Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:222/12.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/27/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:OPOSIÇÃO
INEFICÁCIA DO ATAQUE À SENTENÇA
Sumário:I - Cingindo-se todo o percurso argumentativo espelhado no recurso jurisdicional ao erro da sentença quanto à não consideração da prova da gerência de facto da devedora originária (questão que não foi sequer apreciada pelo TAF), a verdade é que, ainda que tal gerência de facto viesse a considerar-se provada, tal não levaria ao provimento do recurso.
II - Com efeito, face ao enquadramento legal da reversão feita pelo Tribunal – artigo 24º, nº1, alínea a) da LGT (nunca questionado pela Recorrente), a Mma. Juiz centrou unicamente a sua análise na falta de alegação e prova “de que o património da sociedade executada diminuíra, inviabilizando a cobrança, por inadimplemento culposo do oponente”, deixando de fazer qualquer análise quanto ao efectivo exercício da gerência.
III - Sem atacar este juízo sobre a falta de cumprimento do ónus da prova da culpa na insuficiência do património, nunca a decisão da 1ª instância poderá ser alterada.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO


V..., na qualidade de revertida, deduziu oposição à execução fiscal n.º156220060..., instaurada pelo Serviço de Finanças de Sintra-1, para cobrança de dívidas de IRS e Juros Compensatórios, referentes aos anos de 2002 a 2004, da devedora originária “D..., Gestão de Imóveis, S.A.”.

O Tribunal Administrativo e Fiscal /TAF) de Sintra julgou procedente a oposição.

Inconformada, a Fazenda Pública veio recorrer da sentença proferida, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«A. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença aqui recorrida padece de erro de julgamento, pois face à prova produzida, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que a oponente foi efetivamente gerente da devedora originária no período a que respeitam os impostos em divida.

B. Contrariamente ao sentenciado, considera a Fazenda Pública que, no caso sub júdice, mostram-se verificados os pressupostos legais de que depende a reversão da execução, encontrando-se demonstrada a gerência de facto por parte da ora recorrida.

C. Ora, salvo o devido respeito, a Fazenda Pública não se conforma com a decisão proferida, e isto porque, atento aos elementos probatórios juntos aos autos, nunca poderia o Tribunal a quo ter decidido pela ilegitimidade da recorrida.

D. Atente-se que as decisões de gestão financeira, nomeadamente, em matéria de cumprimento das responsabilidades fiscais, foram, da sua responsabilidade, tal como todas as consequências que daí advieram.

E. Desta forma, pode afirmar-se que a situação económica da sociedade devedora originária depende das decisões que têm vindo a ser tomadas ao longo do tempo pelos órgãos sociais desta, designadamente, desde a sua constituição.

F. Com a devida vénia, sendo a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos realizados, exteriorizados pelo seu gerente, a Fazenda Pública fez a prova da prática desses atos que vinculam a sociedade devedora originária perante terceiros, designadamente perante a Administração Tributária.

G. Não resulta dos autos, qualquer esforço praticado, pela oponente, ora recorrida, de forma a evitar que as opções por si tomadas culminassem em diversas dividas, perante a Autoridade Tributária, designadamente planos de pagamentos em prestações; prestação de garantia idónea, etc.

H. Deste modo, e tendo presente a realidade em análise e de todos os elementos constantes do probatório, considera a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, que a atuação da Administração Tributária limitou-se ao estrito cumprimento dos artigos 23.º e 24.º da LGT.

I. Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente oposição judicial, enferma de erro de apreciação da prova, e de erro de interpretação de lei.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo douto Tribunal “a quo” assim se fazendo a costumada Justiça.»


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP), junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos, [que vão por nós realinhados nas alíneas F. e G.]:

«A. No dia 19/12/2006 foi instaurado contra a sociedade “D..., GESTÃO DE IMÓVEIS, S.A” no Serviço de Finanças de Sintra 1 o processo de execução nº156220060..., por dívidas de retenções de IRS referente aos anos de 2002 a 2004, liquidadas em Outubro de 2006 e com data limite de pagamento em 27/11/2006 (cfr. documentos de fls. 1 a fls. 4 do processo de execução fiscal apensos aos autos e informação de fls. 31 a 33 dos autos – processo físico);

B. A sociedade “D..., GESTÃO DE IMÓVEIS, S.A” foi citada no âmbito do processo de execução n.º156220060... no dia 28/12/2006 (cfr. aviso de recepção a fls. 25 informação de fls. 31 a 33 dos autos – processo físico);

C. No dia 06/11/2011 foi proferido despacho de reversão contra a aqui Oponente na qualidade de responsável subsidiária no âmbito do processo de execução fiscal supra referido, tendo sido citada para a execução no dia 07/12/2011 (cfr, documentos de fls. 25 verso a fls. 28 dos autos – processo físico);

D. Do teor da matrícula e das inscrições em vigor constantes da certidão da C.R. Comercial de Sintra de fls. 29 e 30 dos autos, que aqui se dá por reproduzido constata-se que a Oponente integra o Conselho de Administração para o triénio de 2003 a 2005, o revertido, sendo que a sociedade se obrigava pela intervenção conjunta de dois dos administradores, assim como consta a dissolução da sociedade em 27.01.2005.

E. Do teor da matrícula e das inscrições em vigor constantes da certidão da C.R. Comercial de Sintra de fls. 29 e 30 dos autos, que aqui se dá por reproduzido constata-se pela Ap. 2…/20050127 foi registada a dissolução da sociedade originária devedora, tendo sido nomeado como liquidatário C..., função que manteve até 21/08/2007, data em que renunciou ao cargo, conforme decorre da Ap.1…/20081111;

F. O despacho de reversão proferido contra a aqui oponente no dia 06/11/2011, na qualidade de responsável subsidiária, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 156220060..., tem o seguinte teor:


«Imagem no original»


G. A oponente foi citada no âmbito da presente execução no dia 07/12/2011, através do ofício n.º11539 de 25/11/2011 (cfr. documento a fls. 27 verso do autos e aviso de recepção a fls. 28 dos autos).

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Não há factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa.

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Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos e informações oficiais juntas aos autos, conforme se indica em cada alínea do probatório.»

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- De Direito


A sentença recorrida julgou a oposição procedente, considerando que “não se encontram reunidos os pressupostos para o apuramento da responsabilidade subsidiária da Oponente, nomeadamente no que concerne à demonstração da culpa pela insuficiência do património da sociedade originária devedora, ónus que incumbia à Administração Tributária e não foi cumprido”.

Para assim concluir, o TAF de Sintra evidenciou, no essencial, que “à reversão cujas dívidas estão em causa no presente recurso aplica-se a alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, uma vez que resulta assente dos autos que o prazo legal de pagamento ou entrega da dívida tributária ocorreu posteriormente ao período do exercício do cargo de vogal da administração da originária devedora pela oponente.

Assim, para além de provar o efectivo exercício das funções de administração da sociedade originária devedora no período a que respeita as dívidas, cabia à Administração Tributária alegar e provar a sua actuação ou omissão ilícita, causadora da insuficiência do património societário para satisfação das dívidas tributárias – cfr., neste mesmo sentido, o Acórdão do TCAN, de 13/02/2014, proferido no âmbito do processo n.º 2361/06BEPRT.

No entanto, a Administração Tributária, não alegou nem comprovou factualidade donde pudesse resultar a actuação ou omissão ilícita da Oponente, causadora da insuficiência do património societário para satisfação dos créditos tributários em questão, tanto mais que enquadrou a situação na alínea b) do nº1 do artigo 24.º da LGT.

Com efeito, a Administração nada disse a esse propósito, nenhum facto concreto alegou susceptível de demonstrar a culpa da Oponente (o que passaria pela alegação de factos indiciadores de uma gestão danosa do património da sociedade originariamente devedora).

Tendo o prazo de pagamento voluntário dos tributos na origem das execuções fiscais aqui em causa terminado após o termo do exercício do cargo de vogal da administração da sociedade originária devedora, como resulta não só do despacho de reversão, mas também da citação enviada à Oponente (cfr. ponto G da matéria assente), e atendendo ao disposto na alínea a) do nº1 do artigo 24.º da LGT, tornava-se imperiosa a expressa menção de que o património da sociedade executada diminuíra, inviabilizando a cobrança, por inadimplemento culposo do oponente. Mas é patente que tal pressuposto não figura no aludido despacho de reversão, o que o inquina inevitavelmente”.

Perante o transcrito e não perdendo de vista que, conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos (sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer), dúvidas não restam de que o presente recurso jurisdicional está inelutavelmente condenado ao fracasso.

Na verdade, pelas razões que passaremos a expor, fácil é concluir que o ataque à sentença recorrida é imprestável (por ineficaz) para o fim visado de obter a revogação do decidido.

É que, como está bom de ver, cingindo-se todo o percurso argumentativo espelhado no recurso jurisdicional ao erro da sentença quanto à não consideração da prova da gerência de facto da devedora originária (questão que não foi sequer apreciada pelo TAF), a verdade é que, ainda que tal gerência de facto viesse a considerar-se provada, tal não levaria ao provimento do recurso.

Com efeito, face ao enquadramento legal da reversão feita pelo Tribunal – artigo 24º, nº1, alínea a) da LGT (nunca questionado pela Recorrente), a Mma. Juiz centrou unicamente a sua análise na falta de alegação e prova “de que o património da sociedade executada diminuíra, inviabilizando a cobrança, por inadimplemento culposo do oponente”, deixando – insista-se - de fazer qualquer análise quanto ao efectivo exercício da gerência. Dito por outras palavras, a procedência da oposição assentou unicamente na questão da falta de alegação e prova (pela ATA) da culpa da revertida pela insuficiência do património social da originária devedora e isso, sublinha-se, não foi atacado.

Como tal, sem atacar este juízo sobre a falta de cumprimento do ónus da prova da culpa na insuficiência do património, nunca a decisão da 1ª instância poderá ser alterada.

Inexistindo específica crítica à legalidade da sentença que justifique a sua apreciação pelo Tribunal Superior, deve concluir-se pelo trânsito em julgado da mesma decisão.

Assim sendo, e sem necessidade de maiores considerações, atenta a manifesta ineficácia do ataque à decisão recorrida, há, desde já, que negar provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença.


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III - Decisão


Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 27/05/21

[A Relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Desembargadoras Hélia Gameiro e Ana Cristina Carvalho]


Catarina Almeida e Sousa