tributação, como consequência da entrega tardia da declaração de rendimentos, pelo que se nos impõe concluir que o entendimento propugnado pela sentença recorrida é o que mais se aproxima do pensamento legislativo. Sendo que, como também sabemos, e a sentença recorrida claramente o diz, para situações de incumprimento, o legislador tributário autonomizou o direito sancionatório em matéria tributária, que se encontra, hoje, copilado e instituído no Regime Geral da Infrações Tributárias (RGIT), aprovado por Dec. Lei n.º 29/2008 de 25 de fevereiro. Expostas estas ideias genéricas sobre a interpretação das normas, acresce ainda referir que, em matéria de incidência dos impostos, com é aquele em que nos movemos as normas jurídicas são de interpretação restrita, em obediência ao regime previsto nos artigos 11.º e seguintes da Lei Geral Tributária (LGT). Posto isto, diremos que não tem razão a recorrente no juízo interpretativo que faz da letra da lei, por falta de correspondência com qualquer um dos seus elementos, nomeadamente o elemento literal ou qualquer um dos elementos lógicos. Dito isto e volvendo à situação que nos ocupa, importa dizer que o reparo que vem feito à sentença, sempre estaria condenado ao insucesso, face àquela que tem sido a jurisprudência recente e uniforme dos Tribunais Superiores, nomeadamente do acórdão de 09/12/20, proferido no processo n.º 064/20.0BALSB, do acórdão de 20/02/19, proferido no processo nº 0901/11.0BEALM, e do acórdão proferido, em 09/12/20, no processo n.º 075/20.6BALSB, este citado pela sentença recorrida. Todos os arestos citados são unanimes em concluir que “a mais-valias imobiliárias obtidas por não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no art. 72.º do Código do IRS, na redação vigente em 2017 e 2018, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2, do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo” e bem assim que o procedimento diverso “é discriminatório, nos termo do artigo 65.º n.º 3, por referência ao n.º1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e não pode ser aplicado pois violaria o princípio do primado com assento no artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa”. Ora, volvendo à situação que nos ocupa, temos que a recorrida, em 2018 não era residente em Portugal, mas sim num outro País da União Europeia (França) e que nesse mesmo ano alienou dois imóveis aqui localizados(4). Em 30/06/2018 a impugnante apresentou declaração de rendimentos mod. 3 do IRS, referente aos rendimentos de 2018, com a indicação da alienação dos imóveis, tendo ali optado pelo regime de tributação dos residentes(5). A liquidação de IRS n.º 20185005428370 mostra que do imposto (IRS) a pagar no montante de 127.590,11 Euros, 126.553,55 Euros respeitam a imposto relativo a tributações autónomas(6). Dito isto, é para nós obvio, que a situação fática que acabamos de descrever se encaixa na jurisprudência citada face à qual não pode deixar de se lhe aplicar o regime previsto no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, ou seja o regime de tributação aplicável a residentes em território nacional, já que o contrario seria ir contra o Tratado da União Europeia, designadamente e violador do princípio da liberdade de circulação de capitais, previsto no artigo 63º conjugado com o artigo 65º daquele Tratado. Situação que foi também dissecada pelo Mmo. Juiz a quo, na sentença recorrida, que por acompanhamos, e por facilidade passamos a reproduzir, diz-se ali: «(…) Com efeito, e de forma bem esclarecedora o TJUE declarou no na decisão 18/03/32021, proferida no âmbito do processo no processo C-388/19 (MK), que: “Quanto à opção de tributação segundo as mesmas modalidades que os residentes 42 Antes de mais, há que salientar que a possibilidade de as pessoas residentes na União ou no EEE optarem, ao abrigo do artigo 72.°, n.os 9 e 10, do CIRS, por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes portugueses e, assim, beneficiarem do abatimento de 50 % previsto no artigo 43.°, n.° 2, desse código permite a um contribuinte não residente, como MK, escolher entre um regime fiscal discriminatório, a saber, o previsto no artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, e outro que não o é. 43 Ora, cumpre frisar a este respeito que, no caso em apreço, essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais. 44 Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 63.° TFUE em razão do seu caráter discriminatório (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C 440/08, EU:C:2010:148, n.° 52). 45 Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE, no caso em apreço a livre circulação de capitais, é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C 440/08, EU:C:2010:148, n.° 53 e jurisprudência referida). 46 Daqui resulta que a escolha concedida, no litígio no processo principal, ao contribuinte não residente, de ser tributado segundo as mesmas modalidades que as aplicáveis aos contribuintes residentes, não é suscetível de tornar a restrição constatada no n.° 32 do presente acórdão compatível com o Tratado. 47 Tendo em conta todas as considerações precedentes, importa responder à questão submetida que o artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado Membro que, para permitir que as mais valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais valias realizadas por um residente do primeiro Estado Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável. (…) Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara: O artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado Membro que, para permitir que as mais valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais valias realizadas por um residente do primeiro Estado Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.” (negrito e sublinhado nosso).» - fim de citação Assim e prosseguindo no acompanhamento que fazemos à sentença, sendo esta a questão que nos vem colocada, concluímos, também nós no sentido de que é inteiramente irrelevante o facto da declaração ter sido apresentada fora de prazo, já que o regime a que apela a recorrente por ser contrário ao estipulado no artigo 63.°, lido em conjugação com o artigo 65.°, ambos do TJUE. Também o STA teve oportunidade de se pronunciar em 09/12/2020, no âmbito do processo nº 75/20.6BALSB onde conclui que: “III - A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou. Face ao exposto, sem necessidade de quaisquer outras considerações, e revertendo à situação dos autos, consideramos, como o faz a sentença recorrida que não há base legal que permita à AT excluir da tributação das mais-valias o regime previsto sob o nº 2 do artigo 43º da CIRS, com o argumento da apresentação da declaração de rendimentos fora de prazo, improcedendo, sem mais, in totum as conclusões recursivas, sendo de negar provimento ao recurso, ao que se provirá na parte do dispositivo do aresto.
IV- DECISÂO Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter decisão recorrida. Custas pela recorrente Registe e notifique Lisboa, 18 de maio de 2023 Hélia Gameiro Silva - Relatora Ana Cristina Carvalho – 1.ª Adjunta Isabel Fernandes – 2.ª Adjunta (Com assinatura digital) (1)Ponto 2.º do probatório (2)Aditado pela Lei n.º 64.º-A/2008, de 31 de dezembro (3)Cfr. Acórdão do STA proferido em 29/11/2011 no processo n.º 0701/10, consultável na internet na pag. da dgsi. (4)Ponto 1.º do probatório (5)Idem ponto 2.º (6)Idem, ponto 5.º e 17.º por nós aditado |