Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2947/19.1 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/18/2023
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
REGIME OPCIONAL DE TRIBUTAÇÃO DOS NÃO RESIDENTES NOUTRO EM DA EU OU DO EEE
PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS
ARTIGO 63º CONJUGADO COM O ARTIGO 65º AMBOS DO TFUE
Sumário:I - Não se retira do artigo 17.º-A do CIRS, qualquer atribuição obstativa, à prossecução dos respetivos efeitos, ou seja, à aplicação do regime de tributação nela previsto, decorrente do incumprimento declarativo de acordo com os prazos ali previstos.
II - Consideramos para o caso, irrelevante o facto de a declaração ter sido apresentada fora de prazo legalmente previsto para o efeito, face ao estipulado no artigo 63.°, lido em conjugação com o artigo 65.°, ambos do TJUE.
III - Assim, as mais valias provenientes da alienação de bens imóveis situados num Estado Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado Membro, não estão sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais valias realizadas por um residente do primeiro Estado Membro.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

A......, melhor identificada nos autos, veio deduzir ação de IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, contra o ato de indeferimento do recurso hierárquico que interpôs da decisão de indeferimento de reclamação graciosa que apresentara contra a liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) de 2017 (20185005428370), na importância total de € 127.995,60.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença de 29 de novembro de 2022, julgou totalmente procedente a impugnação judicial, em consequência, determinou a anulação da liquidação impugnada e a respetiva liquidação de juros compensatórios, julgando procedente também o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

Inconformada, a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«a. A douta sentença ora sob recurso fez errada aplicação do Direito ao caso concreto, bem como errou na interpretação do percurso decisório da AT;
b. A douta sentença recorrida merece censura, porquanto, não fez uma boa aplicabilidade dos factos ao Direito, é ilógica na argumentação, minudenciosa na análise dos factos, e, naturalmente, atacável na justificação;
c. Andou a douta decisão ao entender de forma contrária e claramente incorreta o regime previsto no artigo 17.º-A do Código do IRS;
d. A Recorrida deveria ter apresentado a declaração mod. 3 de IRS, no prazo previsto no n.º 1 do artigo 60.º do Código do IRS, no caso concreto de 1 de abril a 31 de maio de 2018;
e. A Recorrida apenas apresentou a sua declaração de rendimento mod. 3 de IRS após o términus do prazo, a saber, em 30 de junho de 2016;
f. De tal incumprimento acarreta juros, coimas, e, no caso, o afastamento da Recorrida da aplicabilidade do regime previsto no n.º 1 do artigo 17.º-A do Código do IRS;
g. A Recorrida não optou, na mod. 3 de IRS, pela tributação como residente e não juntou documentos que comprovem as condições de que depende a aplicação daquele regime, como lhe era exigido pelo n.º 6 da norma legal identificada no artigo precedente;
h. O regime opcional para os residentes noutro EM da UE ou do EEE está previsto no artigo 17.º-A do Código do IRS, aditado pela Lei n.º 64.º-A/2008, de 31 de dezembro;
i. Fundamentalmente, este regime caracteriza-se pela opção, por parte dos sujeitos passivos residentes noutro EM da UE ou do EEE - denominados residentes virtuais - de serem tributados, mediante a verificação de certos pressupostos, de acordo com as regras aplicáveis aos sujeitos passivos residentes em território português;
j. São requisitos cumulativos deste regime: ser residente noutro EM da UE ou do EEE, existir troca de informações em matéria fiscal entre Portugal e o país de residência, os indivíduos têm de ser titulares de rendimentos auferidos em território português, os rendimentos têm de representar, pelo menos, 90% da totalidade dos rendimentos, incluindo os obtidos fora do território português, relativamente ao ano em causa, e, cumprir a declaração obrigativa dentro do prazo legal;
k. A tributação dos rendimentos auferidos por estes não residentes baseia-se na aplicação das regras gerais dos residentes, sujeitando os rendimentos à tabela das taxas gerais e admitindo deduções pessoalizantes à coleta dos montantes previstos no artigo 78.º;
l. Efetivamente, a declaração obrigativa deve ser cumprida dentro do prazo, e este é um requisito fundamental do dito regime, conforme previsto no n.º 6 do artigo 17.º-A do Código do IRS;
m. Se o Legislador quisesse que a determinação desta norma (n.º 6) fosse mera enunciação do regime geral, não necessitaria de o especificar ao formular este regime opcional;
n. A Recorrida é efetivamente não residente, considerando os valores declarados, cumpre o requisito de ser titular de rendimento obtido em território nacional de, pelo menos, 90% da totalidade dos seus rendimentos concernentes ao período de 2017, incluindo os obtidos fora deste território;
o. Não apresentou a sua declaração de rendimentos prevista no n.º 1 do artigo 57.º do Código do IRS, dentro do prazo legal (requisito legal/essencial), previsto no n.º 1 do artigo 60.º daquele Código;
p. A Recorrida não cumpriu com dois dos requisitos legais de aplicabilidade do regime opcional previsto no n.º 1 do artigo 17.º-A do Código do IRS, a saber, a entrega da declaração de rendimentos dentro do prazo legal para o efeito, e, a entrega junto da dita declaração, dos documentos que comprovem que cumpre as condições de que depende a aplicação do regime em causa;
q. A Recorrida não o fez em nenhum momento, mormente aquando da entrega da declaração de rendimentos, no âmbito do procedimento de reclamação e de recurso hierárquico, nem em sede impugnatória;
r. O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (n.º 1 do artigo 74.º da LGT);
s. Não corresponde à verdade o entendimento do Tribunal a quo, vertido no quinto parágrafo da douta sentença de que “não há qualquer norma que estipule como consequência para a entrega da declaração de rendimentos (modelo 3 de IRS) a tributação pelo regime geral, há, isso sim, no Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), a previsão de aplicação de coima quando tal acontece”;
t. O previsto no n.º 6 do artigo 17.º-A do Código do IRS, exige como requisito para aplicação deste regime que a concernente opção seja concretizada na declaração de rendimentos, a entregar dentro do prazo legal;
u. Não podemos nunca escamotear que os contribuintes cumpridores, mormente dos prazos declarativos legais, não estão em situação igual aos incumpridores;
v. Não se alcança compreender a débil argumentação da decisão do Tribunal a quo ao dar razão à Recorrida;
w. O Tribunal a quo fez um erróneo julgamento que exige, evidentemente, seja colmatado;
x. O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, colocou em causa o princípio fundamental do Direito Tributário, a certeza jurídica, a estabilidade, cognoscibilidade e previsibilidade;
y. A instabilidade do Direito, e em especial do Direito Tributário, destrói a ordem jurídica-tributária em si mesma, cria incerteza, e foi isto que foi colocado em causa na decisão ora arguida;
z. O Tribunal a quo, também escamoteou o princípio da proteção da confiança tributária, o qual visa transmitir aos contribuintes um sentimento de previsibilidade na atuação da própria AT e do Estado em geral;
aa. Outro desfecho não se mostra acertado a este Tribunal, que não concluir que as provas apresentadas por esta AT se mostram suficientemente robustas para sustentar a liquidação que concretizou;
bb. Impunha-se à douta sentença ora recorrida, perante tão robusto probatório, fazer uma correspondência perfeita entre os factos dados como provados e o efetivamente decidido;
cc. Manifestando a fundamentação jurídico-tributária da decisão uma apreciação evidentemente ilógica, arbitrária e insustentável, e, por esta via, incorreta, o que conduziu à injustiça da decisão contra esta AT.
Termos em que, com o mui douto suprimento de Vs. Ex.ªs, e atento a motivação e conclusões supra enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, sendo substituída por Acórdão que julgue improcedente, in totum, por não provada, e, em consequência mantenha vigente no ordenamento jurídico-tributário, por legal, o ato impugnado.»

»«

Regularmente notificados da interposição de recurso, a RECORRIDA, apresentou contra-alegações e formulou as seguintes conclusões:

«A) A Recorrente invoca erro de julgamento de facto e de direito, mas não identifica qual o erro de julgamento de facto e, ao não o fazer, é um argumento inócuo, inconsequente e sem fundamento, pelo que não merece atendimento, sendo que, em qualquer caso, nenhum erro de facto existe e os factos dados por provados na douta sentença não são postos em crise e consideram-se, todos, consolidados.

B) A Recorrente invoca a não boa aplicação dos factos ao direito, o que não será essa, certamente, a melhor prática jurídica e não será, certamente, a que o douto tribunal faz. Antes pelo contrário, será a boa aplicação do direito aos factos. E, no caso, foi isto que a douta sentença recorrida fez, e bem.

C) Invoca a Recorrente ilógica na argumentação e minudenciosa na análise, sendo que também não evidencia onde está a ilógica na argumentação da douta sentença, bem como o que chama minudenciosa na análise, pelo que, também aqui, tal alusão é gratuita e inconsequente, que não merece atendimento.

D) Invoca ainda a Recorrente a não verificação de dois requisitos para a tributação como residente – a não entrega da declaração modelo 2 de IRS dentro do prazo e a não entrega de documentos que comprovem que cumpre as condições de que depende a aplicação, sem que isso seja verdade.

E) Como consta dos autos, a AT não considerou a opção da Impugnante de ser tributada pelas regras dos residentes, exclusivamente por a apresentação da declaração modelo 3 de IRS ter sido feita para além do fim do prazo estipulado, e foi exclusivamente com este fundamento, e não outro, que foi apresentada a impugnação judicial, não podendo a AT acrescentar novo fundamento, como insiste em fazer e já havia feito em sede de contestação, com a pretensa falta do segundo requisito de não entrega de documentos que comprovem que cumpre as condições de que depende a aplicação.

F) A invocação da não junção de documentos é um facto novo, nunca invocado nas decisões administrativas objecto de impugnação, bem pelo contrário, pelo que não pode tal alegação ter acolhimento em sede judicial, como não teve no Tribunal a quo.

G) E ao contrário do alegado pela AT e tal como consta da proposta de decisão e da decisão da reclamação graciosa da mesma AT:

“A contribuinte cumpre o requisito de não residente fiscal em Portugal e reside em França, a considerar os valores declarados também cumpre o requisito de ser titular de rendimento obtido em território português, pelo menos, de 90% da totalidade dos seus rendimentos relativos ao ano em causa, 2017, incluindo os obtidos fora do território.

Porém, não cumpriu o requisito previsto no n.º 6 do art.º 17º-A do CIRS, não apresentou a sua declaração de rendimentos prevista no art.º 57º n.º 1 do CIRS, no prazo legal previsto no art.º 60º n.º 1 do mesmo código, que prevê o prazo de entrega da referida declaração de 1 de abril a 31 de maio de 2018, e a contribuinte apenas apresentou a sua declaração de rendimentos modelo 3 após o decurso do prazo legal, isto é, apresentou a mesma em 30/06/2018.

A falta de cumprimento da obrigação declarativa no prazo legal só por si implica o não cumprimento do requisito previsto no n.º 6 do art.º 17º-A do CIRS, não lhe sendo aplicável o regime opcional previsto no mesmo”

H) Também não é verdadeira nem séria a alegação de que a Recorrida não optou no modelo 3 de IRS pela tributação como residente, bastando ver o mesmo modelo 3, em que, no Campo 8, consta assinalada a quadrícula 10 “Opção pelas regras dos residentes – art.º 17-A do CIRS”.

I) O documento comprovativo dos rendimentos em França da Recorrida, não constitui qualquer requisito da opção tomada, e não foi tido como tal pela AT, sendo que a declaração efectuada pela Recorrida goza, como gozou, da presunção prevista no nº 1 do artº 75º da LGT.

J) E o certo é que a AT não usou da previsão do nº 7 do artº 17º-A do CIRS, como se lhe impunha, caso a falta do documento pusesse em causa a “correcta aplicação deste regime”.

K) Em qualquer caso, a Recorrida juntou aos autos o documento dos rendimentos em França, sanando a eventual ausência ou necessidade, pelo que o alegado a este propósito pela Recorrente, não só não é verdade, como não é objecto dos autos.

L) Resta o alegado erro de julgamento de direito e o alegado não cumprimento do requisito de entrega da declaração modelo 3 dentro do prazo, o que, na verdade, resulta numa questão só e a douta sentença recorrida é lapidar na sua fundamentação:

“Sobre o artº 17º-A do CIRS, “o que estipula o nº 6 (número que serve de base ao indeferimento da reclamação e recurso hierárquico apresentados pela Impugnante), é que a Impugnante tinha de fazer uma opção pela tributação de acordo com as regras aplicáveis aos sujeitos passivos não casados residentes em território português, o que fez. Por outro lado, aquela declaração teria de ser entregue nos prazos previstos na alínea a), do nº1, do art.º 60º do Código de IRS, ou seja, desde 01 de Abril a 31 de Maio de 2018, sendo que a Impugnante apenas efetuou a entrega da modelo 3 do IRS em 30/06/2018, cf. ponto 2 do probatório. Para além de cumprir aquele prazo, exigia ainda aquela norma que a Impugnante deveria juntar os documentos que comprovem as condições de que depende a aplicação deste regime, ou seja, o comprovativo de residência em Estado membro da União Europeia e os rendimentos ali obtidos.

Porém, estipula o nº 7 daquele preceito que a AT podia solicitar à Impugnante ou aos seus representantes a apresentação dos documentos que julgue necessários para assegurar a correta aplicação do regime.

Será que a entrega da declaração de rendimentos (modelo 3 de IRS) tem como consequência a tributação pelo regime geral como não residente, isto, a sujeição das mais valias na sua totalidade à taxa de 28%?

Ora, a AT está sujeita ao princípio da legalidade, consagrado no artigo 266º da CRP e art.º 3º do CPA, isto é, a atuação da Administração encontra-se subordinada à lei (entenda-se bloco legal, o qual engloba a Constituição, o direito internacional, o costume interno, a lei ordinária, os regulamentos administrativos e o direito comunitário), não a podendo contrariar.

Por outro lado, a atuação tem de ser precedida por lei.

Ora, não há qualquer norma que estipule como consequência para a entrega da declaração de rendimentos (modelo 3 de IRS) a tributação pelo regime geral, há, isso sim, no Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), a previsão de aplicação de coima quando tal acontece.

Aliás, diga-se que se a Impugnante não entregasse a declaração de rendimentos, a AT elaboraria a mesma oficiosamente e não era por isso que, posteriormente, deixava de ter o dever de tributar os rendimentos de acordo com a prova que a Impugnante apresentasse, designadamente declaração com o valor dos rendimentos obtidos em França, aliás, tal como faria com qualquer residente em Portugal.

Acresce que, o facto de a Impugnante não entregar nenhum documento com a declaração modelo 3 também não é suficiente para que os rendimentos não possam beneficiar do regime previsto no CIRS para os residentes, pois, por um lado a AT sempre teria o poder/dever de pedir tais documentos à Impugnante, estipulando o prazo de 30 dias para a sua apresentação. Por outro lado, teria ainda ao seu alcance o mecanismo de troca de informações com a França para aferir a veracidade dos rendimentos declarados pela Impugnante (29.220,00 Euros), o que não fez.

Acresce que como tem vindo a ser entendimento do TJUE e do STA o regime aqui em apreço é violador do Tratado da União Europeia, designadamente o princípio da liberdade de circulação de capitais, previsto no artigo 63º conjugado com o artigo 65º daquele Tratado. Com efeito, e de forma bem esclarecedora, o TJUE declarou, na decisão de 18/03/2021, proferida no âmbito do processo C-388/19 (MK), que:

»O artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, para permitir que as mais- valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado-Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente do primeiro Estado-Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.«

Também o STA teve oportunidade de se pronunciar em 09/12/2020, no âmbito do processo nº 75/20.6BALSB onde conclui que: “III - A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou.

IV - Essa incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67- A/2007, de 31 de Dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.”

Face ao exposto, sem necessidade de quaisquer outras considerações, e revertendo à situação dos autos, inexiste base legal que permita à AT excluir da tributação das mais-valias o regime previsto sob o nº 2 do artigo 43º da CIRS, com o argumento da apresentação da declaração de rendimentos fora de prazo, procedendo, em consequência, a Impugnação intentada pela Autora, ficando, deste modo, prejudicado o conhecimento das questões de falta de fundamentação da liquidação e de preterição de audiência prévia”.

M) Este Ac. do STA de 09/12/2020 é um acórdão uniformizador, pelo que se dúvidas houvesse, mas que não há, ter-se-iam dissipado, sendo que já anteriormente a jurisprudência do STA considerava estas situações como violadoras do Tratado da União Europeia, realçando-se a título meramente exemplificativo os Ac. Do STA de 16/01/2008, Proc. 0439/06; de 03/02/2016, Proc. nº 01172/14 e de 16/01/2008, Proc. nº 0439/06, bem como o TJUE no Acórdão de 11/10/2007, Proc. C-443/06, conhecido por Acórdão Hollmann.

N) Consequentemente, é por demais evidente a absoluta ausência de fundamento das alegações da Recorrente, devendo ser confirmada a douta sentença recorrida, que de nenhum vício padece e nenhuma censura merece.

O) Caso pudesse ter algum provimento a pretensão da Recorrente, o que não se concede, sempre devem ser conhecidas, por ampliação do objecto do recurso, a preterição de audiência prévia e a falta de fundamentação da liquidação,invocadas na Impugnação e não conhecidas na douta sentença por prejudicadas com a decisão de procedência da anulação.

P) a liquidação de IRS do ano de 2017 objecto dos autos, por desconforme ao declarado no Mod. 3 de IRS, deveria ter sido precedida do direito de audição prévia, nos termos do art.º 60.º, n.º 1, al. a), da LGT, e não foi.

Q) Não tendo a liquidação resultado da declaração entregue pela Impugnante (em violação dos art.º 59.º, n.º 2, do CPPT e art.º 75.º, n.º 1, da LGT) e não tendo a Impugnante sido notificada nos termos do art.º 76º, n.º 3 do CIRS, não se encontra verificada nenhuma das alíneas previstas no n.º 2, do art.º 60.º da LGT, que prevê as situações em que é dispensada a audição, sendo que o princípio da participação dos contribuintes nas decisões que lhes dizem respeito não pode ser afastado, a não ser nas exactas situações que a lei define.

R) O direito de audição de que gozam os contribuintes, consignado no artigo 60º da LGT, constitui um direito constitucional aplicado ao procedimento tributário, enquanto corolário do princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações da Administração Pública que lhe digam respeito, visando assegurar uma tutela preventiva contra qualquer lesão dos seus direitos ou interesses, de acordo com o disposto no artigo 267º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

S) A falta de audição prévia da liquidação constitui a preterição de uma formalidade essencial e, não podia ser dispensada, pelo que deverá a liquidação ser declarada nula ou anulada, por ser ilegal.

T) A Recorrente foi notificada pela AT da liquidação sem ser informada do que levou à liquidação de modo diverso ao declarado no Modelo 3, tão pouco foi notificado da devida fundamentação, tal como decidido pelo Ac. do STA de 07/06/2017, processo n.º 0723/15.

U) Da análise da liquidação não se depreende quais as normas que a AT aplicou para o apuramento do IRS; percebemos, sim, que o regime previsto no art.º 17.º- A do CIRS escolhido pela contribuinte na sua declaração não foi aplicado, sendo que a Recorrente apresentou a declaração de rendimentos, que foi validada e aceite pela AT, não foi dado qualquer sinal de erro ou de inadmissibilidade de aplicação do regime de tributação escolhido, pelo que a Recorrente ao recepcionar a liquidação não podia saber dos motivos por que o regime seleccionado não foi aceite, nem qual foi o regime, afinal, aplicado.

V) Não é possível, a partir das informações disponibilizadas pela administração tributária, compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo da elaboração do acto e, para procurar entender o fundamento não identificado da decisão da AT, não é exigível que tenha o contribuinte de fazer tal exercício, procurando adivinhar os fundamentos da AT.

X) Nada disto faz qualquer sentido, e daqui resulta a incongruência, opacidade e ilegalidade com que todo este processo foi tratado pela AT, sendo patente a falta de fundamentação da liquidação em crise, tendo sido violado o nº 2 do art.º 77º da LGT, bem como os art.ºs 268º da CRP e 125º do CPA.

Termos em que:
Deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Quando assim não se entenda, deve ser apreciada a ampliação do objecto do recurso e julgada verificada a falta de audição prévia e a falta de fundamentação da liquidação, determinando-se a nulidade ou anulabilidade da liquidação, assim se fazendo JUSTIÇA»


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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, veio oferecer o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – OBJECTO DO RECURSO

Como sabemos, independentemente das questões que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente é pelas conclusões do recorrente nas alegações de recurso que se determina o âmbito da sua e intervenção (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).

Acresce dizer que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Cumpre assim apreciar e decidir, as questões elencadas pela recorrente nas conclusões das alegações de recurso, incumbindo a este Tribunal, a título principal a questão de saber se a sentença errou ao concluir pela inexistência de “base legal que permita à AT excluir da tributação das mais-valias o regime previsto sob o nº 2 do artigo 43º da CIRS, com o argumento da apresentação da declaração de rendimentos fora de prazo”.

Em caso afirmativo, importa ainda apreciar as questões, cujo conhecimento ficou prejudicado pela solução dada ao litígio consubstanciadas na de falta de fundamentação da liquidação e de preterição de audiência prévia, arguidas, também, em sede do presente recurso pela recorrida em contra-alegações no âmbito da sua ampliação.


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III – FUNDAMENTAÇÃO

De facto

A sentença recorrida considerou como provados e não provados os seguintes factos:
«1.º Em 31.12.2017, o Sistema de Gestão de Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira continha a informação de que a Impugnante tinha como “País de Residência” a França e como morada de residência naquele país, desde 07/04/2015, a 3. Rue Fréderic Chopin – Bat P. Saint Germain en Laye –…..0 Saint Germain en Laye – Cf. fls. 24 do PAT
2.º Em 30.06.2018, a Impugnante apresentou a declaração de rendimentos, modelo 3, relativa ao ano de 2017 – cf. Doc. nº3 junto com a PI
3.º Na declaração modelo 3 referida no ponto anterior resulta que a Impugnante declarou ser não residente, optou pelas regras dos residentes e tinha obtido como total de rendimentos naquele país 29.220,00 Euros – cf. Doc. 3 junto com a PI e fls. 16 a 20 do PAT
4.º Na referida modelo 3, a Impugnante fez constar rendimentos auferidos em Portugal, da Categoria F, bem como rendimentos da categoria G, decorrente da alienação de duas frações (A e C), do artigo Urbano …..3 - cf. Doc. 3 junto com a PI e fls. 16 a 20 doo PAT
5.º Em 07.09.2017, é emitida a liquidação de IRS n º20185005428370 da qual resultou imposto (IRS) no montante de 127.590,11 Euros (cento e vinte e sete mil, quinhentos e noventa Euros e onze cêntimos) e juros compensatórios no montante de 405,49 Euros (quatrocentos e cinco Euros e quarenta e nove cêntimos) – cf. Doc. 4 junto com a PI e fls. 22 do PAT
6.º Em 21.12.2018, o mandatário da Impugnante expediu, por correio, Reclamação graciosa da liquidação nº 2018 5005428370 – cf. PAT do procedimento da reclamação graciosa
7.º Em 09.05.2019, foi aposto despacho de concordância, sobre o projeto de decisão de indeferimento constante da informação REC – 272/19, onde, para além do mais, era referido o seguinte:
“(…) A contribuinte cumpre o requisito de não residente fiscal em Portugal e reside em França, a considerar os valores declarados também cumpre o requisito de ser titular de rendimento obtido em território português, pelo menos, de 90% da totalidade dos seus rendimentos relativos ao ano em causa, 2017, incluindo os obtidos fora do território.
Porém, não cumpriu o requisito previsto no n.º 6 do art.º 17º-A do CIRS, não apresentou a sua declaração de rendimentos prevista no art.º 57º n.º 1 do CIRS, no prazo legal previsto no art.º 60º n.º 1 do mesmo código, que prevê o prazo de entrega da referida declaração de 1 de abril a 31 de maio de 2018, e a contribuinte apenas apresentou a sua declaração de rendimentos modelo 3 após o decurso do prazo legal, isto é, apresentou a mesma em 30/06/2018.
A falta de cumprimento da obrigação declarativa no prazo legal só por si implica o não cumprimento do requisito previsto no n.º 6 do art.º 17º-A do CIRS, não lhe sendo aplicável o regime opcional previsto no mesmo.”
– cf. fls. 23 a 25 do PAT da reclamação graciosa
8.º Em 13.05.2019, foram expedidas notificações (ofício nº DF Lisboa 00010956’190514 e DF Lisboa 00010955’190514), por carta Registada com AR, dirigidas ao mandatário da Impugnante e à Impugnante, para, querendo, exercer o direito de audiência prévia, sobre o projeto de decisão de indeferimento referido no ponto anterior, com despacho de 09 – cf. fls. 26 a 28 do PAT do procedimento da reclamação graciosa
9.º Em 30.05.2019, o mandatário da Impugnante, expediu, por correio requerimento com o exercício do direito de audiência prévia – cf. fls. 83 e segs do PAT da reclamação graciosa
10.º Em 17.06.2019, a Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa proferiu despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Impugnante, para além do mais, com os seguintes fundamentos:
“A contrário do alegado pela reclamante na pessoa do seu mandatário, reitera-se que existe fundamento legal para concluir que a entrega da declaração fora do prazo impede a aplicação do regime previsto no art.° 17°-A do CIRS, isto é, é a redação do próprio n.° 6 que dispõe que a opção deve ser efetuada na declaração a que se refere o n.° 1 do art.º 57°, a declaração de rendimentos modelo 3, a entregar nos prazos previstos no n.° 1 do art.° 60°.
Ora, é esta norma legal prevista no n.° 6 condição "sine qua non” para efeitos de aplicabilidade da referida opção prevista no n.° 1 e n 0 3 al. a) do art.° 17°-A do CIRS, dado que a enunciação do regime geral, é exatamente o prazo que se encontra previsto no art.° 60° n.° 1 do CIRS, a declaração a que se refere o n.° 1 do art.° 57° é entregue de 1 de abril a 31 de maio, redação à data dos factos.
Da falta de audição prévia
O direito de audição antes da liquidação previsto no art.° 60° n.° 1 al. a) da LGT é dispensado, no caso de a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte.
Prevê o art.° 75° n.° 1 da LGT que, se presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, e prevê o seu n.° 2 al. a) que não se verifica quando as declarações revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.
A liquidação de IRS n.° 2018 5005428370, ora reclamada, teve por base os elementos declarados na declaração de rendimentos modelo 3, tais como, a situação pessoal, a situação de não residente fiscal em território português e os rendimentos, sendo que a não aplicação da opção da tributação dos rendimentos nos termos do art.° 17°-A do CIRS, exercida pela reclamante na declaração, decorre da lei, isto é, o facto de a mesma ter exercido a opção mas não cumprido a condição necessária da entrega da mesma no prazo legal do art.° 60° do CIRS, desconsidera-a, dado que não é um facto de se revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, nos termos do art.° 75° n.° 2 al. a) da LGT, pelo que, tem aplicabilidade a norma legal prevista no art.° 60° n.° 2 al.) a) da LGT, em que é dispensada a audição.
Da falta de fundamentação
A notificação do ato tributário da liquidação de IRS n.° 2018 5005428370 foi devidamente efetuada contendo a fundamentação de forma sumária, contendo as disposições legais aplicáveis, a qualificação e a quantificação do facto tributário e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo, e ainda dos seus meios de defesa.
É por isso perfeitamente possível, a partir das informações disponibilizadas pela administração tributária, compreender o itinerário funcional cognoscitivo e valorativo da elaboração do ato.
Nos temos do art.° 77° n.° 6 da LGT a notificação é condição de eficácia e não condição de validade do ato.
Porém, poderia a reclamante utilizar o mecanismo legal previsto no art.° 37° n.° 1 do CPPT «se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reação contra o ato notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento», prevendo ainda o seu n.° 2, que se o interessado usar esta faculdade, o prazo para a reclamação ou impugnação, conta-se a partir da notificação ou da entrega da certidão que tenha sido requerida.
Verifica-se que também a reclamante não utilizou este mecanismo legal.
DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Acrescenta-se, ainda que, por não se verificarem in casu os pressupostos do n.° 1 do art.° 43.° da LGT, não assiste ao reclamante o direito a juros indemnizatórios. (…)” – cf. fls. 37 a 39 do PAT da reclamação graciosa.
11.º Em 18.06.2019, foram expedidas notificações, por carta Registada com AR, para o mandatário da Impugnante e para a Impugnante da decisão de indeferimento da reclamação graciosa referida no ponto anterior – cf. fls. 40 a 42 do PAT da reclamação graciosa
12.º Em 16.07.2019, a Impugnante enviou, por correio, recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa – cf. fls. PAT do recurso hierárquico, fls. 73 do SITAF
13.º Em 12.11.2019, foi proferido despacho de indeferimento do recurso hierárquico referido no ponto anterior, para além do mais, com os seguintes fundamentos:
“(…) OS FACTOS
1. Em 30.06.2018 a contribuinte, residente em França, apresenta declaração de rendimentos relativa ao ano de 2017, nela fazendo constar rendimentos auferidos em Portugal, da Cat F, bem como rendimentos da Cat G decorrente da alienação das duas frações (A e C) do artigo urbano …..3 sito no Porto; mais, declarou pretender ser tributada ao abrigo do regime admitido pelo art.°17-A do CIRS, i.é, segundo as regras aplicáveis aos residentes e, para esse efeito igualmente declara o rendimento obtido no estrangeiro.
(…)
APRECIAÇÃO DO PEDIDO
1. A recorrente tem legitimidade conforme o art.° 9 e art.° 44° n.° 1 do CPPT e o pedido encontra-se deduzido em tempo ao abrigo do disposto no art.° 66°, n° 2 do CPPT.
2. O regime opcional previsto no art.º 17-A do CIRS não se traduz num qualquer procedimento tendente a branquear a distinção jurídico-tributária entre residentes e não residentes em território nacional (art.° 15° CIRS); permite sim, que um residente em território da União Europeia que obtenha rendimentos em Portugal e sob determinado requisitos, possa ser objeto de tributação sob regras jurídicas-tributárias aplicáveis aos residentes, com as necessárias adaptações (n° 1 do art° 17-
A), nomeadamente incidir apenas sobre os rendimentos obtidos em território nacional (n° 3 do mesmo artigo).
3. Entre os diversos requisitos, que a contribuinte identifica claramente ao notar o seu preenchimento, situa-se também, aquele que não foi cumprido e que se encontra previsto no n° 6 deste art.° 17-A e que determina “onde" deve ser manifestada a opção - n° 1 do art.°57° do CIRS (declaração de modelo oficial) e "quando” deve essa mesma opção ser concretizada - no prazo previsto no art.° 60°, n° 1.
A este propósito e porque é argumento da petição de recurso, ter-se por inexistente a exigência legal de manifestação da opção na mod 3 a apresentar na data determinada no CIRS apenas porque antes da alteração introduzida pela Lei 42/2016 de 28.12, o art.° 60 ao dispor sobre o prazo de entrega declarativa previa dois prazos em razão da categoria de rendimentos e, após a alteração, veio desconsiderar a distinção que até então vigorava, simplificando todo o processo e inclusive, prolongando o prazo para o cumprimento dessa obrigação até 31.05 de cada ano, importa referir que, não obstante o legislador não ter promovido a adequação apenas sentida ao nível da formulação escrita do n° 6 do art.° 17-A, não deixa de considerar que a opção deve ser manifestada na declaração identificada no art.° 57°, cujo prazo se encontra expresso no art.° 60°, n° 1 que, de forma clara e expressa , diz "a declaração a que se refere o n° 1 do art.° 57° é entregue...”, o que confirma a natureza despicienda da alegação da recorrente.
4. Acresce que se o legislador pretendesse que a determinação do n° 6 do art.° 17-A fosse mera “enunciação do regime geral” não necessitaria de o especificar ao formular este regime opcional específico para os não residentes em território português, mas com residência em país da União Europeia.
5. Por outro lado, não há uma qualquer “desigualdade de opções de tributação...ou o contribuinte não residente ser tributado de forma mais gravosa comparativamente a um contribuinte residente” na medida em que a lei efetivamente distingue ambos e os regimes de tributação a que são sujeitos os residentes e não residentes, mas exatamente porque se procura um regime mais justo e igualitário na sujeição é que, dentro das “diferenças”, elabora-se regimes específicos em razão de interesses que o legislador entenda realçar, configurando para a sua efetivação um conjunto de pressupostos a ser cumpridos; no caso, sendo não residentes a não sujeição ao regime legal de tributação previsto para os não residentes pode constituir uma opção, sendo que para o efeito importa que sejam cumpridos integralmente os pressupostos legais para esse efeito (tal como os residentes, o legislador pode prever alguns regimes específicos e
opcionais, mas que igualmente exigem o cumprimento dos requisitos legais, sob pena de aplicação do regime geral).
6. Assim, não se mostrando cumpridos na sua totalidade todos os requisitos legais para que à contribuinte não residente, pudesse ser aplicada as mesmas regras aplicáveis aos contribuintes residentes, com as adaptações previstas na lei, a tributação será a prevista no regime aplicável aos não residentes e daí a emissão da liquidação controvertida que, contrariamente ao alegado, atendeu para a sua elaboração aos elementos que a contribuinte inscreveu na declaração de rendimentos a que o art.º 57° do CIRS faz menção, apresentada fora de prazo, apenas não sendo possível atender à opção manifestada, porque não cumpridos os pressupostos legais.
7. Quanto à alegação de violação do direito europeu, ao não se considerar o montante de mais valia sujeito apenas em 50%, tal como para os residentes, ficando sujeita ao disposto no art.º 71°, n°1 a) refira-se que:
- No Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 20070UT11 foi decidida a contrariedade com o Direito Comunitário da disciplina da tributação das mais-valias imobiliárias de não residentes resultante dos artigos 72°, n.° 1 e 43°, n.° 2 do Código do IRS; no seguimento deste, veio o STA em Acórdão de 2008JAN16, pronunciar-se no mesmo sentido.
- Atendendo ao teor dos Acórdão referidos e a fim de adaptar a legislação nacional às decisões sufragadas foi aditado ao artigo 72° CIRS (pela Lei n° 67-A/2007, de 31/12 - EOE para 2008), o atual n.º 9 (anterior n° 7) e o n° 10 (anterior n° 8) e por força desta alteração legislativa, as declarações de rendimentos desde então passaram a deter um campo onde pode ser exercida a opção pela taxa do art.º 68° CIRS, sendo de sublinhar a natureza taxativa do n° 10 do art.º 72° quanto a dever ser englobado todos os rendimentos auferidos nesse exercício, em Portugal e fora do território, tal como o é para os residentes.
- Mas, uma vez mais, tal constitui opção e para a sua efetivação têm de ser preenchidos na sua totalidade os requisitos legais, o que não sucedeu na situação.
- Sublinhe-se, no entanto, que este regime não é discriminatório ou injusto porquanto, no caso de ser residente, os rendimentos de mais valias são sujeitos, ainda que em 50%, mas englobados aos demais rendimentos, mesmo os obtidos no estrangeiro e a taxa é determinada em função da "totalidade” dos rendimentos das diferentes categorias que foram disponibilizados. (…)” – Cf. PAT do recurso hierárquico, fls. 73 do SITAF
14.º Em 21.12.2019, foi a Impugnante notificada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, referida no ponto anterior – cf. PAT do Recurso Hierárquico, fls. 73 do SITAF
15.º Em 19.10.2019, a Direction Générale Des Finances Publiques, da República Francesa, emitiu um documento, junto como Doc. 1 com as alegações da Impugnante, sobre o “Impôt sur les revenues de l’annés 2017” – cf. doc. 1 junto com as alegações
16.º A Impugnante pagou o imposto e os juros compensatórios no âmbito do processo de execução fiscal nº 3085201801958364, num total de 128.401,09 Euros – facto referido na PI da reclamação graciosa e não contestado pela Fazenda Pública – cf. PAT da Reclamação graciosa»

IV.B - FACTOS NÃO PROVADOS

Nada mais se provou com interesse para a decisão causa

IV.C - MOTIVAÇÃO

O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na posição das partes assumida nos articulados e na análise crítica e conjugada dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, conforme identificado nos factos provados.»

Nos termos estatuídos no artigo 662.º do CPC adita-se ao probatório o seguinte facto:

17.º Do valor de 127.590,11 apurado na liquidação de IRS n º20185005428370 indicados no ponto 5.º deste probatório, 126 553,55 Euros, diz respeito a imposto relativo a tributações autónomas – cf. Doc. 4 junto com a PI


»«

De direito

Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a impugnação deduzida contra o ato de liquidação de IRS de 2017, por considerar que “inexiste base legal que permita à AT excluir da tributação das mais-valias o regime previsto sob o nº 2 do artigo 43º da CIRS, com o argumento da apresentação da declaração de rendimentos fora de prazo”.

Inconformada a Autoridade Tributária (AT) mantendo os argumentos invocados em sede de contestação e rebatidos e bem, no texto decisório, com os quais antecipamos, concordar.

Mas vejamos porque assim o entendemos, encetando por recordar que na censura que faz à sentença proferida pelo TT de Lisboa, a AT vem içar o entendimento de que aquela labora em errada aplicação do direito quanto ao regime previsto no artigo 17.º-A do Código do IRS, sopesando que não foram ali respeitados os requisitos ínsitos no seu n.º 6, nomeadamente: (i) a apresentação da declaração mod. 3 de IRS, no prazo previsto no n.º 1 do artigo 60.º do Código do IRS, ou seja até 31 de maio de 2018, que, ao invés, terá sido apresentada 30 de junho desse mesmo ano(1) e bem assim que (ii) a referida declaração deveria ter sido acompanhada por documentos capazes de comprovar as condições de que depende a aplicação do regime opcional de tributação para os residentes noutro EM da UE ou do EEE previsto na norma citada.

Quanto a esta matéria a sentença recorrida esmiuçou o dito artigo 17.º-A do CIRS(2), que sustenta a argumentação recursiva e alicerçou o discurso fundamentador, que, como dissemos, acompanhamos e, nesta parte, deixamos transcrito:

“(…)

Estipula o artigo 17º-A do Código de IRS, sob a epígrafe “Regime opcional para os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu” que

“1 - Os sujeitos passivos residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu com o qual exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, quando sejam titulares de rendimentos obtidos em território português, que representem, pelo menos, 90 % da totalidade dos seus rendimentos relativos ao ano em causa, incluindo os obtidos fora deste território, podem optar pela respetiva tributação de acordo com as regras aplicáveis aos sujeitos passivos não casados residentes em território português com as adaptações previstas nos números seguintes.

(…)

6 - A opção referida nos números anteriores deve ser efetuada na declaração a que se refere o n.º 1 do artigo 57.º, a entregar nos prazos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º, acompanhada dos documentos que comprovem as condições de que depende a aplicação deste regime.

7 - A Autoridade Tributária e Aduaneira pode solicitar aos sujeitos passivos ou aos seus representantes que apresentem, no prazo de 30 dias, os documentos que julgue necessários para assegurar a correta aplicação deste regime.” (sublinhado nosso)

Ora, o que estipula o nº6 (número que serve de base ao indeferimento da reclamação e recurso hierárquico apresentados pela Impugnante), é que a Impugnante tinha de fazer uma opção pela tributação de acordo com as regras aplicáveis aos sujeitos passivos não casados residentes em território português, o que fez.

Por outro lado, aquela declaração teria de ser entregue nos prazos previstos na alínea a), do nº1, do art.º 60º do Código de IRS, ou seja, desde 01 de Abril a 31 de Maio de 2018, sendo que a Impugnante apenas efetuou a entrega da modelo 3 do IRS em 30/06/2018, cf. ponto 2 do probatório.

Para além de cumprir aquele prazo, exigia ainda aquela norma que a Impugnante deveria juntar os documentos que comprovem as condições de que depende a aplicação deste regime, ou seja, a comprovativo de residência em Estado membro da União Europeia e os rendimentos ali obtidos.

Porém, estipula o nº 7 daquele preceito que a AT podia solicitar à Impugnante ou aos seus representantes a apresentação dos documentos que julgue necessários para assegurar a correta aplicação do regime.

Será que a entrega da declaração de rendimentos (modelo 3 de IRS) tem como consequência a tributação pelo regime geral como não residente, isto, a sujeição das mais valias na sua totalidade à taxa de 28%?

Ora, a AT está sujeita ao princípio da legalidade, consagrado no artigo 266º da CRP e art.º 3º do CPA, isto é, a atuação da Administração encontra-se subordinada à lei (entenda-se bloco legal, o qual engloba a Constituição, o direito internacional, o costume interno, a lei ordinária, os regulamentos administrativos e o direito comunitário), não a podendo contrariar.

Por outro lado, a atuação tem de ser precedida por lei.

Ora, não há qualquer norma que estipule como consequência para a entrega da declaração de rendimentos (modelo 3 de IRS) a tributação pelo regime geral, há, isso sim, no Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), a previsão de aplicação de coima quando tal acontece.

Aliás, diga-se que se a Impugnante não entregasse a declaração de rendimentos, a AT elaboraria a mesma oficiosamente e não era por isso que, posteriormente, deixava de ter o dever de tributar os rendimentos de acordo com a prova que a Impugnante apresentasse, designadamente declaração com o valor dos rendimentos obtidos em França, aliás, tal como faria com qualquer residente em Portugal.

Acresce que, o facto de a Impugnante não entregar nenhum documento com a declaração modelo 3 também não é suficiente para que os rendimentos não possam beneficiar do regime previsto no CIRS para os residentes, pois, por um lado a AT sempre teria o poder/dever de pedir tais documentos à Impugnante, estipulando o prazo de 30 dias para a sua apresentação.

Por outro lado, teria ainda ao seu alcance o mecanismo de troca de informações com a França para aferir a veracidade dos rendimentos declarados pela Impugnante (29.220,00 Euros), o que não fez.” – fim de citação.

E, na verdade, assim é, com efeito, não se retira da norma citada qualquer atribuição obstativa, à prossecução dos respetivos efeitos, ou seja, à aplicação do regime de tributação nela previsto, decorrentes do incumprimento declarativo de acordo com os prazos ali previstos.

Sendo certo que lidas as conclusões recursivas constatamos que a questão colocada se prende exclusivamente com interpretação desta norma, na parte que sustenta o regime de tributação, de cariz opcional, para os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu.

Assim, e sendo com vimos que é, para a recorrente uma questão de interpretação, importa trazer à colação o disposto no artigo 9.º do Código Civil (CC) no qual o nosso legislador «consagra o elemento literal como ponto de partida da interpretação ao referir que “a interpretação deve…reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo” (nº1), estabelecendo a função negativa ao afirmar que o intérprete não pode considerar aquele pensamento “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal” (nº2) e reconhecendo a função positiva, quando determina que o intérprete presumirá que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (nº3) (cfr. Marcelo Rebelo de Sousa e Sofia Galvão, Introdução ao Estudo de Direito, 2ª ed., págs. 57/58; Neves Pereira, Introdução ao Direito e às Obrigações, 3ª, ed., págs. 229 e ss; Heitor Consciência, Breve Introdução ao Estudo do Direito, 3ª ed., revista, págs. 43 e ss.)(3)

Termos em que, como sabemos, na interpretação das normas jurídicas o primeiro elemento a ter presente, são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal, também apelidado de gramatical); os outros a que seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico). Em suma, são as palavras em que a lei se exprime que consubstanciam o ponto de partida do intérprete.

Dito isto, fica para nós óbvio que da norma citada não se retira a interpretação que dela faz a recorrente, já que, não há ali qualquer expressão que determine a não aplicação daquele regime de tributação, como consequência da entrega tardia da declaração de rendimentos, pelo que se nos impõe concluir que o entendimento propugnado pela sentença recorrida é o que mais se aproxima do pensamento legislativo.

Sendo que, como também sabemos, e a sentença recorrida claramente o diz, para situações de incumprimento, o legislador tributário autonomizou o direito sancionatório em matéria tributária, que se encontra, hoje, copilado e instituído no Regime Geral da Infrações Tributárias (RGIT), aprovado por Dec. Lei n.º 29/2008 de 25 de fevereiro.

Expostas estas ideias genéricas sobre a interpretação das normas, acresce ainda referir que, em matéria de incidência dos impostos, com é aquele em que nos movemos as normas jurídicas são de interpretação restrita, em obediência ao regime previsto nos artigos 11.º e seguintes da Lei Geral Tributária (LGT).

Posto isto, diremos que não tem razão a recorrente no juízo interpretativo que faz da letra da lei, por falta de correspondência com qualquer um dos seus elementos, nomeadamente o elemento literal ou qualquer um dos elementos lógicos.

Dito isto e volvendo à situação que nos ocupa, importa dizer que o reparo que vem feito à sentença, sempre estaria condenado ao insucesso, face àquela que tem sido a jurisprudência recente e uniforme dos Tribunais Superiores, nomeadamente do acórdão de 09/12/20, proferido no processo n.º 064/20.0BALSB, do acórdão de 20/02/19, proferido no processo nº 0901/11.0BEALM, e do acórdão proferido, em 09/12/20, no processo n.º 075/20.6BALSB, este citado pela sentença recorrida.

Todos os arestos citados são unanimes em concluir que “a mais-valias imobiliárias obtidas por não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no art. 72.º do Código do IRS, na redação vigente em 2017 e 2018, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2, do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo” e bem assim que o procedimento diverso “é discriminatório, nos termo do artigo 65.º n.º 3, por referência ao n.º1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e não pode ser aplicado pois violaria o princípio do primado com assento no artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa”.

Ora, volvendo à situação que nos ocupa, temos que a recorrida, em 2018 não era residente em Portugal, mas sim num outro País da União Europeia (França) e que nesse mesmo ano alienou dois imóveis aqui localizados(4).

Em 30/06/2018 a impugnante apresentou declaração de rendimentos mod. 3 do IRS, referente aos rendimentos de 2018, com a indicação da alienação dos imóveis, tendo ali optado pelo regime de tributação dos residentes(5).

A liquidação de IRS n.º 20185005428370 mostra que do imposto (IRS) a pagar no montante de 127.590,11 Euros, 126.553,55 Euros respeitam a imposto relativo a tributações autónomas(6).

Dito isto, é para nós obvio, que a situação fática que acabamos de descrever se encaixa na jurisprudência citada face à qual não pode deixar de se lhe aplicar o regime previsto no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, ou seja o regime de tributação aplicável a residentes em território nacional, já que o contrario seria ir contra o Tratado da União Europeia, designadamente e violador do princípio da liberdade de circulação de capitais, previsto no artigo 63º conjugado com o artigo 65º daquele Tratado.

Situação que foi também dissecada pelo Mmo. Juiz a quo, na sentença recorrida, que por acompanhamos, e por facilidade passamos a reproduzir, diz-se ali:

«(…)

Com efeito, e de forma bem esclarecedora o TJUE declarou no na decisão 18/03/32021, proferida no âmbito do processo no processo C-388/19 (MK), que:

Quanto à opção de tributação segundo as mesmas modalidades que os residentes

42 Antes de mais, há que salientar que a possibilidade de as pessoas residentes na União ou no EEE optarem, ao abrigo do artigo 72.°, n.os 9 e 10, do CIRS, por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes portugueses e, assim, beneficiarem do abatimento de 50 % previsto no artigo 43.°, n.° 2, desse código permite a um contribuinte não residente, como MK, escolher entre um regime fiscal discriminatório, a saber, o previsto no artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, e outro que não o é.

43 Ora, cumpre frisar a este respeito que, no caso em apreço, essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.

44 Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 63.° TFUE em razão do seu caráter discriminatório (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C 440/08, EU:C:2010:148, n.° 52).

45 Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE, no caso em apreço a livre circulação de capitais, é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C 440/08, EU:C:2010:148, n.° 53 e jurisprudência referida).

46 Daqui resulta que a escolha concedida, no litígio no processo principal, ao contribuinte não residente, de ser tributado segundo as mesmas modalidades que as aplicáveis aos contribuintes residentes, não é suscetível de tornar a restrição constatada no n.° 32 do presente acórdão compatível com o Tratado.

47 Tendo em conta todas as considerações precedentes, importa responder à questão submetida que o artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado Membro que, para permitir que as mais valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais valias realizadas por um residente do primeiro Estado Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.

(…)

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado Membro que, para permitir que as mais valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais valias realizadas por um residente do primeiro Estado Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.” (negrito e sublinhado nosso).» - fim de citação

Assim e prosseguindo no acompanhamento que fazemos à sentença, sendo esta a questão que nos vem colocada, concluímos, também nós no sentido de que é inteiramente irrelevante o facto da declaração ter sido apresentada fora de prazo, já que o regime a que apela a recorrente por ser contrário ao estipulado no artigo 63.°, lido em conjugação com o artigo 65.°, ambos do TJUE.

Também o STA teve oportunidade de se pronunciar em 09/12/2020, no âmbito do processo nº 75/20.6BALSB onde conclui que:

“III - A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou.
IV - Essa incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67- A/2007, de 31 de Dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.» - fim de citação

Face ao exposto, sem necessidade de quaisquer outras considerações, e revertendo à situação dos autos, consideramos, como o faz a sentença recorrida que não há base legal que permita à AT excluir da tributação das mais-valias o regime previsto sob o nº 2 do artigo 43º da CIRS, com o argumento da apresentação da declaração de rendimentos fora de prazo, improcedendo, sem mais, in totum as conclusões recursivas, sendo de negar provimento ao recurso, ao que se provirá na parte do dispositivo do aresto.

IV- DECISÂO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter decisão recorrida.

Custas pela recorrente

Registe e notifique

Lisboa, 18 de maio de 2023

Hélia Gameiro Silva - Relatora
Ana Cristina Carvalho – 1.ª Adjunta
Isabel Fernandes – 2.ª Adjunta
(Com assinatura digital)




(1)Ponto 2.º do probatório
(2)Aditado pela Lei n.º 64.º-A/2008, de 31 de dezembro
(3)Cfr. Acórdão do STA proferido em 29/11/2011 no processo n.º 0701/10, consultável na internet na pag. da dgsi.
(4)Ponto 1.º do probatório
(5)Idem ponto 2.º
(6)Idem, ponto 5.º e 17.º por nós aditado