Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1327/13.7 BELRA-B
Secção:CA
Data do Acordão:11/09/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:HORÁRIO 40 HORAS V. 35 HORAS
EXECUÇÃO
TRABALHO EXTRAORDINÁRIO;
Sumário:I - Para a qualificação do trabalho como extraordinário não basta que o mesmo tenha sido prestado para além do horário de trabalho, sendo necessário, entre outros requisitos, que o mesmo tenha sido prévia e expressamente autorizado pela entidade administrativa legalmente competente nos termos previstos no artigo 212º n.º 5 do RCTFP.
II – O artigo 2.° da Lei n.° 68/2013, de 29 de agosto, alterando o artigo 126.°, n.° 1, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aumentou para 8 horas o período normal de trabalho diário e para 40 horas o período normal de trabalho semanal (que eram anteriormente de 7 e 35 horas, respetivamente).
Em virtude dessa alteração legal os trabalhadores abrangidos sempre teriam de ver os seus horários alterados, sob pena de a lei não ser cumprida.
III – Tendo o período normal de trabalho vindo a ser reposto em 35 horas semanais, no caso, o Município não tinha a obrigação de atribuir qualquer indemnização aos trabalhadores enquanto diferencial remuneratório emergente de um invocado direito a trabalhar apenas 35 horas por semana, e não as 40 horas semanais legalmente previstas na Lei n.° 63/2013.
IV – Efetivamente, o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.° 68/2013, de 29 de agosto, que alterou o artigo 126.°, n.° 1, estabeleceu como período normal de trabalho o período de oito horas diárias e quarenta horas semanais.
Deste modo, uma vez que as oito horas diárias e quarenta horas semanais eram impostas por lei, independentemente do horário fixado pelo Município aos seus trabalhadores, a prestação de trabalho dentro das 8h/40h nunca poderia ser considerada como prestação de trabalho extraordinário ou suplementar, pois os trabalhadores estavam a cumprir com normal legal válida e eficaz, até que foi publicada a Lei n.° 18/2016, de 20 de junho, que veio estabelecer novo período normal de trabalho a partir de 01.07.2016, novamente as 35 horas de trabalho como limite máximo semanal dos períodos normais de trabalho.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, Subsecção Social:

I Relatório
Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local (STAL), apresentou Ação de Execução contra o Município de Rio Maior tendente à execução da sentença proferida pelo TAF de Leiria no âmbito do Proc. n.° 1327/13.7BELRA-A pela qual foi declarada a ilegalidade das normas contidas no n.° 1 do artigo 4.°, no n.° 2 do artigo 7.° e no n.° 3 do artigo 22.° do Regulamento Interno de Funcionamento, Atendimento e Horário de Trabalho da Câmara Municipal de Rio Maior, referentes à alteração do horário de trabalho dos associados do Exequente pela qual lhes foi ordenada a prestação de uma hora diária adicional.

O TAF de Leiria proferiu Sentença na presente Execução em 19 de fevereiro de 2020, na qual, a final, decidiu julgar totalmente improcedente a presente ação executiva.

Não se conformando com a referida decisão, apresentou o aqui Recorrente/Sindicato Recurso para esta instância, em 13 de março de 2020, concluindo:
“1.ª O presente recurso jurisdicional vem interposto contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria de 19 de Fevereiro de 2020 que julgou improcedente a ação executiva peia qual o Exequente requeria que – na sequência da declaração de ilegalidade das normas do Regulamento Interno de Funcionamento, Atendimento e Horário de Trabalho da Câmara Municipal de Rio Maior que ordenou a prestação de uma hora de diária adicional - fossem levados a cabo pela Entidade Executada os atos e operações necessárias ao integral cumprimento da sentença, nomeadamente o cálculo da prestação de trabalho suplementar da hora de trabalho diária indevidamente prestada pelos trabalhadores do Município de Rio Maior, seus associados.
2.ª Salvo o devido respeito, o aresto em recurso incorreu em manifesto erro de julgamento ao considerar que a execução da sentença que determinou a ilegalidade da norma regulamentar que alterou o horário de trabalho e ordenou a prestação de uma hora diária adicional não se consubstancia no direito dos associados do Exequente a serem pagos a titulo de trabalho suplementar relativamente às 5 horas semanais prestadas indevidamente.
3.ª E pacífico nos presentes autos que o Município de Rio Maior determinou unilateralmente para os seus trabalhadores o horário de trabalho a praticar e que não o poderia ter feito sem antes ouvir as comissões de trabalhadores, as comissões intersindicais ou as comissões sindicais e que, por força de uma decisão ilegal, anulada judicialmente, os associados do ora Recorrente praticaram um horário de trabalho de 40 horas semanais de 11 de Outubro de 2013 a 1 de julho de 2016.
4.ª Resulta Inequivocamente do n.º 1 do art.º 76.º do CPTA que a declaração, com força obrigatória geral, da ilegalidade da uma norma produz efeitos desde a data de emissão dessa mesma norma, o que significa que a mesma é considerada ilegal desde a data em que foi produzida.
5.ª Logo, a declaração da ilegalidade da norma regulamentar que procedeu à alteração dos horários de trabalho e impôs a prestação de mais uma hora de trabalho diário determina "eliminação dos efeitos lesivos causados pela norma na esfera jurídica do Autor" (v., n° 3 do artº 76° do CPTA), sendo manifesto que a eliminação dos efeitos lesivos causados pela norma regulamentar declarada ilegal implicará o pagamento de uma hora de trabalho extraordinário em cada dia útil desde 11 de Outubro de 2013 - data em que a norma ilegal foi emanada - até dia 1 de Julho de 2016 - data e que os associados da Exequente voltaram a trabalhar apenas 35 horas semanalmente.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, com as legais consequências.”

O aqui Recorrido/Município veio a apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 2 de julho de 2020, concluindo:
“I. Entende o Recorrido que não assiste razão ao Recorrente quando este alega que terão de existir pagamentos aos trabalhadores do Município associados ao Recorrente, pela hora de trabalho diária além do período normal de trabalho, e a título de trabalho extraordinário, para que se verifique a eliminação dos efeitos lesivos causados pela norma regulamentar ilegal;
II. A sentença que anulou uma norma administrativa e absteve-se de condenar o ora Recorrido à prática de qualquer ato, e a declaração de ilegalidade da norma regulamentar não implica, desde logo, o pagamento de uma hora de trabalho extraordinário em cada dia útil, desde o dia 13 de outubro de 2013 até ao dia 1 de julho de 2016;
III. O Recorrido tomou medidas imediatas e há muito que já não se encontravam em vigor as normas que foram consideradas ilegais, nos autos principais, pelo que estava reconstituída a situação que existia antes da prática da vigência da norma regulamentar;
IV. A Lei n.° 68/2013, de 29 de agosto, alterou o artigo 126.°, n.° 1 do RCTFP, e veio estabelecer o período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas de oito horas por dia e quarenta horas por semana, pelo que a alteração do Regulamento Interno do Município decorreu de uma imposição legal;
V. Na ação principal, foi a alteração do Regulamento que foi declarada ilegal, por violação de procedimentos administrativos, e não a norma legal que fixou as oito horas o período normal de trabalho diário e em quarenta horas o período normal de trabalho semanal, pelo que, este horário era imposto por lei, independentemente do horário fixado pelo ora Recorrido aos seus trabalhadores. Pelo que, as prestações de trabalho para além das sete horas diárias e trinta e cinco semanais, nunca poderiam ser consideradas como prestação de trabalho extraordinário ou suplementar, como pretende o ora Recorrente;
VI. A Lei n.° 18/2016, de 20 de junho, veio estabelecer novo período normal de trabalho e, a partir de 01.07.2016, veio estabelecer novamente as 35 horas de trabalho como limite máximo semanal dos períodos normais de trabalho, mas esta alteração legislativa não foi consequência da declaração de ilegalidade do Regulamento do ora Recorrido, pelo que nada se deve a título de trabalho extraordinário;
VII. Caso não se entenda pela procedência dos argumentos supra, no que não concedemos, sempre se dirá que o trabalho prestado pelos trabalhadores jamais poderia ser qualificado como trabalho extraordinário, uma vez que não cumpre com os requisitos para o efeito - n.° 5 do artigo 212.° do RCTFP e Acórdão do Tribunal central Administrativo Norte, processo n.° 03507/10.8BEPRT;
VIII. Face ao exposto, entende o Recorrido que não assiste razão ao Recorrente, pelo que bem andou a Douta Sentença, pelo que se deverá manter a mesma nos exatos termos em que foi proferida, improcedendo o Recurso. Fazendo-se assim a costumada justiça!”
O Recurso veio a ser admitido por Despacho de 10 de julho de 2020.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 16 de julho de 2020, nada veio dizer, requerer ou Promover.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar as questões recursivamente suscitadas, verificando o invocado erro de julgamento, por o Tribunal a quo considerar que a eliminação dos efeitos lesivos causados pela norma regulamentar anulada não se consubstancia no pagamento, a título de trabalho extraordinário, das horas praticadas pelos trabalhadores, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade provada:
“1. Em 17.09.2013 uma técnica superior da Entidade Executada elaborou informação com o assunto “Horário de Trabalho - Alteração” e com o seguinte teor (cf. decisão de fls. 159 e seguintes do SITAF no Proc. n.° 1327/13.7BELRA, a que os presentes autos se encontram apensos):
“Considerando a entrada em vigor da Lei n° 68/2013, de 29 de agosto, que estabelece a duração do Período Normal de Trabalho dos Trabalhadores em Funções Públicas, alterando em conformidade o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (...); Considerando que a presente Lei veio estabelecer que o período normal de trabalho de trabalhadores em funções públicas é de oito horas por dia e quarenta horas por semana; Considerando que é necessário, de acordo com a respetiva legislação em vigor proceder ao ajuste e adaptação dos Horários de Trabalho e Funcionamento, Atendimento e Horário de Trabalho da Câmara Municipal de Rio Maior;
Considerando que a presente Lei entra em vigência a partir do dia 30 de setembro de 2013; Considerando ainda o artigo 132 do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas que compete à entidade empregadora pública definir os horários de trabalho dos trabalhadores ao seu serviço;
Neste sentido e face ao exposto, coloco à Consideração Superior o que julgar conveniente em consequência das alterações surgidas com a presente lei.
(…)”
2. Em 25.09.2013 a Chefe da Unidade Administrativa e Recursos Humanos da Entidade Executada elaborou informação com o assunto “Duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas - Lei n° 68/2013, de 29 de agosto que procede à quinta alteração à Lei n.° 59/2008, de 11 de setembro, à quarta alteração ao Decreto-Lei n.° 259/98, de 18 de agosto e à quinta alteração à Lei n.° 2/2004, de 15 de janeiro”, com o seguinte teor (cf. informação de fls. 55 e seguintes do SITAF no Proc. n.° 1327/13.7BELRA, a que os presentes autos se encontram apensos):
“No dia 29 de agosto de 2013 foi publicada a Lei n.° 68/2013 que procede à alteração da duração do período normal de horário de trabalho dos trabalhadores em funções públicas e dos trabalhadores com vínculo de nomeação, para oito horas diárias e quarenta horas semanais. Esta alteração produzirá efeitos a partir de 28 de setembro nos termos do artigo 12° e prevalece sobre quaisquer leis especiais e instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, por força do disposto no seu artigo 10°.
(...) cumpre agora fazer as necessárias adaptações regulamentares para a sua correta aplicação, nomeadamente no que respeita ao regulamento interno de funcionamento, atendimento e horários de trabalho da Câmara Municipal de Rio Maior. Da aplicação da lei, como já referido, o período normal de funcionamento passará agora a ser oito horas por dia e quarenta horas por semana. Em face dessa alteração serão introduzidas no regulamento de funcionamento as respetivas adaptações que deverão ser presentes ao órgão competente para aprovação.
(...) Cabe assim aos respetivos chefes de unidade, responsáveis pelos recursos humanos que integram a mesma, efetuar o levantamento e propor a necessária adaptação, se assim o entenderem as partes, atendendo à nova realidade. (...)
Assim, e considerando que a lei terá a sua aplicação a partir de dia 8 de setembro, propõe- se:
1. Que seja elaborada circular informativa para todos os trabalhadores do novo horário rígido e que devem ser igualmente adaptados os restantes horários praticados;
2. Que os Chefes de Unidade procedam ao envio do levantamento e adaptação das modalidades de horários que diferem do horário rígido em cada uma das suas unidades, devendo estes ser devidamente justificados e aprovados;
3. Que seja dado conhecimento das alterações ora propostas ao regulamento, às estruturas representativas dos trabalhadores;
4. Que seja presente ao órgão executivo para aprovação das adaptações ao regulamento interno de funcionamento, atendimento e horários de trabalho da Câmara Municipal de Rio Maior em conformidade com a atual legislação em vigor. (...)”
3. Em 25.09.2013 a Entidade Executada emitiu circular informativa com o seguinte teor (cf. decisão de fls. 159 e seguintes do SITAF no Proc. n.° 1327/13.7BELRA, a que os presentes autos se encontram apensos):
“Informa-se todos os trabalhadores que decorrente do novo quadro legislativo que estabelece a duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas, em vigor a partir do dia 28 de setembro de 2013, o período normal de trabalho passa a ser de oito horas por dia e quarenta horas por semana.
Desta forma o horário rígido a pratica a partir do dia 28 de setembro de 2013, é o seguinte: Período da manhã - 09:00H às 13:00H / 08:00H às 12:00H Período da tarde - 14:00H às 18:00H / 13:00H às 17:00H
Os restantes horários específicos praticados pelos trabalhadores devem ser adaptados em conformidade com a lei e acordados com o respetivo dirigente da unidade para aprovação superior.”
4. Em reunião de 11.10.2013 a Câmara Municipal de Rio Maior deliberou, por maioria, aprovar “as adaptações ao regulamento interno de funcionamento, atendimento e horários de trabalho (...), em conformidade com a atual legislação em vigor” (cf. deliberação de fls. 54 do SITAF no Proc. n.° 1327/13.7BELRA, a que os presentes autos se encontram apensos);
5. Em data concretamente não determinada a Entidade Executada alterou o seu Regulamento Interno de Funcionamento, Atendimento e Horário de Trabalho, nos seguintes termos (cf. decisão de fls. 214 e seguintes do SITAF no Proc. n.° 1327/13.7BELRA-A, a que os presentes autos se encontram apensos):
“(...)
Artigo 4.°
1 - O período normal de trabalho tem a duração de 8 horas diárias e 40 horas semanais.
(...)
Artigo 7.°
(...)
2 - A prestação de 8 horas de trabalho diário é interrompida por um intervalo de descanso de duração não inferior a 1 hora nem superior a 2 horas, de modo a que os trabalhadores não prestem mais de 5 horas de trabalho consecutivo.
(…)
Artigo 9.°
(...)
2 - Horário rígido:
Período da manhã - 09:00H às 13:00H/ 08:00H às 12:00H Período da tarde - 14:00H às 18:00H / 13:00H às 17:00H (…)
Artigo 22.°
(…)
3 - Em regra, o período de atendimento ao público inicia-se às 9:00 horas e termina às 17:00 horas, com exceção dos serviços que pratiquem horários específicos, nomeadamente Biblioteca, Cineteatro, Casa Senhorial D’El Rei D. Miguel, Cemitério, Posto de Turismo e serviço da Universidade Sénior. (...)”
6. Em 09.10.2013 o Exequente apresentou neste Tribunal processo cautelar tendente à “suspensão da eficácia da decisão daquele Município que alterou o horário de trabalho dos associados do STAL e determinou que estes trabalhassem mais 1 hora por dia” (cf. requerimento de fls. 1 e seguintes do SITAF no Proc. n.° 1327/13.7BELRA, a que os presentes autos se encontram apensos);
7. Em 23.11.2013 foi proferida sentença no processo cautelar n.° 1327/13.7BELRA, na qual foi decidido “indefere-se o presente pedido de suspensão da eficácia da deliberação de 11.10.2013 da Câmara Municipal de Rio Maior” (cf. decisão de fls. 159 e seguintes do sitaf no Proc. n.° 1327/13.7BELRA, a que os presentes autos se encontram apensos);
8. Em 10.12.2013 o Exequente interpôs recurso jurisdicional da decisão referida em 7. para o Tribunal Central Administrativo Sul (cf. recurso de fls. 188 e seguintes do SITAF no Proc. n.° 1327/13.7BELRA, a que os presentes autos se encontram apensos);
9. Em 17.12.2013 o Exequente apresentou junto deste Tribunal ação administrativa especial de pretensão conexa com atos administrativos tendente à impugnação da “decisão camarária de 11 de outubro de 2013 que alterou o horário de trabalho dos associados do Autor e determinou que estes trabalhassem mais uma hora por dia” (cf. petição de fls. 1 e seguintes do SITAF no Proc. n.° 1327/13.7BELRA-A, a que os presentes autos se encontram apensos);
10. Em 06.03.2014 o Tribunal Central Administrativo Sul prolatou acórdão no recurso referido em 8., no qual foi decidido “negar provimento ao recurso, com fundamentação parcialmente distinta da recorrida” (cf. acórdão de fls. 240 e seguintes do SITAF no Proc. n.° 1327/13.7BELRA, a que os presentes autos se encontram apensos);
11. Em 09.09.2015 foi proferida decisão no Proc. n.° 1327/13.7BELRA-A na qual pode ler-se, com relevo, o seguinte (cf. decisão de fls. 214 e seguintes do SITAF no Proc. n.° 1327/13.7BELRA-A, a que os presentes autos se encontram apensos):
“Em face do exposto, decide-se julgar a presente ação totalmente procedente e, em consequência:
a) Declarar a ilegalidade - com efeitos circunscritos aos trabalhadores do Município de Rio Maior associados do Autor - das normas contidas nos artigos 4.°/1, 7.°/2, 9.°/2 e 22.°/3 do designado «Regulamento Interno de Funcionamento, Atendimento e Horário de Trabalho da Câmara Municipal de Rio Maior»; (…)”
12. Em 19.10.2015 a Entidade Executada apresentou recurso da decisão referida em 11. (cf. reclamação de fls. 240 e seguintes, e despachos de fls. 261 e 284, todas do SITAF no Proc. n.° 1327/13.7BELRA-A, a que os presentes autos se encontram apensos);
13. Em 19.01.2017 o Tribunal Central Administrativo Sul prolatou acórdão no recurso referido em 12. no qual decidiu “negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida com a fundamentação supra expressa” (cf. acórdão de fls. 311 e seguintes do SITAF no Proc. n.° 1327/13.7BELRA-A, a que os presentes autos se encontram apensos);
14. Os associados do A..........., A.M……, M……, A.J.........., J….., C….., C.M…., D…., C. J…., E….., E.F…., F……, G….., H….., I…., J.J…., J.F…., J.M….., L….., L.J….., L. M….., L.J….., L.S….., M.A….., M.C….., M.H……, M.P……., M.S…., M.M…., S……, M.J….., M. J.M…., P….., M. L…., M. F…., N….., P……, P.A…., S. C…., S. M…., S.S…., V.M…, V. F…. e V. R…. são trabalhadores da Entidade Executada (cf. requerimento do Exequente de 20.01.2020, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

IV – Do Direito
No que ao “direito” concerne, no que aqui releva discorreu-se no discurso fundamentador da decisão recorrida:
“(…) Através da presente ação executiva de julgado anulatório, pretende o Exequente que seja integralmente executada a sentença, posteriormente confirmada em sede de recurso, proferida por este Tribunal no âmbito do Proc. n.° 1327/13.7BELRA-A, na qual foi declarada a ilegalidade das normas contidas no n.° 1 do artigo 4.°, no n.° 2 do artigo 7.° e no n.° 3 do artigo 22.° do Regulamento Interno de Funcionamento, Atendimento e Horário de Trabalho da Câmara Municipal de Rio Maior, todas referentes à alteração do horário de trabalho dos associados do Exequente pela qual lhes foi ordenada a prestação de uma hora diária adicional.
Pede, em concreto, que sejam levados a cabo os atos e operações necessários ao integral cumprimento daquele julgado anulatório dentro de prazo fixado para o efeito, fixando-se sanção pecuniária compulsória. Mais se retira do requerimento executivo que a execução integral do julgado passa pelo cálculo da prestação de trabalho suplementar de uma hora de trabalho diária além do período normal de trabalho, bem como pelo pagamento dos montantes devidos a título de trabalho suplementar, a todos os trabalhadores seus associados e em exercício de funções na Entidade Executada, melhor identificados no ponto n.° 14. da fundamentação de facto.
Para a obtenção do efeito pretendido alega, em síntese, que a Entidade Executada não procedeu à execução da sentença proferida em sede declarativa, posteriormente confirmada em sede de recurso por acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, não tendo igualmente invocado a existência de causa legítima de inexecução.
Refere por seu turno a Entidade Executada que as ilegalidades cometidas foram sanadas pela declaração de ilegalidade das supra referidas normas, nada havendo a executar a este propósito atenta a reposição da legalidade. Mais alega que o Exequente não tem direito à execução nos termos pretendidos, atenta a qualidade na qual litiga, de representante de uma coletividade de trabalhadores de número indeterminado e indeterminável.
Vejamos então os efeitos jurídicos da sentença anulatória proferida no âmbito do Proc. n.° 1327/13.7BELRA-A, por forma a assim verificar quais os atos que deveriam ser realizados pela Entidade Executada em cumprimento e execução da mesma.
Conforme resulta do ponto n.° 13. do probatório, na sentença cuja execução o Exequente ora promove decidiu este Tribunal “declarar a ilegalidade - com efeitos circunscritos aos trabalhadores do Município de Rio Maior associados do Autor - das normas contidas nos artigos 4.°/1,1.°I2, 9.0/2 e 22.°/3 do designado «Regulamento Interno de Funcionamento, Atendimento e Horário de Trabalho da Câmara Municipal de Rio Maior»”.
Trata-se, pois, de uma sentença anulatória de norma administrativa, que se absteve de condenar a Entidade Executada à prática de qualquer ato.
Ora, os efeitos das sentenças anulatórias encontram-se previstos no CPTA, dispondo o seu artigo 173.°, na redação aplicável, sob a epígrafe “Dever de executar”, o seguinte:
1 - Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a Administração pode ficar constituída no dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa que não envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como no dever de remover, reformar ou substituir atos jurídicos e alterar situações de facto que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação. (…)”
A propósito dos efeitos das sentenças anulatórias, é ainda de tomar em consideração o referido no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.01.2007 (proferido no Proc. n.° 040201A, no qual são explicitados os efeitos da sentença anulatória de forma clara e concisa, aí sendo afirmado que: “I - A sentença anulatória de um ato administrativo tem um efeito constitutivo, que, em regra, consiste na invalidação do ato impugnado, fazendo-o desaparecer do mundo jurídico desde o seu nascimento. Tem, também, um outro efeito, próprio de toda e qualquer sentença de um tribunal, seja qual for a natureza deste, que advém da força do caso julgado, apelidado de efeito conformativo (também designado de preclusivo ou inibitório), que exclui, no mínimo, a possibilidade de a Administração reproduzir o ato com os mesmos vícios individualizados e condenados pelo juiz administrativo. Ainda, um outro efeito, existe que é o da reconstituição da situação hipotética atual (também chamado efeito repristinatório, efeito reconstitutivo ou reconstrutivo da sentença). Segundo este princípio, a Administração tem o dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o ato ilegal ou se o ato tivesse sido praticado sem a ilegalidade. Finalmente, por a Administração não querer, não saber ou não poder, proceder à reconstituição da situação que era definida pelo julgado anulatório, nada mais restando ao administrado, ao abrigo do quadro normativo definido (art°173° n°1 do CPTA), do que ir novamente ao tribunal solicitar a execução do julgado. São os designados efeitos ultraconstitutivos da sentença de anulação, que se manifestam hoje no processo de execução de julgados, pelo qual os interessados podem obter a especificação do conteúdo dos atos e operações a adotar pela Administração e o prazo para a sua prática (art°179° n°1 do CPTA), a declaração de nulidade dos atos desconformes com a sentença e a anulação dos que mantenham, sem fundamento válido, a situação ilegal (...)
Transpondo este entendimento para o caso em apreço, cumpre referir que a execução da sentença exequenda que anulou as normas do Regulamento Interno que acima identificámos implicaria que o Município tivesse de colocar os seus trabalhadores abrangidos pelo efeito anulatório da sentença proferida na situação em que os mesmos se deveriam encontrar caso a norma ilegal “não tivesse sido praticado, ou tivesse sido praticado sem a ilegalidade”.
Ora, as normas declaradas ilegais pela sentença exequenda foram o n.° 1 do artigo 4.°, o n.° 2 do artigo 7.°, o n.° 2 do artigo 9.° e o n.° 3 do artigo 22.°, todos do Regulamento Interno do Município Executado, e por força dessa declaração de ilegalidade o horário dos trabalhadores aos quais a mesma foi circunscrita tinham, pois, direito à reposição da situação que existiria se tal ato não tivesse sido aprovado, ou se o tivesse sido expurgado dos vícios de que padecia.
Sucede porém que o então vigente Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), aprovado pela Lei n.° 59/2008, de 11 de setembro, distinguia claramente duas realidades que são essenciais para se estabelecer qual a situação a repor - o período normal de trabalho e o horário de trabalho.
O período normal de trabalho era definido pelo artigo 120.° do RCTFP, que estabelecia que o “tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana, denomina-se período normal de trabalho”.
Por seu turno, o horário de trabalho era definido pelo n.° 1 do artigo 121.° do mesmo RCTFP que referia que deve entender-se “por horário de trabalho a determinação das horas do início e do termo do período normal de trabalho diário, bem como dos intervalos de descanso”.
Assim, o período normal de trabalho correspondia ao número de horas pelas quais o trabalhador estava obrigado a prestar o seu trabalho, quer diariamente, quer semanalmente, ao passo que o horário de trabalho indicava, de forma precisa, e com respeito pelo período normal de trabalho, a que horas concretas, diária e semanalmente, deveria iniciar-se e acabar a respetiva prestação laboral, além dos intervalos de descanso.
E o período normal de trabalho, nos seus limites máximos, é definido pelo legislador, encontrando- se, à data da prática do ato declarado ilegal pela sentença exequenda, previsto no RCTFP no n.° 1 do seu artigo 126.°, ao passo que o horário de trabalho em que deve ocorrer a prestação do trabalho era concretamente definido pela entidade empregadora, tal como prescrito no artigo 132.° do RCTFP.
Ora, antes da entrada em vigor da Lei n.° 68/2013 de 29/08 o artigo 126.° do RCTFP estabelecia que o período normal de trabalho era de sete horas diárias e trinta e cinco horas semanais. Sucede que a Lei n.° 68/2013, de 29 de agosto, alterou o n.° 1 do artigo 126.° do RCTFP, e aumentou para oito horas o período normal de trabalho diário e para quarenta horas o período normal de trabalho semanal, tendo sido em face dessa alteração legal ao período normal de trabalho que foi a alteração ao Regulamento Interno do Município, acima refletida no ponto n.° 5. do probatório, através da qual vieram a ser alterados os horários de trabalho dos seus trabalhadores.
Ora, foi alteração regulamentar, relativa aos horários de trabalho, que foi declarada ilegal pela sentença exequenda, com efeitos circunscritos aos associados do Exequente, e não a norma legal que fixou em oito horas o período normal de trabalho diário em quarenta horas o período normal de trabalho semanal Significa isto que o que foi declarado ilegal pela sentença exequenda foi o concreto horário de trabalho no qual os trabalhadores do Município Executado associados do Exequente deviam prestar o trabalho, e não o período normal de trabalho legalmente fixado.
Dessa feita, a reposição na situação que existiria caso o ato declarado ilegal não tivesse sido praticado, não alterou em nada a previsão legal do período normal de trabalho para esses trabalhadores de oito horas diárias e de 40 horas semanais, já que a fixação desse período normal independia do concreto horário fixado pela entidade empregadora para a realização da prestação laboral.
A reposição da situação que deveria existir dependia, sim, da adoção pela Entidade Executada de um horário de trabalho com observância das vinculações legais devidas para a sua adoção, que acomodasse o período normal de trabalho para esses trabalhadores de oito horas diárias e de 40 horas semanais, e não a repristinação de um horário de 35 horas semanais para os mesmos.
Termos nos quais não pode colher o pretendido pelo Exequente a esse respeito, como aliás tem vindo a ser reiteradamente decidido e defendido pela jurisprudência deste Tribunal em ações executivas propostas pelo Exequente contra vários Municípios, como sejam, a título exemplificativo, o Proc. n.° 1320/13.0BELRA-B, e o Proc. n.° 1315/13.3BELRA-B.
Atento o exposto, não pode colher a linha de argumentação sustentada pelo Exequente de que os seus associados teriam direito ao pagamento a título de trabalho suplementar ou horas extraordinárias das horas prestadas, além das sete horas diárias e trinta e cinco horas semanais desde 11.10.2013, data da deliberação camarária que aprovou as alterações aos horários de trabalho acima referidas, até 01.07.2016 - desde logo porque desde a entrada em vigor da Lei n.° 68/2013, de 29 de agosto até 01.07.2016, esteve em vigor o período normal de trabalho de 8 horas diárias e 40 horas semanais, data em que entrou em vigor a Lei n.° 18/2016, de 20 de junho, que veio novamente prever no seu artigo 1.° “(...) as 35 horas de trabalho como limite máximo semanal dos períodos normais de trabalho, alterando a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (...)”, entretanto aprovada pela Lei n.° 35/2014, de 20/06 que sucedeu ao RCTFP.
Assim sendo, dependendo a fixação do período normal de trabalho dos trabalhadores de oito horas diárias e 40 horas semanais de imposição legal, independentemente do horário de trabalho fixado pela entidade patronal, a prestação das mesmas nunca poderia ser considerada como prestação de trabalho extraordinário ou suplementar, uma vez que tal alteração legislativa independe do concreto horário fixado aos trabalhadores da Entidade Executada associados do Exequente.
Acresce que o Exequente não alega nem concretiza quaisquer danos sofridos pelos seus associados decorrentes do horário específico em que tiveram de prestar à sua entidade empregadora o período normal de trabalho definido por lei.
Termos nos quais será de julgar a presente execução improcedente, com a consequente absolvição da Entidade Executada dos pedidos nesta sede formulados, incluindo o de fixação de sanção pecuniária compulsória, que por maioria de razão naturalmente improcede também, o que a final se determinará.”

Vejamos:
Alega o Recorrente que existe erro de julgamento pelo Tribunal quo por considerar que a eliminação dos efeitos lesivos causados pela norma regulamentar ilegal não se consubstancia no pagamento, a título de trabalho extraordinário, das horas acrescidas praticadas pelos trabalhadores.

Fundamenta-se que, “a declaração de ilegalidade da norma regulamentar que procedeu à alteração dos horários de trabalho e impôs a prestação de mais uma hora de trabalho diária determina “eliminação dos efeitos lesivos causados pela norma na esfera jurídica do Autor” (v, n.° 3 do art° 76° do CPTA), sendo manifesto que a eliminação dos efeitos lesivos causados pela norma regulamentar declarada ilegal implicará o pagamento de uma hora de trabalho extraordinário em cada dia útil desde 11 de Outubro de 2013 - data em que a norma ilegal foi emanada - até dia 1 de Julho de 2016 - data em que os associados da Exequente voltaram a trabalhar apenas 35 horas semanalmente."

O Recorrente vem através dos presentes autos de execução requerer que sejam efetuados os atos e operações necessários ao integral cumprimento do Acórdão proferido pelo TCAS, de 19 de janeiro de 2017, dentro de prazo fixado para o efeito, fixando-se sanção pecuniária compulsória, e ainda requer que seja efetuado o cálculo da prestação suplementar de uma hora de trabalho diária além do período normal de trabalho, bem como o pagamento dos montantes devidos a título de trabalho suplementar, a todos os trabalhadores seus associados e em exercício de funções no Recorrente.

Efetivamente, o Tribunal a quo, nos autos principais, a que os presentes se encontram apensos, proferiu sentença anulatória onde declara a ilegalidade das normas contidas no Artigo 4.°, n.° 1, no Artigo 7.°, n.° 2 e no Artigo 22.°, n.° 3, do Regulamento Interno de Funcionamento, Atendimento e Horário de Trabalho da Câmara Municipal de Rio Maior, com efeitos circunscritos aos trabalhadores do Município associados ao Recorrente.

Estamos perante uma sentença que anulou uma norma regulamentar administrativa, abstendo-se de condenar o ora Recorrido à prática de qualquer ato.

Ao contrário do que refere o Recorrente, a declaração de ilegalidade da norma regulamentar não implica o pagamento de uma hora de trabalho extraordinário em cada dia útil, desde o dia 13 de outubro de 2013 até ao dia 1 de julho de 2016, tanto mais que como se sumariou no Acórdão do TCAN nº 03507/10.8BEPRT, de 26-05-2017, “Para a qualificação do trabalho como extraordinário não basta que o mesmo tenha sido prestado para além do horário de trabalho, sendo necessário, entre outros requisitos, que o mesmo tenha sido prévia e expressamente autorizado pela entidade administrativa legalmente competente nos termos previstos no artigo 212º n.º 5 do RCTFP”.

Ao contrário do que pretende o Recorrente, ora Exequente, a reconstituição da situação que existira se o ato anulado não tivesse sido praticado, seria a renovação desse mesmo ato pelo órgão competente, mediante a audição da comissão de trabalhadores ou, na sua falta, da comissão sindical ou intersindicais ou os delegados sindicais, ao abrigo do citado art. 135.°, n.° 2, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, tudo, conforme decorre da sentença declarativa exequenda, pois que o que Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas estabelecia que o período normal de trabalho, nos seus limites máximos, é definido pelo legislador, ao passo que o horário de trabalho era definido pela entidade empregadora (cf. os seus artigos 126.°, n.° 1, e 132.°, n.° 1).

Contudo, o artigo 2.° da Lei n.° 68/2013, de 29 de agosto, alterando o artigo 126.°, n.° 1, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aumentou para 8 horas o período normal de trabalho diário e para 40 horas o período normal de trabalho semanal (que eram anteriormente de 7 e 35 horas, respetivamente).

Em virtude dessa alteração legal é apodítico que os trabalhadores da entidade demandada, entre os quais os associados do aqui autor, teriam de ver os seus horários alterados, sob pena de a lei não ser cumprida, pelo que é falacioso afirmar que o Município tenha acrescentado uma hora por dia aos horários dos seus trabalhadores, uma vez que esse aumento resultou diretamente da Lei n.° 68/2013, de 29 de Agosto, que fixou em 8 horas o período normal de trabalho, o qual, até aí, era de 7 horas.

Não foi, pois, o ato objeto de impugnação objeto da sentença exequenda que o declarou ilegal por incompetência e preterição da audição das estruturas representativas dos trabalhadores, que introduziu qualquer alteração na duração do período normal de trabalho dos associados do Exequente, ora Recorrente, mas sim a Lei n.° 63/2013, que aquele aplicou.

Neste pressuposto, atentemos que resultava da Lei n.° 68/2013, de 29.08, as 40 horas de trabalho por semana.
Resulta dos autos que o período normal de trabalho correspondente a 35 horas semanais foi reposto, razão pela qual nenhum erro se pode aprioristicamente apontar à sentença recorrida ao julgar improcedente a pretensão do Exequente de que os seus associados viessem a obter, por via desta ação executiva o pagamento de qualquer diferencial remuneratório emergente de um invocado direito a trabalhar apenas 35 horas por semana, e não as 40 horas semanais legalmente previstas na Lei n.° 63/2013, por manifesto erro na definição do período temporal em causa.

No caso em apreço, acresce, ainda, não ser irrelevante o facto de a ilegalidade que foi imputada ao ato impugnado na sentença declarativa exequenda, resultar de vícios formais, em face do que, sempre a renovação do ato, com o mesmo conteúdo - o de fixar um horário de trabalho dentro do período normal de trabalho de 40 horas, fixado na Lei n.° 63/2013, então vigente, faria claudicar, também por falta de nexo de causalidade, a pretensão do Exequente, de que, não fora a ilegalidade de que padecia o ato impugnado, e os seus associados não teriam sido destinatários de um período normal de trabalho de 40 horas.

Para acomodar esta conclusão, importa ter presente o conteúdo do «Dever de executar» das sentenças de anulação, para o que rege o art. 173.° do CPTA, na versão em vigor à data em que a presente ação executiva deu entrada em tribunal, nos termos seguintes:
«1 - Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a Administração pode ficar constituída no dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa que não envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como no dever de remover, reformar ou substituir atos jurídicos e alterar situações de facto que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação. (...)»

É unânime e consensual a jurisprudência dos tribunais superiores no sentido de que:
«I- Na execução de sentença anulatória de ato administrativo, o critério a seguir não é necessariamente o da reposição da situação anterior à prática do ato ilegal, mas o da reconstituição da situação atual hipotética.
II- Se o fundamento da anulação for a existência de um vício de legalidade externa, como, por exemplo, o de forma por falta de fundamentação, o ato anulado considera-se renovável.
III- Nesse caso, a execução do julgado cumpre-se com o expurgo da violação detetada, isto é, com a prolação de novo ato (renovador), mas sem o vício que caracterizava o anterior(renovado).
IV- Os atos que deem execução a decisões anulatórias de atos administrativos renováveis não têm, geralmente, eficácia retroativa (art. 128°, n°1, al. b), “in fine", do CPA).»

Por seu turno, Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, sobre esta questão, aduzem cristalinamente que «resulta do n.° 1, os deveres em que a Administração pode ficar constituída por efeito da anulação de um ato administrativo podem situar-se em três planos: (a) reconstituição da situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação; (b) cumprimento tardio dos deveres que a Administração não cumpriu durante a vigência do ato ilegal, porque este ato disso a dispensava; (c) eventual substituição do ato ilegal, sem reincidir nas ilegalidades anteriormente cometidas.
Note-se que a eventual substituição do ato ilegal por outro com idêntico conteúdo, no reexercício do mesmo poder de definição jurídica (renovação do ato anulado), quando se mostre concretamente possível, pode ter o alcance de dispensar, total ou parcialmente, a Administração de cumprir aquele primeiro tipo de dever. Porém, na medida em que essa substituição não tenha efetivamente lugar, prevalece o efeito repristinatório da anulação, com o consequente dever de reconstituição da situação jurídica que existiria sem o ato anulado, nem qualquer outro que o substitua. Esta é, com efeito, a execução do efeito repristinatório, que dá corpo ao efeito diretamente introduzido pela anulação, em contraponto com a qual a eventual renovação do ato sem reincidências nos vícios anteriormente cometidos é algo com que a sentença de anulação se compadece, que não ofende o respetivo caso julgado, mas não é algo que dê corpo à anulação. A reconstituição da situação que existiria sem o ato anulado, nem qualquer outro que o substitua (execução do efeito repristinatório), tem, assim, prioridade lógica sobre a eventual renovação daquele ato, no reexercício do mesmo poder de definição jurídica. Pode, na verdade, dizer-se que “a conformação, por parte da Administração, com a anulação decretada pelo tribunal concretiza-se no cumprimento dos deveres decorrentes da repristinação operada pela sentença, salvo o reexercício do poder, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado": a efetiva renovação do ato inválido constitui, assim, um limite potencial que pode sobrepor-se aos deveres de conteúdo repristinatório que, na esfera jurídica da Administração, diretamente emergem da anulação».

Ora, foi isto, efetivamente, que sucedeu no caso concreto.

Para que não possam subsistir quaisquer duvidas, reafirma-se que foi o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.° 68/2013, de 29 de agosto, que alterou o artigo 126.°, n.° 1, estabelecendo como período normal de trabalho o período de oito horas diárias e quarenta horas semanais.

Efetivamente, o artigo 2.° da Lei n.° 68/2013, de 29 de agosto estabeleceu o seguinte:
“1 - O período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas é de oito horas por dia e quarenta horas por semana.
2 - Os horários específicos devem ser adaptados ao período normal de trabalho de referência referido no número anterior.
3 - O disposto no n.° 1 não prejudica a existência de períodos normais de trabalho superiores, previstos em diploma próprio."

Ora, foi face a esta alteração legal ao período normal de trabalho que foi efetuada a alteração ao Regulamento Interno do Município e, consequentemente, alterados os horários dos trabalhadores

Como bem se referiu na Sentença Recorrida, foi a alteração do Regulamento que foi declarada ilegal pela sentença proferida nos autos principais e não a norma legal que fixou as oito horas o período normal de trabalho diário e em quarenta horas o período normal de trabalho semanal.

Assim, temos que a norma legal que estabelece as oito horas diárias e quarenta horas semanais manteve-se em vigor, e o período normal de trabalho legalmente fixado estava estabelecido.

É incontornável que a invalidade de uma norma do Regulamento, pelos fundamentos que são conhecidos na ação principal, não tem qualquer efeito sobre a norma do RCTFP, que manteve as oito horas diárias de trabalho e as quarenta horas semanais.

Assim, uma vez que as oito horas diárias e quarenta horas semanais eram impostas por lei, independentemente do horário fixado pelo ora Recorrido aos seus trabalhadores, a prestação de trabalho dentro das 8h/40h nunca poderia ser considerada como prestação de trabalho extraordinário ou suplementar, como pretende o ora Recorrente, pois os trabalhadores estavam a cumprir com normal legal válida e eficaz.

Por sua vez, a Lei n.° 18/2016, de 20 de junho, veio estabelecer novo período normal de trabalho, estabelecendo a partir de 01.07.2016, novamente as 35 horas de trabalho como limite máximo semanal dos períodos normais de trabalho.

Contudo, a alteração legislativa ocorrida em 01.07.2016, também não foi consequência da declaração de ilegalidade do Regulamento do ora Recorrido, pelo que nada deve o ora Recorrido aos trabalhadores associados ao Recorrente, a título de trabalho extraordinário.

Face ao exposto, e em linha com o já decidido neste Tribunal pelo Acórdão nº 1320/13.0BELRA-B, de 11 de maio de 2023, entende-se que não assiste razão ao Recorrente, pelo que bem andou a Sentença, devendo manter-se a mesma nos exatos termos em que foi proferida, improcedendo o alegado pelo Recorrente.
* * *
Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo, subsecção Social deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo da isenção de que beneficia (cfr. art. 527.°, n.°s 1 e 2 do CPC, art.s 4.°, n.° 1, alínea f), 7.°, n.° 4 e 11.°, do RCP, Tabelas I e II, art. 189.° do CPTA e art. 338.°, n.° 3, da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas).

Lisboa, 9 de novembro de 2023
Frederico de Frias Macedo Branco

Carlos Araújo

Rui Pereira