Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1573/19.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/26/2023
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:EXCLUSÃO
ESTABILIDADE DAS PEÇAS PROCEDIMENTAIS
ART. 79º, Nº 1, AL. C) DO CCP
DECISÃO DE NÃO ADJUDICAÇÃO
Sumário:I - Das normas concursais lidas no seu conjunto é claro que os concorrentes tinham de apresentar 2 propostas alternativas, que estas seriam independentes e os atributos de uma não interferiam na avaliação da outra.
II - O preço base do contrato, atento o disposto artigo 47º do CCP, foi obtido através de consulta preliminar (art. 35º-A), em que a Autora também interveio. E tal preço só seria viável considerando as propostas em alternativa e não em cumulação.
III - A graduação das propostas foi efectuada de acordo com o critério de avaliação seguindo a ordem de cada uma das soluções/vertentes.
IV - E em cada uma das alternativas a proposta melhor classificada foi a da Recorrente/ CI. Logo, as propostas da Recorrente/CI ficaram ordenadas em primeiro lugar nos dois tarifários, isto é, tanto no BT – IP como no BTE, pelo que o adjudicatário seria sempre o mesmo nos dois cenários.
V - Considerando também que nenhum outro vício ou ilegalidade foi apontado à proposta da contra-interessada e ao acto de adjudicação, sempre seria desproporcionada a condenação do Recorrente à prática do acto de não adjudicação.
VI - O legislador optou por consagrar no artigo 76.º, n.º 1, do CCP, um dever de adjudicação, que cessa apenas nas situações expressamente previstas no artigo 79.º, n.º 1, do CCP e devidamente fundamentadas. Justificação acrescida e suficientemente densificada que se impunha tanto à Autora como à sentença recorrida ao condenar a Entidade Adjudicante à prática do acto de não adjudicação.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de CONTRATOS PÚBLICOS
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I.RELATÓRIO

E... ENERGIA S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL (Autora/A.) intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa contra o MUNICÍPIO DE LISBOA (Entidade Demandada/ED), a acção administrativa urgente de contencioso pré-contratual tendo em vista a impugnação da decisão por este proferida no âmbito de procedimento concursal para fornecimento de energia eléctrica em baixa tensão para dispositivos de iluminação pública, tráfego e publicidade, nos termos do qual terá procedido à respectiva adjudicação à L... – COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA, LDA., aqui demandada a título de contra-interessada.

O TAC de Lisboa, por sentença de 20.02.2020, julgou a acção administrativa de contencioso pré-contratual procedente e, consequentemente, decidiu:

(i) Anular o acto proferido pelo MUNICÍPIO DE LISBOA em 26.07.2019, através do qual adjudicou a aquisição de serviços para fornecimento de energia eléctrica em baixa tensão para dispositivos de iluminação pública, tráfego e publicidade à L... – COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA, LDA., bem como o contrato entretanto celebrado por ambos, em 31.07.2019, por violação do princípio da estabilidade das peças do procedimento e do artigo 79.º, n.º 1, alínea c), do CCP; e

(ii) Condenar o MUNICÍPIO DE LISBOA à prática de acto de não adjudicação do procedimento concursal tendente à aquisição de serviços para fornecimento de energia eléctrica em baixa tensão para dispositivos de iluminação pública, tráfego e publicidade, ao abrigo do artigo 79.º, n.º 1, alínea c), do CCP.

Inconformadas a Entidade Demandada, Município de Lisboa, e a Contra-interessada L... – Comercialização de Energia, Lda., vieram separadamente interpor recurso jurisdicional da mesma.
A Entidade Demandada, ora Recorrente, nas suas Alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. O Tribunal a quo entendeu que, em 26/07/2019, a Câmara Municipal de Lisboa ao deliberar a rectificação da decisão de 29/05/2019 (constante do ponto nº 11 da douta sentença que se recorre - matéria dada como provada) e, em consequência, adjudicou a aquisição de serviços para fornecimento de energia elétrica em baixa tensão para dispositivos de iluminação pública, tráfego e publicidade à aqui CI, L... – COMERCIALIZAÇÃO de ENERGIA, LDA, violou o princípio da estabilidade das peças procedimentais e, bem assim o disposto no art. 79º, nº 1, al. c) do CCP.
2. O concurso, cuja validade ora se disseca, tem por objeto o fornecimento de energia elétrica em baixa tensão para dispositivos de iluminação pública, tráfego e publicidade do Município de Lisboa.

3. O Preço base de concurso foi fixado em € 10.656.907,37 (dez milhões, seiscentos e cinquenta e seis mil, novecentos e sete euros e trinta e sete cêntimos), excluído o IVA.

4. A fixação do preço base teve por suporte, como já referido, a consulta preliminar ao mercado efetuada em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 47.º do CCP.

5. O critério de adjudicação definido foi o da proposta economicamente mais vantajosa, na modalidade da avaliação do preço, ou custo, nos termos da al. b), do nº1 do art. 74º do CCP, atendendo-se ao preço global da proposta apresentada para o fornecimento de Energia ativa em ciclo semanal, Baixa Tensão – IP (>20,7 kW), tarifa tri-horária
OU
à proposta apresentada para o fornecimento de Energia Ativa em ciclo semanal, Baixa Tensão Especial, tarifa tetra-horária.

6. Todos os concorrentes, entidades conhecedoras e experientes na área, sabiam que o critério de adjudicação era o da proposta economicamente mais vantajosa, na modalidade da avaliação do preço, ou custo, nos termos da al. b), do nº 1 do art. 74º do CCP, atendendo-se ao preço global da proposta apresentada para o fornecimento de Energia ativa em ciclo semanal, Baixa Tensão – IP (>20,7 kW), tarifa tri-horária OU à proposta apresentada para o fornecimento de Energia Ativa em ciclo semanal, Baixa Tensão Especial, tarifa tetra-horária,
7. Todos os concorrentes sabiam que estavam obrigados a apresentar duas propostas:
- uma proposta contratual para fornecimento de energia ativa em ciclo semanal, baixa tensão – IP, e
- uma proposta contratual para fornecimento de energia ativa em ciclo semanal, baixa tensão especial – BTE.
8. Em suma, e ao contrário da interpretação que foi feita pelo Tribunal a quo é claro e evidente que todos os concorrentes sabiam, desde momento anterior à abertura do concurso que havia por parte do Município de Lisboa, atenta a incerteza que existia sobre a exequibilidade do fornecimento de energia em BTN-IP, uma abertura intencional e assumida das opções disponíveis no âmbito do procedimento. E todos os concorrentes a aceitaram sem reservas.

9. Em 29 de maio de 2019, por deliberação da Câmara Municipal, Proposta n.º 376/2019, foi aprovada a adjudicação do fornecimento de energia elétrica para dispositivos de Iluminação Pública, Tráfego e Publicidade à proposta apresentada pela L... – Comercialização de Energia Lda., pelo valor de € 8.920.361,44, acrescido de IVA à taxa de 23% e com o prazo contratual de execução de 1 ano, acrescido de mais 2 meses correspondente a eventual prorrogação.

10. A entidade adjudicatária L... – Comercialização de Energia Lda. foi notificada via plataforma eletrónica em 06 de junho de 2019 da decisão de adjudicação, da minuta do contrato e do prazo para apresentação dos documentos habilitantes, o qual findou em 21 de junho de 2019.

11. Em conformidade, procedeu-se à designação do dia 26 de Junho de 2019 para a outorga do contrato, notificando-se o adjudicatário L... Lda para o efeito. Acontece que,

12. Na pendência dos procedimentos com vista à celebração do contrato, a CML foi contactada pelo adjudicatário L... – Comercialização de Energia Lda, dando conta da comunicação da EDP Distribuição que afirmava a impossibilidade de ser efetuado o “switching” com alteração do tarifário de acesso às redes em “Baixa Tensão Especial” (BTE), até esta data em utilização na CML, para o tarifário de acesso às redes em “Iluminação Pública” (IP).

13. Na sequência deste contacto do adjudicatário, foram trocadas várias comunicações com a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) e com o distribuidor, EDP Distribuição, tendo-se concluído, com base nas apreciações efetuadas por essas entidades, não ser viável a utilização do tarifário de acesso à rede em IP, conforme adjudicação efetuada à L....

14. Tendo como base os esclarecimentos prestados pela ERSE, e atenta a natureza do serviço que se estava a contratar, que é um bem público essencial, imprescindível, de execução duradoura e continuada, e porque o objeto, os atributos e o critério de adjudicação do contrato se mantiveram inalterados, o Município de Lisboa entendeu que estavam reunidas as condições para se adjudicar a proposta melhor ordenada no respetivo concurso que contemple a tarifa de acesso às redes em BTE.

15. Houve, assim, necessidade de se proceder à retificação da decisão de adjudicação da aquisição de serviços para Fornecimento de energia elétrica em baixa tensão para dispositivos de iluminação pública, tráfego e publicidade do Município de Lisboa em tarifário de acesso às redes em Baixa Tensão Especial (BTE), ao invés do autorizado tarifário de acesso às redes em Iluminação Pública (IP), de assunção de compromisso plurianual, com a consequente repartição de encargos e de aprovação da minuta do contrato.

16. Relembra-se, desde o início que o programa de procedimento exigia que os concorrentes, sob pena de exclusão, apresentassem duas propostas, sendo que, o critério de adjudicação estabelecido foi o da proposta economicamente mais vantajosa, na modalidade avaliação do preço ou custo enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 74º o CCP, atendendo-se ao preço global da proposta apresentada para o fornecimento de Energia ativa em ciclo semanal, Baixa Tensão – IP (>20,7 kW), tarifa tri-horária OU à proposta apresentada para o fornecimento de Energia Ativa em ciclo semanal, Baixa Tensão Especial, tarifa tetra-horária.

17. Pelo que, o Recorrente atendeu ao teor das propostas apresentadas pelos concorrentes, no âmbito do procedimento de concurso, e notificou todos os interessados da intenção de adjudicação da prestação de serviços de Fornecimento de Energia Elétrica em Baixa Tensão para dispositivos de Iluminação Pública, Tráfego e Publicidade do Município de Lisboa,” à proposta economicamente mais vantajosa em tarifário de acesso às redes em BTE, a qual de acordo com o relatório final de análise e avaliação das propostas foi apresentada pelo Concorrente n.º 3 L... – Comercialização de Energia Lda.. E,

18. Por Deliberação de Câmara, de 25 de Julho de 2019, proposta nº 577/2019, foi retificada a decisão de adjudicação da aquisição de serviços para fornecimento de energia elétrica em baixa tensão para dispositivos de iluminação pública, tráfego e publicidade do Município de Lisboa em tarifário de acesso às redes em BTE, à Empresa “L... – Comercialização de Energia Lda.”, pelo valor da sua proposta de € 9.535.562,31 (nove milhões, quinhentos e trinta e cinco mil, quinhentos e sessenta e dois euros e trinta e um cêntimos) acrescido do IVA, à taxa de 23%, no montante de € 2.193.179,33 perfazendo o encargo total de € 11.728.741,64 e com o prazo contratual de execução de 1 ano acrescido de mais 2 meses correspondente a eventual prorrogação.
19. No dia 31 de Julho de 2019 foi celebrado entre o Município de Lisboa e a L... – Comercialização de Energia, Lda, o contrato de fornecimento – contrato nº 19042285 – 45/DGES/2019.

20. O critério de adjudicação definido foi, como já vimos, o da proposta economicamente mais vantajosa, na modalidade da avaliação do preço, ou custo, nos termos da al. b), do nº 1 do art. 74º do CCP, atendendo-se ao preço global da proposta apresentada para o fornecimento de Energia ativa em ciclo semanal, Baixa Tensão – IP (>20,7 kW), tarifa tri-horária OU à proposta apresentada para o fornecimento de Energia Ativa em ciclo semanal, Baixa Tensão Especial, tarifa tetra-horária.

21. O concurso público para celebração do contrato de “Fornecimento de energia elétrica em baixa tensão para dispositivos de iluminação pública, tráfego e publicidade no Município de Lisboa” obrigava a que todos os concorrentes, sob pena de exclusão, apresentassem proposta para o tarifário de acesso às redes (TAR) em IP e em BTE – art. 9º do programa de procedimento, o que foi feito por todos os concorrentes.

22. Se o concurso tivesse os pressupostos assumidos na sentença que se recorre, a entidade adjudicante, ora Recorrente teria, ao invés, solicitado a cada concorrente apenas a sua melhor proposta entre cada um dos tarifários, TAR em IP e TAR em BTE, o que não fez!

23. Não o fez porque o serviço promotor do concurso, Município de Lisboa, ora Recorrente diligentemente, pretendia ter a melhor proposta para cada tarifário, facto este que era do conhecimento pleno e consciente de todos os concorrentes aquando da sua candidatura.

24. A tarifa de acesso às redes em IP é uma nova tarifa, com uma metodologia de faturação (designada pela ERSE como “nova regra de faturação”) diferenciada da aplicada aos outros tarifários, que está dependente de terceiros, nomeadamente na relação dos postos de transformação (PT) existentes ou na agregação física e/ou virtual dos circuitos de IP, ambas, segundo a ERSE, dependentes do distribuidor (EDP Distribuição).

25. Logo, e como era facto do conhecimento dos concorrentes, entidades experientes e conhecedoras na área da energia elétrica, e atenta a novidade da tarifa de acesso às redes em IP, poderia ocorrer que aquando da adjudicação os seus pressupostos ainda não estivessem devidamente estabilizados, o que se verificou no caso concreto, podendo, assim, o Município de Lisboa ficar a braços com um contrato de “Fornecimento de energia elétrica em baixa tensão para dispositivos de iluminação pública, tráfego e publicidade no município de Lisboa” inválido.

26. Este facto fez com que o Recorrente se tivesse precavido com uma solução alternativa, solução essa do conhecimento de todos os que concorreram e por todos aceite sem reservas.

27. Ora, a solução alternativa foi precisamente solicitar, em paralelo e no mesmo procedimento, que todos os concorrentes, sob pena de exclusão (volta-se a frisar), apresentassem não só proposta para a TAR em IP (nova tarifa) mas também proposta para a tarifa de acesso às redes em BTE, acautelando assim diligentemente qualquer inibição que pudesse ocorrer na adjudicação, bem como a salvaguarda da igualdade na concorrência entre os diversos interessados, pois todos apresentaram propostas para ambos os tarifários.

28. A douta sentença do tribunal a quo entende, mal a nosso ver, que se verifica a violação do princípio da estabilidade ou imutabilidade das peças do procedimento e do princípio da concorrência, não se pode com a decisão do tribunal a quo porquanto:
a. As regras do concurso foram transparentes, colocando (impondo até) todos os concorrentes em igualdade de circunstâncias, não havendo por isso qualquer distorção da concorrência, a qual foi cristalina decorrente da exigência expressa na apresentação de propostas para ambos os tarifários;

b. O serviço promotor do concurso foi diligente na prospeção de uma solução que assegurasse inequivocamente que, independentemente de quaisquer constrangimentos, resultantes da nova metodologia de cálculo ou da ação ou omissões de terceiros (dos quais dependia), estaria em condições de garantir o fornecimento de energia elétrica para o fim em causa;

c. O facto de os concorrentes terem apresentado propostas para a TAR em IP e para a TAR em BTE garante que a entidade adjudicante possa optar pela proposta economicamente mais vantajosa, na modalidade de avaliação do preço enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar, entre aquelas que forem passíveis de adjudicação.
29. Ora, no procedimento sub iudice na sentença – como o Meritíssimo juiz, aliás, deu como provado – apenas o preço foi submetido à concorrência, por um lado, e por outro, que todos os concorrentes deveriam apresentar duas propostas: uma para IP outra para BTE, ao que acresce, em terceiro lugar, que a proposta adjudicada - embora na modalidade tarifário IP, note-se - era de mais baixo preço ou custo.

30. Ora, desde logo, a ordenação feita das propostas posteriormente à respectiva avaliação patenteia o carácter alternativo das propostas apresentadas pelos concorrentes; a atestá-lo basta atentar no facto de algumas das propostas ordenadas serem relativas à modalidade BTE e outras o tarifário IP.

31. No fundo, temos que a entidade adjudicante, ab initio, sinalizou a cada um dos concorrentes a obrigatoriedade de cada qual apresentar duas propostas, assumindo aquela entidade a discricionariedade optativa de selecionar a que melhor lhe conviesse.

32. É certo que, confessadamente, a própria entidade adjudicante, supervenientemente (já em fase de notificação da adjudicação) veio a assumir a impossibilidade técnica (“switching”) de adoptar o tarifário IP, todavia, isso não acarreta, objectivamente, uma alteração superveniente a um aspecto fundamental das peças porquanto, reitero, ab initio os concorrentes sabiam ou, em qualquer caso, não poderiam ignorar ter de apresentar cada um duas propostas não podendo ignorar, também, até atentos os ditames da boa-fé, que qualquer dessas propostas poderia, após a respectiva avaliação, vir a ser a proposta ordenada em primeiro lugar e, nessa medida, ser a proposta adjudicatária. Não houve qualquer violação do princípio da estabilidade das peças do procedimento, e por conseguinte, dos princípios da concorrência, igualdade e transparência.

33. Não houve qualquer erro quanto aos pressupostos da Câmara Municipal de Lisboa quando promoveu o concurso, o que houve foi uma abertura intencional e assumida das opções disponíveis no âmbito do procedimento, em virtude da incerteza quanto aos pressupostos de uma delas.

34. Em suma, deverá ser revogada a sentença proferida e, consequentemente, ser a ação declarada improcedente e em consequência manter-se válido e eficaz na ordem jurídica o acto Administrativo de 26/07/2019, e bem assim o contrato celebrado 31/07/219”.

A Contra-interessada L... – Comercialização de Energia, Lda., terminou as suas Alegações com as seguintes conclusões:

“A) O presente recurso vem interposto da Sentença do TAC de Lisboa de 20.02.2020, que julgou procedente a ação intentada pela E... e anulou o ato de adjudicação e o contrato impugnados nestes autos, condenando ainda a CML a proferir uma decisão de não adjudicação no Concurso;

B) A Sentença recorrida, no entanto, enferma de claro erro de julgamento, tanto na parte em que considerou violado o princípio da estabilidade das peças procedimentais, tanto na parte em que decidiu pela violação do disposto no artigo 79.º/1, alínea c) do CCP;

C) O Concurso lançado pela CML assentava num modelo “binário”, no qual os concorrentes eram obrigados a apresentar propostas independentes para os tarifários BT – IP e BTE, sabendo que só uma dessas propostas poderia, a final, ser adjudicada;

D) Tal configuração do procedimento explicava-se pelo risco de, anteriormente à celebração do contrato, poder vir a confirmar-se a inviabilidade da adoção do tarifário BT – IP, pelo que, para evitar ter de lançar um novo procedimento (só) quando tal risco se concretizasse, a CML pretendeu desde logo acautelar essa eventualidade e solicitar a apresentação de propostas para o tarifário BTE;

E) Das peças do procedimento resultava, assim, que a adjudicação entre os tarifários BT – IP e BTE era alternativa e que os concorrentes deveriam apresentar o seu melhor preço para cada um desses tarifários, razão pela qual a escolha pelo tarifário BTE, uma vez confirmada a inviabilidade do tarifário BT – IP, não constituiu qualquer alteração das peças, mas apenas a verificação de um cenário ou de uma hipótese prevista nessas mesmas peças;

F) Os concorrentes – e, em particular, a Autora E..., que também havia participado na consulta preliminar que antecedeu o lançamento do Concurso – tinham assim todas as informações necessárias à elaboração das suas propostas, não tendo existido qualquer sonegação de informações relevantes por parte da CML;

G) A comunicação pela qual a ERSE informou a CML de que não seria possível adotar o tarifário BT – IP não constituiu qualquer “circunstância imprevista” que obrigasse à alteração de “aspetos fundamentais das peças do procedimento”, mas sim uma circunstância expressamente prevista nas peças e que esteve na origem da decisão da CML de lançar o Concurso para os dois tarifários;

H) Como ficou provado nos autos, a própria E... sabia que o cenário para o fornecimento no tarifário BT – IP era de difícil concretização, razão pela qual a Autora não podia invocar (como não invocou) que poderia ter sido a adjudicatária ou ter apresentado uma proposta distinta caso soubesse de antemão que a adjudicação iria incidir sobre as propostas apresentadas para o tarifário BTE;

I) A desconsideração das propostas em BT – IP, para efeitos de adjudicação, não representou qualquer alteração – e, muito menos, uma alteração relevante ou inesperada – das peças do procedimento, pelo que nunca poderia considerar-se violado o princípio da estabilidade das peças procedimentais;

J) Acresce que, tendo a L... apresentado a melhor proposta para os dois tarifários, a adoção do tarifário BTE não conduziu a qualquer alteração do resultado do Concurso, não tendo a E... invocado, em qualquer lado da sua petição ou das suas alegações, que poderia ter apresentado um preço melhor em BTE;

K) Com a desconsideração de um dos tarifários, a CML não introduziu qualquer alteração que modificasse o resultado do Concurso, sendo que a jurisprudência administrativa já se pronunciou no sentido de uma alteração superveniente das peças não colide com o princípio da estabilidade quando nenhum dos concorrentes tenha beneficiado ou ficado prejudicado por esse facto;

L) Ao ter decidido de modo diferente, a Sentença recorrida incorreu em claro erro de julgamento, já que nem houve, verdadeiramente, alteração das peças (mantendo-se a estabilidade objetiva), nem pode considerar-se que poderia ter havido um adjudicatário distinto no procedimento;

M) Pelos mesmos motivos, não estava preenchida a previsão do artigo 79.º/1, alínea c), do CCP, já que a CML tinha o poder (e o dever) de adjudicar as propostas apresentadas para o tarifário BTE, aproveitando o procedimento já lançado e as propostas nesse âmbito recebidas;

N) Uma vez que as propostas para o tarifário BTE foram validamente apresentadas e os seus atributos não tinham sido influenciados pelas propostas para o BT – IP, o dever de adjudicação previsto no artigo 76.º/1 do CCP, bem como os princípios da prossecução do interesse público e do aproveitamento do ato e do procedimento, sempre imporiam a adjudicação da melhor proposta para o único tarifário viável (de entre os dois alternativamente previstos no Concurso), assegurando a satisfação das necessidades que se visava prosseguir através do contrato a celebrar;

O) A Sentença recorrida enferma assim de claro erro de julgamento quanto às duas supostas ilegalidades cometidas pela CML, pelo que deverá ser revogada e substituída por uma decisão que declare não ter existido qualquer violação do princípio da estabilidade das peças concursais e do artigo 79.º/1, alínea c) do CCP e, em consequência, mantenha em vigor no ordenamento jurídico o ato e o contrato impugnados nos autos.

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Nas contra-alegações de Recurso a Recorrida/ Autora concluiu assim:
(A) O âmbito dos recursos jurisdicionais interpostos circunscreve-se ao erro de julgamento da matéria de direito, não sendo impugnada a matéria de facto;
(B) Os Recorrentes suportam os seus recursos num alegado erro de julgamento por violação do princípio da estabilidade das peças do procedimento — sustentando que está aqui em causa um "modelo binário previsto nas peças" (Contrainteressada) e que existia uma "discricionariedade optativa de seleccionar a que melhor lhe conviesse" devidamente sinalizada aos concorrentes (Demandada) --, e, consequentemente, um alegado erro de julgamento por não dever haver lugar à não adjudicação do objecto do procedimento por força da impossibilidade legal, regulamentar e técnica entretanto verificada;
(C) Acontece que as peças do procedimento não definiam nem especificavam um qualquer "modelo binário" ou tão pouco sinalizavam qualquer expectativa de adjudicação em duas levas, primeiro de entre as propostas apresentadas para BTN-lP e, num segundo momento, seja por que razão for, de entre as propostas apresentadas para BTE;
(D) Como resulta da matéria de facto dada como assente, não foi feita qualquer prova sobre a hipotética faculdade ou prerrogativa de escolha de propostas a adjudicar, nem foi esse facto considerado como provado, não podendo, consequentemente. a Sentença recorrida ter levado em linha de conta na subsunção dos factos ao direito realizada;
(E) Bem andou a Sentença a quo ao reconhecer que o critério de adjudicação definido era o critério do preço ou custo enquanto único aspecto da execução do contrato a celebrar de entre todas as propostas apresentadas (BTN-IP e BTE) e que as peças do procedimento previam nem admitiam qualquer opção ou possibilidade de escolha entre adjudicar uma proposta em BTNIP ou em BTE;
(F) Nos termos claros e precisos da Sentença recorrida, "ao não antever ou por qualquer forma formular, nas peças do procedimento, de forma clara, precisa e unívoca, a possibilidade de o seu objecto vir a ser restringido – id est, de o critério de adjudicação anteriormente definido em termos genéricos vir a ser aplicado apenas a um dos tipos de fornecimento previstos —, o R acabaria por lhes sonegar uma parte muitíssimo significativa das informações necessárias para que os mesmos pudessem, em igualdade e total compreensão das regras do jogo, apresentar as melhores propostas com vista a tal efeito";
(G) Bem andou, por isso, a Sentença recorrida ao considerar que, à luz do critério de adjudicação
Erigido, o procedimento criou uma convicção de que a concorrência se faria entre todas as propostas apresentadas (BTN-IP e BTE) quando, na verdade e afinal, a concorrência foi feita entre as propostas apresentadas em BTE;
(H) Como a própria Sentença bem reconhece, se os concorrentes soubessem que a concorrência se faria apenas por consideração às propostas referentes às tarifas apresentada em BTE e não por consideração ao preço mais baixo entre todas as propostas apresentadas (BTN IP e BTE), teriam seguramente apresentado propostas com preços mais competitivos para a tarifa BTE;
(I) A Sentença recorrida não é, portanto, passível de qualquer crítica ou censura ao concluir que se a alteração introduzida após o termo do prazo fixado para apresentação de propostas tivesse sido considerada ad inicio — ou seja, se os concorrentes soubessem que a concorrência seria feita apenas por consideração apenas às propostas referentes à tensão BTE teria ocasionado, inequivocamente, uma alteração no conteúdo das suas propostas e, acrescenta-se, poderia ter ocasionado ainda a apresentação de outras propostas por parte de outros potenciais interessados;
(J) Sobretudo quando, no caso concreto, se constata que as propostas ordenadas nos quatro primeiros lugares eram referentes à tensão BTN-IP e as propostas ordenadas nos quatro últimos lugares eram referentes à tensão BTE;
(K) A decisão impugnada é por isso, violadora do princípio da estabilidade ou da imutabilidade das
peças do procedimento e do princípio da concorrência;
(L) Como concluiu e bem a Sentença recorrida, no caso concreto, atenta a ausência de qualquer norma ou disposição que, de forma clara, precisa e unívoca, admitisse a possibilidade de apenas aplicar o critério de adjudicação a um dos tarifários previstos, a circunstância imprevista, verificada e comunicada pelo Regulador e Distribuidor, que impediu a Entidade Adjudicante, aqui Recorrente, de manter a decisão de adjudicar o fornecimento em BTN-IP à totalidade dos pontos de entrega devia ter conduzido à não adjudicação por estar em causa a necessidade de alterar aspectos fundamentais das peças do procedimento;
(M) E não transfigurar o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa na
modalidade do preço mais baixo entre todas as propostas apresentadas para a modalidade do preço mais baixo apenas — e afinal — por consideração às propostas apresentadas em BTE;
(N) Isto mesmo num cenário hipotético e não provado de que a Entidade Demandada estaria ciente de que era legal ou regulamentarmente impossível o fornecimento de electricidade para dispositivos de Iluminação Pública, de Publicidade de Tráfego em BTN-IP pois, o que releva é a imprevisão dessa condição nas peças do procedimento;
(0) De acordo com a matéria de facto apurada e dada como assente — em especial o facto 14 - a circunstância da impossibilidade legal, regulamentar e técnica de fornecimento em tarifário BTN —IP, além de não estar prevista nem ter sido minimamente acautelada nas peças do procedimento, decorreu do “entendimento do distribuidor e do regulador" como agora preconizado pelo regulador para o uso da tarifa de acesso às redes em IP (em resposta a solicitação da CML) ";
(P) A Sentença recorrida não é, por isso, passível de qualquer censura ou critica que procedeu a urna
correcta e incensurável subsunção dos factos ao direito e, bem assim, a uma irrepreensível aplicação
do direito;
(Q) Os recursos interpostos são totalmente improcedentes e não merecem qualquer acolhimento.
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Neste Tribunal Central Administrativo, o DMMP, notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, não se pronunciou.

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Através de requerimento apresentado em 10.05.2021 veio o Recorrente Município suscitar a inutilidade superveniente da lide (fls. 2521 e segs. SITAF), ao que a Recorrida/Autora se opôs (fls. 2542 e segs. SITAF).
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Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência para decisão.

I.2 DA DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO/DAS QUESTÕES A DECIDIR

Em conformidade com o disposto nos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), é pelas conclusões do recorrente jurisdicional que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, que inexistem, estando apenas adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Como questão prévia há que decidir sobre a suscitada (in)utilidade superveniente da lide e, em função da resposta, conhecer ou não dos Recursos principais cuja questão central a resolver por este Tribunal ad quem incide sobre o alegado erro de julgamento de Direito da sentença recorrida.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 DE FACTO

O Tribunal a quo considerou a seguinte matéria de facto que se reproduz na íntegra:

1. Em 11.01.2019, o R. remeteu a diversas entidades do sector energético, entre as quais se incluem a A. e a CI., um “convite para apresentação de resposta à consulta preliminar para aferição do preço base para o futuro lançamento de um procedimento de aquisição de serviços para FORNECIMENTO DE ENERGIA ELETRICA EM BAIXA TENSÃO PARA DISPOSITIVOS DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA, TRÁFEGO E PUBLICIDADE NO MUNICÍPIO DE LISBOA”, aí solicitando “a apresentação do preço composto para a componente de Energia Ativa, em ciclo semanal, Baixa Tensão – Iluminação Pública, tarifa tri horária, bem como o preço composto para a componente de Energia Ativa, em ciclo semanal, Baixa Tensão Especial, tarifa tetra horária” (cf. cópias das mensagens electrónicas e respectivos anexos e respostas juntas a fls. 11-14, 16-17, 43-46 e 62-64 do processo administrativo apenso, documentos que se dão por integralmente reproduzidos.

2. Em 27.02.2019, a Câmara Municipal de Lisboa aprovou “a decisão de contratar a aquisição de serviços para “Fornecimento de energia elétrica em baixa tensão para dispositivos de iluminação pública, tráfego e publicidade do Município de Lisboa”, com recurso a concurso público, com publicidade internacional” nos seguintes termos:










(cf. cópias da proposta e actas em minuta juntas a fls. 242-258 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

3. Em 02.04.2019, foi publicado na Parte L da II Série do Diário da República o anúncio de procedimento n.º 3372/2019, nos termos do qual o R. dá conta da abertura de concurso público com vista ao “Fornecimento de Energia Eléctrica em Baixa Tensão para dispositivos de Iluminação Pública, Tráfego e Publicidade no Município de Lisboa”, com um preço base de EUR 10.656.907,37 (cf. cópia do anúncio junta a fls. 95-96 do processo administrativo apenso, documento que se dá por integralmente reproduzido).

4. Em 02.04.2019, o R. disponibilizou em plataforma electrónica de contratação pública o PC do procedimento concursal a que se alude nos dois pontos anteriores, cujo teor se reproduz parcialmente infra:

Artigo 1.º
Objeto do procedimento
1. O presente procedimento de contratação tem por objeto o “Fornecimento de Energia Eléctrica em Baixa Tensão para dispositivos de Iluminação Pública, Tráfego e Publicidade no Município de Lisboa”, cujas especificidades e caracteristicas técnicas se encontram melhor definidas no caderno de encargos. (…)
Artigo 9.º
Proposta e documentos
1. A proposta, declaração pela qual o concorrente manifesta a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo, deve ser constituída pelos seguintes documentos: (…)
b) Documentos que contenham os atributos da proposta:
i) Proposta contratual, para o fornecimento de Energia Ativa em ciclo semanal, Baixa Tensão – IP (>20,7 kW), tarifa tri-horária, elaborada em conformidade com o modelo constante do Anexo II (IP) a este programa de procedimento (Minuta da proposta), do qual faz parte integrante;
ii) Proposta contratual, para o fornecimento de Energia Ativa em ciclo semanal, Baixa Tensão Especial, tarifa tetra-horária, elaborada em conformidade com o modelo constante do Anexo II (BTE) a este programa de procedimento (Minuta da proposta), do qual faz parte integrante;
iii) Ficheiro de cálculo, com o nome de “cálculo de energia 2019.xls”, disponibilizado pela entidade adjudicante na plataforma eletrónica de contratação pública «acinGov» e que deverá ser devidamente preenchido pelo concorrente com os valores propostos para os preços unitários de energia ativa (sombreados a azul) presentes na folha “An_V - Custo E. Energia Act.”. (…)
8. São excluídos os concorrentes que não apresentem proposta para ambos os fornecimentos, ou seja, para o fornecimento de Energia Ativa em ciclo semanal, Baixa Tensão – IP (>20,7 kW), tarifa tri-horária e para o fornecimento de Energia Ativa em ciclo semanal, Baixa Tensão Especial, tarifa tetra-horária. (…)
Artigo 16.º
Critério de adjudicação
1. A adjudicação será efetuada de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante, na modalidade da avaliação do preço ou custo enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 74.º do CCP.”

2. A proposta considerada economicamente mais vantajosa será aquela que apresentar o preço mais baixo.
(cf. “fluxo_procedimento_262296.pdf” e “PP Processo 08_CPI_DA_DCP_ 2019 VF02-04-19.pdf” constantes do processo n.º 8/CPI/DA/DCP/2019, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

5. Em 02.04.2019, o R. disponibilizou em plataforma electrónica de contratação pública o Caderno de Encargos (“CE”) do procedimento concursal referido no ponto anterior, cujo teor se reproduz parcialmente infra:

Cláusula 1.ª
Objeto
1. O presente caderno de encargos compreende as cláusulas a incluir no contrato a celebrar na sequência do procedimento pré-contratual de concurso público internacional que tem por objeto o “Fornecimento de Energia Eléctrica em Baixa Tensão para dispositivos de Iluminação Pública, Tráfego e Publicidade no Município de Lisboa” que se encontra caraterizado no Anexo I (Caracterização - Horários de Funcionamento) e no Anexo III (Caracterização – Consumos) deste Caderno de Encargos.
2. O fornecimento de energia elétrica objeto do presente caderno de encargos reger-se-á pelos regulamentos, regras e normas aplicáveis publicadas pela ERSE, nomeadamente:
a) Regulamento de Relações Comercias;
b) Regulamento Tarifário;
c) Regulamento de Acesso às Redes e Interligações;
d) Regulamento da Qualidade de Serviço;
e) Guia de Medição, Leitura e Disponibilização de Dados;
Cláusula 2.ª
Preço base
O valor máximo para o fornecimento de energia eléctrica, correspondente a um período de um ano acrescido de um eventual mês de prorrogação, objeto do contrato a celebrar, é de 10.656.907,37 € (dez milhões, seiscentos e cinquenta e seis mil novecentos e sete euros e trinta e sete cêntimos), ao qual acresce IVA às taxas legais em vigor. (…)
Cláusula 4.ª
Vigência do contrato e prazos parciais
(…) 4. O cocontratante obriga-se a iniciar a mudança de comercializador junto da entidade encarregue do processo de mudança de comercializador no prazo máximo de uma semana, contado a partir da entrada em vigor do contrato.
5. O cocontratante obriga-se a concluir o processo de mudança de comercializador no prazo máximo previsto na regulamentação em vigor, de três semanas, contadas a partir da data do pedido de mudança de comercializador, exceto por motivos que não lhe sejam imputáveis
(cf. “fluxo_procedimento_262296.pdf” e “CE Processo_08_CPI_DA_DCP_ 2019 VF02-04-2019.pdf” constantes do processo n.º 8/CPI/DA/DCP/2019, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

6. Em 02.05.2019, a A. apresentou as suas propostas ao concurso público em causa, aí propugnando preços de EUR 8.931.664,62 e EUR 9.691.866,42, para o fornecimento de energia activa em BTN-IP e BTE, respectivamente (cf. “fluxo_procedimento_262296.pdf”, “Anexo II - Minuta da Proposta IP.pdf” e “Anexo II - Minuta da Proposta BTE.pdf” constantes do processo n.º 8/CPI/DA/DCP/2019, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

7. Em 02.05.2019, a CI. apresentou as suas propostas ao concurso público em causa, aí propugnando preços de EUR 8.920.361,44 e EUR 9.535.562,31, para o fornecimento de energia activa em BTN-IP e BTE, respectivamente (cf. “fluxo_procedimento_262296.pdf”, “Anexo II (IP).pdf” e “Anexo II (BTE).pdf” constantes do processo n.º 8/CPI/DA/DCP/2019, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

8. Em 17.05.2019, o júri do procedimento concursal em apreço elaborou um relatório preliminar do concurso, propondo a ordenação das propostas apresentadas nos termos que se seguem e convidando os concorrentes a, quererem, exercerem o seu direito de audiência prévia:

(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)

(cf. “relatorio_preliminar_262296.pdf” constante do processo n.º 8/CPI/DA/ DCP/2019, documento que se dá por integralmente reproduzido).

9. Em data que não foi possível apurar com total exactidão mas que se situa seguramente entre 17.05.2019 e 24.05.2019, a A. apresentou um requerimento junto do júri do procedimento concursal em apreço, aí requerendo a revisão do relatório a que se alude no ponto anterior com a proposta de não adjudicação do objecto do procedimento, porquanto, e em suma, “não é possível contratualizar o fornecimento de energia eléctrica no tarifário de Baixa Tensão Normal Iluminação Pública para os pontos de entrega que não são de Iluminação Pública” (cf. “Audi_ncia_pr_via_CML. pdf” constante do processo n.º 8/CPI/DA/ DCP/2019, documento que se dá por integralmente reproduzido).

10. Em 27.05.2019, o júri do procedimento concursal em apreço elaborou o respectivo relatório final, propondo a manutenção da ordenação das propostas e a adjudicação da proposta apresentada pela CI. para o tarifário BTN-IP (cf. “relatorio_final_262296.pdf” constante do processo n.º 8/CPI/DA/ DCP/2019, documento que se dá por integralmente reproduzido).

11. Em 29.05.2019, a Câmara Municipal de Lisboa deliberou adjudicar a aquisição de serviços para fornecimento de energia eléctrica em baixa tensão para dispositivos de iluminação pública, tráfego e publicidade daquela edilidade à CI., pelo valor de EUR 8.920.361,44 (cf. cópias da proposta e acta em minuta juntas a fls. 282-291 do processo administrativo apenso, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

12. Em 04.06.2019, o R. notificou a A. da decisão de adjudicação a que se alude no ponto anterior (cf. “Dados do Procedimento\notificacoes.pdf” constante do processo n.º 8/CPI/DA/ DCP/2019, documento que se dá por integralmente reproduzido).

13. Em 26.06.2019, o R. notificou os concorrentes ao procedimento concursal em apreço de que “a outorga do contrato se encontra suspensa” (cf. “Dados do Procedimento\notificacoes.pdf” constante do processo n.º 8/CPI/DA/ DCP/2019, documento que se dá por integralmente reproduzido).

14. Em 09.07.2019, o R. notificou os concorrentes ao procedimento concursal em apreço de que:
Por imperativos técnicos relativos à impossibilidade de “switching” (mudança de comercializador) com alteração de tarifário, atenta a potência contratada e o entendimento do distribuidor e do regulador sobre a metodologia de aplicação da nova regra de facturação ao universo em apreço para o “Fornecimento de Energia Eléctrica em Baixa Tensão para dispositivos de Iluminação Pública, Tráfego e Publicidade do Município de Lisboa” com a tarifa de acesso às redes em IP, a mesma só é executável, por ora, em tarifa de acesso às redes em BTE.
Não sendo assim possível a aplicação da tarifa de acesso às redes em IP nos moldes estabelecidos, por não estar prevista a conjugação de ambos os tarifários em simultâneo, como agora preconizado pelo regulador para o uso da tarifa de acesso às redes em IP (em resposta a solicitação da CML), vem a Edilidade atender ao teor das propostas dos concorrentes, apresentadas no âmbito do p.p. de concurso, e notificar todos os interessados da intenção de adjudicação da p. prestação de serviços de “Fornecimento de Energia Eléctrica em Baixa Tensão para dispositivos de Iluminação Pública, Tráfego e Publicidade do Município de Lisboa” à proposta economicamente mais vantajosa em tarifário de acesso às redes em BTE, a qual de acordo com o relatório final de análise e avaliação das propostas foi apresentada pelo Concorrente n.º 3 L... Lda., pelo valor contratual de € 9.535.562,31 e com o prazo de execução de 1 ano acrescido de mais 2 meses correspondente a eventual prorrogação.
Face ao exposto, dispõem V.Exas de 5 (cinco) dias úteis para, querendo, pronunciar-se sobre a intenção de adjudicação da p. prestação de serviços à proposta economicamente mais vantajosa em tarifário BTE.” (cf. “Dados do Procedimento\notificacoes.pdf” constante do processo n.º 8/CPI/DA/ DCP/2019, documento que se dá por integralmente reproduzido).
15. Em 16.07.2019, a A. apresentou um requerimento junto do R., aí peticionando a decisão de não adjudicação do procedimento (cf. cópia do requerimento junta a fls. 374-378 do processo administrativo apenso, documento que se dá por integralmente reproduzido).

16. Em 26.07.2019, a Câmara Municipal de Lisboa deliberou rectificar a decisão a que se alude no ponto 11. supra e adjudicar a aquisição de serviços para fornecimento de energia eléctrica em baixa tensão para dispositivos de iluminação pública, tráfego e publicidade daquela edilidade à CI., pelo valor de EUR 9.535.562,31, na medida em que:

(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)



(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)



(cf. cópias da proposta e acta em minuta juntas a fls. 406-415 e 446-448 do processo administrativo apenso, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

17. Em 30.07.2019, os concorrentes ao procedimento em apreço foram notificados da decisão de adjudicação a que se alude no ponto anterior (cf. “comunicacao_74043\comunicacao.pdf” constante do processo n.º 8/CPI/DA/ DCP/2019, documento que se dá por integralmente reproduzido).

18. Em 31.07.2019, o R. e a CI. celebraram o contrato de aquisição de serviços decorrente do procedimento concursal e acto adjudicatório a que se aludem nos pontos anteriores (cf. cópia do contrato junta a fls. 103-106 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

Nos termos do art. 662º do CPC, adita-se a seguinte factualidade:

19. O contrato indicado em 18, já foi integralmente executado – acordo;
20. No dia 14 de Abril de 2020, por imperativa necessidades foram celebrados com a EDP Comercial novos contratos para” FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA EM BAIXA TENSÃO PARA DISPOSITIVOS DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA, TRÁFEGO E PUBLICIDADE DO MUNICÍPIO DE LISBOA “ que teve inicio no dia 1 de Maio, conforme cópia junta a fls. 2523 e segs. SITAF.


*
II.2. De Direito

Conforme delimitado em I.1. cumpre apreciar e decidir.

A) Da Inutilidade superveniente da lide
Através de requerimento datado de 10.05.2021, a Entidade Demandada suscitou a inutilidade superveniente da lide, ao que a Autora se opôs (vide req. de 25.05.2021).

A extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, pressupõe a ocorrência, posterior à propositura da acção, de uma circunstância que claramente retire às partes o interesse em agir ou a possibilidade de obter uma qualquer vantagem juridicamente relevante com o prosseguimento da lide – art. 277.º, n.º 1, al. e), do CPC.
O que no caso não ocorre, pois, a A., ora Recorrida, não obstante a integral execução do contrato objecto da decisão de adjudicação impugnada, mantém utilidade no prosseguimento da presente acção, mesmo que não logre a execução específica de eventual sentença anulatória do acto impugnado mediante a reconstituição da situação hipotética real, dado subsistir a possibilidade de obter outros efeitos benéficos, nomeadamente os constantes no art. 79º, nºs 3 e 4 do CCP/2017 ou outros de cariz indemnizatório (cfr. neste sentido o ac. do TCAN de 19.02.2016, proc. nº 310/09.1BEBRG).
E sobretudo, porque tal circunstância foi prevista pelo legislador, como desenvolveu Dora Lucas Neto in “A modificação objetiva da instância no contencioso administrativo enquanto mecanismo de tutela judicial efetiva. O regime dos artigos 45º e 45º-A, do CPTA, em particular”, “Revista de Direito Administrativo”, AAFDL, nº 14 (Maio-Agosto/2022), págs. 5 e segs.:
«(…) na verdade, o atual artigo 45º ganhou clareza com a alteração que sofreu em 2015. Desde logo por ter sido eliminado o inciso de que a ação seria julgada improcedente e, bem assim, por ter sido criada uma ordem de sucessivos passos, patamares de decisão, a saber, o reconhecimento (i) do bem fundado da pretensão do autor, (ii) da existência de circunstâncias que obstem, no todo ou em parte, à emissão da pronúncia solicitada e (iii) do direito do autor a ser indemnizado por esse facto.
(…) Numa visão integrada do contencioso administrativo, à luz do princípio da tutela jurisdicional efetiva, não podemos deixar de realçar que é esta proteção, a do autor que terá provavelmente razão, que se encontra, também, como fio condutor e justificador, na tutela cautelar, na medida em que por ambos perpassa o objetivo de se obter, por via da lei do processo, uma melhor e mais efetiva tutela jurisdicional par quem tenha razão (ou venha a ter, com grande probabilidade, no caso da tutela cautelar).
A convolação do objeto do processo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 45º, não é possível sem que seja emitida pronúncia sobre o bem fundado da pretensão do autor, quer esta recaia sobre ilegalidades assacadas ao ato impugnado ou sobre um concreto pedido condenatório, pois que apenas nos casos de procedência é que se viabilizará a aplicação do citado artigo 45º».
A possível modificação objectiva será analisada após a apreciação do mérito dos presentes recursos jurisdicionais.
*

Ø Do erro de julgamento de DIREITO

Nos presentes autos não se mostra disputado o julgamento da matéria de facto.

O argumentário recursivo dos Recorrentes têm em comum os seguintes erros de julgamento imputados à sentença recorrida:
i) Errada interpretação do artigo 79º, nº 1, al. c) do Código dos Contratos Públicos –na versão então aplicável a que foi dada pelo Decreto-Lei nº 111-B/2017, de 31.08, adiante designado CCP/2017;
ii) Inexiste violação do princípio da estabilidade das peças do procedimento.

Atentemos no discurso fundamentador da sentença recorrida, na parte relevante:

“…. O artigo 79.º n.º 1, alínea c), do CCP que vem invocado pela A. estabelece que “Não há lugar a adjudicação, extinguindo-se o procedimento, quando (…) Por circunstâncias imprevistas, seja necessário alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento”.
Tal como, a este respeito, assinala PEDRO COSTA GONÇALVES (in “Direito dos Contratos Públicos”, 3.ª edição, volume 1, 2018, Almedina, páginas 933-934), as circunstâncias imprevistas a que ali se aludem “não têm de ser novas (supervenientes), nem tão-pouco imprevisíveis pelo órgão adjudicante. Pode, na verdade, tratar-se de circunstâncias existentes no momento da elaboração das peças do procedimento, mas que não foram consideradas, ponderadas ou previstas (…). Em qualquer cenário, exige-se que as novas circunstâncias existentes ou previsíveis no momento da elaboração das peças determine uma “necessidade” de alteração de aspetos fundamentais dessas peças” (entendimento que aqui se acolhe na íntegra).
Como se antecipa, a aferição dos pressupostos para a prolação de uma decisão de não adjudicação tem sempre de ser perspectivada à luz daqueles que são os poderes de que as entidades adjudicantes dispõem para proceder a alterações em aspectos fundamentais do procedimento e, a fortiori sensu, com o correlativo princípio da estabilidade das peças procedimentais que limita tal possibilidade de alteração.
Nas palavras do AUTOR que aqui se vem acompanhando de perto, o princípio da estabilidade das peças do procedimento “corresponde a uma concretização de princípios mais gerais, como os da concorrência, da igualdade de tratamento e da transparência: todos estes princípios “exigem, em especial, que os proponentes estejam em pé de igualdade no momento em que preparam as suas propostas”, o que implica, nomeadamente, que o objeto e os critérios de adjudicação do contrato em causa estejam claramente determinados desde o início do procedimento e que as condições e modalidades do processo de adjudicação sejam formuladas de forma clara, precisa e unívoca, no anúncio de concurso ou no caderno de encargos, de forma (…) a permitir a todos os proponentes razoavelmente informados e normalmente diligentes
compreenderem o seu alcance exato e interpretá-las da mesma maneira (…). É desta exigência que decorre que os órgãos adjudicantes não podem, em princípio, modificar, no decurso do procedimento de adjudicação, o alcance das condições essenciais do contrato, entre as quais figuram as especificações técnicas e os critérios de adjudicação, nas quais os operadores económicos interessados se basearam legitimamente para tomarem a decisão de preparar a apresentação de uma proposta ou, pelo contrário, de renunciar a participar no processo de adjudicação do contrato em causa” (op. cit., página 615).
Ora, considerando que, no caso dos autos, o R. erigiu a “Avaliação do preço ou custo enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 74º do CCP, atendendo ao preço global da proposta apresentada para o fornecimento de Energia Activa em ciclo semanal, Baixa Tensão – IP (…) ou à proposta apresentada para o fornecimento de Energia Activa em ciclo semanal, Baixa Tensão Especial” (cf. factos 2. e 4. firmados supra) e que, a posteriori, viria a dar conta aos concorrentes da impossibilidade de “aplicação da tarifa de acesso às redes em IP nos moldes estabelecidos, por não estar prevista a conjugação de ambos os tarifários em simultâneo”, com a adjudicação da “proposta economicamente mais vantajosa em tarifário de acesso às redes em BTE” (a qual, in casu, ficou classificada em 5.º lugar, cf. factos 8., 14. e 16. firmados supra), curial se torna concluir que, ao fazê-lo, alterou, de forma inadmissível, as “condições essenciais do contrato, entre as quais figuram as especificações técnicas e os critérios de adjudicação”.
Com efeito, e pese embora a obrigatoriedade de os concorrentes apresentarem uma proposta para o fornecimento de electricidade em BTN-IP e outra para BTE (cf. facto 4. firmado supra), o certo é que, ao não antever ou por qualquer forma formular, nas peças do procedimento, de forma clara, precisa e unívoca, a possibilidade de o seu objecto vir a ser restringido – id est, de o critério de adjudicação anteriormente definido em termos genéricos vir a ser aplicado apenas a um dos tipos de fornecimento previstos –, o R. acabaria por lhes sonegar uma parte muitíssimo significativa das informações necessárias para que os mesmos pudessem, em igualdade e total compreensão das regras do jogo, apresentar as melhores propostas possíveis com vista a tal efeito.
Na verdade, e como bem sustenta a A., ao exigir a apresentação de duas propostas para o fornecimento em BTN-IP e BTE sem cuidar de expressamente prever a possibilidade de uma dessas modalidades vir a ser desconsiderada quando da prolação de decisão adjudicatória, o R. colocou os respectivos destinatários numa situação em que sabiam, de antemão, à luz do critério de adjudicação predefinido, que uma das propostas por si apresentadas seria necessariamente superada pela outra (a não ser em caso de um improvável empate técnico entre ambas), podendo, por isso, aventar-se a possibilidade de os concorrentes apostarem mais vigorosamente numa proposta que na outra quando da sua elaboração, o que é quanto baste para que se conclua pela violação do princípio da estabilidade das peças do procedimento e, por conseguinte, dos princípios da concorrência, igualdade e transparência que o mesmo visa precisamente concretizar.
Há, assim, que entender que, ao deferir tout court a adjudicação do procedimento à proposta “que apresentar o preço mais baixo” para depois vir, ulteriormente, aplicar esse mesmo critério a apenas um determinado segmento de propostas, por motivos de ordem prática/regulatória (cf. factos 4., 14. e 16. firmados supra), o R. procedeu a uma alteração inadmissível das regras do jogo, em violação do princípio da estabilidade das peças do procedimento, devendo, por isso, a decisão de adjudicação proferida ser anulada e a parte condenada à prolação de decisão de não adjudicação, em virtude da ocorrência de circunstâncias imprevistas que não se afiguram compagináveis com a alteração das peças do procedimento vigentes, conforme se julgará a final”.

Percorrendo a sentença recorrida cremos que o seu raciocínio assenta em alguns equívocos.

Atentemos no quadro legal relevante.

O legislador optou por consagrar no artigo 76.º, n.º 1, do CCP, um dever de adjudicação, que contempla apenas a ressalva das situações previstas no artigo 79.º, n.º 1, do CCP.

Dispõe o artigo 79º do CCP/2017, sob a epígrafe “causas de não adjudicação”, que

1 - Não há lugar a adjudicação, extinguindo-se o procedimento, quando:
a) Nenhum candidato se haja apresentado ou nenhum concorrente haja apresentado proposta;
b) Todas as candidaturas ou todas as propostas tenham sido excluídas;
c) Por circunstâncias imprevistas, seja necessário alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento;
d) Circunstâncias supervenientes relativas aos pressupostos da decisão de contratar o justifiquem;
e) Nos casos a que se refere o n.º 5 do artigo 47.º, a entidade adjudicante considere, fundamentadamente, que todos os preços apresentados são inaceitáveis;
f) No procedimento de diálogo concorrencial, nenhuma das soluções apresentadas satisfaça as necessidades e as exigências da entidade adjudicante.
g) No procedimento para a celebração de acordo-quadro com várias entidades o número de candidaturas ou propostas apresentadas ou admitidas seja inferior ao número mínimo previsto no programa de concurso.
2 - A decisão de não adjudicação, bem como os respetivos fundamentos, deve ser notificada a todos os concorrentes.
3 -
No caso da alínea c) do n.º 1, é obrigatório dar início a um novo procedimento no prazo máximo de seis meses a contar da data da notificação da decisão de não adjudicação.
4 - Quando o órgão competente para a decisão de contratar decida não adjudicar com fundamento no disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1, a entidade adjudicante deve indemnizar os concorrentes, cujas propostas não tenham sido excluídas, pelos encargos em que comprovadamente incorreram com a elaboração das respetivas propostas” (d/n).

Atentemos nas normas relevantes do presente Procedimento:
“Artigo 1.º
Objeto do procedimento
1. O presente procedimento de contratação tem por objeto o “Fornecimento de Energia Eléctrica em Baixa Tensão para dispositivos de Iluminação Pública, Tráfego e Publicidade no Município de Lisboa”, cujas especificidades e características técnicas se encontram melhor definidas no caderno de encargos.
2. Este procedimento reveste a forma de concurso público, nos termos do preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 16.º do Código dos Contratos Públicos (doravante CCP), na sua versão atualizada e republicada pelo decreto-lei n.º 111-B/2017, de 31 de Agosto, com vista à celebração de um contrato de aquisição de serviços, previsto na alínea e) do n.º 2 do artigo 16.º do CCP.
(…)
Artigo 9.º
Proposta e documentos
1. A proposta, declaração pela qual o concorrente manifesta a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo, deve ser constituída pelos seguintes documentos:

(…)
b) Documentos que contenham os atributos da proposta:
i) Proposta contratual, para o fornecimento de Energia Ativa em ciclo semanal, Baixa Tensão – IP (>20,7 kW), tarifa tri-horária, elaborada em conformidade com o modelo constante do Anexo II (IP) a este programa de procedimento (Minuta da proposta), do qual faz parte integrante;
ii) Proposta contratual, para o fornecimento de Energia Ativa em ciclo semanal, Baixa Tensão Especial, tarifa tetra-horária, elaborada em conformidade com o modelo constante do Anexo II (BTE) a este programa de procedimento (Minuta da proposta), do qual faz parte integrante;

iii) Ficheiro de cálculo, com o nome de “cálculo de energia 2019.xls”, disponibilizado pela entidade adjudicante na plataforma eletrónica de contratação pública «acinGov» e que deverá ser devidamente preenchido pelo concorrente com os valores propostos para os preços unitários de energia ativa (sombreados a azul) presentes na folha “An_V - Custo E. Energia Act.”.
(…)
8. São excluídos os concorrentes que não apresentem proposta para ambos os fornecimentos, ou seja, para o fornecimento de Energia Ativa em ciclo semanal, Baixa Tensão – IP (>20,7 kW), tarifa tri-horária e para o fornecimento de Energia Ativa em ciclo semanal, Baixa Tensão Especial, tarifa tetra-horária.
(…)
Artigo 16.º
Critério de adjudicação
1. A adjudicação será efetuada de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante, na modalidade da avaliação do preço ou custo enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 74.º do CCP.”
2. A proposta considerada economicamente mais vantajosa será aquela que apresentar o preço mais baixo.
(…)
Artigo 24.º
Possibilidade de adopção de Ajuste Directo
Nos termos e para os efeitos do disposto na subalínea iv) da alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º do CCP, desde já se indica a possibilidade de adopção de um procedimento de Ajuste Directo para a celebração de um futuro contrato de aquisição de novos serviços que consistam na repetição dos serviços objeto do presente concurso público, abrangendo:
a) O mesmo âmbito;
b) Um período de um ano ou inferior.

Em primeiro lugar importa ter como premissas o seguinte:

i) O objecto do concurso era oFornecimento de Energia Eléctrica em Baixa Tensão para dispositivos de Iluminação Pública, Tráfego e Publicidade no Município de Lisboa”, cujas especificidades e características técnicas se encontram melhor definidas no caderno de encargos;

ii) o preço base, conforme cláusula 2ª do CE para o serviço a contratar seria de 10.656.907,37 (acrescido de IVA);

iii) a decisão indicada em 11 do probatório (a 1ª decisão de adjudicação), não foi impugnada por qualquer das partes.

Fica-se, pois, sem perceber qual a peça do procedimento que foi alterada, porquanto das normas concursais lidas no seu conjunto é claro que os concorrentes tinham de apresentar 2 propostas, que estas seriam independentes e os atributos de uma não interferiam na avaliação da outra.

Que o preço base do contrato, atento o dispostos no artigo 47º do CCP, foi obtido através de consulta preliminar (art. 35º-A), em que a Autora também interveio. E tal preço só seria viável considerando as propostas em alternativa e não em cumulação – vide ponto 1 do probatório.

Em sequência da aludida consulta, em 27.02.2019, o Recorrente Município aprovou “a decisão de contratar a aquisição de serviços para “Fornecimento de energia elétrica em baixa tensão para dispositivos de iluminação pública, tráfego e publicidade do Município de Lisboa”, que culminou quanto ao critério de adjudicação (vide ponto 2 do probatório):

A graduação das propostas foi efectuada de acordo como critério de avaliação seguindo a ordem de cada uma das vertentes. E em cada uma das alternativas a proposta melhor classificada foi a da Recorrente/ CI. Logo, as propostas da L... ficaram ordenadas em primeiro lugar nos dois tarifários, isto é, tanto no BT – IP como no BTE, pelo que o adjudicatário seria sempre o mesmo nos dois cenários.
Não se demonstrou, nem a Recorrida/Autora alegou, que era possível adjudicar o fornecimento de energia à melhor proposta do concorrente “X” em BT – IP e à melhor proposta do concorrente “Y” em BTE.
Daí que, não se entende qual a alteração efectuada ou introduzida nas peças do procedimento que foi inovadora ou trouxe ao procedimento um dado novo com que os concorrentes não poderiam legitimamente contar, uma vez que todos os concorrentes sabiam que tinham de apresentar o seu melhor preço para cada um dos tarifários e que só um desses preços seria, a final, escolhido pelo Recorrente Município.
O que conduz a que, no caso em apreço, o critério de avaliação escolhido, o da proposta economicamente mais vantajosa, no monofactor o mais baixo preço, não tem o alcance que a sentença recorrida e a Recorrida /Autora adoptaram.
Acresce que a decisão de contratar (cfr. art.º 36.º, n.º 1, do CCP) implica “a auto-vinculação da entidade adjudicante à conclusão do procedimento adjudicatário e à celebração do contrato com o concorrente que apresentar a melhor proposta de entre as que se revelaram contratualmente aceitáveis.

Tal obrigação de adjudicação apenas cessa nos casos (…) expressamente previstos no artigo 79º” – vide Pedro Fernández Sánchez in Direito da Contratação Pública, Vol. II, 2020, p. 368.

Donde, a decisão de adjudicação cabe ao órgão administrativo competente para autorizar a despesa inerente ao contrato a celebrar nos termos do art. 76.º do CCP/2017, que corresponde ao cumprimento do dever de adjudicação a que a Entidade Adjudicante está adstrita pelo facto de ter aberto um Concurso Público que foi este dever que segundo a Recorrida teria sido ilegalmente cumprido, pois caberia àquela Entidade proferir a decisão de não-adjudicação.

Para que tal suceda é necessário que ocorram uma das causas de não adjudicação previstas no supra referido artigo 79.º, n.º 1, do CCP/2017 “c) Por circunstâncias imprevistas, seja necessário alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento”.
Por ser a solução mais gravosa é que como foi sufragado no Ac. do STA, de 11.03.2021, no proc. nº 01445/19.8BEBRG:
Estamos no domínio da contratação pública, domínio este em que valores como a concorrência, a transparência, a igualdade e não discriminação e a imparcialidade assumem um papel relevantíssimo, e se, por um lado, o legislador permitiu que, em face das circunstâncias específicas de um caso concreto, um interesse público maior se sobreponha ao interesse público genericamente tutelado pela solução do artigo 76.º, por outro lado, só o permite se a derrogação a essa solução regra for devidamente justificada. Ao não fazê-lo, ao apresentar razões frágeis, confusas, conclusivas, incompletas, supostamente suficientes em virtude de uma margem de discricionariedade de que erradamente entende gozar, a entidade adjudicante está a favorecer um clima de suspeição e consequente litigiosidade, nada favorável ao interesse público. A latere, pode considerar-se que estamos aqui ‘paredes meias’ com aquelas situações em que, além da imposição genérica do dever de fundamentação, a lei especificamente prescreve “uma declaração dos fundamentos da decisão em termos tais que se possa concluir que ela representa a garantia única ou essencial da salvaguarda de um valor fundamental da juridicidade, ou então da realização do interesse público específico servido pelo acto fundamentando” situação em que “a fundamentação é funcionalmente equiparável a um momento constitutivo, negativo ou positivo, da perfeição do acto e, sem ela, os efeitos normativos não podem produzir-se” (cfr. J.C. Vieira de Andrade, O dever da fundamentação expressa de actos administrativos, Coimbra, 1991, p. 293)” – consultável in www.dgsi.pt .
Justificação acrescida e suficientemente densificada que se impunha tanto à Autora como à sentença recorrida ao condenar a Entidade Adjudicante à prática do acto de não adjudicação.
Ora, o que a Recorrida/Autora defendeu, quer em sede de audiência prévia, como na p.i. da presente acção, foi que não era legal nem regulamentarmente possível fornecer energia eléctrica no tarifário de Baixa Tensão Normal de Iluminação Pública e para pontos de entrega de dispositivos de Publicidade e de Tráfego.
A que a Recorrente acedeu “Por imperativos técnicos relativos à impossibilidade de “switching” (mudança de comercializador) com alteração de tarifário, atenta a potência contratada e o entendimento do distribuidor e do regulador sobre a metodologia de aplicação da nova regra de facturação (…) não é “possível a aplicação da tarifa de acesso às redes em IP nos moldes estabelecidos, por não estar prevista a conjugação de ambos os tarifários em simultâneo, como agora preconizado pelo regulador para o uso da tarifa de acesso às redes em IP (em resposta a solicitação da CML)” – vide ponto 16 do probatório.
Todavia, ao contrário do que pretende a Recorrida/Autora a solução passava por adoptar de entre as soluções alternativas postas a concurso a que apresentava a melhor proposta, às tarifas apresentada em BTE.
Labora, portanto, em erro a sentença quando defende que o Recorrente Município ao deferir tout court a adjudicação do procedimento à proposta “que apresentar o preço mais baixo” para depois vir, ulteriormente, aplicar esse mesmo critério a apenas um determinado segmento de propostas, por motivos de ordem prática / regulatória (cf. factos 4., 14. e 16. firmados supra), o R. procedeu a uma alteração inadmissível das regras do jogo, em violação do princípio da estabilidade das peças do procedimento”.
Na medida em que a concorrência se faria apenas por consideração a cada uma das propostas referentes às tarifas apresentada em BTE e não por consideração do preço mais baixo entre todas as propostas apresentadas (BTN – IP e BTE). Tendo, pois, todos os concorrentes a oportunidade de apresentar as melhores propostas para cada uma das alternativas, porquanto atento o contexto do presente concurso só uma delas seria adjudicada.
A ideia de lotes veiculada pela Recorrida emerge do fracionamento de Energia Eléctrica em Baixa Tensão para cada um dos dispositivos de Iluminação Pública, Tráfego ou Publicidade no Município de Lisboa, que não constitui objecto do procedimento “1. O presente procedimento de contratação tem por objeto o “Fornecimento de Energia Eléctrica em Baixa Tensão para dispositivos de Iluminação Pública, Tráfego e Publicidade no Município de Lisboa”, cujas especificidades e características técnicas se encontram melhor definidas no caderno de encargos” art. 1º do PP.
Aliás, quanto ao vício imputado à decisão de adjudicação de, no procedimento não terem sido adoptados os diversos tipos de fornecimentos por lotes, foi julgado improcedente pela sentença recorrida - que não foi impugnado por qualquer das partes.
Posto isto, verificando-se que tanto a Recorrida como os demais concorrentes apresentaram propostas considerando que estavam obrigados a apresentar para o fornecimento global dos dispositivos de Iluminação Pública, de Tráfego e de Publicidade:
i) uma proposta para o fornecimento de energia em Baixa Tensão – IP (…);
ii) uma proposta para o fornecimento de energia em Baixa Tensão Especial (…);
Que foi adjudicada, quer na 1ª adjudicação, como na sua “substituição”, a proposta apresentada com o menor custo.
Considerando também que nenhum outro vício ou ilegalidade foi apontado à proposta da contra-interessada e ao acto de adjudicação.
Tudo sopesado sempre seria desproporcionada a condenação do Recorrente à prática do acto de não adjudicação, pelo que será de conceder provimentos aos recursos interpostos pelo Município de Lisboa e Contra-interessada, revogar a sentença recorrida, e, consequência, julgar a acção totalmente improcedente, uma vez que os pedidos condenatórios dependiam da procedência do pedido impugnatório do acto de adjudicação identificado em 16 do probatório, que não ocorre.
Fica também prejudicada a eventual modificação objectiva da instância atento o desmérito do pedido anulatório.

*

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
i) Conceder provimento aos recursos do Município de Lisboa e Contra-interessada L...,
ii) Revogar a sentença recorrida, e, em consequência,
iii) julgar a acção de contencioso pré-contratual improcedente.

Custas a cargo da Recorrida.

R.N.
Lisboa, 26 de Outubro de 2023

Ana Cristina Lameira (Relatora)
Catarina Gonçalves Jarmela
Paula de Ferreirinha Loureiro