Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:234/15.3BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:10/19/2023
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:IMT
ISENÇÃO
IMÓVEL DESTINADO A FINS TURÍSTICOS
Sumário:Não estando em causa a aquisição de prédios ou de fracções autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que integradas no empreendimento em causa se encontrem afectas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83 de 5 de Dezembro.
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO TRIBUTÁRIA COMUM DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem a P......, S.A., interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de liquidação de IMT relativa à aquisição de fracção autónoma inserida em empreendimento turístico e que deu origem à liquidação de imposto no montante de € 34.541,13.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“A. A Mma. Juíza a quo entendeu que “Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados”

B. Sucede que entende a Recorrente que havia factos que deveriam também ter sido dados como provados. A saber:

C. Deveria ter sido considerado provado que a ora Recorrente comprou a fracção para revenda.

D. E também deveria ter sido considerado provado que apenas não ficou a constar da escritura a menção por via do artigo 7° do respectivo Código do IMT, pois a Notária entendeu que tal não seria necessário, uma vez que a isenção já existia por outra via.

E. Julgou ainda a Mma. Juíza a quo não se verificar o requisito de isenção do IMT consagrado no artigo 20.° do Decreto-Lei 423/83, de 5 de dezembro.

F. Mais considerou que "a Impugnante actuou como consumidor de um produto turístico posto no mercado pelo promotor, e não como cofinanciador na construção do empreendimento, razão pela qual, não pode considerar-se que a aquisição da fracção integra a fase de instalação do empreendimento".

G. A Recorrente entende não poder considerar-se consumidora porquanto comprou a referida fracção para uso profissional.

H. E defende ainda que considerar que no conceito de "instalação" o legislador pretendia referir-se ao "conjunto de atos jurídicos e os trâmites necessário ao licenciamento das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística'' não pode deixar de, com o devido respeito, considerar-se abusivo,

I. Porquanto tal não resulta da lei.

J. A lei consagra que “São isentas (...) as aquisições de prédios ou fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados como de utilidade turística…”

K. Quanto ao imóvel em apreço dúvidas não há quanto a esta utilidade,

L. Com a consagração normativa de tal isenção foi criada a expectativa - legítima - no contribuinte de que iria usufruir de isenção,

M. Que não pode ser quebrada, por respeito ao princípio da confiança jurídica. 

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve o presente recurso ser considerado procedente por provado, e em consequência ser revogada a sentença, sendo anulado o acto de liquidação de IMT”.

* *
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
* *
O Exmº. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento ao ter considerado que a Recorrente não poderia beneficiar da isenção prevista no art. 20º, nº 1 do Decreto-Lei nº 423/83 de 5 de Dezembro, por não estarem reunidos os pressupostos legais para essa isenção.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, considera-se provada a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) Por escritura pública outorgada em 27.01.2006 a ora Impugnante adquiriu, pelo preço de € 531.402,00, à sociedade “E......, S.A”, a fração autónoma designada pelas letras “B..” do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, sob o artigo n.º ……6 – cfr. doc. 2 junto com petição inicial.

B) Na escritura pública identificada em A) os outorgantes declararam que “o prédio onde se integra a fracção se encontra classificado para fins turísticos” – cfr. doc. 2 junto com petição inicial.

C) No mesmo documento foi feito constar que a “transmissão encontra-se isenta do pagamento de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis
nos termos do disposto no artigo 20º do Decreto-Lei número 423/83 de 5 de Dezembro” – cfr. doc. 2 junto com petição inicial.

D) A fração identificada em A) integra o empreendimento turístico denominado “Conjunto Turístico T......”, sito na Avenida do C......, concelho de Loulé – por acordo.

E) Por despacho de 02.06.2005, proferido pelo Secretário de Estado do Turismo, foi atribuída, a requerimento da sociedade “E........, S.A”, Utilidade Turística, a título prévio, pelo prazo de 16 meses, ao empreendimento qualificado como “Conjunto Turístico (T......)”, com a classificação provisória de 5 estrelas, que do seu teor se retira, como condicionante, que «A empresa não poderá realizar, sem prévia autorização da Direcção-Geral do Turismo e conhecimento da Comissão de utilidade Turística, quaisquer obras que impliquem alteração do projeto aprovado ou das características arquitectónicas do empreendimento» – cfr. fls. 41 da Reclamação
Graciosa apensa (RG), relativa ao Diário da República de 15.07.2005, 3ª Série, n.º 135.

F) Por Despacho de 07.05.2007, proferido pelo Secretário de Estado do Turismo e
publicado em Diário da República de 11.06.2007, 2ª Série, n.º 111, foi confirmada a Utilidade Turística reconhecida ao “Conjunto Turístico T......” – cfr. fls. 42 da RG.

G) A coberto da ordem de serviço n.º OI 201301308 de 03.10.2013 a Impugnante foi objeto de inspeção tributária interna de âmbito parcial em sede de IMT com incidência temporal no ano de 2006, tendo sido elaborado o relatório final de inspeção em 31.10.2013, do qual se retira, de maior relevância para o caso, o seguinte:
«[…]
II.3.1. Caracterização do sujeito passivo e atividade exercida
O sujeito passivo iniciou a sua atividade em 1994-12-23, para efeitos fiscais a sua atividade enquadra-se, na Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE), no código 41 200 Construção de edifícios (residenciais e não residenciais), como atividade secundária exerce Arrendamento de bens imobiliários, que corresponde ao código 68 100.
[…]
III – Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas
O sujeito passivo, em 2006-01-27, […] adquiriu o prédio urbano localizado no concelho de Loulé, freguesia de Quarteira correspondente ao artigo matricial n.º ........6– fração B.., pela quantia de € 531 402,00.
A referida aquisição onerosa foi reconhecida, pela Notária, como isenta de IMT nos termos previstos no art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05 de dezembro. […]
Como referido a aquisição beneficiou da isenção de IMT nos termos do disposto no art.º 20.º do DL n.º 423/83, de 05 de dezembro - como se tratasse de uma aquisição com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística.
Contudo, o prédio em causa (artigo …6, fração B..), à data da aquisição pelo sujeito passivo, encontrava-se já construído e integrava o empreendimento turístico T......, já instalado, pelo que não poderia beneficiar da isenção do IMT do art.º 20.º do DL n.º 432/83, dado que essa isenção se aplicaria às aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística.
Consequentemente, não se encontravam reunidos os pressupostos para benefício da referida isenção, pelo que há lugar à liquidação do IMT devido pela aquisição onerosa ocorrida em 2006-01-27, nos termos do art. 19.º do Código do IMT (CIMT).
[…]
IX. Direito de Audição – Fundamentação
O sujeito passivo exerceu o direito de audição por escrito, nos termos do n.º 1 do art. 63.º do RCPIT, a 2013-10-28. O teor dessa exposição analisa-se subsequentemente.
[…]
Não se detectaram no registo cadastral quaisquer outras actividades, para além das
duas acima referidas, que não permitiriam ter a isenção de imposto em caso de aquisição para revenda, prevista no art. 7.º do CIMT – embora não coloque em causa que existissem outra actividades que pudessem não se encontrar averbadas no registo informático, até porque é mencionado na escritura compra de um outro imóvel, junta pelo sujeito passivo (Doc. 4) que em situações anteriores obteve isenção por essa via.
Porém a questão da actividade não será relevante para o caso em apreciação, pois não é a isenção prevista no art. 7.º do CIMT que se encontra em análise, mas sim a isenção prevista no art. 20.º do Decreto-Lei 423/83 de 5 de Dezembro respeitante ao carácter de utilidade turística do imóvel.
Independentemente do facto do prédio em causa se encontrar construído ou não (embora pela análise da escritura nada leve a concluir que o prédio não se encontrasse construído), a isenção prevista no art. 20.º do Decreto-Lei 423/83 de 5 de Dezembro, foi requerida pela e aproveitada pela entidade E........, SA., e respeitou ao empreendimento, embora este incluía um hotel e os Apartamentos turísticos.
Porém, posteriormente, os contribuintes que adquiriram imóveis no referido empreendimento não poderiam beneficiar dessa isenção pois como refere o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 968/12 no Ponto I do seu Sumário: "...a aquisição de unidades de alojamento num empreendimento turístico, ainda que integradas no empreendimento em causa e, por isso, afectas à exploração turística, não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83."
Assim, na óptica da Administração Tributária, o sujeito passivo não poderia beneficiar da referida isenção, com o fundamento que evocou.
[…]» – cfr. fls. 29 a 39 da RG.

H) O Impugnante foi notificado das correções resultantes da ação de inspeção, através do ofício de 05.11.2013 da Direção de Finanças de Faro – cfr. fls. 28 da RG.

I) Ato Impugnado: Por ofício de 10.03.2014 foi a Impugnante notificada da liquidação de IMT no valor de € 34.541,13, com data limite de pagamento voluntário no prazo de 30 dias a contar da notificação, que ocorreu em 19.03.2014 – cfr. fls. 24/25 da RG.

J) Em 21.04.2014 a Impugnante pagou a quantia identificada em I) – cfr. fls. 26 da
RG.

K) A Impugnante tem por objeto social o «Exercício da indústria de construção civil e urbanizações, o comércio de compra e venda de imóveis e a gestão de imóveis próprios» – cfr. doc. 1 junto com a petição inicial.

L) A aquisição identificada em A) foi registada na contabilidade da Impugnante na conta 32 – Mercadorias – cfr. doc. 3 junto com a petição inicial.

M) Por escritura pública celebrada em 29.10.2008 a fração identificada em A) foi vendida pela Impugnante – cfr. doc. 5 junto com a petição inicial.

N) A petição inicial de impugnação foi apresentada no Serviço de Finanças de Loulé-2 (Quarteira) em 09.06.2015 – cfr. fls. 3 dos autos.
*
Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.
Motivação de facto:
A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos não impugnados, que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório, os quais não foram impugnados nem se identificam indícios que ponham em causa a sua genuinidade, e ainda com base na posição assumida pelas partes nos articulados no que respeita aos factos admitidos por acordo.”.
* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé foi a impugnação judicial julgada improcedente e mantida a liquidação de IMT no valor de € 34.541,13, porquanto aquele Tribunal considerou que a Impugnante, ora Recorrente não poderia beneficiar da isenção prevista no nº1 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83 de 5 de Dezembro, na medida em que, na aquisição da fracção autónoma que efectuou, a impugnante actuou como consumidor de um produto turístico posto no mercado pelo promotor, e não como cofinanciador na construção do empreendimento turístico.

Dissente do assim decidido veio a Recorrente alegar desde logo que o tribunal a quo deveria ter considerado como provados os seguintes factos:

“C. Deveria ter sido considerado provado que a ora Recorrente comprou a fracção para revenda.

D. E também deveria ter sido considerado provado que apenas não ficou a constar da escritura a menção por via do artigo 7° do respectivo Código do IMT, pois a Notária entendeu que tal não seria necessário, uma vez que a isenção já existia por outra via.”.

Mais alega erro de julgamento defendendo que deveria beneficiar da isenção de IMT prevista no art. 20º, nº 1 do Decreto-Lei nº 423/83.

Vejamos então.

Quanto ao alegado relativamente aos factos a considerar como provados, importa ter presente o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, na medida em que a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto caracteriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão.

Assim, nos termos do citado artigo 640º do CPC, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Desta forma não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, mas impõe-se-lhe os ónus já mencionados, que no caso em apreço não foram concretizados.

Face ao exposto rejeita-se a impugnação da matéria de facto, mantendo-se esta nos precisos termos constantes da sentença ora recorrida.

Prosseguindo.

O Tribunal a quo julgou improcedente a impugnação porquanto entendeu que a impugnante não poderia beneficiar da isenção prevista no nº 1 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83 de 5 de Dezembro, por não estarem preenchidos os pressupostos nele previstos, tendo para o efeito fundamentado a decisão nos seguintes termos:

“A questão de saber se, no âmbito de aplicação do benefício fiscal previsto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, assiste razão à Impugnante quanto ao benefício fiscal de isenção de IMT, encontra-se tratada de modo uniforme ao nível da jurisprudência superior, tendo sido objeto de decisão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em julgamento ampliado, nos termos do artigo 148.º do CPTA, pelo que, neste circunstancialismo, há que aderir à posição maioritariamente sufragada (6 votos a favor, 4 contra) no acórdão do STA de 23.01.2013, processo n.º 0968/12, disponível em www.dgsi.pt, atento o dever do juiz de contribuir para a uniformidade de tratamento de situações análogas, conforme decorre do n.º 3 do art.º 8.º do Código Civil (cfr., ainda, os arestos n. º 969/12, 1001/12 e 1005/12 proferidos na mesma sessão, e que obtiveram a adesão dos Venerandos Juízes Conselheiros que haviam votado vencido, e os n.ºs 971/12, 971/12, 999/12, 1003/12 e 1193/12, proferidos na sessão seguinte, em 30.01.2013, todos no mesmo sentido, e que, adiante-se desde já, foi no sentido de que a primeira aquisição de fração destinada a exploração turística não integra já a fase de instalação do empreendimento).

Assim, o Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, veio atualizar o instituto da utilidade turística que, de acordo com o seu preâmbulo, se havia revelado “um dos instrumentos mais eficazes para o desenvolvimento do sector, em particular no que respeita a equipamento hoteleiro e similar, a que foi inicialmente dirigido”, mas que, após 30 anos de vigência, não correspondia já às necessidades efetivas do setor do turismo.

Nos termos do seu artigo 1.º, “[a] utilidade turística consiste na qualificação atribuída aos empreendimentos de carácter turístico que satisfaçam os princípios e requisitos definidos no presente diploma e suas disposições regulamentares”, sendo atribuída “por despacho do membro do governo com tutela sobre o sector do turismo” – cfr. artigo 2.º, n.º 1.

Por regra, [a] utilidade turística abrange a totalidade dos elementos componentes ou integrantes dos empreendimentos (cfr. artigo 3.º, n.º 5), podendo ser atribuída a título prévio ou definitivo (cfr. artigo 7.º), sendo (n.º 2) a título prévio quando for atribuída antes da entrada em funcionamento e (n.º 3) a título definitivo quando for atribuída a empreendimentos já em funcionamento ou resultar da confirmação da utilização turística concedida a título prévio.

Estabelece o n.º 1 do art.º 20 do mesmo Decreto-Lei que [s]ão isentas de sisa e do imposto sobre sucessões e doações, sendo o imposto do selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento. O n.º 2, por sua vez, vem dispor que [a] isenção e a redução estabelecidas no número anterior verificar-se-ão também na transmissão a favor da empresa exploradora, no caso de a proprietária ser uma sociedade de locação financeira e a transmissão se operar ao abrigo e nos termos do contrato de locação financeira que determinou a aquisição do empreendimento pela sociedade transmitente.

Estes benefícios são de aplicação automática, resultando direta e imediatamente da lei, razão pela qual não têm de ser reconhecidos no despacho de atribuição da utilidade turística.

Com efeito, são requisitos cumulativos da isenção de sisa, agora IMT, os seguintes:

1- O prédio ou a fração autónoma adquirida tem que se integrar na fase de instalação de empreendimento qualificado como de utilidade turística;

2- O estatuto de utilidade turística tem que estar válido; e

3- Tem que ser observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento.

Quanto ao primeiro requisito, aquele que, no caso, gera a dissonância de posições em apreço nos autos, pela pertinência e clareza de exposição, transcreve-se aqui o sumário do acórdão do STA acima identificado, de cuja fundamentação, com a devida vénia, aqui nos valemos pelas razões já apontadas:

«I - Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, sendo que "Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei (art. 11.º, n.ºs 1 e 2, da LGT).

II - No âmbito do regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, estabelecido no Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, o conceito de instalação de um empreendimento turístico compreende o conjunto de atos jurídicos e os trâmites necessários ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística (cfr. Capítulo IV, arts. 23.º ss.).

III - Quando o legislador utiliza a expressão aquisição de prédios ou de frações autónomas com destino à «instalação», para efeitos do benefício a que se reporta o n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, não pode deixar de entender-se como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de frações autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respetivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à atividade de promoção/criação dos mesmos.

IV - Este conceito de «instalação» é o que se mostra adequado a todo o tipo de empreendimentos turísticos e não é posto em causa pelo facto de os empreendimentos poderem ser construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação».

V - Nos empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural (que compreendem lotes e ou frações autónomas de um ou mais edifícios, nos termos do disposto no art. 52.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março), destacam-se dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo às operações necessárias a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda das unidades projetadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo.

VI - O legislador pretendeu impulsionar a atividade turística prevendo a isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo, para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (ou readaptar e remodelar frações existentes) e não quando se trate da mera a aquisição de frações (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento.

VII - Quem adquire as frações não se torna um cofinanciador do empreendimento. Com a responsabilidade da respetiva instalação, uma vez que está a adquirir um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor, seja a aquisição feita em planta ou depois de instalado o empreendimento, como um qualquer consumidor final. Tanto mais que as frações podem ser adquiridas para seu uso exclusivo e sem qualquer limite temporal (no caso de empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural).

VIII - Não estando em causa a aquisição de prédios ou de frações autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afetas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20.º, n.º 1, do Decreto- Lei n.º 423/83.

(...)».

No caso dos autos, resulta provado – aliás, as partes não divergem quanto aos factos essenciais à decisão da causa mas apenas quanto à interpretação do direito que lhes é aplicável – que a Impugnante adquiriu a fração autónoma “B..” integrada no empreendimento turístico denominado “Conjunto Turístico T......”, o qual, em data anterior à compra já tinha tido o seu título constitutivo de empreendimento turístico aprovado a título definitivo pela Secretaria de Estado do Turismo, sendo detentor do estatuto de “utilidade turística” [cfr. als. D) e F)].

De facto, a letra do n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5/12, vai no sentido de que a isenção ali prevista depende de a aquisição da fração autónoma ser destinada à instalação de um empreendimento turístico na medida em que tem por ratio a promoção do investimento no setor turístico.

Realidade diversa é o caso dos autos, em que está em causa a aquisição de uma fração autónoma integrada num empreendimento turístico, já qualificado como de “utilidade turística” e instalado, o que decorre, designadamente da condicionante definida no despacho de 02.06.2005 do Secretario de Estado do Turismo, que atribuiu a “utilidade turística” a título prévio, e onde se lê que a empresa não poderá realizar quaisquer obras que impliquem alteração do projeto aprovado ou das características arquitetónicas do empreendimento – daqui resultando que a requerente da utilidade turística (alienante da fração objeto destes autos), na qualidade de promotora do empreendimento, havia já desenvolvido diversas diligência subsumíveis no conceito de “instalação” que resulta do sumário do acórdão acima transcrito, pelo que, a venda é por si efetuada na prossecução dos objetivos desse mesmo empreendimento.

Na verdade, como acima se referiu por remissão para a jurisprudência do STA, o legislador utiliza a expressão «instalação», para se referir ao conjunto de atos jurídicos e os trâmites necessários ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística.

É a atividade conexionada com aqueles atos aquela a que o legislador pretendeu dar tratamento especial, por via dos benefícios fiscais previstos no predito art.º 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, com vista, precisamente, a impulsionar a atividade turística.

Assim sendo, pelo que se retira do primeiro dos requisitos cumulativos supra enunciados – aquisição de fração autónoma com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística – a aquisição em apreço nos autos não pode beneficiar da redução do IS e da isenção de IMT prevista no mencionado artigo 20.º, n.º 1, uma vez que o empreendimento já se encontrava licenciado e apto a funcionar e a Impugnante atuou como consumidor de um produto turístico posto no mercado pelo promotor, e não como cofinanciador na construção do empreendimento, razão pela qual, não pode considerar-se que a aquisição da fração integra a fase de instalação do empreendimento.”.

Desde já manifestamos a nossa concordância com o decidido.

Na verdade da prova produzida nos autos, resultou ter a Impugnante adquirido em 27/01/2006 o prédio urbano localizado no concelho de Loulé, freguesia de Quarteira correspondente ao artigo matricial n.º ........6– fração B.., pela quantia de € 531 402,00.

Na escritura de aquisição do imóvel consta a menção de que a aquisição estava isenta de IMT nos termos previstos no art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05 de dezembro.

A aquisição beneficiou assim da isenção de IMT nos termos do disposto no art.º 20.º do DL n.º 423/83, de 5 de Dezembro isto é, como se se tratasse de uma aquisição com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística.

No entanto, o prédio em causa (artigo 12 856, fração BZ), à data da aquisição pela Recorrente, já estava construído e integrava o empreendimento turístico T......, já instalado, pelo que não poderia beneficiar da isenção do IMT do art.º 20.º do DL n.º 432/83, dado que essa isenção se aplicava às aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística.

Como se refere no Acórdão do STA de 17/04/2013 no processo nº 01023/12 fazendo menção ao Acórdão uniformizador de jurisprudência nº 3/2013 publicado no Diário da República 1ª série de 14 de Março de 2013 “a questão que se coloca neste recurso é a de saber se a aquisição pelos impugnantes, efectuadas, respectivamente, em 24/9/2009, 1/7/2010 e 24/9/2009, de fracções autónomas que constituem unidades de alojamento do Aldeamento Turístico “F………………” e que integram, assim, um empreendimento turístico que em 4/02/2011 veio a obter o estatuto de utilidade turística a título definitivo com validade de 7 anos contados desde 4/09/2008, se destinaram ainda à instalação desse empreendimento ou se integram, pelo menos, no processo de concretização dessa instalação, ou se, pelo contrário, o empreendimento já se encontrava instalado à data dessas aquisições.

Vejamos.

Tal questão foi apreciada e decidida em julgamento ampliado com a intervenção de todos os juízes desta Secção de Contencioso Tributário, realizado ao abrigo do disposto no art.º 148.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, no processo que correu termos neste Tribunal sob o n.º 0968/12, e que deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, publicado na 1.ª Série do Diário da República, de 4 de Março de 2013.

Acórdão que, por decisão tomada pela maioria dos Juízes Conselheiros em exercício na Secção, uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: o conceito de «instalação», para efeitos dos benefícios a que se reporta o nº 1 do art. 20º, do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, reporta-se à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos e não os adquirentes de fracções autónomas em empreendimentos construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação».

Tendo em conta a suprema importância da uniformidade da jurisprudência no âmbito interno dos tribunais, sobretudo em face da segurança e da estabilidade das relações jurídicas a que o direito deve ambicionar e aceder, e que encontra consagração no art.º 9.º, n.º 3 do Código Civil – ao impor ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito – cumpre-nos aderir a essa orientação jurisprudencial e aos fundamentos em que se estriba o referido acórdão, vertidos, de forma abreviada mas elucidativa, no respectivo sumário, do seguinte teor:

I – Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”, sendo que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei” (art. 11º, nºs. 1 e 2, da LGT).

II – No âmbito do regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, estabelecido no Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março, o conceito de instalação de um empreendimento turístico compreende o conjunto de actos jurídicos e os trâmites necessários ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística (cfr. Capítulo IV, arts. 23º ss).

III – Quando o legislador utiliza a expressão aquisição de prédios ou de fracções autónomas com destino à «instalação», para efeitos do benefício a que se reporta o nº 1 do art. 20º, do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, não pode deixar de entender-se como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos.

IV – Este conceito de «instalação» é o que se mostra adequado a todo o tipo de empreendimentos turísticos e não é posto em causa pelo facto de os empreendimentos poderem ser construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação».

V – Nos empreendimentos turístico constituídos em propriedade plural (que compreendem lotes e ou fracções autónomas de um ou mais edifícios, nos termos do disposto no art. 52º, nº 1, do Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março), destacam-se dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo às operações necessária a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda das unidades projectadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo.

VI – O legislador pretendeu impulsionar a actividade turística prevendo a isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo, para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (ou readaptar e remodelar fracções existentes) e não quando se trate da mera a aquisição de fracções (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento.

VII – Quem adquire as fracções não se torna um co-financiador do empreendimento, com a responsabilidade da respectiva instalação, uma vez que está a adquirir um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor, seja a aquisição feita em planta ou depois de instalado o empreendimento, como um qualquer consumidor final, tanto mais que as fracções podem ser adquiridas para seu uso exclusivo e sem qualquer limite temporal (no caso de empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural).

VIII – Não estando em causa a aquisição de prédios ou de fracções autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afectas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83.

IX – Este resultado interpretativo é o que resulta do elemento histórico, racional/teleológico e também literal das normas jurídicas em causa.

X – “Os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.°/1 do EBF) (…)” e embora admitindo a interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9.°/2 do C. Civil), para além de que porque representam uma derrogação da regra da igualdade e do princípio da capacidade contributiva que fundamenta materialmente os impostos, os benefícios fiscais devem ser justificados por um interesse público relevante.” (fim de citação)

Por tudo o que vem exposto entendemos que não se encontravam reunidos os pressupostos para o benefício da referida isenção, sendo de manter a liquidação do IMT devido pela aquisição onerosa ocorrida em 27/01/2006. De referir apenas que a aplicação das normas em questão e a sua interpretação jurisprudencial em nada violam o princípio da confiança como invoca a Recorrente.

Deste modo se conclui serem improcedentes todos os fundamentos invocados pela Recorrente, sendo de manter a sentença recorrida.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 19 de Outubro de 2023

Luisa Soares
Jorge Alexandre Trindade Cardoso Cortês
Vital Lopes