Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1081/10.4 BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:11/09/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:NOTÁRIO
APOSENTAÇÃO
PENSÃO TRANSITÓRIA
Sumário:I – Perante a aposentação de um notário, a pensão transitória ficará a cargo do serviço que lhe paga as remunerações pelo trabalho prestado à data do desligamento do serviço, devendo para o efeito recorrer às verbas destinadas ao pessoal fora do serviço a aguardar aposentação.
II - A atribuição da licença sem vencimento e, bem assim, a manutenção de um lugar no quadro paralelo do serviço público foi prevista no EN com a finalidade única de garantir o direito dos notários à integração em conservatórias de registo, no caso de manifestarem vontade em regressar ao IRN, IP, nos termos do art. 107°, n° 5 do EN, como decorre da mera leitura do preâmbulo da Lei n° 26/2004, de 04.02.
III Incontornavelmente, encontrando-se o Notário na data em que atingiu o limite de idade, a exercer funções de notário em Notário Privado, é esse o seu último serviço no ativo.
IV – Assim, o IRN não é responsável pelo pagamento da pensão transitória, uma vez que, para aplicação do artigo 99º nº 3 do EA, falta o pressuposto relativo à efetiva vinculação do Autor a esses serviços.
V – Não tendo o Notário requerido ao IRN o seu regresso ao serviço na pendência da licença sem vencimento que lhe foi concedida, a relação jurídica de emprego público com aquele encontrava-se suspensa, cessando apenas na data em que atingiu o limite de idade e consequente aposentação, em face do que o IRN não teria sequer legitimidade para pagar a pensão provisória, pois que o seu ultimo desempenho funcional anterior à aposentação foi no âmbito da sua atividade liberal.
Votação:Com declaração de voto
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Relatório
J........, tendo intentado Ação Administrativa Especial contra o Ministério da Justiça/IRN, tendente ao pagamento de pensão transitória, relativa ao período de 15 de Abril a 30 de Setembro de 2009, por parte do Instituto dos Registos e do Notariado, IP, inconformada com a Sentença proferida em 27 de outubro de 2015 no TAF de Sintra, que julgou improcedente a Ação, veio Recorrer para esta instância em 1 de dezembro de 2015, tendo então concluído:
“1ª)- O A. passou, a requerimento seu, à situação de licença sem vencimentos prevista nos art°s 107° e 113° do Estatuto do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n° 26/2004, de 4 de fevereiro, com efeitos a partir de 7 de outubro de 2005;
2ª)- e, enquanto tal, manteve a inscrição na CGA e a suportar à sua custa, a responsabilidade pelo pagamento das respetivas quotas;
3ª)- vendo aproximar-se a data do limite idade para o exercício das suas funções (70 anos) em 14 de abril de 2009, informou-se nos serviços da entidade demandada acerca da forma de proceder com vista à formalização do seu pedido de aposentação e atuou sempre de acordo com as instruções que lhe foram (verbalmente) transmitidas;
4ª)- A entidade demandada acompanhou todas as diligências tendentes à concessão da aposentação, tendo-lhe designadamente comunicado a data a partir da qual o considerava desligado do serviço para efeitos de aposentação.
5ª)- Ao A. foi reconhecido pela CGA o direito à pensão de aposentação com efeitos a partir de 1 de outubro de 2009;
6ª)- Em conformidade com o disposto no n° 3 do art° 99° do Estatuto da Aposentação, o subscritor desligado do serviço abre vaga e fica com direito a receber, pela verba destinada ao pessoal fora de serviço aguardando aposentação, pensão transitória de aposentação, fixada de harmonia com a comunicação da Caixa, a partir do dia em que for desligado do serviço (relativa ao período compreendido in casu entre 14 de abril e 30 de setembro de 2009) ;
7ª)- A douta sentença aqui impugnada decidiu que “Na data em que alcançou o limite de idade, o Autor encontrava-se a exercer a função de Notário no Cartório Notarial de Palmela, sendo esse, no limite, o “último serviço do ativo” em que o Autor se encontrou ”, pelo que “Não pode (...) concluir-se pela responsabilidade da Demandada pelo pagamento da pensão transitória correspondente ao período compreendido entre a data do desligamento do serviço e a do início do pagamento, pela CGA, da pensão de aposentação, uma vez que, para a aplicação do regime previsto no art. 99°/3 do EA, falta o pressuposto relativo à efetiva vinculação do Autor aos serviços do IRN IP”.
8ª)- Ora, sendo certo que, enquanto na situação de licença sem vencimento, o vínculo do A. à entidade demandada se encontrava suspenso, este retoma a sua plenitude a partir da data em que cesse aquela situação (14 de abril de 2009), já que, de acordo com o estabelecido no art° 74° n° 1 do Estatuto da Aposentação, “O aposentado, além do direito a pensão de aposentação, continua vinculado à função pública, conservando os títulos e a categoria do cargo que exercia e os direitos e deveres que não dependam da situação de atividade” - o que é igualmente aplicável ao pessoal que se encontre desligado do serviço aguardando aposentação, por força do estabelecido no n° 2 do mesmo preceito.
9ª)- É verdade que o A. não requereu formalmente a cessação da licença sem vencimento e o regresso ao serviço da entidade demandada, mas também o é que esta estava a par de todas as diligências em curso com vista à aposentação do A. (que acompanhou ativamente, tendo sido ela aliás quem remeteu o pedido à CGA, recebeu as comunicações e participou ao A. a data da desligação do serviço e, bem poderia, caso então o entendesse necessário, informá-lo da necessidade de cumprimento dessa formalidade) - não podendo agora “venire contra factum proprium””, por a tal se opor o princípio da boa fé.
10ª)- Aliás, a razão de ser de um tal requerimento - que poderia ser feita a qualquer momento (cfr. art° 107° n° 5 EN) - consistia em dar conhecimento desse facto à entidade demandada, para esta poder diligenciar pela sua substituição, o que, nas descritas circunstâncias, não se tornaria necessário, uma vez que esta estava a par do desígnio do A..
11ª)- Acresce que os cartórios notariais não dispunham de orçamento em que estivesse prevista uma qualquer “verba destinada ao pessoal fora de serviço aguardando aposentação”;
12ª)- E, deste modo, enquanto estivesse a decorrer o seu processo de aposentação, deveria o A. ser considerado vinculado à entidade demandada e, como tal, ser-lhe paga por esta a pensão transitória de aposentação até ao dia 1 do mês seguinte ao da publicação da lista de aposentados contendo o seu nome,
13ª)- por resultar claro que, a aplicação do doutamente decidido terá como sua direta consequência o não reconhecimento do direito ao abono daquela pensão transitória, com violação do direito consagrado no art° 63° CRP, já que o seu pagamento:
a) - não é da responsabilidade da CGA - a qual, de acordo com o estabelecido nos art°s 64° n° 1 e 73° n° 1 EA, apenas é responsável pelo pagamento da pensão definitiva e com efeitos a partir do dia 1 do mês seguinte ao da publicação em Diário da República da lista de aposentados contendo o nome do A. (in casu, a partir de 1 de Outubro de 2009);
b) - não pode ser da responsabilidade do titular do Cartório que lhe veio a suceder - pela elementar razão de que, não sendo sujeito da relação contributiva, não tem que suportar encargos para cuja contração em nada contribuiu;
b.3)- não faz sentido que seja da responsabilidade do titular cessante - que, em vez de ser beneficiário da pensão, passaria a ser seu pagador...
14ª)- E assim, verifica-se que, nos termos em que foi proferida, a interpretação seguida na douta sentença - teoricamente perfeita mas que, por não ter tido em conta a especificidade da situação do A., conduz a que, na prática, este fique desprotegido da segurança social, ao arrepio da norma contida no art° 63° CRP - não poderá ser mantida;
15ª)- A entender-se que o entendimento perfilhado pelo A./Recorrente não resulta das disposições contidas no EN, verificando-se uma lacuna da lei, nem por isso a situação do A. poderá ficar desprotegida, havendo que recorrer ao disposto no art° 10° n° 3 CC, por força do qual, não existindo caso análogo, a situação deve ser resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema,
16ª)- disposição essa que, tendo em conta o disposto no citado preceito constitucional e o circunstancialismo descrito, só poderá ser no sentido pretendido pelo A.- ou seja, no de que o pagamento da pensão transitória de aposentação seja da responsabilidade de entidade demandada, ao qual o A. deve ser considerado vinculado, nos termos do art° 74° do EA, e que certamente dispõe de orçamento e de verba destinada a esse efeito.
17ª)- Nestes termos e nos mais de Direito e com o douto e imprescindível suprimento de V. Exas deve ser concedido provimento ao presente recurso e, por via dela, anulada a douta sentença impugnada, com todas as suas legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”

O Recurso foi admitido por Despacho de 3 de fevereiro de 2016.

Em 14 de março de 2016 veio o MJ/IRN apresentar as suas Contra-alegações de Recurso, tendo concluído:
“1ª) A sentença recorrida fez uma correta apreciação dos factos e do direito aplicável ao caso concreto, não padecendo a mesma de qualquer vício, que, aliás, o Recorrente não concretiza.
2ª) O Recorrente não especifica os factos que considera julgados de forma incompleta, nem concretiza que instruções lhe foram verbalmente transmitidas, nem identifica quem as transmitiu, visando imputar responsabilidades à entidade Recorrida, a fim de obter desta o pagamento da referida pensão.
3ª) Porém, a atuação do IRN, IP em face da vontade manifestada pelo Recorrente pautou-se pelo estrito cumprimento da lei aplicável à situação concreta, como pode verificar-se dos factos considerados provados pelo Tribunal, na sentença que proferiu.
4ª) Diferentemente do sustentado, de que o IRN deveria ter informado o Recorrente que deveria requerer o termo da situação de licença sem vencimento em que se encontrava, a decisão de regressar (ou não) ao serviço é da exclusiva responsabilidade do Recorrente e dependia da apresentação de requerimento no IRN, IP a manifestar essa vontade, nos termos do artigo 107°, n° 5 do EN, e antes de ter atingido o limite de idade para a aposentação.
5ª) Considerando que o Recorrente não requereu ao IRN, IP, o seu regresso ao serviço na pendência da licença sem vencimento que lhe foi concedida, a relação jurídica de emprego público que se encontrava suspensa, desde 07.10.2005, cessou na data em que atingiu o limite de idade e consequente aposentação.
6ª) Deste modo, a entidade Recorrida não alcança como lhe pode ser imputado o pagamento da mencionada pensão provisória no período em causa, porquanto o Recorrente, desde 7 de outubro de 2005, optou por exercer uma profissão liberal, por sua livre e espontânea vontade, não tendo voltado a exercer funções na Administração Pública e tendo cessado a sua relação jurídica com este organismo, em 15.04.2009.
7ª) O Recorrente, na qualidade de trabalhador independente e enquanto titular da licença de instalação do “Cartório Notarial de J........", assume a qualidade de entidade empregadora, pelo que o pagamento da pensão transitória, nos termos do artigo 99°, n° 3 do Estatuto da Aposentação, constitui encargo do próprio, não tendo, por isso, a entidade Recorrida que proceder ao pagamento da pensão em apreço, tanto mais que o Recorrente não se encontrava ao serviço da mesma.
8ª) Nem poderia ser de outra forma, em face do disposto no artigo 44°, n° 1 do EA, que prevê expressamente que o subscritor é aposentado pelo último cargo em que está inscrito na CGA, que no caso do Recorrente é o cargo de notário do Cartório Notarial de Palmeia.
9ª) Aliás, a douta sentença prolatada concluiu e bem que o A. não se encontrava ao serviço da entidade Recorrida “que, além do mais, não se encontrava sujeita ao ónus de promover a aposentação do A, nos termos do disposto no artigo 41°/2 do EA.’
10ª) Tão pouco inexiste uma lacuna da lei, pois encontrando-se o Recorrente no pleno exercício da função notarial no regime privado no momento em que atingiu o limite de idade para o desempenho das suas funções - pois o seu vinculo à Administração Pública encontrava-se suspenso - não se vê como pode pretender beneficiar, até ao momento em que se verifica a sua efetiva aposentação, de um regime diferente daquele que beneficiam os restantes trabalhadores independentes (profissões liberais), que, igualmente, pagam as suas contribuições e quotizações à Segurança Social.
11ª) E na condição de profissional liberal, não pode beneficiar da aplicação do mesmo regime que um trabalhador da Administração Pública no ativo, que é desligado do serviço a aguardar a aposentação.
12ª) Não corresponde à realidade, o argumento de que o Recorrente ocupa um lugar no quadro paralelo, porquanto este só integraria o quadro de pessoal paralelo do município, caso tivesse requerido o seu regresso ao serviço, ficando afeto num dos serviços de registo até à sua integração, nos termos do artigo 107°, conjugado com o artigo 109°, n°s 4 e 5 e ainda o artigo 110°, todos do EN.
13ª) Com efeito, os lugares do quadro paralelo são fictícios e prendem-se com a possibilidade de regresso à Administração Pública seguida da afetação/integração dos notários nos serviços de registo, o que não ocorreu no caso concreto.
14ª) Não sendo automático o regresso ao serviço no IRN, I.P., também o Recorrente não o solicitou, nos termos previstos no EN, mediante requerimento, antes se mantendo no exercício da função privada de notário até à sua aposentação,
15ª) For último assinale-se que, diferentemente do sustentado, o IRN sempre agiu em conformidade com a lei, seguindo os seus trâmites e as regras nela fixadas, pelo que bem andou o Tribunal, ao decidir como decidiu.
Nestes termos e nos mais de Direito deve ser julgado totalmente improcedente o presente recurso e absolvido o Recorrido do pedido, com as suas legais consequências.”

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 8 de abril de 2016, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, de modo a verificar, como peticionado, se o pagamento da pensão transitória, relativa ao período de 15 de Abril a 30 de Setembro de 2009, deveria ser suportado pelo Instituto dos Registos e do Notariado, IP,

III – Fundamentação de Facto
Foi em 1ª Instância dada como provada a seguinte factualidade:
“A) O Autor foi nomeado, por despacho do Diretor-geral dos Registos e Notariado do Ministério da Justiça datado de 9.05.2002 no cargo de Notário do Cartório Notarial de Palmela, tendo tomado posse a 27.05.2002 (cfr. Termo de posse, a fls. 1 do PA, em apenso);
B) No dia 11 de Janeiro de 2005, foi atribuída ao Autor uma «licença de instalação de cartório notarial» referente ao Cartório Notarial de Palmela, após realizado o “...concurso de atribuição de licenças de instalação de cartório notarial, aberto por despacho de 20 de Abril de 2004, tornado público pelo aviso n.° 4994/2004, publicado no Diário da República, 2asérie, de 20 de Abril de 2004, e complementado pelo despacho n.° 25 138/2004, publicado no Diário da República, 2.a série, de 7 de Dezembro de 2004” (cfr. Aviso n.° 491/2005, publicado no DR, 2.a Série, n.° 14, de 20.01.2005, a fls. 2 a 7 do PA, em apenso);
C) O Autor dirigiu ao Ministro da Justiça o requerimento de fls. 10 do processo administrativo, datado de 01.09.2005, cujo teor se dá por reproduzido e no qual requereu licença sem vencimento por 5 anos a contar da data do respectivo início de funções, nos termos do número 4 do art° 107, secção III do DL 27/2004 de 4 de Fevereiro;
D) O pedido mencionado na alínea anterior foi autorizado “com início no dia 08.10.05” (cfr. fls. 10 do PA, em apenso);
E) No dia 07 de Outubro de 2005, o Autor tomou posse como notário do Cartório Notarial de Palmela, tendo-lhe sido deferido o início de funções (fls. 8-9 do processo administrativo);
F) No dia 29 de Março de 2006, foi publicado no Diário da República o Aviso n° 3865/2006, cujo teor se dá por reproduzido e do qual consta, designadamente que “[n]o seguimento do processo de privatização do notariado concretizado pelo Decreto-Lei n.° 26/2004, de 4 de Fevereiro, os funcionários dos cartórios notariais foram integrados em quadros de pessoal paralelos dos respetivos municípios nos termos do n.° 1 do artigo 109.°, sendo afetados a serviços externos dos registos por aplicação do disposto no n.° 4 do mesmo preceito ou ficando na situação de licença sem vencimento para os que optaram pela privatização ao abrigo do n.° 4 do artigo 107.° ou do n.° 2 do artigo 108.°. Assim, publica-se a lista nominativa dos funcionários dos quadros paralelos abaixo indicados, referentes a cartórios notariais que já entraram em funcionamento como privados em 7 de Outubro de 2005 e cujas licenças foram atribuídas na sequência de concurso aberto pelo aviso n.° 4994/2004 (2.a série), publicado no Diário da República, 2 a série, n.° 93, de 20 de Abril de 2004
G) Na listagem em anexo ao Aviso mencionado na alínea anterior consta o nome do Autor como notário do Cartório Notarial de Palmela (cfr. Aviso n.° 3865/2006, publicado no DR, 2.a Série, n.° 63, de 29 de Março de 2006, a fls. 27 a 29 dos autos);
H) O Autor manteve a sua inscrição na CGA (artigo 5.° da p.i., admitido por acordo);
I) No dia 10 de Março de 2009, o Autor entregou, junto dos serviços da Demandada, o requerimento de fls. 20 do processo administrativo, cujo teor se dá por reproduzido e ao qual anexou o requerimento de fls. 16-19, dirigido à CGA, no qual requereu a atribuição de pensão de aposentação por limite de idade;
J) Consta do requerimento mencionado na alínea anterior que o Autor atingiria o limite de idade - 70 anos - a 14.04.2009 (fls. 19 do processo administrativo),
K) No dia 25 de Junho de 2009, a CGA enviou ao Autor o ofício n.° SAC322QS.523795/00, cujo teor se dá por reproduzido e do qual consta, sob o assunto «Pensão definitiva de aposentação. J........», que “...ao abrigo do disposto no artigo 97.° do Estatuto da Aposentação - Decreto-Lei n.° 498/72, de 9 de Dezembro -, lhe foi reconhecido o direito à aposentação, por despacho de 2009-06-25, da Direção da CGA (proferido por delegação de poderes publicada no D.R. II Série, n° 50 de 200803-11), tendo sido considerada a situação existente em 2009-04-14, nos termos do artigo 43.° daquele Estatuto, com a redação da Lei n.° 52/2007, de 31 de Agosto. O valor da pensão para o ano de 2009 é de € 1 801,35 e foi calculado, nos termos do artigo 5°, n°s 1 a 3, da Lei n° 60/2005, de 29 de Dezembro, alterado pela referida Lei n.° 52/2007...
O pagamento da pensão constitui encargo do Serviço onde presta funções até ao último dia do mês em que for publicada no Diário da República, passando a ser da responsabilidade desta Caixa a partir do dia 1 do mês seguinte ao da publicação.” (cfr. ofício a fls. 33 e 34 dos autos, e a fls. 25 e 26 do PA, em apenso);
L) Na mesma data, a CGA enviou o ofício n.° SAC322QS523795 ao IRN,IP, sob o assunto “ENVIO DE OFÍCIO DE APOSENTAÇÃO ”, com referência a “J........ - Notário CART NOT J........”, mediante o qual comunicou à referida entidade o teor do ofício n.° SAC322QS.523795/00, da CGA, descrito no ponto n.° 9 do probatório (cfr. informação em anexo ao ofício, a fls. 26 a 28 do PA, em apenso);
M) No dia 08 de Setembro de 2009, foi publicada no Diário da República a aposentação do Autor (cfr. cópia do DR, de 08 de Setembro de 2009, 2.a série, n.° 174, a fls. 38 dos autos, e a fls. 43 do PA, em apenso);
N) No dia 09 de Abril de 2010, o Autor pediu ao Presidente do IRN,IP, o pagamento da “...pensão transitória de aposentação, respeitante ao período de 2009/04/15 a 2009/09/30” (cfr. requerimento, a fls. 39 e 40 dos autos, e a fls. 38 e 39 do PA, em apenso);
O) No dia 01 de Junho de 2010, o IRN,IP remeteu uma carta registada com aviso de receção ao Autor, mediante a qual comunicou a este que “... a pretensão formulada por V. Exa foi indeferida, por despacho de 2505-2010, do Senhor Presidente, do IRN,I.P. nos termos e com os fundamentos constantes da Informação PC n.° 107/2009 - SAJRH, que se anexa por fotocópia” (cfr. ofício n.° 107/SARH, a fls. 17 dos autos, e a fls. 53 do PA, em apenso);
P) Em anexo à comunicação descrita no ponto n.° 16 do probatório consta a «INFORMAÇÃO PC N° 107/09», sob o assunto «Notário privado - Aposentação por limite de idade», a qual termina referindo que “(...) Em conclusão:
a) A obrigatoriedade de comunicação à CGA, com a antecedência de 90 dias antes da data em que o trabalhador complete 70 anos de idade, imposta pelo n° 1 do art. 1° do Dec.-Lei n° 127/87, visa precaver que o processamento da pensão, pela CGA, a partir do mês seguinte ao da publicação da aposentação em Diário da República, opere, sequencialmente, ao desligamento do serviço por limite de idade, de forma a que os trabalhadores recebam atempadamente as suas pensões de aposentação;
b) Considerando que o Licenciado em apreço, quando em Março de 2009 iniciou os procedimentos necessários ao seu processo de aposentação se encontrava na situação de licença sem vencimento ao abrigo das disposições do EN, com a sua relação jurídica de emprego público suspensa, as vicissitudes ocorridas no presente processo de aposentação, não podem ser imputadas ao IRN, I.P.;
c) Na verdade o interessado encontrava-se em pleno exercício da atividade notarial privada, competindo ao mesmo, nos termos da lei, encetar, em devido tempo (com a antecedência de 90 dias), os procedimentos necessários, para que, atempadamente lhe fosse processada e paga a pensão de aposentação que lhe fosse devida;
d) Estando o pedido de regresso ao IRN,I.P. nos termos do disposto no n° 5 do art. 107.° do EN, sujeito à apresentação de prévio requerimento para o efeito e, tendo o Requerente atingido o limite de idade legalmente fixado para o exercício de funções públicas, em 14.04.2009, nunca o seu regresso ao IRN, I.P. poderia operar após essa data, conforme vem agora requerido pelo interessado, uma vez que a relação jurídica de emprego público cessa ope legis assim que o trabalhador complete 70 anos de idade, conforme dispõe o n° 2 do art. 31.° da LVCR;
e) Por todo o expendido, entendemos não estar cometida ao IRN, I.P. a obrigação de proceder ao pagamento de qualquer pensão transitória, a qual, atenta a situação do Requerente, que se encontrava no pleno exercício de funções de natureza privada, sempre estaria cometida ao Cartório.
f) Face ao que, estando a Administração vinculada ao princípio da legalidade no desenvolvimento da sua atividade administrativa, parece de indeferir a pretensão formulada pelo ora Requerente, de pagamento da pensão transitória de aposentação respeitante ao período de 15.04.2009 a 30.09.2009.
g) Nestes termos, merecendo a presente informação concordância superior, parece dever informar-se o Requerente em conformidade, bem como o SARH.” (cfr. informação PC n.° 107/09, a fls. 18 a 26 dos autos e, a fls. 44 a 51 do PA, em apenso);”

IV – Do Direito
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão de 1ª Instância:
“(…) Antes da aprovação do Decreto-Lei n.° 26/2004, de 04.02, diploma que aprovou o Estatuto do Notariado (EN), os notários portugueses exerciam a sua função como funcionários públicos do Estado.
Com a aprovação do referido diploma procedeu-se à privatização da atividade de notariado, passando as correspondentes funções a ser também asseguradas por profissionais liberais.
O novo Estatuto do Notariado veio criar uma nova figura de notário, que reveste uma dupla condição, a de oficial, enquanto depositário de fé pública delegada pelo Estado, e a de profissional liberal, que exerce a sua atividade num quadro independente. Na verdade, esta dupla condição do notário, decorrente da natureza das suas funções, leva a que este fique ainda na dependência do Ministério da Justiça em tudo o que diga respeito à fiscalização e disciplina da atividade notarial enquanto revestida de fé pública e à Ordem dos Notários, que concentrará a sua ação na esfera deontológica dos notários (cfr. preâmbulo do DL n° 26/2004 de 4.02).
No art. 106° do Estatuto do Notariado, estabeleceu-se que:
1 - A transição do atual para o novo regime do notariado deve operar- se num período de dois anos contados da data de entrada em vigor do presente Estatuto.
2 - Durante o período de transição deve proceder-se ao processo de transformação dos atuais cartórios, à abertura de concursos para atribuição de licenças, à resolução das situações funcionais dos notários e dos oficiais que deixem de exercer funções no notariado e demais operações jurídicas e materiais necessárias à transição.
No art. 107°/1 atribuiu-se aos notários a possibilidade de optarem por uma das seguintes situações.
a) Transição para o novo regime do notariado;
b) Integração em serviço da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado.
Neste contexto, os notários públicos puderam optar pela transição para o novo regime privado ou, em alternativa, manterem-se integrados num serviço da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado1, nos termos do art. 107.°, n.° 1 e 109°.
Aos notários que transitaram para o novo regime, foi reconhecido o benefício de uma licença sem vencimento com a duração máxima de cinco anos contados da data de início de funções (art. 107°/4), durante a qual o notário beneficiário da licença prevista no número anterior podia requerer a todo o tempo o regresso ao serviço na Direcção-Geral dos Registos e do Notariado para lugar no quadro paralelo criado nos termos do n.° 1 do artigo 109°.
No art. 109°/1 e 2 determinou-se a criação por município, de quadros de pessoal paralelos com o número de lugares correspondente ao número dos funcionários dos cartórios notariais abrangidos pelo presente diploma e a extinguir quando vagarem, sendo que os notários e os oficiais que prestam serviço nos cartórios notariais abrangidos pelo presente diploma são integrados no quadro de pessoal paralelo do município onde prestam serviço, com manutenção do direito à sua categoria funcional.
Nos termos da disciplina enunciada, os notários tinham garantido um lugar no quadro paralelo, especialmente criado com a finalidade de abranger todos os notários abrangidos pela reforma do notariado, com a possibilidade de regressar ao serviço da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado até ao termo do prazo da licença, caso manifestassem vontade nesse sentido, ao abrigo do disposto no art. 107.°/5 do EN.
Finda a licença, sem que o notário tivesse requerido o seu regresso à Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, extinguia-se o lugar do quadro paralelo e o notário passava, definitivamente, à situação de profissional liberal.
Da matéria provada resulta que o Autor iniciou as suas funções como notário público, em 28 de Maio de 2002 (alínea A) dos factos) e que, com a entrada em vigor do EN, optou pelo novo regime privado, nos termos do art. 107.°, n.° 1, al. a) desse diploma, iniciando as suas funções como notário privado, no dia 07 de Outubro de 2005 (cfr. alínea B)).
Resulta ainda da matéria assente que o Autor beneficiou da licença sem vencimento prevista no art. 107°/2, ocupando lugar no quadro paralelo da Direcção-Geral dos Registo e Notariado e a efetuar os correspondentes descontos para a CGA, nos termos do art. 113.°, n.° 1 do EN (cfr. alíneas C) a H) da matéria assente).
Entretanto, ainda na vigência da licença sem vencimento, o Autor atingiu o limite de idade para o exercício da função de notário (cfr. alínea J) dos factos assentes e arts. 41°/b) e 43° do Estatuto do Notariado), e requereu a aposentação (alínea I) dos factos), que veio a ser concedida e publicada a 25.06.2009 e 8.09.2009, respetivamente (cfr. alíneas K) e M) dos factos assentes).
Considerando o disposto no art. 64°/1 do Estatuto da Aposentação2, “[a] pensão de aposentação é devida pela Caixa a partir da data em que o subscritor passa à situação de aposentado”, sendo que nos termos do disposto no art. 73.°/1 do referido Estatuto, “[a] passagem do interessado à situação de aposentado verifica-se no dia 1 do mês seguinte ao da publicação oficial da lista de aposentados em que se inclua o seu nome.”
Por outro lado, determina-se no art. 99°/2 do Estatuto da Aposentação que “[o] subscritor considera-se desligado do serviço a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que seja comunicada a resolução da Caixa, ficando a aguardar aposentação até ao fim do mês em que seja divulgada a lista dos aposentados com a inclusão do seu nome”, acrescentado o n.° 3 que “[s]alvo o disposto em lei especial, o subscritor desligado do serviço abre vaga e fica com direito a receber, pela verba destinada ao pessoal fora do serviço aguardando aposentação, pensão transitória de aposentação, fixada de harmonia com a comunicação da Caixa, a partir do dia em que for desligado do serviço.”
Da conjugação das normas anteriormente transcritas resulta que os subscritores da CGA consideram-se desligados do serviço a partir do dia 01 do mês seguinte àquele em que a CGA comunique a sua decisão.
Até essa data pressupõe-se que o subscritor que tenha requerido a sua aposentação se mantenha em exercício de funções, continuando a receber a correspondente remuneração pelo trabalho prestado.
Depois dessa data, o subscritor tem direito a auferir uma pensão transitória até ao dia em que passe à situação de aposentado, o qual corresponde ao dia 01 do mês seguinte àquele em que seja incluído na lista de aposentados publicada no Diário da República.
A pensão transitória está a cargo do mesmo serviço que lhe paga as remunerações pelo trabalho prestado à data do desligamento do serviço, devendo o mesmo recorrer às verbas destinadas ao pessoal fora do serviço a aguardar aposentação para proceder a esse pagamento.
No caso dos autos, resulta da conjugação das normas do art. 41°/b) e 43° do EN e arts. 37°/b) e 41° do EA, que, tendo o Autor requerido a aposentação por ter atingido o limite de idade, o qual, no caso, é impeditivo do exercício das funções, o desligamento do serviço ocorreu na data em que o Autor completou 70 anos - a 14.04.2009 (alínea J) dos factos assentes).
Coloca-se, assim, a questão de saber se assiste ao Autor o direito ao pagamento da pensão transitória prevista no art. 99°/3 do EA pelo serviço ao qual alegadamente se encontrava ainda vinculado por via da licença sem vencimento que lhe fora concedida (alíneas C) e D) dos factos assentes). Vejamos.
A atribuição da licença sem vencimento e, bem assim, a manutenção de um lugar no quadro paralelo do serviço público foi prevista no EN com a finalidade única de garantir o direito dos notários à integração em conservatórias de registo, no caso de manifestarem vontade em regressar à Direcção-Geral dos Registos e Notariado e, posteriormente, ao IRN,IP, nos termos do art. 107.°, n° 5 do EN, como decorre, aliás, da leitura atenta do preâmbulo da Lei n° 26/2004, de 04.02, in fine.
Foi essa a finalidade prosseguida com as normas do art. 107° do EN, às quais há a acrescentar as do art. 113° que permitiram, a quem o pretendesse, a manutenção da inscrição na Caixa Geral de Aposentações.
Tratou-se de regimes transitórios, criados com finalidades muito particulares e respeitantes, designadamente, à salvaguarda de posições jurídicas detidas pelos anteriores Notários.
A interpretação das normas enunciadas não permite, todavia, retirar dos regimes em causa outros efeitos para além daqueles para os quais foram criados.
A respeito da situação em litígio, temos que a entidade responsável pelo pagamento da pensão transitória prevista no art. 99°/3 do EA seria o último “serviço do ativo” (vide acórdãos do TCAS, de 23.04.2009, processo n.° 04821/09, e de 06.12.2012, processo n.° 08788/12).
O Autor não se encontrava ao serviço da Requerida quando atingiu o limite de idade para a aposentação.
O Autor encontrava-se no exercício de funções correspondentes ao cargo de Notário no cartório Notarial de Palmela, no qual se encontrava provido em virtude de ter optado, aquando do início da vigência do EN, pela transição para o novo regime, nos termos das disposições do art. 107° do EN.
Beneficiou também, nos termos da mesma disciplina transitória, de uma licença sem vencimento, ocupando o correspondente lugar no quadro paralelo criado.
Não obstante, não se encontrava ao serviço da Entidade Demandada, que, além do mais, não se encontrava sujeita ao ónus de promover a aposentação do Autor nos termos do disposto no art. 41°/2 do EA.
Na data em que alcançou o limite de idade, o Autor encontrava-se a exercer a função de Notário no Cartório Notarial de Palmela, sendo esse, no limite, o “último serviço do ativo” em que o Autor se encontrou.
Não pode, assim, concluir-se pela responsabilidade da Demandada pelo pagamento da pensão transitória correspondente ao período compreendido entre a data do desligamento do serviço e a do início do pagamento, pela CGA, da pensão de aposentação, uma vez que, para a aplicação do regime previsto no art. 99°/3 do EA, falta o pressuposto relativo à efetiva vinculação do Autor aos serviços do IRN IP. Deve, assim, improceder a ação.”

Vejamos:
Diga-se, desde já que se acompanhará o sentido da decisão proferida em 1ª Instância.

Com efeito, a sentença recorrida julgou improcedente o pedido de anulação do despacho de 25 de maio de 2010 proferido pelo presidente do IRN, IP, que indeferiu o pedido de pagamento da pensão transitória de aposentação ao Recorrente, respeitante ao período de 15 de abril a 30 de setembro de 2009, por parte do IRN.

Como se afirmou na Sentença Recorrida a pensão transitória ficará a cargo do serviço que lhe paga as remunerações pelo trabalho prestado à data do desligamento do serviço, devendo para o efeito recorrer às verbas destinadas ao pessoal fora do serviço a aguardar aposentação.

Mais se afirmou na Sentença Recorrida que “A atribuição da licença sem vencimento e, bem assim, a manutenção de um lugar no quadro paralelo do serviço público foi prevista no EN com a finalidade única de garantir o direito dos notários à integração em conservatórias de registo, no caso de manifestarem vontade em regressar à Direção-Geral dos Registos e do Notariado e, posteriormente, ao IRN, IP, nos termos do art. 107°, n° 5 do EN, como decorre, aliás, de uma leitura atenta do preâmbulo da Lei n° 26/2004, de 04.02, in fine."

Acresce que o A. não se encontrava ao serviço da entidade Recorrida “que, além do mais, não se encontrava sujeita ao ónus de promover a aposentação do A., nos termos do disposto no artigo 41°/2 do EA.”

Incontornavelmente, o Recorrente na data em que atingiu o limite de idade, “encontrava-se a exercer funções de notário no Cartório de Palmela, sendo esse (...) o último serviço do ativo em que o A. se encontrou.”

Correspondentemente, concluiu a Sentença Recorrida que o Réu não é responsável pelo pagamento da referida pensão transitória, “uma vez que, para aplicação do artigo 99º nº 3 do EA, falta o pressuposto relativo à efetiva vinculação do Autor aos serviços do IRN, IP.”

Pretende o Recorrente que seja o IRN a assegurar-lhe o pagamento da pensão transitória de aposentação, desde 15 de abril a 30 de setembro de 2009, sendo que é da “responsabilidade da entidade demandada, ao qual o A. deve ser considerado vinculado, nos termos do atf 74° do EA, e que certamente dispõe de orçamento e verba destinada a esse efeito”.

Mais invoca o Recorrente que “vendo aproximar-se a data de atingimento do limite de idade para o exercício das suas funções, informou-se nos Serviços (...) acerca da forma de proceder com vista à formulação do pedido de aposentação e atuou sempre “de acordo com as instruções que lhe foram (verbalmente ) transmitidas”, sendo de acordo “com as instruções que lhe foram verbalmente transmitidas, que por carta de 3 de Março de 2009, transcrita na carta de 13 de Maio de 2009 (...), o A. informava o IRN, IP, acerca da sua atividade de trabalho com vista ao preenchimento do requerimento/nota biográfica (...) ”,

Mais se alega recursivamente que “o IRN não perfilhou o entendimento que pretende fazer valer na presente ação, pois, se entendesse que o A. deveria requerer o termo da situação da situação de licença sem vencimento em que se encontrava, nada mais simples do que dizer-lho, tanto mais que tudo o que o A. fizera fora em estreita colaboração e de acordo com as instruções daquele - o que, muito presumivelmente se deverá ao facto de se tratar de uma situação nova, e não haver definição acerca da forma como proceder” sendo que “desta indefinição não podem ser retirados dividendos contra o A, sob pena de violação das regras da boa-fé.”

Afirma ainda o Recorrente que “(...) atingido o limite de idade e porque a licença sem vencimento determina a suspensão do exercício de funções, o A. deveria ser considerado regressado ao lugar de origem e consequentemente cessada essa suspensão, até para se operar a abertura de vaga e permitir ao IRN providenciar pelo seu preenchimento (...)”.

Conclui o Recorrente afirmando que o pretendido pagamento “não pode ser da responsabilidade do titular do Cartório (de Palmela) que lhe veio a suceder - pela elementar razão de que, não sendo sujeito da relação contributiva, não tem que suportar os encargos para cuja contração em nada contribuiu’’, e que “não faz sentido que seja da responsabilidade do titular cessante, que em vez de ser beneficiário da pensão, passaria a ser seu pagador.”
Do ponto de vista do direito, entende o Recorrente que se verifica uma lacuna da lei, havendo que recorrer ao disposto no art° 10°, n° 3 do CC, segundo o qual não havendo caso análogo, a situação deve ser resolvida segundo a norma que o intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema, sendo que, em concreto, não se vislumbra qualquer lacuna no regime legal vigente.

Já do ponto de vista da matéria de facto, as criticas ensaiadas pelo Recorrente mostram-se insipidas, pois que a matéria de facto dada como provada mostra-se adequada e suficiente para a boa decisão da causa.

Como se sumariou no Acórdão do TCAS, de 21.05.2015 - no procº n° 05665/12, “á matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr. art 596º, n°1 e 607°, n°s 2 e 4 do C.P.Civil, na redação da Lei n° 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (...)."

Efetivamente o Recorrente não chega sequer a especificar os pontos de facto que considera julgados de forma incompleta, pois que se é certo que afirma repetidamente que lhe foram transmitidas (verbalmente) instruções, o que é facto é que não o demonstra, sendo que alegar não é provar.

“Perante a mera alegação de um facto, tal não determina que o tribunal tenha de o dar por assente, uma vez que alegar não é provar, como decorre do brocardo latino - Allegatio et non probatio quasi non allegatio - Alegar e não provar é quase não alegar. (Cfr. Acórdão do TCAN nº 00436/14.0BECBR, de 22-01-2021)

Importa igualmente não perder de vista que o Recorrente só se pode queixar de si próprio pois que foi o próprio quem não apresentou requerimento ao IRN a solicitar o seu regresso ao serviço, antes de ter atingido o limite de idade para a aposentação, nos termos do artigo 107°, n° 5 do EN, o que poderia ter feito toda a diferença.

É assim incontornável que não tendo o Recorrente requerido ao IRN o seu regresso ao serviço na pendência da licença sem vencimento que lhe foi concedida, a relação jurídica de emprego público com aquele, que se encontrava suspensa desde 07.10,2005, cessou na data em que atingiu o limite de idade e consequente aposentação, em face do que o referido Instituto não teria sequer legitimidade para pagar ao Recorrente a almejada pensão provisória no indicado período, pois que o seu ultimo desempenho funcional anterior à aposentação foi no âmbito da sua atividade liberal, alheia ao IRN.

Com efeito, o Recorrente, na qualidade de trabalhador independente e enquanto titular da licença de instalação do "Cartório Notarial de J........”, assume simultaneamente a qualidade de entidade empregadora a quem está cometida a obrigação de proceder ao pagamento das suas quotas e de uma contribuição de igual montante para a CGA (artigos 1º, n°2, 22° e 113º do EN).

Em face de tudo quanto supra expendido e ratificando-se o discurso fundamentador da Sentença de 1ª instância, improcederá o Recurso.
* * *
V - Decisão
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, Subsecção Social do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.

Lisboa, 9 de Novembro de 2023
Frederico de Frias Macedo Branco

Rui Pereira (Declaração de Voto)

Carlos Araújo

Declaração de voto
Voto a decisão, embora entenda que o IRN não agiu de boa-fé, como lhe impunha o artigo 10º do CPA, ao não informar expressamente o recorrente da necessidade de requerer o seu regresso ao serviço antes de atingir o limite de idade para a aposentação, nos termos do artigo 107º, nº 5 do EN, informando-o ainda que, na falta desse requerimento, não iria suportar o pagamento da sua pensão transitória de aposentação, levando a que este, em virtude dessa omissão de informação, deixasse de auferir cinco meses e meio de pensão.
Rui Pereira.