Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:28/15.6 BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/02/2023
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:TAXA PELO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE DE FORNECEDOR DE REDES E SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES ELETRÓNICAS
CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
Sumário:I - A taxa anual devida pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas tem natureza de contribuição financeira.
II - As normas constantes dos n.ºs 1, 4 e 5 Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na parte em que determinam a incidência objetiva e a taxa a aplicar em relação aos fornecedores de redes e de comunicações eletrónicas enquadrados no “escalão 2”, padecem de inconstitucionalidade orgânica, por violação das disposições conjugadas da alínea i) do n.º 1 do art.º 165.º e do n.º 2 do art.º 266.º da CRP.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

I. RELATÓRIO

A Autoridade Nacional de Comunicações (doravante Recorrente ou ANACOM) veio recorrer da sentença proferida a 19.05.2022, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada pela V..... – C...., S.A. (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto a liquidação da taxa anual devida pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas, referente ao ano de 2013.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“1.ª Devem ser aditados ao probatório os factos indicados sob os nºs 21 e 22 das presentes alegações;

2.ª A questão do tratamento das provisões como custos administrativos de regulação não pode ser encarada sem ter em conta a utilização da contabilidade das Autoridades Reguladoras Nacionais (ARNs) como instrumento privilegiado de apuramento dos custos administrativos decorrentes da gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral;

3.ª Estando obrigada a provisionar um pedido de indemnização decorrente da sua atividade de regulação e – segundo o entendimento sufragado pela sentença recorrida – estando impedida de fazer refletir tal provisão nas taxas de regulação (que visam a recuperação dos custos administrativos) a ANACOM não teria outra alternativa senão a de recorrer ao financiamento do Estado, pondo em causa a sua independência financeira, consagrada no artigo 5.º, n.º 2 dos respetivos Estatutos (aprovados pelo Decreto-Lei n.º 39/2015, de 16 de março, bem como no artigo

4.º dos anteriores estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 309/2001, de 7 de dezembro), no artigo 3.º, n.º 3 da diretiva quadro e no artigo 4.º, n.º 2, alínea a) da LCE; … 4.ª … e o modelo de autofinanciamento da regulação (através de receitas obtidas junto do próprio sector regulado) consagrado no artigo 105.º, n.º 1, alínea b), e nºs 4 e 5, da LCE e, posteriormente, no artigo 6.º, n.º 3, alínea c) da Lei-quadro das entidades reguladoras (aprovada pela Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, alterada pela Lei n.º 12/2017, de 2 de maio) e no artigo 38.º, n.º 1 dos estatutos da ANACOM, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 39/2015, de 16 de março, bem como no artigo 43.º dos anteriores estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 309/2001, de 7 de dezembro;

5.ª Embora uma provisão seja, por definição, constituída para salvaguardar riscos futuros e assente num juízo de probabilidade quanto a um eventual exfluxo de recursos baseada numa estimativa fiável da quantia da obrigação (cf. Norma Contabilística e de Relato Financeiro [NCR21, §13]) não deixa de ser um gasto, com impacto nas demonstrações financeiras da entidade, sendo fiscalmente dedutível e afetando os resultados do exercício;

6.ª A ANACOM não só tem a necessidade de constituir provisões, como tem que assegurar ex ante os respetivos meios de financiamento, o que só pode fazer através da taxa de regulação impugnada nos presentes autos;

7.ª Num sistema de autofinanciamento (associado à independência financeira da entidade reguladora) e de partilha dos custos da regulação entre os regulados, não se vê que outra alternativa existiria ao financiamento da responsabilidade emergente de atos praticados no exercício da atividade de regulação que não fosse a taxa de regulação;

8.ª Ao contrário do afirmado a págs. 38-40 da sentença recorrida, as provisões, uma vez reconhecidas e registadas, são gastos como quaisquer outros, afetando os resultados do exercício;

9.ª Em face da jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul (acórdão de 7.02.2012, processo n.º 04690/11, acórdão de 14.04.2015, processo n.º 00840/05 e acórdão de 10.07.2015, processo n.º 08473/15) e tendo presente o conceito fiscal de custo, que se projeta como elemento negativo na conta de resultados, afigura-se manifestamente incorreta a asserção constante da sentença recorrida, segundo a qual um gasto decorrente de uma eventual atuação ilegal por parte da ANACOM não corresponderia a um custo administrativo (pp. 38-40 da sentença recorrida);

10.ª Nos termos da Norma Contabilística e de Relato Financeiro 21 (§13) o valor da provisão deve ser reconhecido em termos contabilísticos, quando se verifiquem, cumulativamente a seguintes condições:

− Uma entidade tenha uma obrigação presente (legal ou construtiva) como resultado de um acontecimento passado;

− Seja provável a saída de recursos (exfluxo) que incorporam benefícios económicos futuros para liquidar a obrigação; e

− Possa ser feita uma estimativa fiável da quantia da obrigação (cf. [NCR21, §13]).

11.ª No caso das provisões para processos judiciais em curso relacionados com a atividade de regulação do sector das comunicações eletrónicas, ocorrem estas três condições em simultâneo, pelo que tais provisões não poderiam deixar de ser reconhecidas como gasto ou custo administrativo da ANACOM e, enquanto tal, como uma das componentes do universo dos custos administrativos de regulação de setor das comunicações eletrónicas;

12.ª Para este efeito pouco importa se as provisões se relacionam com atos de regulação ou com a liquidação das taxas de regulação propriamente ditas (aspeto aflorado na sentença, quando refere que a atuação ilegal não é o resultado da prestação de um serviço – p. 38) porque o seu reconhecimento e registo contabilístico não pode deixar de se considerar como gasto ou custo administrativo de regulação, integrando, nessa medida, o bloco de custos que importa recuperar junto do setor regulado;

13.ª A inclusão das provisões para efeitos de apuramento dos encargos administrativos que podem ser impostos às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas decorre, desde logo e em primeira linha, do referencial contabilístico aplicável à ANACOM e da utilização da respetiva contabilidade para efeitos de apuramento dos gastos [custos] administrativos de regulação do sector das comunicações eletrónicas;

14.ª O TJUE já se pronunciou por diversas vezes sobre a interpretação do artigo 12.º da Diretiva Autorização e, embora afirme a natureza limitada dos custos administrativos suscetíveis de cobertura pelas taxas de regulação (cf. considerandos 22, 23 e 27 do acórdão Telefónica proferido em 21 de julho de 2011 no processo C-284/10, considerandos 21 a 25 do acórdão Vodafone Malta de 27 de junho de 2013, proferido no processo nº C-71/12 e considerandos 36 e 38 a 42 do acórdão Vodafone Omnitel de 18 de julho de 2013, proferido nos processos apensos nºs C-228/12 a C-232/12 e C-254/12 a C-258/12) nunca se pronunciou explicitamente sobre a questão de saber se os custos com provisões se enquadram no conceito de custos administrativos relacionados com a adoção, gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral, nem o faz no despacho de 29 de abril de 2020, em cuja fundamentação se apoia a sentença recorrida;

15.ª No acórdão Vodafone Omnitel de 18 de julho de 2013, o TJUE afirmou claramente que os custos elegíveis para efeitos de financiamento através dos encargos administrativos a que se refere aquele artigo 12.º compreendem a totalidade dos custos resultantes das atividades mencionadas na alínea a) do n.º 1 daquela disposição de direito da União Europeia e não apenas uma parte (cf. considerandos 38, 41, 42 e 43 do acórdão de 18 de julho de 2013);

16.ª Pese embora atribua efeito limitativo à alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º da Diretiva Autorização, o TJUE não deixa de referir que todas as despesas relacionadas com as atividades mencionadas na referida alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º da Diretiva Autorização, podem ser cobertas pelos encargos administrativos impostos às empresas que ofereças serviços ou redes ao abrigo da autorização geral ou às quais foi concedido um direito de utilização;

17.ª Recentemente, o TJUE teve oportunidade de confirmar que os custos com as atividades de gestão, de controlo e de aplicação do regime de autorização geral, bem como com as atividades de gestão, de controlo e de aplicação das obrigações específicas, incluindo as obrigações que podem ser impostas aos fornecedores designados para prestar o serviço universal, podem ser cobertos pelos encargos administrativos a que se refere o artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização (cf. considerando 39 do Despacho de 29 de abril de 2020, proferido no processo n. º C-399/19);

18.ª Esta resposta, ao contrário do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, permite concluir que as três categorias de custos administrativos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º da Diretiva Autorização podem ter uma vocação expansiva intrínseca, na medida em que cada uma delas envolve uma vasta categoria de tarefas a cargo das Entidades Reguladoras Nacionais;

19.ª No entender da ANACOM, ora Recorrente, a referência genérica à gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral constante do artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização, compreende os custos incorridos com a constituição de provisões para processos judiciais em curso relacionados, justamente, com a gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral;

20.ª A formulação do artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da diretiva autorização confere uma larga margem de apreciação aos Estados, quer quanto à decisão de instituir um sistema de repartição dos encargos administrativos pelos operadores, quer quanto à seleção do universo de custos administrativos a abranger por esse sistema, os quais podem ir desde os custos de cooperação internacional, harmonização e normalização, aos custos com a análise de mercados, com a vigilância do cumprimento e outros tipos de controlo do mercado, incluindo o trabalho de regulação que envolva a preparação e execução de legislação derivada e decisões administrativas, como decisões em matéria de acesso e de interligação (cf. considerando 40 do Despacho de 29 de abril de 2020, proferido no processo n.º C-399/19);

21.ª Se todas as atividades de regulação são suscetíveis de controlo jurisdicional (cf. artigo 4.º da Diretiva-Quadro e artigo 13.º da LCE) seria manifestamente absurdo considerar tais atividades elegíveis para efeitos de partilha dos custos administrativos da regulação entre operadores quando as mesmas se desenvolvem de modo normal, e já não as considerar elegíveis para efeitos de partilha dos custos administrativos da regulação entre operadores quando se desenvolvem de modo patológico, maxime se e quando a ANACOM fosse condenada a pagar indemnizações por atos de regulação ilegais, sustentando que, nesses casos, deve ser a generalidade dos contribuintes a suportar tais custos;

22.ª A taxa de regulação em apreciação nos presentes autos é a única fonte de financiamento de que a ANACOM dispõe para suportar os custos com a atividade de regulação económica do setor das comunicações eletrónicas, internalizando esses custos no próprio setor

23.ª Caso a ANACOM não possa repercutir nas taxas de regulação das comunicações eletrónicas os custos com a constituição de provisões ligadas à regulação do setor, o efeito financeiro daí adveniente projetar-se-ia nos resultados que podem ser transferidos para o Estado;

24.ª Caso se excluíssem as provisões da base dos gastos administrativos de regulação – como foi decidido pelo Tribunal a quo – não existiria uma correspondência integral entre os custos de regulação e a receita da taxa, pondo em causa o princípio da orientação para os custos, uma vez que todos os custos decorrentes de situações patológicas não seriam internalizados pelo setor, ficando a cargo do Estado, isto é, da generalidade dos contribuintes, quer através da mobilização das receitas da taxa de utilização do espetro radioelétrico, quer através de dotações orçamentais específicas;

25.ª A exclusão das provisões da base dos gastos administrativos de regulação não proporcionaria uma recuperação integral de todos os custos suportados com a regulação do setor, incluindo os custos decorrentes da impugnação de decisões da ANACOM ligadas à gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral;

26.ª Assim e ao contrário do entendimento seguido pelo Tribunal a quo:

− a inclusão das provisões na base dos gastos administrativos de regulação é inerente aos objetivos e à teleologia dos encargos a que se refere o artigo 12.º da Diretiva Autorização, sob pena de não existir uma correspondência integral entre receitas e custos, os quais não podem resumir-se às situações normais de regulação, tendo ainda que abranger as situações patológicas que envolvem a constituição de provisões;

− a inclusão das provisões na base dos gastos administrativos de regulação assegura a correspetividade integral entre as receitas e as despesas da ANACOM com a regulação do setor, pelo que custos referentes à constituição de provisões integram as atividades administrativas previstas no artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização, quando estas assumem uma configuração patológica;

27.ª Os custos administrativos diretamente relacionados com a atividade de regulação do setor das comunicações eletrónicas incluem, inequivocamente, os custos suportados com a constituição de provisões, os quais são elegíveis para efeitos de distribuição pelos prestadores de redes e serviços de comunicações eletrónicas, sendo a sua consideração absolutamente essencial para assegurar a coerência e o equilíbrio do modelo de internalização dos custos de regulação subjacente ao disposto no artigo 12.º da Diretiva Autorização e no artigo 105.º, n.º 4 da LCE;

28.ª Ao instituir um sistema de partilha dos custos da regulação, o artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização e o artigo 105.º, n.º 1, alínea b) e nºs 4 e 5 da Lei das Comunicações Eletrónicas, não pretende, seguramente, que seja a generalidade dos contribuintes a suportar os custos com indemnizações fundadas em responsabilidade civil por atos ou omissões de regulação imputáveis à ARN, nem se vê que tal solução seja compatível com o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, que vincula o legislador, nas suas opções de afetação de meios financeiros à satisfação de necessidades coletivas, ao respeito pelos modos de legitimação da tributação consentâneos com as utilidades geradas pela despesa pública;

29.ª Nestes termos e ao contrário do entendimento formulado pelo Tribunal a quo, a elegibilidade das provisões para efeitos de apuramento dos encargos administrativos que podem ser impostos às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas decorre (i) do modelo de internalização dos custos de regulação subjacente ao disposto no artigo 12.º da Diretiva Autorização e no artigo 105.º, n.º 4 da LCE, (ii) da necessidade de assegurar uma correspondência integral entre os custos de regulação e a receita da taxa, bem como do (iii) princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos;

30.ª É totalmente improcedente o alegado erro sobre os pressupostos de direito da liquidação impugnada, com fundamento na integração do valor das provisões nos gastos administrativos relacionados com a atividade de regulação da ANACOM;

31.ª A sentença recorrida violou o disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização e o disposto no artigo 105.º, n.º 4 da LCE;

32.ª O TJUE já se pronunciou por diversas vezes sobre a interpretação do artigo 12.º da Diretiva Autorização, mas nunca se pronunciou explicitamente sobre a questão de saber se os custos com provisões se enquadram no conceito de custos administrativos relacionados com a adoção, gestão, controlo e aplicação do regime de autorizações gerais, nem o faz no despacho de 29 de abril de 2020, em cuja fundamentação se apoia a sentença recorrida, pelo que se justifica a apresentação de questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do artigo 267.º do TFUE;

33.ª Nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 665.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT, e na procedência do presente recurso, deverá o Tribunal ad quem conhecer as demais questões suscitadas pelas partes e substituir-se ao Tribunal recorrido na decisão da causa.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., que se pede e espera, deverá o presente recurso ser considerado procedente por provado e, em consequência, modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto e revogada a sentença recorrida, por violação do disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização. Para melhor decisão da causa e na medida em que o TJUE nunca se pronunciou explicitamente sobre a questão de saber se os custos com provisões se enquadram no conceito de custos administrativos relacionados com a adoção, gestão, controlo e aplicação do regime de autorizações gerais, justifica-se a apresentação de questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do artigo 267.º do TFUE.

Na procedência do presente recurso e ouvidas as partes, deverá a sentença recorrida ser substituída por outra que declare improcedente a impugnação dos atos de liquidação adicional da taxa anual devida pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, relativa ao ano de 2013, assim se fazendo Justiça!”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“A) O presente recurso vem interposto da sentença proferida nos autos que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrida contra o ato de liquidação adicional da taxa de regulação relativo ao ano de 2013, constante da fatura n.º FATS000055, no montante de € 747.245,69, emitida pelo ICP-ANACOM (ora Recorrente), no segmento referente a gastos com provisões para processos judiciais em curso.

B) Desde logo deve ser julgado improcedente o pedido de aditamento do facto 4-A), uma vez que conforme demonstrado em 1.ª instância, a Recorrida e todos os outros operadores desconhecem (i) os fundamentos jurídicos subjacentes à inclusão das provisões no leque dos custos administrativos suportados pelo ICP-ANACOM; (ii) por que motivo legal tais custos devem ser qualificados como de regulação ou como custos administrativos para efeitos de cálculo do valor da taxa devida pelos operadores; e (iii) os critérios que presidiram à determinação do quantum devido ou do cálculo das provisões constituídas – sendo que nenhum dos pontos acima resulta expressa ou implicitamente dos documentos mencionados pela Recorrente, o que se invoca para os devidos efeitos legais.

C) Através da inclusão das provisões para processos judiciais em curso no cálculo da taxa de regulação que é cobrada aos operadores, como a ora Recorrida, gera-se uma relação circular, de acordo com a qual: os operadores (sujeitos passivos da taxa de regulação) são forçados a entregar à Recorrente, a título de taxa de regulação, um montante que esta retém na sua esfera jurídica.

D) Sucede que tudo isto se passa a coberto de um tributo – uma taxa de regulação – à qual subjaz uma lógica de sinalagmaticidade, sob pena de não poder este tributo ser qualificado como taxa.

E) A Recorrente fundamenta o seu recurso essencialmente em três argumentos:

i. a necessidade de a Recorrente incluir as provisões para processos judiciais em curso na taxa de regulação de modo a assegurar a sua independência financeira e a cumprir o princípio do autofinanciamento da regulação, previsto na Lei-Quadro das Entidades Reguladoras;

ii. o enquadramento contabilístico e fiscal das provisões que determina que as provisões constituam um gasto para efeitos fiscais; e

iii. a interpretação do artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização no sentido de que a referência à gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral compreende os gastos com provisões para processos judiciais em curso.

F) O primeiro argumento – necessidade de inclusão das provisões para processos judiciais em curso para assegurar a independência financeira e autofinanciamento da Recorrente – improcede na medida em que a mesma transfere o excedente de receita para o Estado, apurando esse excedente de receita.

G) Por outro lado, a Diretiva Autorização não admite a inclusão de todos os gastos incorridos pelo regulador, assim caindo por terra o argumento da Recorrente.

H) Não sendo as provisões para processos judiciais em curso gastos de regulação, quando a Recorrente apura o excedente de receitas a transferir para o Estado deve ter em consideração estas provisões e reter (o mesmo é dizer, não transferir) o valor correspondente às provisões já constituídas ou a constituir.

I) Só assim é que a Recorrente assegura (i) o seu autofinanciamento, (ii) a legalidade da taxa de regulação (pela não inclusão das provisões para processos judiciais em curso no seu cálculo) e (iii) que as provisões para processos judiciais em curso não utilizadas são revertidas e devolvidas ao ente jurídico correto – o Estado.

J) O segundo argumento – qualificação das provisões como gasto para efeito contabilístico e fiscal – improcede, evidentemente, pela absoluta falta de relação entre a qualificação contabilística ou tributária das provisões (designadamente daquelas para processos judiciais em curso) e a qualificação das mesmas enquanto gasto administrativo de regulação ao abrigo do artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização.

K) Como bem decidido pelo Tribunal a quo, as provisões para processos judiciais em curso, ainda que sendo um gasto para efeitos fiscais, não consubstanciam um gasto administrativo de regulação nos termos e para os efeitos do artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização e, por conseguinte, não podem ser incluídas no cômputo da taxa de regulação que foi liquidada à ora Recorrida.

L) O terceiro argumento – a interpretação muito extensiva que a Recorrente faz do artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização no sentido de incluir na referência à gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral os gastos com provisões para processos judiciais em curso – também não merece acolhimento na medida em que não tem o mínimo acolhimento na letra do artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização, nem nos Considerandos da Diretiva que constituem elementos de interpretação da mesma, nem tão-pouco na doutrina e na jurisprudência do TJUE que têm vindo a clarificar o que se entende por gastos administrativos elegíveis para efeitos da taxa de regulação.

M) Com efeito, o Considerando 30 da Diretiva Autorização e TJUE pugnam por uma interpretação restritiva do artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização no que concerne aos gastos que podem considerar-se como gastos administrativos suscetíveis de serem impostos aos operadores de comunicações eletrónicas.

N) No caso dos gastos administrativos de regulação, é inquestionável, como bem decidido pelo Tribunal a quo, que tem de existir uma relação entre o gasto e a efetiva atividade de regulação exercida pela autoridade reguladora nacional (in casu, a Recorrente) que, no caso da constituição de provisões para processos judiciais em curso, manifestamente não se verifica.

O) Considerando tudo quanto foi exposto e a vasta jurisprudência do TJUE sobre a interpretação do conceito de encargos administrativos que podem ser impostos aos operadores de comunicações eletrónicas ao abrigo do artigo 12.º, n.º 1 da Diretiva Autorização, entende a Recorrida que não há necessidade do reenvio prejudicial solicitado pela Recorrente.

P) Por fim, caso este Venerando Tribunal venha julgar o presente recurso procedente (o que se admite por mero dever de patrocínio, sem conceder), requer-se, desde já, a ampliação do seu âmbito, nos termos do artigo 636.º do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, de modo a ser apreciada a ilegalidade dos atos de liquidação da taxa de regulação sub judice por:

(i) falta de fundamentação;

(ii) inconstitucionalidade das normas da Portaria, que determinam a inclusão das provisões nos gastos administrativos relevantes, por violação dos princípios da legalidade tributária, do acesso ao Direito e aos tribunais e da responsabilidade do Estado e demais entidades públicas; e

(iii) ilegalidade das normas da Portaria que determinam a inclusão das provisões nos gastos administrativos relevantes, por violação do artigo 105.º da LCE.

Q) Com efeito, as liquidações da taxa de regulação sub judice são ilegais por falta de fundamentação nos termos dos artigos 268.º, n.º 3 da CRP, 77.º, n.º 1 da LGT e 36.º do CPPT, em virtude da opacidade da informação e deficiente fundamentação divulgada pela Recorrente relativamente aos gastos com provisões para processos judiciais em curso, na medida em que a Recorrida desconhece (i) os processos judiciais em curso que justificam o valor quantificado a título de provisões, (ii) a natureza de tais processos e a sua (eventual) conexão com a atividade de regulação, (iii) os montantes dos pedidos envolvidos, e (iv) os critérios para a mensuração/determinação da percentagem do pedido provisionada.

R) Adicionalmente, os atos de liquidação da taxa de regulação postos em crise são ilegais também em virtude da inconstitucionalidade orgânica e material das normas da Portaria que determinam a inclusão das provisões no cômputo dos gastos relevantes para apuramento do montante da taxa de regulação. Com efeito, verifica-se a:

(i) inconstitucionalidade material das normas da Portaria, quando interpretadas no sentido da inclusão das provisões no cômputo dos gastos relevantes para a determinação da taxa de regulação, por violação do disposto no artigo 103.º, n.º 2 da CRP;

(ii) inconstitucionalidade orgânica das normas da Portaria, na interpretação referida em (i), por violação do disposto nos artigos 165.º da CRP;

(iii) inconstitucionalidade material das normas da Portaria, na interpretação referida em (i), por violação do princípio do acesso ao Direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, vertido no artigo 20.º da CRP; e

(iv) inconstitucionalidade material das normas da Portaria, na interpretação referida em (i), por desresponsabilização da Recorrente, ao arrepio do estabelecido nos artigos 22.º e 268.º, n.º 4 da CRP.

S) Em primeiro lugar, destaca-se a inconstitucionalidade das normas da Portaria, quando interpretadas no sentido da inclusão das provisões no cômputo dos gastos relevantes para a determinação da taxa de regulação, de que resulta a inconstitucionalidade e ilegalidade dos atos de liquidação que a aplicam.

T) Em segundo lugar, na medida em que a inclusão das provisões no cômputo dos gastos relevantes para a determinação do montante da taxa de regulação consubstancia um elemento essencial de um tributo cuja natureza se aproxima mais de um imposto do que de uma verdadeira taxa, a sua previsão em portaria determina a inconstitucionalidade orgânica das normas da Portaria, por violação do disposto no artigo 165.º da CRP.

U) Em terceiro lugar, as normas da Portaria que determinam a inclusão das provisões no cálculo dos gastos relevantes para a determinação da taxa de regulação encontram-se ainda feridas de inconstitucionalidade, por violação do princípio do acesso ao Direito e a uma tutela jurisdicional efetiva.

V) Finalmente, em quarto lugar, a Portaria é ainda desconforme com a CRP, na medida em que a inclusão das provisões no cômputo dos gastos administrativos opera uma verdadeira desresponsabilização da Recorrente.

W) Acresce que as normas da Portaria que determinam a inclusão das provisões nos gastos administrativos relevantes são também ilegais, por violação do disposto no artigo 105.º da LCE (na sua redação à data dos factos relevantes) e da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras, já que o conceito de gastos administrativos – tal como resulta do artigo 12.º da Diretiva Autorização e do artigo 105.º da LCE – não comporta a inclusão, no cômputo dos gastos administrativos de regulação, dos gastos com as provisões para processos judiciais em curso.

X) Não obstante tudo o acima exposto, mesmo que se admita a inclusão das provisões no valor da taxa – o que se admite por mero dever de patrocínio - sempre se terá de concluir que a política de cálculo e registo das provisões seguida pelo ICP-ANACOM viola a normalização contabilística em vigor, uma vez que esta provisiona riscos cuja probabilidade de ocorrer é reduzida, o que se invoca para todos os efeitos legais, mormente para efeitos de improcedência do presente recurso e anulação do ato tributário ora sindicado.

Y) Requer-se assim a este Venerando Tribunal que se digne julgar improcedente o presente recurso, requerendo-se a integral confirmação da sentença proferida pelo Tribunal a quo, com a consequente anulação do ato de liquidação ora sindicado, tudo com as devidas consequências legais.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juízes DESEMBARGADORES deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu MUI douto juízo, deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, requerendo-se a este Venerando Tribunal que confirme a sentença recorrida, determinando a consequente anulação do ato tributário ora sindicado, tudo com as devidas consequências legais.

Subsidiariamente e em caso de improcedência do pedido acima, requer-se a este Venerando Tribunal a ampliação do objeto do recurso ao abrigo do disposto no artigo 636.º do CPC, anulando-se a liquidação da taxa objeto dos presentes autos, nos termos e com os fundamentos melhor expostos nas presentes contra-alegações.

Mais se requer a fixação do valor do presente recurso no montante máximo de € 275.000,00, determinando-se igualmente nos presentes autos a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do n.º 7 do artigo 6. ° do RCP.

Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, a costumada Justiça!”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Com dispensa de vistos (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1) A Impugnante tem por objeto social o estabelecimento, gestão e exploração de infraestruturas, prestação de serviços de comunicações eletrónicas e exercício da atividade de televisão, bem como qualquer atividade complementar ou acessória àquelas (por acordo);

2) Em maio de 2008, foi elaborado o estudo intitulado “Modelo de Taxas do ICP-ANACOM, Maio 2008, no qual consta, designadamente, o seguinte:

“(…) 20. Do ponto de vista metodológico, a determinação das taxas que exigem que a sua fixação decorra em função dos custos, pode ser feita de duas foimas: a) Abordagem top down, ou seja cálculo dos custos totais associados às actividades do ICP-ANACOM inerentes à atribuição em causa e posterior alocação desses custos às entidades que os originam. b) Abordagem bottom up, ou seja, cálculo dos custos unitários associados ao evento que dá origem ao custo, agregados e aplicados à entidade que os origina. (…)

25. Estes dois aspectos, aconselham a que se definam estas taxas em função dos custos unitários associados à emissão das declarações, com base numa situação típica e no pressuposto de uma actuação eficiente por parte do ICP-ANACOM.

26. Embora fosse possível calcular custos unitários diferentes consoante a complexidade da comunicação em causa, opta-se por privilegiar o princípio da simplicidade, calculando-se assim uma única taxa para a emissão de todas as declarações. (…)

30. Para o cálculo deste tipo de taxas determinam-se os custos totais administrativos que o ICP-ANACOM suporta com a actividade de regulação do mercado, sendo posteriormente aplicada uma metodologia para a distribuição de tais custos pelas entidades que os originaram. (…)

31. Considerando os princípios da previsibilidade e da transparência, entende-se que os custos totais a distribuir devem ser obtidos através da média dos custos verificados nos dois últimos anos e do orçamento do ano em curso, a preços correntes, evitando-se dessa forma flutuações excessivas de taxas por via de eventuais alterações da base de custos(…). No caso das provisões para fazer face a pedidos de indemnização decorrentes de actos regulatórios, entende-se que se deve usar a média de cinco anos (4 reais e um de orçamento), dada a maior probabilidade de variações nesta rubrica» (…)

32. Os custos com a regulação das actividades de comunicações electrónicas são resultado da aplicação do modelo de custeio do ICP-ANACOM (apresentado no Anexo 1), o qual retira aos custos administrativos totais do ICP-ANACOM os seguintes custos: a) Custos não relacionados com a actividade reguladora, os quais comportam essencialmente custos associados à actividade de assessoria ao Governo prevista nos estatutos do ICP-ANACOM; b) Custos administrativos associados ao sector postal; c) Outros custos administrativos associados à missão do regulador, mas não enquadráveis neste tipo de taxas definidas no âmbito da LCE, os quais respeitam a áreas não previstas nesta Lei, como sejam, Serviços de Audiotexto, ITED, -Serviços da sociedade de informação, Serviço Rádio Amador e Serviço Rádio Pessoal (Banda do Cidadão); d) Custos associados à atribuição de direitos de utilização de frequências; e) Custos associados à atribuição de direitos de utilização de números e a sua reserva

33. O passo seguinte na determinação das taxas em causa, é definir a forma de afectação desses custos às entidades que oferecem redes e ou prestam serviços de comunicações electrónicas. De acordo com os princípios definidos, tal afectaçao deve ser feita com base em informação disponível e confirmável, garantindo um nexo de causalidade com os custos gerados. É fundamental que se obtenha um equilíbrio adequado entre uma afectação de custos obtida com base na responsabilidade causal – identificando os responsáveis pelos custos de regulação e afectando-lhes os respectivos custos na forma de taxas administrativas — e os custos de gestão do modelo necessário a tal afectação, nomeadamente em termos de produção de informação, tendo em conta, entre outros aspectos, as “extemalidades associadas à quase generalidade das decisões de regulação.

34. Tendo em consideração esta abordagem, e o objectivo das taxas em questão — é a actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas que está sujeita a taxa - parece natural que a afectação de custos seja feita com base no nível de actividade das entidades que oferecem as redes e prestam os serviços objecto de taxação, o que funcionará como a melhor proxy dos efectivos custos de regulação associados a cada um dos fornecedores presentes no mercado.

35. Tal actividade poderia ser medida com base em vários indicadores de natureza física, como por exemplo o número de assinantes ou quilómetros de fibra óptica. No entanto, considerando os princípios da transparência e da simplicidade, entende-se que o recurso a indicadores financeiros será mais adequado para alcançar o objectivo de distribuir, de forma objectiva, transparente e proporcional, os custos pelas diversas entidades em questão. (…)

37. (…) a informação que melhor se qualifica dentro dos princípios definidos para a determinação das taxas é a referente aos proveitos relevantes das entidades que exercem a actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas. Refira-se a este propósito que este indicador é compatível com o facto de a afectação dos custos de regulação dever ter em consideração os custos originados pelas entidades directamente objecto de regulação, bem como os benefícios que as restantes empresas retiram ao actuarem num sector regulado.

38. A Figura 11 apresenta a distribuição, por ordem crescente, dos proveitos relevantes das entidades que exercem a actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas.


39. Conforme se verifica os proveitos relevantes das entidades que actuam no mercado são muito dispares entre si, indo de valores muito baixos, próprios de entidades que estão no início da sua actividade ou que operam a uma escala muito reduzida, até valores muito elevados, próprios das maiores empresas presentes no tecido empresarial português.

40. Esta realidade desaconselha a distribuição dos custos com base na simples aplicação da percentagem dos proveitos de cada entidade no total dos proveitos. Isto porque existem custos mínimos associados à actividade de regulação do ICP-ANACOM, que se verificam independentemente do nível de actividade da entidade que opera no mercado, o que é válido, por exemplo, para os custos associados à recolha de informação estatística e à fiscalização. Este facto aconselha que seja aplicada uma taxa fixa, a entidades com níveis de proveitos operacionais abaixo de um determinado patamar. Esta abordagem não impede no entanto que se aplique taxa zero a empresas com volume de negócios muito baixos, numa lógica de promover a entrada de empresas no mercado e de evitar que algumas dessas empresas, com baixos recursos, tenham incentivos a exercer a sua actividade de forma ilegal, com o inerente aumento dos custos de fiscalização.

41. Com base na distribuição dos proveitos relevantes das entidades fornecedoras de redes e serviços de comunicações electrónicas, defínem-se os escalões de taxas administrativas constantes da figura 12, que traduzem a seguinte abordagem: a) A taxa do escalão 0 é nula, de forma a eliminar barreiras à entrada no mercado de empresas de pequena dimensão, que de outra forma poderiam ter incentivos a manterem-se à margem do regime de autorização; b) A taxa do escalão 1 corresponde ao custo mínimo de regulação de uma entidade que exerce a actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas, calculado a partir do produto do tempo médio associado ao mínimo de regulação (50 horas) e o custo hora do ICP-ANACOM, tal como calculado na Figura 10; c) A taxa do escalão 2 é calculada repartindo os custos administrativos identificados na Figura 10, deduzidos das receitas geradas pela aplicação das taxas definidas para o escalão 1, pelas entidades cujos proveitos se inserem neste escalão. (…)

46. E apenas para este tipo de atribuições de espectro que é necessário determinar os montantes de taxas a pagar pela atribuição de direitos de utilização de frequências, havendo que distinguir as seguintes situações: (…) B.4 Taxas referentes à atribuição de direitos de utilização de números e a sua reserva

48. As taxas relativas à atribuição de direitos de utilização de números e sua reserva devem ser fixadas, nos termos da LCE, de forma a reflectixem os custos que o ICP ANACOM suporta com tal tarefa.

49. De acordo com a informação de que o ICP-ANACOM dispõe, pode estimar-se que, em média, um pedido de atribuição ou de reserva de números, consome 4 horas de trabalho. Considerando os custos de trabalho calculados para esta Autoridade, como constam da Figura 10, a taxa respectiva deverá ser de 200 euros.

b) Atribuição de direitos de utilização em situação de acessibilidade plena: de acordo com a informação disponível, a execução deste procedimento envolve 20 horas de trabalho (1 dia de trabalho de 2,5 recursos), o que considerando o preço hora de trabalho identificado na Figura 10, implica uma taxa de 1.000 euros; c) Atribuição de direitos de utilização no âmbito de procedimentos de selecção desencadeados por entidades terceiras: nestes casos, procedimento associado à atribuição de direitos às Rádios, o processo é conduzido na perspectiva exclusivamente técnica, pelo que o volume de trabalho que lhe está associado é cerca de metade do identificado no ponto anterior. (…) no que respeita às provisões para fazer face a pedidos de indemnização decorrentes de actos regulatórios, sempre que estas sejam anuladas, deve o respectivo resultado extraordinário ser contabilizado para efeitos de cálculo dos custos de regulação, com o inerente efeito positivo

(…) as provisões têm um tratamento equivalente aos dos custos comuns, sendo a sua afectação às várias naturezas de actividade, em função do tipo de provisão (…) (cfr. documento a fls. 48 a 118 do PAT);

3) Em 28-08-2014, o Conselho de Administração da Autoridade Nacional de Comunicações emitiu deliberação, na qual procedeu “à revisão dos custos de regulação da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público relativos ao ano de 2013; (ii) a revisão da percentagem contributiva h para o ano de 2013 e (iii) a liquidação adicional das taxas de fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, referentes ao ano de 2013 com base nos fundamentos constantes da proposta da qual consta, designadamente, o seguinte:

“(…)


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(…)” (cfr. documento a fls. 48 a 118 do PAT);

4) Através da deliberação mencionada no ponto antecedente foi aprovado o “Relatório de audição prévia”, no qual consta, designadamente, o seguinte:

“(…)


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(cfr. documento a fls. 134 a 155 do PAT);

5) Em 05-09-2014, por força da deliberação a que respeita o ponto 3) supra, foi emitida pela Entidade Impugnada, em nome da Impugnante, a fatura n.º FATS000055, relativa à liquidação adicional da taxa devida pelos fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas no ano de 2013, no montante de 747.245,69 EUR (cfr. documento a fls. 158 do PAT);

6) Em 08-09-2014, através do ofício datado de 05-09-2014, a Impugnante foi notificada, designadamente, da liquidação adicional a que respeita o ponto antecedente, constando do mesmo, nomeadamente, o seguinte:

“(…)


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(…) (cfr. documentos a fls. 157 a 161 do PAT);

7) Em 06-10-2014, a Impugnante procedeu ao pagamento da fatura mencionada no ponto 5) supra (cfr. documentos a fls. 162 a 164 do PAT)”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto relevante para a decisão da causa, efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos, não impugnados e no PAT, bem como na posição assumida pelas partes, conforme é especificado em cada um dos pontos da matéria de facto provada”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da inconstitucionalidade orgânica

Nos termos do art.º 204.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), “[n]os feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.

Assim, as questões de inconstitucionalidade são de conhecimento oficioso, sendo ainda pertinente sublinhar que, com a alteração feita ao art.º 43.º da Lei Geral Tributária (LGT), pela Lei n.º 9/2019, de 01 de fevereiro, a sua verificação passou a sustentar o direito ao pagamento a juros indemnizatórios [cfr. a alínea d) do seu n.º 3].

Na sua petição inicial, já a Impugnante alegara a inconstitucionalidade do tributo em causa, material e orgânica.

Assim, e não obstante tal questão não tenha sido conhecida pelo Tribunal a quo, porque julgada prejudicada, atenta a circunstância de a mesma ser de conhecimento oficioso e considerando que foi assegurado às partes o exercício do direito ao contraditório, por força do cumprimento do disposto no art.º 665.º, n.º 3, do CPC, passar-se-á à sua apreciação em primeira linha.

Enquadrando.

A Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro [Lei das Comunicações Eletrónicas (LCE), entretanto revogada pela Lei n.º 16/2022, de 16 de agosto, com efeitos a partir de 14 de novembro de 2022], veio estabelecer o regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações eletrónicas e aos recursos e serviços conexos, definindo ainda as competências da entidade reguladora neste âmbito.

A mesma surge como reflexo de transposição de diretivas comunitárias, concretamente das diretivas 2002/19/CE, 2002/20/CE, 2002/21/CE e 2002/22/CE, todas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março, e 2002/77/CE, da Comissão, de 16 de setembro.

O quadro comunitário relativo às comunicações eletrónicas surgiu num contexto de necessidade de acompanhamento da abertura do mercado das telecomunicações à concorrência (transição de mercados monopolistas para mercados de plena concorrência).

Como tal, foi aprovado um pacote de diretivas, onde se incluem as já referidas.

Centrando-nos especificamente na Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (“diretiva quadro”), como resulta do seu considerando (5), verificou-se a necessidade de “… separar a regulação da transmissão, da regulamentação dos conteúdos. Assim, este quadro não abrange os conteúdos dos serviços prestados através das redes de comunicações eletrónicas recorrendo a serviços de comunicações eletrónicas, como sejam conteúdos radiodifundidos, serviços financeiros, ou determinados serviços da sociedade da informação”.

Esta diretiva consagra um quadro harmonizado para a regulamentação das redes de comunicações eletrónicas [definidas no seu art.º 2.º, al. a)], abarcando os serviços de comunicações eletrónicas [definidos no art.º 2.º, al. c)].

Por outro lado, a Diretiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações eletrónicas (“diretiva autorização”), consagra um regime de autorização geral, conforme refletido designadamente no seu art.º 3.º.

Voltando à LCE e atento o quadro comunitário mencionado, deste diploma é desde logo de chamar à colação o seu título VII, com a epígrafe “Taxas, supervisão e fiscalização”.

Assim, o art.º 105.º, n.º 1, al. b), consagra que o “exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas” está sujeito a taxas de periodicidade anual.

O n.º 2 da mesma disposição legal remete para Portaria do membro do governo responsável pela área das comunicações a definição, entre outros, do montante da taxa referida.

Por seu turno, o n.º 4 do mesmo art.º 105.º refere que os montantes são determinados em função dos custos administrativos, nos seguintes termos:

“Os montantes das taxas referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 são determinados em função dos custos administrativos decorrentes da gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral, bem como dos direitos de utilização e das condições específicas referidas no artigo 28.º, os quais podem incluir custos de cooperação internacional, harmonização e normalização, análise de mercados, vigilância do cumprimento e outros tipos de controlo do mercado, bem como trabalho de regulação que envolva a preparação e execução de legislação derivada e decisões administrativas, como decisões em matéria de acesso e interligação, devendo ser impostos às empresas de forma objetiva, transparente e proporcionada, que minimize os custos administrativos adicionais e os encargos conexos”.

Assim, é de chamar à colação a Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro (na redação em vigor), que aprova as taxas devidas pela emissão das declarações comprovativas dos direitos, pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas, pela atribuição de direitos de utilização de frequências e de números, pela utilização do espectro radioelétrico e demais taxas devidas à Anacom.

Atento o respetivo Anexo II (na redação vigente à época), resulta que, para o cálculo do tributo ora em apreciação:

¾ É tido desde logo em conta o valor dos “rendimentos relevantes” diretamente conexos com a atividade de comunicações eletrónicas relativa ao ano anterior àquele em que é efetuada a liquidação do tributo, sendo cada entidade enquadrada em um dos três escalões definidos, de acordo com tais valores;

¾ São ainda considerados os custos administrativos, previstos no art.º 105.º, n.º 1, al. b), da LCE.

A taxa T0 é de 0,00 Eur. e a taxa T1 é de 2.500,00 Eur.

Já a taxa T2, aplicável a entidades como a Impugnante, enquadradas no escalão 2, é uma taxa variável, calculada de acordo com a fórmula constante do Anexo II da mencionada portaria, em que, num primeiro momento, é obtido o valor t2, obtendo-se a percentagem contributiva (%) das empresas do escalão 2 no Ano n. Calculada a t2, é calculada a T2, correspondente ao produto de t2 pelos rendimentos relevantes das entidades do escalão 2 no ano n-1.

Todos estes elementos constam, como referimos, do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na redação que lhe foi dada pela Portaria n.º 296-A/2013, de 2 de outubro, que a republicou.

Feito este enquadramento, há que atentar na conformidade constitucional desta disciplina.

Cumpre, assim e antes de mais, considerar a tipologia de tributos previstos no ordenamento jurídico português.

Independentemente da nomenclatura utilizada pelo legislador para designar os tributos, a sua natureza depende das suas específicas caraterísticas.

Com efeito, o nosso ordenamento consagra um conceito amplo de tributo.

Como resulta desde logo do art.º 165.º, n.º 1, al. i), da CRP, os tributos têm uma natureza tripartida:

a) Impostos;

b) Taxas; e

a) Demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas.

Este quadro tripartido surge, ao nível da lei ordinária, previsto no art.º 3.º da LGT.

Assim, esta configuração implica que cada um dos tributos tenha caraterísticas e finalidades próprias.

Quanto à sua noção, em traços largos, e começando pela de imposto, este define-se como uma prestação pecuniária unilateral, imposta coativa ou autoritariamente pelo Estado ou por uma entidade pública, sem caráter sancionatório, visando angariar receita. É ainda de atentar que, do art.º 103.º, n.º 1, da CRP, resulta igualmente que o sistema fiscal visa diminuir as desigualdades e promover a distribuição de rendimentos e riquezas, conjugando o que se poderá denominar como um interesse financeiro ou imediato com um interesse de justiça social, mediato ou metajurídico.

No que respeita às taxas as mesmas configuram-se como prestações pecuniárias impostas coativa ou autoritariamente, pelo Estado ou outro ente público, sem que tenham caráter sancionatório, pressupondo sim a existência de uma contraprestação, seja ela a prestação de um serviço público, a utilização de um bem do domínio público ou a remoção de um obstáculo jurídico.

A par das taxas e dos impostos surge a terceira categoria, a das contribuições financeiras, classificação de caráter residual, abrangendo os tributos que não são nem impostos nem taxas.

Como se refere no Acórdão n.º 539/2015, do Plenário do Tribunal Constitucional, de 20.10.2015:

“[A] revisão constitucional de 1997, introduziu, a propósito da delimitação da reserva parlamentar, a categoria tributária das contribuições financeiras a favor das entidades públicas, dando cobertura constitucional a um conjunto de tributos parafiscais que se situam num ponto intermédio entre a taxa e o imposto (artigo 165.º, n.º 1, alínea i)). As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada,” I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora).

As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (…).

Por via da nova redação dada à norma do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), a Constituição autonomizou uma terceira categoria de tributos, para efeitos de reserva de lei parlamentar, relativizando as diferenças entre os tributos unilaterais e os tributos comutativos e obrigando a uma reformulação da discussão sobre a exigência da reserva de lei, relativamente às contribuições especiais que não se pudessem enquadrar no preciso conceito de taxa” (sublinhados nossos).

Nas palavras de Sérgio Vasques (1) Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2014, p. 223.:

“O que (…) carateriza os tributos que hoje em dia encontramos a meio caminho entre as taxas e os impostos é o estarem voltados à compensação de prestações de que só presumivelmente se pode dizer causador ou beneficiário o sujeito passivo, sendo o seu pressuposto constituído por factos que apenas com segurança relativa permitem concluir pela provocação ou aproveitamento das prestações administrativas. Em suma, o que as define é visarem uma troca entre a administração e grupos de pessoas que se presume provocarem os mesmos custos ou aproveitarem os mesmos benefícios”.

Nos termos do art.º 165.º, n.º 1, al. i), da CRP, é da competência relativa da Assembleia da República legislar em matéria de impostos e sistema fiscal e sobre o regime geral das taxas e contribuições financeiras.

Assim, e analisando a mencionada al. i) do n.º 1 do art.º 165.º da CRP, lida em consonância com o n.º 2 do art.º 103.º da lei fundamental, dúvidas não há que, no que toca aos impostos, a reserva relativa de lei abrange tudo o que respeite à sua criação, determinação da incidência, da taxa, dos benefícios fiscais e das garantias dos contribuintes.

Quanto aos demais tributos, o princípio da reserva de lei formal não tem o mesmo alcance.

Com efeito, do disposto no art.º 165.º, n.º 1, al. i), da CRP, resulta que a reserva de lei parlamentar se circunscreve ao regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas, sendo que até à presente data não foi aprovado qualquer regime geral das contribuições financeiras e, ao nível das taxas, apenas foi aprovado o regime geral das taxas das autarquias locais.

Assim, reconhece-se ao Governo uma competência concorrente em matéria de criação de contribuições financeiras individualizadas.

Chama-se a este respeito, a título exemplificativo, à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015, de 20 de outubro, onde se refere:

“A revisão constitucional de 1997 ao prever a figura das contribuições financeiras como tributo, para efeitos de definição da competência legislativa, equiparou-a às taxas e distinguiu-a dos impostos. Enquanto a criação destes se manteve na reserva relativa da Assembleia da República, relativamente às taxas e às contribuições financeiras aí se incluiu apenas a previsão de um regime geral, ficando excluída da reserva parlamentar a criação individualizada quer de taxas quer de contribuições financeiras. E a aprovação desse regime geral não surge como ato-condição ou pressuposto necessário da criação individualizada desses tributos (Cf. Blanco de Morais, em “Curso de direito constitucional”, Tomo I, pág. 273, nota 400, ed. 2008, da Coimbra Editora), não havendo razões para que se considere que a atribuição reservada daquela competência pelo legislador constitucional tenha procurado refletir uma aplicação mais rarefeita do princípio matriz do parlamentarismo “no taxation without repre­sentation”.

A opção constitucional por uma reserva parlamentar diferenciada entre impostos, por um lado, e taxas e contribuições por outro lado, teve em consideração a ausência de qualquer bilateralidade de prestações nos primeiros, não tendo o legislador constitucional relevado como fator merecedor de uma distinção em matéria competencial o facto de nas contribuições financeiras essa bilateralidade se apresentar muitas vezes como potencial e/ou difusa.

Se a jurisprudência constitucional anteriormente à Revisão de 1997, perante a ausência de previsão na Constituição dos tributos parafiscais, por cautela, preferiu equiparar as contribuições financeiras aos impostos, relevando aquela característica, outra foi a opção do legislador constituinte de 1997 que entendeu preferível tratar do mesmo modo as contribuições financeiras e as taxas, diferenciando estes dois tributos dos impostos, em matéria de reserva parlamentar.

Não sendo a existência de um regime geral pressuposto necessário da criação de taxas, nem de contribuições financeiras, não tem qualquer suporte no texto constitucional, na ausência daquele regime, estender-se a competência reservada da Assembleia da República ao ato de aprovação de contribuições financeiras individualizadas, criando-se assim uma reserva integral de regime onde esta não existe. Como afirmaram Alexandre Sousa Pinheiro e Mário João de Brito Fernandes, “na ausência de regime geral não pode o intérprete subverter a vontade do legislador (constituinte ordinário) criando uma reserva integral” (In “Comentário à IV Revisão Constitucional, pág. 417, ed. de 1999, da AAFDL).

O Tribunal Constitucional logo extraiu estas conclusões relativamente à aprovação de taxas individualizadas por ato legislativo do Governo não autorizado, sem que a Assembleia houvesse aprovado um regime geral das taxas (Acórdãos n.º 38/2000 e 333/2001), não havendo razões para que, relativamente à criação de contribuições financeiras, se estabeleça uma solução diversa, efetuando uma distinção onde o texto constitucional não distingue.

Assim, a ausência da aprovação de um regime geral das contribuições financeiras pela Assembleia da República não pode impedir o Governo de aprovar a criação de contribuições financeiras individualizadas no exercício de uma competência concorrente, sem prejuízo da Assembleia sempre poder revogar, alterar ou suspender o respetivo diploma, no exercício dos seus poderes constitucionais”.

Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 152/2022, de 17 de fevereiro, atinente à taxa anual devida pelo exercício da atividade de prestador de serviços postais, cujos contornos apresentam grande paralelismo com o tributo ora em apreciação:

“A jurisprudência constitucional em matéria de tributos comutativos e paracomutativos tem seguido uma orientação com dois traços fundamentais: a criação desses tributos pode fazer-se através de decreto-lei simples e a concretização do respetivo regime, desde que este conste essencialmente de um ato legislativo, pode ser objeto de portaria (…)

[O] Tribunal tem reconhecido ao Governo a possibilidade de exercer uma competência concorrente em matéria de contribuições financeiras, mas − como se salvaguardou no Acórdão n.º 539/2015 − «sem prejuízo da Assembleia sempre poder revogar, alterar ou suspender o respetivo diploma, no exercício dos seus poderes constitucionais». Esta salvaguarda aponta para a exigência de que os elementos essenciais das contribuições financeiras sejam definidos por ato legislativo do Parlamento ou do Governo”.

Feito este enquadramento, cumpre, então, passar à concreta situação.

Sobre a mesma, já este TCAS teve a oportunidade de se pronunciar, nos Acórdãos de 29.09.2022 (Processo: 21/13.3BELRS), de 24.11.2022 (Processos: 966/12.8BELRS e 968/12.4BELRS), de 06.12.2022 (Processo: 275/11.0BEALM) e de 04.05.2023 (Processo: 967/12.6BELRS).

Assim se escreveu do primeiro dos citados arestos:

“Percorrido o regime normativo nos aspectos que relevam para os autos, começaremos por dizer que, não obstante o tributo impugnado tenha a designação legal de “Taxa anual devida pelo exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas”, propendemos para a sua caracterização como contribuição financeira.

Com efeito, estão reunidas as principais notas características desta categoria tributária: é uma prestação pecuniária (i), coactiva (ii), cujas receitas são consignadas subjectiva e materialmente a um ente público (iii), que assenta numa relação de bilateralidade genérica ou difusa – visando compensar uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada (iv) por um grupo homogéneo de contribuintes em que o sujeito passivo se integra (v) – vd. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 268/2021, de 29/04/2021.

Tratam-se, de acordo com a caracterização da doutrina, de contribuições especiais parafiscais, que financiam entidades públicas de base não territorial cuja actividade beneficia um grupo homogéneo de destinatários.

Como refere Ana Paula Dourado, “Direito Fiscal – Lições”, Almedina, 2015, a pág.67, “No quadro da parafiscalidade, são de destacar as novas taxas de regulação económica. Elas têm vindo a proliferar e podemos considerá-las essenciais para financiar as despesas e garantir a independência das entidades reguladoras em relação aos governos emanados das maiorias parlamentares. A mais recente doutrina defende a sua autonomização face aos impostos”.

Concluindo-se que a designada “Taxa anual devida pelo exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas”, tem natureza de contribuição financeira – realçando-se que a querela em torno da qualificação jurídica do tributo impugnado como taxa ou contribuição financeira não assume particular relevância para a decisão a proferir, daí a desnecessidade de mais extensas considerações de ordem dogmática – impõe-se a este Tribunal de apelação, nos termos do art.º 204.º da CRP [“Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”], apreciar e decidir da questão prejudicial imprópria de inconstitucionalidade (vd. Jorge Miranda, “O Regime de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade em Portugal”), arguida na impugnação da liquidação do tributo (cf. ponto VII da douta P.I.) e cujo conhecimento a sentença deu por prejudicado em vista da solução dada ao litígio (art.º 665/2 do CPC), na medida em que se constata existir um nexo incindível entre ela e a questão principal objecto do recurso, ou seja, entre a alegada interpretação não conforme à Constituição que foi feita das normas previstas na alínea b) do art.º 1.º da Portaria n.º 1473-B/2008 e das normas previstas nos n.ºs 1, 4 e 5, do seu Anexo II, em que assenta a liquidação do tributo, e o feito submetido a julgamento, qual o de indagar se os custos administrativos de regulação, que o tributo liquidado visa compensar, poderão incluir as provisões constituídas para processos judiciais pendentes.

E passando ao conhecimento da questão de constitucionalidade, em causa está a dimensão normativa dos identificados preceitos da Portaria n.º 1473-B/2008 na parte em que determinam a incidência objectiva e a taxa a aplicar em relação aos prestadores de serviços enquadrados no “escalão 2”, bem como a isenção prevista para certos operadores de comunicações.

Como se sabe, na ausência do enquadramento legislativo geral a que se refere a alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, a jurisprudência constitucional tem reconhecido ao Governo a possibilidade de exercer uma competência concorrente em matéria de contribuições financeiras, mas − como se salvaguardou no seu Acórdão n.º 539/2015, de 20/10/2015 (cf. ponto 2 da fundamentação do acórdão, “Da alegada inconstitucionalidade orgânica”) − «sem prejuízo da Assembleia sempre poder revogar, alterar ou suspender o respetivo diploma, no exercício dos seus poderes constitucionais».

Como se refere no recente Ac. do TC n.º 152/2022, de 17/02/2022, que se debruçou sobre questão idêntica à destes autos, mas em que discutia a conformidade constitucional do acto de liquidação da “taxa anual de prestação de serviços postais” relativa ao ano de 2016, «Esta salvaguarda aponta para a exigência de que os elementos essenciais das contribuições financeiras sejam definidos por acto legislativo do Parlamento ou do Governo. Com efeito, ao determinar que o regime geral das contribuições financeiras integra a reserva de competência legislativa da Assembleia da República, a Constituição atribui, pelo menos de modo implícito, natureza legislativa a toda a matéria das contribuições na ausência de um regime geral. Esta exigência de que a matéria seja regulada por acto legislativo é da maior relevância, pois não obstante o mesmo órgão − o Governo − ter simultaneamente competência legislativa e regulamentar, há diferenças significativas entre o regime constitucional dos decretos-leis e dos regulamentos, seja qual for a forma que estes revistam. Como se explica no Acórdão n.º 474/2021, a propósito da distinção entre decretos-leis e decretos regulamentares:

«A Constituição impõe que os regulamentos independentes revistam a forma de decreto regulamentar (n.º 6 do artigo 112.º), tal se devendo ao facto, não apenas de estes serem assinados pelo Primeiro-Ministro (n.º 3 do artigo 201.º) − ao contrário das portarias ou dos despachos dos membros do Governo –, como ainda − ao contrário do que sucede também com as resoluções do Conselho de Ministros com conteúdo normativo − de carecerem da promulgação do Presidente da República (alínea b) do artigo 134.º) e implicarem recurso obrigatório do Ministério Público para o Tribunal Constitucional em caso de recusa de aplicação de norma (n.º 3 do artigo 280.º). Estes traços de regime aproximam os decretos regulamentares, em boa medida, do regime constitucional dos decretos-leis; mas há certas qualidades procedimentais, relevantes do ponto de vista da legitimidade democrática e da separação de poderes, que só estes possuem. Com efeito, ao contrário dos decretos regulamentares, os decretos-leis, mormente em matéria de competência legislativa concorrencial, devem ser aprovados em Conselho Ministros (alínea d) do n.º 1 do artigo 200.º), estão sujeitos a apreciação parlamentar (artigo 169.º) e podem ser objeto de fiscalização preventiva da constitucionalidade (alínea g) do artigo 134.º)» (fim de cit.).

Ora, continuando a acompanhar, com as devidas adaptações, o raciocínio do douto Tribunal, constata-se que as normas do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008 aqui em apreço regulamentam, é certo, a Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, mas em termos que, face à delimitação da incidência subjectiva e objectiva que resulta dos n.ºs 1 alínea b), 2 e 4 do art.º 105.º deste diploma, não podem deixar de ser considerados substancialmente inovatórios. No que respeita, em especial, à parte em que é determinada a incidência objectiva e a taxa a aplicar em relação aos prestadores de serviços de comunicações electrónicas, enquadrados no «escalão 2», que é o caso da impugnante e ora recorrida, é a Portaria que cria escalões, que define o universo de sujeitos passivos que integram o «escalão 2» e que elege como critério determinante da repartição dos custos a compensar os rendimentos relevantes directamente conexos com a actividade de serviços de comunicações electrónicas, apurados no ano anterior àquele a que a taxa se reporta, do qual resulta a taxa concretamente aplicada aos operadores enquadrados neste escalão.

Assim, forçoso é reconhecer que certos elementos da impugnada taxa de regulação, determinantes da quantificação do tributo, foram objecto de normação primária por via regulamentar, ou seja, através do exercício da função administrativa.

Acontece que esses elementos, no entendimento do Tribunal Constitucional, que aqui acompanhamos e acolhemos, «integram a reserva de função legislativa, reserva essa, cujo desiderato, na ausência de um regime geral das contribuições financeiras constante de lei parlamentar ou decreto-lei devidamente autorizado, é o de assegurar um certo nível de coerência, transparência, equidade e legitimidade na criação desses tributos. Claro está que, se a matéria em causa integra o domínio da competência legislativa concorrencial da Assembleia da República e do Governo, não está em causa simplesmente a violação da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, cujo alcance é o de delimitar o domínio reservado ao legislador parlamentar em matéria tributária. Em causa está antes a invasão pelo poder administrativo de um domínio que a ordem constitucional reserva ao poder legislativo, ou seja, em que esta não é indiferente a que a regulação da matéria – os elementos essenciais das contribuições financeiras − conste de decreto-lei ou de mero regulamento. O problema essencial, como é bom de ver, prende-se com a legalidade da Administração Pública, relevando do inciso inicial do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição, não na dimensão de preferência de lei – que, por ser uma questão de legalidade, em que o parâmetro imediato de controlo é a lei ordinária, extravasa os poderes de cognição da jurisdição constitucional −, mas na dimensão de reserva de lei – que, por dizer respeito a saber se as normas regulamentares invadem um domínio que a Constituição reserva ao legislador, consubstancia uma questão de constitucionalidade» (fim de cit.).

Ora, as normas constantes dos n.ºs 1, 4 e 5 do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de Dezembro, na redacção da Portaria n.º 291-A/2011, de 04 de Novembro, ao regularem de forma inovatória elementos essenciais da taxa a aplicar em relação aos prestadores de serviços de comunicações electrónicas enquadrados no «escalão 2», violam essa reserva de função legislativa que se pode extrair das disposições conjugadas da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição”.

Assim, estamos perante uma contribuição financeira, cujas normas, designadamente de incidência objetiva e taxa a aplicar em relação aos fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas, concretamente do escalão 2, aqui em causa, constam não de ato legislativo (cfr. art.º 112.º, n.º 1, da CRP), mas de diploma regulamentar, infra legislativo.

Como se refere no já citado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 152/2022, de 17 de fevereiro, “é a Portaria que cria escalões, que define o universo de sujeitos passivos que integram o «escalão 2» e que elege como critério determinante da repartição dos custos a compensar os rendimentos relevantes diretamente conexos com a atividade de serviços postais apurados no ano anterior àquele a que a taxa se reporta, do qual resulta a taxa concretamente aplicada” (no mesmo sentido veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 754/2022, de 9 de novembro).

Ulteriormente, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 244/2023, de 11.05.2023, atinente ao tributo ora em apreciação, referiu:

“O presente caso não apresenta particularidade de relevo em relação àquele que foi apreciado nos Acórdãos n.º 152/2022 e n.º 754/2022 (…), nem qualquer outra razão que justifique apreciação diversa da que ali foi adotada. Na verdade, o concreto problema em causa – o facto de se tratar de normas que definem, na prática, e em termos inovatórios, a incidência objetiva e subjetiva e a taxa, elementos fundamentais na determinação do tributo em questão – é em tudo idêntico ao que naqueles arestos se apreciou. Deste modo, cumpre reiterar aqui o juízo de inconstitucionalidade”.

Pelo que aí se decidiu “[j]ulgar inconstitucionais as normas constantes dos n.ºs 1 e 2 do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na redação dada pela Declaração de Retificação n.º 16-A/2009, por violação das disposições conjugadas da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição”.

No mesmo sentido vejam-se os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 429/2023 e 430/2023, ambos de 04.07.2023, n.ºs 601/2023 e 606/2023, ambos de 28.09.2023 (estes relativos ao mesmo exercício de 2013) e n.ºs 661/2023, 664/2023 e 665/2023, todos de 12.10.2023.

Assim sendo, recusando este Tribunal aplicar as normas constantes dos n.ºs 1, 4 e 5 Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na parte em que determinam a incidência objetiva e a taxa a aplicar em relação aos fornecedores de redes e de comunicações eletrónicas enquadrados no “escalão 2”, por violação das disposições conjugadas da alínea i) do n.º 1 do art.º 165.º e do n.º 2 do art.º 266.º da CRP, fica sem suporte normativo a liquidação impugnada, o que determina a sua anulação.

Como tal, fica prejudicado o conhecimento das demais questões, incluindo as questões objeto do recurso.

Assim, é de negar provimento ao recurso, embora com a presente fundamentação.

Vencida a Recorrente é a mesma responsável pelas custas (art.º 527.º do CPC).

Cumpre, no entanto, atento o valor dos autos (747.245,69 Eur.), considerar o disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

Assim, nos termos desta disposição legal, “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

No caso, tendo em conta a circunstância de as questões em apreciação já terem sido objeto de apreciação quer pelo Tribunal Constitucional quer por este TCAS e a conduta processual das partes, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 02 de novembro de 2023

(Tânia Meireles da Cunha)

(Maria Cardoso)

(Vital Lopes)