Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:501/10.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/19/2023
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:OPOSIÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
DECISÃO EM PROCESSO PENAL
GERÊNCIA DE FACTO
PRESUNÇÃO DE CULPA
Sumário:I - A nulidade por omissão de pronúncia [também prevista no artigo 615º, nº1, alínea d) do CPC], só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar.

II - Independentemente do acerto (ou não) do Tribunal em conhecer um fundamento que não foi invocado na p.i (questão que aqui não vem suscitada e, como tal, não nos poderá ocupar), a verdade é o TT de Lisboa não deixou de apreciar a questão do exercício de facto da gerência da devedora originária.

III - Do regime previsto nos artºs 47º e 48º do R.G.I.T. resulta que existe uma opção legislativa no sentido da preferência da jurisdição fiscal em relação à jurisdição criminal para apreciação de questões de natureza tributária, preferência essa que é corolário da atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada (artº 212º, nº 3, da C.R.P.) e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais.

IV - Não existe qualquer norma legal que atribua força de caso julgado no processo de impugnação judicial (ou de oposição à execução fiscal) às decisões proferidas em processo criminal.

V - No caso, resultou provado que o Opoente foi sempre o gerente e, depois, o administrador da sociedade executada. E se é certo que deixou de estar em contacto contínuo, quotidiano, com a vida da sociedade executada em certo período, continuou nela tomando as decisões mais importantes e as capitais.

VI - A culpa do gerente deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.

VII – Cabia ao Revertido provar que encetou todas as diligências e quais as diligências para proceder ao pagamento das dívidas fiscais pendentes, e não limitar-se a remeter para a conjuntura e para as consequências dela decorrentes, competindo-lhe fazer prova positiva de quais as ações, em concreto, por si desenvolvidas enquanto gerente, nomeadamente se desenvolveu todos os esforços que lhe eram exigíveis e se empregou o melhor da sua experiência e conhecimento para ultrapassar tais dificuldades.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

C …………………, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a oposição intentada pelo Recorrente, no âmbito do processo de execução fiscal nº …………….769, inicialmente instaurada pelo Serviço de Finanças de Lisboa 2 contra a sociedade “M………-ESTUDOS ………………………., LDA”, e contra si revertido, para a cobrança de dívidas de IRC do exercício de 2002, no montante de € 252.637,30.

O Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

a) A sentença recorrida padece do vício de nulidade, por omissão de pronúncia, na medida em que não se pronunciou sobre questões que deveria ter apreciado (a não gerência de facto pelo Recorrente), o que se invoca nos termos do n.º 2 do artigo 125.º do CPPT e da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT;

b) No caso vertente, não obstante o Recorrente não tenha invocado na sua petição inicial o não exercício da gerência no período em que foram constituídas e não foram pagas as quantias em dívida, tal facto resulta, sem margem para dúvidas, quer da inquirição de testemunhas, quer da sentença proferida no âmbito do processo-crime contra a Segurança Social, pelo que o mesmo deveria ter sido relevado pelo Tribunal a quo, ao abrigo do princípio do efeito extraprocessual das sentenças, nos termos do n.º 1 do artigo 619.º do CPC (aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT);

c) Nos termos dos artigos 619.º e 621.º do CPC, a sentença transitada em julgado passa a ter força obrigatória dentro e fora do processo, constituindo caso julgado (material) nos termos em que julga, abarcando não apenas aparte final da sentença, mas também os fundamentos ou motivos da decisão “necessário(s) para interpretar o verdadeiro sentido da decisão e o seu exacto conteúdo”, respeitantes a pontos suscetíveis de serem objeto de processo autónomo e que constituem antecedente lógico, necessário e indispensável da decisão, pelo que constatando-se a existência, no caso em análise, de uma sentença (judicial) já transitada em julgado adquire força obrigatória dentro e fora do processo em que foi proferido e faz caso julgado material;

d) O alcance do caso julgado que induz a doutrina a autonomizar aquilo que vem sendo designado por “efeito preclusivo do caso julgado” e que se traduz na impossibilidade de uma nova ação - e decisão - ter como objeto uma qualquer questão (facto / pedido) que na ação já decidida por sentença transitada em julgado não foi invocada pelas partes, podendo tê-lo sido;

e) Da análise do caso concreto verifica-se que, apesar da absolvição do Recorrente em processo penal, quanto à acusação do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social e de a referida decisão (transitada em julgado) ter sido junta ao processo de oposição à execução, o tribunal de jurisdição fiscal não valorou a decisão de absolvição do Recorrente, não extraindo daí as devidas consequências;

f) Situação similar à dos presentes autos foi já alvo de um Acórdão proferido pelo TEDH que, em análise de uma situação em tudo semelhante à sua (processo n.º 27785/12 - Caso Melo Tadeu c. Portugal) entendeu condenar o Estado português por violação do artigo 6.º, n. º 2, da Convenção dos Direitos do Homem (presunção de inocência) e do artigo 1.º do Protocolo n.º 1 à Convenção (direito ao respeito pelos bens) - o próprio Recorrente apresentou a conveniente queixa junto do TEDH, invocando igualmente a violação da presunção de inocência pelo Estado português;

g) No processo judicial tributário vigora o princípio do inquisitório pleno, previsto nos artigos 13.º do CPPT e 99.º da LGT, pelo que o juiz deve ordenar todas as diligências que se mostrem necessárias para a descoberta da verdade material;

h) Da inquirição das testemunhas no âmbito do processo n.º 502/10.0BELRS - cujos depoimentos foram aproveitados no presente processo por razões de economia e celeridade processuais e tendo em conta a similitude no que toca quer à matéria em discussão, quer ao enquadramento jurídico, bem como da análise da sentença proferida no processo-crime intentado contra o Recorrente pela Segurança Social, pelo crime de abuso de confiança fiscal contra aquela entidade, constata-se que ficou provado que o Recorrente não exerceu as funções de gerente da Mercabolsa no período compreendido entre julho de 2002 e agosto de 2006, em virtude de diversos problemas de saúde, sendo que a devedora originária era autogerida pelos seus diversos funcionários;

i) No âmbito de outro processo em que é parte o aqui Recorrente e a matéria discutida - de facto e de Direito - é substancialmente idêntica, o Tribunal de recurso (Tribunal Central Administrativo Sul) entendeu que o Tribunal a quo, perante a invocação da falta de exercício da gerência de facto no período relevante, com base em sentença penal (que absolveu o aqui Recorrente), a qual transitou em julgado depois da apresentação da petição inicial em sede tributária, estava obrigado a conhecer do teor da mesma, por se tratar de facto superveniente relativamente ao oponente.

j) Ainda que se entendesse que o Recorrente não provou o não exercício da gerência no período em discussão nos presentes autos, o que sem conceder se admite, verifica-se que o Recorrente é parte ilegítima na presente execução, na medida não criou ou agravou artificialmente ativos ou passivos e, enquanto gerente - antes do período a que respeitam as dívidas tributárias e no período em que exerceu, de direito, as funções - não fez uso dos créditos da sociedade para satisfazer interesses de terceiros, não trabalhou contabilidades fictícias, não fez desaparecer documentos ou omitiu a contabilidade, nem dispôs de bens da sociedade em proveito pessoal ou de terceiros e não fez uso de créditos contrários aos interesses da sociedade, pelo que iludiu a presunção de culpa pela falta de pagamento que pende sobre si, nos termos do artigo 23.º e 24.º da Lei Geral Tributária;

k) Constata-se, assim, que a sentença recorrida é ilegal, por violação do disposto nos artigos 23.º, 24.º e 99.º da LGT, n.º 2 do artigo 13.°, n.º 2 do artigo 125.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, bem como da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º e do n.º 1 do artigo 619.º, ambos do CPC, pelo que se requer a sua anulação por Vossas Excelências e, em consequência, ser ordenada a extinção do presente processo de execução fiscal, nos termos do artigo 176.º do CPPT.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente recurso ser dado como procedente, por provado, e em consequência ser anulada a decisão recorrida, por ilegal, e substituída por outra que contemple as interpretações de Direito acima sufragadas, dando provimento à pretensão do Recorrente, tudo com as legais consequências.


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A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

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Neste TCA, o Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“1. A sociedade M………. – Estudos …………….., L.da – que seria em 16 de novembro de 2004 transformada em Sociedade Anónima –, com sede na Avenida ………….. torre . – 4º sala ….., em Lisboa, tem como objeto social o estudo, a elaboração, o desenvolvimento e a comercialização de projetos e sistemas informáticos, designadamente na área do mercado financeiro e de capitais.

2. Depois de ter ingressado na sociedade como seu sócio em 9 de março de 1990, o Opoente, C……………….., assumiria o exercício de funções de co-gerência em 18 de fevereiro de 1991 e de gerente da sociedade a partir de 14 de novembro de 1994 (mais tarde, com a transformação da sociedade em sociedade anónima, seria o seu administrador, sendo que os outros dois previstos nos estatutos nunca foram nomeados).

3. Sendo o mencionado o objeto societário, a partir dos primeiros anos do séc.XXI as instituições bancárias e financeiras suas clientes passaram a recorrer cada vez menos aos seus serviços e a comprar-lhe menos software, dado que elas mesmas passaram a dispor de pessoal especializado na manutenção do equipamento, bem como a formar internamente pessoal e a, por outras vias, obter software sem recorrerem a terceiros, a empresas externas, tal como a da sociedade.

4. Acresceu a isso que a sociedade estabelecera um projeto com a sociedade N…………….– Sociedade ……………………, S. A., no ano de 2001, que daria lugar à entrada desta no seu capital social, em 3 de abril de 2001, mas tal projeto não viria a seguir por diante, antes se tendo a N............. retirado da sociedade meses mais tarde.

5. No contexto da saída da N............., em 16 de abril de 2002, a sociedade cedeu-lhe a sua área comercial, do que resultou que a sua atividade acabasse por ficar praticamente restringida a três clientes, mais concretamente à manutenção de aplicações informáticas que anos antes vendera e desde então mantinha aos bancos B………….Banco …….. e Banco P …………………...

6. A faturação da sociedade foi assim diminuindo, acabando por não ter, anos mais tarde, como solver as suas dívidas, na manutenção, ainda que de parte, dos seus encargos.

7. Deste modo, se em 2001 o resultado líquido do exercício ascendera a €16.431,17 – com €4.712.761,17 de prestação de serviços –, em 2002 foi de €481.447,02 – com €1.886.966,47 de prestação de serviços –, em 2003 ele foi negativo em - €381.215,92 – com €916.537,40 de prestação de serviços.

8. Contudo, nos mesmos anos o total do seu ativo foi de €1.273.939,55, €1.729.388,77 e de €1.713.329,12, respetivamente.

9. E no ano de 2003 os seus ativos financeiros cifravam-se em €543.654,51 e o imobilizado corpóreo ascendia a €1.582.440,49.

10. No contexto descrito, a sociedade acabou por cessar a sua atividade a 25 de setembro de 2006.

11. No dia 31 de julho de 2004 foram instaurados os autos principais, a execução fiscal nº……………………..769, pendente no Serviço de Finanças de Lisboa 2, sendo seu objeto a execução coerciva de uma dívida da sociedade proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do ano de 2002, no montante de €238.633,42 de dívida de imposto, €2.072,21 de juros compensatórios (e ainda €11.931,67 de juros de mora), bem como do seu acrescido daquelas importâncias, dívida essa cujo termo do prazo de pagamento voluntário recaíra a 31 de dezembro de 2003.

12. Relativamente ao mesmo exercício de 2002 e aos seguintes até 2006, inclusive, a sociedade foi executada por dívidas provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado, anos de 2002, 2003 e 2006, por dívidas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (retenções na fonte) dos anos ulteriores, anos de 2003 a 2006, também.

13. Relativamente à Segurança Social, também a sociedade reteve e não lhe entregou contribuições em nome dos seus trabalhadores, de julho de 2002 a agosto de 2006.

14. Devido a problemas do foro pessoal, o Opoente afastou-se da gestão da sociedade a partir de julho de 2001, durante cerca de um ano/um ano e meio, durante esse tempo pedindo ajuda a várias pessoas da sua confiança para a gestão da sociedade, mantendo todavia o poder de decisão e acompanhando, ainda que não diariamente, as questões da empresa e respetiva sociedade, nomeadamente as mais importantes.

15. Em 17 de agosto de 2004 a sociedade foi citada nos autos principais supra-identificados e o Opoente, em seu nome, pediu a 12 de outubro seguinte o pagamento da dívida em prestações, o que foi deferido por despacho do Órgão de Execução Fiscal de 14 deste mês, mas a execução de um plano de pagamentos nunca foi, sequer, iniciada.

16. Depois de tentar a penhora de saldos bancários e de créditos da sociedade, que se revelaram infrutíferas, e de chegar à conclusão de que a sociedade não tinha bens ou direitos que lhe conhecesse, o Órgão de Execução Fiscal encetou então o procedimento enxerto para eventual reversão da execução.

17. No seu termo, o Órgão de Execução Fiscal proferiu despacho, em 2 de dezembro de 2009, pelo qual reverteu a execução sobre o Opoente e ordenou a sua citação, considerando a sua gerência de facto e de direito na sociedade executada [não apenas durante a formação da dívida como] durante o respetivo prazo de pagamento, por isso responsável subsidiário por tal dívida daquela, o que fez invocando o disposto no art.24ºnº1 corpo e alínea b) da Lei Geral Tributária – e ainda do disposto nos seus arts.22º e 23º e 153ºe 160º, estes do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

18. Citado a 9 de dezembro de 2009 em terceira pessoa, no dia 11 de janeiro seguinte, ou até este dia, apresentou o Opoente a petição na origem dos presentes autos.

Da prova reunida não resultam outros factos com interesse para a decisão da causa e, com esta pertinência, não resultou já provado, nomeadamente dentre o alegado:

1. Que o Opoente haja tomado uma qualquer providência para de algum modo acautelar o bom cumprimento da dívida mencionada no ponto 11. da matéria de facto provada.

2. Que o Opoente não pudesse ter tomado providências que acautelassem o oportuno pagamento daquela dívida.

3. Que o Órgão de Execução Fiscal haja revertido os autos principais sobre o Opoente com base numa concreta culpa deste na administração da sociedade executada, nomeadamente decantada em atos seus visando a diminuição da garantia patrimonial da sociedade, para satisfação da dívida exequenda.

Não há outros factos, não provados, com relevo para a decisão.

A convicção do Tribunal assentou na prova documental consistente no próprio processo executivo, que consta por extrato certificado destes autos, de fls.40-98, do qual constam os atos do processo que foram mencionados, como a origem e a descrição da dívida de imposto exequenda revertida discriminada no respetivo título, ainda, os diferentes momentos do procedimento que conduziu à decisão da reversão da sua execução sobre o Opoente, bem como a sua subsequente citação; assentou ainda no teor da certidão dos factos registados sobre a sociedade executada, de diferentes declarações feitas pelo Opoente à Administração Tributária ao longo dos anos, incluindo a cessação de atividade, todas igualmente integrantes do extrato da execução; assentou ainda nas demonstrações de resultados insertas nas declarações para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas da sociedade, referentes aos anos que foram sendo citados, constantes de fls.131-136, juntos com a contestação. E, ainda, na consulta do processo nº502/10.0BELRS, cuja prova testemunhal foi reapreciada no âmbito do presente processo, e consta neste igualmente. E, por fim, na cópia da sentença, junta pelo Opoente a fls.147-156, de 16 de julho de 2012, proferida processo comum singular nuipc8204/10.1TDLSB, que correu termos pelo 5º Juízo 3ª Secção do Tribunal Criminal da comarca de Lisboa. Toda esta documentação faz prova plena dos factos nela plasmados como praticados pelos respetivos oficiais públicos, quer daqueles que enunciam como por si atestados, arts.369ºnº1, 370ºnº1 e 371ºnº1 do Código Civil e 34ºnº2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sendo que dúvidas se não enxergam acerca da fidedignidade documental. Assim, da execução, contendo os referidos elementos documentais exteriores, extraiu-se a comprovação dos factos descritos sob os pontos 1.-2., 10.- 11. e 15.-18., a apresentação da petição neste último referida através da menção de receção aposta no seu rosto. Dos documentos juntos com a contestação referidos, fixou-se o consignado nos pontos 6.-9., aquele primeiro ainda com os subsídios explicativos que se extraíram, outrossim, dos depoimentos valorados também neste processo e recolhidos na já identificada oposição à execução nº502/10.0BELRS, de que se falará a seguir. Deste processo extraíram-se os factos consignados no ponto 12., da sentença proferida no processo comum singular nuipc8204/10.1TDLSB, que correu termos pelo 5º Juízo 3ª Secção do Tribunal Criminal da comarca de Lisboa, extraíram-se os factos mencionados no ponto 13..

Mas como dito, foi também pelo que trouxeram os depoimentos já aludidos que, em cotejo com os elementos declarados pela sociedade à Administração Tributária e pelo teor do Registo Comercial acerca dos factos ali conservados sobre a sociedade, ambos já referidos, que logrou julgar-se como provado o conteúdo dos factos descritos nos pontos 3.-6. e 14.. Com efeito, com especial relevo para a primeira testemunha, pessoa das relações do Opoente que revelou razão de ciência e soube, com apreciável isenção e coerência, descrever o ali consignado – sendo uma das pessoas que àquele prestou colaboração na sociedade aquando do infortúnio que sobre ele se abateu e o afastou de forma relevante da gestão da sociedade executada –, ela descreveu com apreciável precisão a vida da sociedade nos anos aqui com mais relevo, 2001-2003. Nomeadamente, descreveu a razão externa e objetiva da perda de atividade, e internas, o negócio com a outra sociedade citada, como isto acabaria por privar a executada de parte importante do seu negócio até então, aquando da sua saída, apesar de se ter também perspetivado um novo negócio de relevo, com a Caixa Geral de Depósitos, S. A., que por vicissitudes estranhas à sociedade executada acabou por não se concretizar, reduzindo-a a uma atividade de manutenção, já sem a componente comercial, que era relevante. Ainda, descreveu o afastamento do Opoente da vida societária quotidiana, por razões de saúde, mas como tal o não impediu de ir tomando as necessárias decisões capitais na sociedade, referindo ainda o período crítico em que tal se manifestou e como foi exercendo esse poder, embora naturalmente não diariamente, dificultado pelo seu estado e, ainda, como as pessoas que o ajudavam se articulavam entre si e com ele. A segunda testemunha acabou por prestar um depoimento mais vago, mas no essencial corroborou, da sua perspetiva de Técnico Oficial de Contas, os elementos da vida societária e, bem assim, pessoal do Opoente, esclarecendo de algum modo aspetos relacionados com a contabilidade e, nomeadamente, investimentos da sociedade executada. Por ter também demonstrado razão de ciência embora algo diversa e, como a primeira testemunha, isenção, como aquele, também este depoimento convenceu da veracidade do que narrava. Por isso em ambos se louva o Tribunal para, como dito em correlação com a citada documentação, os ter valorado positivamente no âmbito destes autos, nos termos do art.392º do Código Civil, sob o permitido pelo art.421º do Código de Processo Civil, aqui supletivamente aplicável, ex vi do disposto no art.2º corpo e alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no que as mesmas partes em ambos processos oportunamente anuíram.

Já quanto à matéria de facto julgada não provada, o Tribunal fez repousar o juízo negativo sobre ela no facto de nenhuma prova sobre ela constar nem ter sido feita, quanto ao consignado sob o ponto 1. desta secção e, quanto aos pontos 2. e 3., por serem contrários à julgada provada, respetiva e nomeadamente, a consignada nos pontos [7.,] 8.-9. da respetiva secção quanto ao ponto 2., a consignada no ponto 17. da respetiva secção, quanto ao ponto 3.”


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- De Direito





No caso que aqui nos ocupa, temos que o Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou improcedente a oposição deduzida no âmbito do processo de execução fiscal nº ……………..769.


De acordo com o disposto nos artigos 639º, do CPC e 282º, do CPPT, são as conclusões das alegações do recurso que definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.


Assim sendo, considerando as conclusões formuladas, as questões que se colocam são as de saber se:


- a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia;


- em caso negativo, se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, porquanto:


- não apreciou corretamente a gerência de facto, descurando o alcance da decisão prolatada no processo crime;


- valorou erroneamente a prova produzida nos autos, e com base nessa errónea interpretação, apreciou indevidamente os pressupostos da reversão, e violou o princípio do inquisitório ínsito nos artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT.


Vejamos, então, começando pela alegada nulidade por omissão de pronúncia que o Recorrente sintetiza do seguinte modo: “não obstante o Recorrente não tenha invocado na sua petição inicial o não exercício da gerência no período em que foram constituídas e não foram pagas as quantias em dívida, tal facto resulta, sem margem para dúvidas, quer da inquirição de testemunhas, quer da sentença proferida no âmbito do processo-crime contra a Segurança Social, pelo que o mesmo deveria ter sido relevado pelo Tribunal a quo, ao abrigo do princípio do efeito extraprocessual das sentenças, nos termos do n.º 1 do artigo 619.º do CPC (aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT)”.


Nos termos do disposto no artigo 125º, nº1 do CPPT, constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.


Como é sabido, a nulidade por omissão de pronúncia [também prevista no artigo 615º, nº1, alínea d) do CPC], só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar. Tal significa, no que concerne aos deveres de cognição do Tribunal, que ao juiz se impõe a obrigação de conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas, naturalmente, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.


Assume, assim, especial importância o conceito de questões, o qual, nas palavras de J. Lopes de Sousa (in CPPT, anotado e comentado, 6º edição, II Volume, Áreas Editora, págs. 363 e 364) “abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e à controvérsia que as partes sobre elas suscitem”. O conhecimento de todas as questões não equivale à exigência imposta ao Tribunal de conhecer de todos os argumentos e razões invocadas pela parte, pois que, como ensinava Alberto dos Reis, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CPC, anotado, I Vol. págs. 284, 285 e V Vol. pág. 139).


Ora, no caso em apreciação, temos, tal como resulta daquilo que deixámos dito, que a alegada omissão de pronúncia radica no apontado não conhecimento do não exercício da gerência de facto da devedora originária, fundamento este que, apesar de não ter sido invocado em sede de p.i, não poderia – segundo o Recorrente - deixar de ser apreciado.


Sem hesitações, não restam dúvidas que o Recorrente não tem razão.


Independentemente do acerto (ou não) do Tribunal em conhecer fundamento que não foi invocado na p.i (questão que aqui não vem suscitada e, como tal, não nos poderá ocupar), a verdade é o TT de Lisboa não deixou apreciar a questão do exercício de facto da gerência da devedora originária. Com efeito, fê-lo nos seguintes termos:


“Daí que o Opoente erga agora o seu não exercício de funções de gerência como obstáculo liminar à responsabilidade que lhe é imputada, já que a ausência de um exercício de funções corta cerce a possibilidade da sua efetivação, cfr. Ac.TCA de 10I2006, in Antologia de Acórdãos STA e TCA Ano IX nº2 (Janeiro-Março), pág.332-337.


Mas não entendemos ser procedente esta invocação, porque tudo quanto da matéria de facto provada resulta é que, efetivamente, o Opoente foi sempre o gerente e, depois, o administrador da sociedade executada. E se é certo que deixou de estar em contacto contínuo, quotidiano, com a vida da sociedade executada em certo período, por um lado resulta óbvio que continuou nela tomando as decisões mais importantes e as capitais e, por outro, que o período temporal desse afastamento, que sensivelmente decorreu entre julho de 2001 e final de 2002/princípio de 2003, nem sequer ocorreu quando haveria decisões importantes a tomar acerca do pagamento da dívida exequenda. E entre decisões importantes, que não capitais, está, como é bom de ver, a cadência e inclusive a escolha de quais as dívidas a contrair ou mesmo daquelas a solver, caso haja necessidade de tanto, por razões de falta de liquidez imediata. Designadamente quando se trate de dívidas de vulto, como aquela aqui em causa.


Por ser como descrito, a factualidade provada demonstra o efetivo, real e continuo exercício dessas funções por parte do Opoente, no período aqui relevante, em que uma culpa nesse exercício poderá depois dar azo à efetivação daquela responsabilidade, nos termos do citado 24ºnº1 corpo da Lei Geral Tributária. Como dito responsabilidade cristalinamente funcional, isto é, derivada do exercício dessas funções capitais no seio de um ente coletivo ou equiparado, tem nesse exercício o critério primeiro para uma dada e concreta responsabilização desse elenco de pessoas que agiram em nome [e supostamente no interesse] do ente coletivo – depois de avaliada a situação patrimonial desses entes como autorizando a reversão em abstrato. E o substrato fático desse exercício acha-se também ele cristalinamente retratado na factualidade provada. Pelo que embora o despacho de reversão seja algo conclusivo e tautológico a esse propósito, mostrase notório que parte da certeza desse mesmo exercício para a decisão que toma, donde que o Opoente seja, deste prisma liminar, parte legítima para ser executado por reversão, nos exatos termos do art.204ºnº1 corpo e alínea b) in fine do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com base no despacho de reversão proferido pelo Órgão de Execução”.


Ora, a transcrição feita é cristalina e suficiente para concluirmos que a sentença não padece de nulidade por omissão de pronúncia quanto à gerência de facto. Se a questão foi correta ou incorretamente julgada é matéria que não traduz qualquer nulidade; a validade de tal julgamento é questão que se coloca – se for o caso – ao nível do erro de julgamento.


Isto dito é o que basta para julgar improcedente esta primeira questão que nos ocupava.



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Prosseguindo para as conclusões c) a f) cujo teor se dá por reproduzido e que, no essencial, respeitam à circunstância de o Tribunal a quo não ter valorado a decisão de absolvição do Recorrente em processo penal, quanto à acusação do crime de abuso de confiança fiscal contra a Segurança Social (processo 8204/10.1 TDLSB, 2ª secção; 5º Juízo do Tribunal Criminal de Lisboa).


É bom ter presente que, “a decisão foi proferida no âmbito de um processo crime, no qual foi deduzida acusação, sufragada por pronúncia do Ministério Público contra a sociedade comercial e o seu representante legal, concretamente, o ora Recorrente, imputando ao mesmo a prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social previsto e punido pelo artigo 107.º, números 1 e 2 do RGIT, conjugado com o artigo 105.º, nº4 do mesmo diploma legal, imputando à sociedade a prática da mesma infração nos termos do artigo 7.º, nº1 do RGIT.


Por outro lado, importa ter presente que essa ilisão da responsabilidade constitui facto objetivo cuja possibilidade de conhecimento é patente, não dependendo de quaisquer circunstâncias subjetivas, mormente, as contempladas na aludida decisão a que vimos fazendo alusão.


Mais importa sublinhar que, pese embora o exercício da gestão de facto e a culpa sejam ambos pressupostos legitimadores da efetivação da responsabilidade subsidiária, a verdade é que são estanques, díspares, com densificações e ónus probatórios distintos, logo em nada podem ser considerados como uma decorrência ou um desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.


Ademais, inexiste qualquer norma legal que atribua força de caso julgado no processo de oposição à execução fiscal às decisões proferidas em processo criminal. Com efeito, o artigo 84.º do CPP apenas atribui relevância extraprocessual ao caso julgado no caso de decisões penais que apreciam pedidos cíveis e os artigos 674.ºB e 675.º do CPC apenas atribuem a decisões penais efeitos em processos de natureza cível e não de natureza tributária.


Com efeito, dimana do, à data, 674.º A do CPC, a propósito da eficácia da decisão penal absolutória que:


“1 - A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer ações de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário. 2 - A presunção referida no número anterior prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil.”


Neste sentido, importa convocar excerto do sumário do Aresto STA, proferido no processo nº 0115/07, disponível para consulta em www.dgsi.pt, segundo o qual:


“ Do regime previsto nos artºs 47º e 48º do R.G.I.T. resulta que existe uma opção legislativa no sentido da preferência da jurisdição fiscal em relação à jurisdição criminal para apreciação de questões de natureza tributária, preferência essa que é corolário da atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada (artº 212º, nº 3, da C.R.P.) e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais.”


Esclarecendo, depois, na fundamentação jurídica que se perfilha que:


“…[e]stabelece o artº 47º do R.G.I.T. que «se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respetivas sentenças».


“A sentença proferida em processo de impugnação judicial e a que tenha decidido da oposição de executado, uma vez transitadas, constituem caso julgado para o processo penal fiscal apenas relativamente às questões nelas decididas e nos precisos termos em que o foram (arts. 51º do R.J.I.F.N.A. e 48º do R.G.I.T.).


Esta suspensão do processo criminal tem em vista as situações em que a existência de infração criminal depende da resolução de uma questão de natureza fiscal, reconhecendo-se à jurisdição fiscal a competência exclusiva para decidir essa matéria.


Infere-se claramente deste regime que existe uma opção legislativa, ínsita nestas normas do R.J.I.F.N.A. e do R.G.I.T., no sentido da primazia da jurisdição fiscal para apreciação de questões tributárias, o que tem plena justificação no carácter especializado das questões desta natureza, que está subjacente à atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada (art. 212.º, n.º 3, da C.R.P.) e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais.


Assim, em sintonia com essa opção legislativa, deve entender-se que não se justificará a suspensão de processos tributários de impugnação judicial (ou de oposição à execução fiscal) para aguardar decisões que sejam proferidas em processos criminais sobre factos que relevem para decisão daqueles processos.


Por outro lado, no caso em apreço, em que está em causa no processo de impugnação judicial a apreciação da falsidade ou não de faturas, a formulação de um juízo pelo tribunal tributário não depende da decisão que for proferida em processo criminal sobre a mesma matéria, pois, enquanto no processo criminal as dúvidas sobre a matéria de facto são valoradas a favor do arguido, no processo de impugnação judicial (ou de oposição à execução fiscal), havendo indícios de irregularidades de escrita, o ónus da prova da veracidade desta cabe ao contribuinte (arts. 121º., n.º 2, do C.P.T. e 100.º, n.º 2, do C.P.P.T.).


Para além disso, apesar da maior exigência probatória do processo criminal para dar como provados factos integradores de infração que é corolário do princípio in dúbio por reo, não existe qualquer norma legal que atribua força de caso julgado no processo de impugnação judicial (ou de oposição à execução fiscal) às decisões proferidas em processo criminal. Com efeito, o art. 84.º do C.P.P. apenas atribui relevância extraprocessual ao caso julgado no caso de decisões penais que apreciam pedidos cíveis e os arts 674.º-A e 674.º-B do C.P.C. apenas atribuem a decisões penais efeitos em processos de natureza cível e não de natureza tributária .” Neste sentido, vide, igualmente, o recente Aresto prolatado por este Tribunal, com intervenção do mesmo coletivo, no processo nº 102/20, datado de 27.05.2021 (destaque e sublinhado nosso).


Em face do exposto, conclui-se que, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, a aludida decisão não tem alcance de caso julgado nos presentes autos, não vinculando este Tribunal, nem constituindo, como visto, facto passível de ser qualificado enquanto superveniente, donde, suscetível de invocação apenas em sede de alegações escritas” – vide, acórdão deste TCA Sul, de 09/06/21, processo nº 503/10.9 BELRS, relativo às mesmas partes e no qual foram apreciadas, ao menos em parte, as questões que aqui nos ocupam.


O que se transcreveu é aqui inteiramente aplicável e responde às críticas que, neste recurso, se dirigem à sentença e à apontada errada ponderação do alcance da sentença penal.


Chama-se ainda à colação, e a este propósito, o acórdão do STA, de 09/06/21, proferido no processo nº 540/10.3BELRS, relativo ao mesmo oponente (e aqui Recorrente), do qual se extrai que o seguinte:


“(…) o acórdão recorrido reconheceu (Aliás, ao arrepio da jurisprudência deste Supremo Tribunal, que tem vindo a afirmar que «a lei não atribui relevância em processo de oposição fiscal ao caso julgado absolutório formado em processo penal», sem prejuízo de consubstanciar um elemento de prova, a valorar pelo tribunal tributário «de acordo com o princípio da livre apreciação da prova», nos termos do disposto no n.º 5 do art. 607.º do CPC, aplicável subsidiariamente. Vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - de 16 de Fevereiro de 2005, proferido no processo com o n.º 08/05, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/f63b2b772eb3746f80256fb600369fc6; - de 8 de Outubro de 2014, proferido no processo com o n.º 1930/13, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/1dfb448d8899d9f980257d6d0048ff84.) que a sentença penal absolutória produzia efeitos no processo de oposição à execução fiscal, ao abrigo do disposto no art. 624.º, n.º 1, do CPC, traduzindo-se esse reconhecimento na inversão do ónus da prova quanto aos factos que naquela sentença foram dados como provados”.


E, na verdade, nos acórdãos citados no aresto do STA parcialmente transcrito, pode ler-se, no que para aqui releva, que:


“I – Infere-se do regime previsto nos arts. 51º e 51º do R.J.I.F.N.A. (a que correspondem os arts. 47º e 48º do R.G.I.T.) que existe uma opção legislativa no sentido da preferência da jurisdição fiscal em relação à jurisdição criminal para apreciação de questões de natureza tributária, preferência essa que é corolário da atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada (art. 212º, nº 3, da C.R.P.) e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais.


II – Por outro lado, não atribuindo a lei qualquer relevância em processo de impugnação judicial ao caso julgado formado em processo criminal, não se pode justificar que aquele processo aguarde que ocorra o trânsito em julgado de decisão a proferir em processo criminal sobre factos que importe apreciar também no primeiro.


III – Sendo assim, independentemente de o tribunal tributário poder e dever aproveitar provas produzidas em processo criminal, não se pode justificar que se aguarde que nesse processo seja proferida decisão com trânsito em julgado”.


E, ainda, que:


“I - A lei não atribui relevância em processo de oposição fiscal ao caso julgado absolutório formado em processo penal.


II - Apenas se consubstancia num elemento de prova, que pode ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do disposto no art. 655.º, n.º 1 do CPC (velho)”.


Ora, o que se disse é, cremos, suficiente para que se perceba que o recorrente não tem razão na questão e conclusões que acabámos de apreciar. Improcedem, assim, as conclusões correspondentes.



*




Continuando para as conclusões seguintes, importa ter presente que, no caso, não vem impugnada a matéria de facto e que, face ao julgamento que dela foi feito, não podemos deixar de acompanhar o Tribunal recorrido quando, na sentença sob recurso, concluiu que:


“…Mas não entendemos ser procedente esta invocação, porque tudo quanto da matéria de facto provada resulta é que, efetivamente, o Opoente foi sempre o gerente e, depois, o administrador da sociedade executada. E se é certo que deixou de estar em contacto contínuo, quotidiano, com a vida da sociedade executada em certo período, por um lado resulta óbvio que continuou nela tomando as decisões mais importantes e as capitais e, por outro, que o período temporal desse afastamento, que sensivelmente decorreu entre julho de 2001 e final de 2002/princípio de 2003, nem sequer ocorreu quando haveria decisões importantes a tomar acerca do pagamento da dívida exequenda. E entre decisões importantes, que não capitais, está, como é bom de ver, a cadência e inclusive a escolha de quais as dívidas a contrair ou mesmo daquelas a solver, caso haja necessidade de tanto, por razões de falta de liquidez imediata. Designadamente quando se trate de dívidas de vulto, como aquela aqui em causa.


Por ser como descrito, a factualidade provada demonstra o efetivo, real e continuo exercício dessas funções por parte do Opoente, no período aqui relevante, em que uma culpa nesse exercício poderá depois dar azo à efetivação daquela responsabilidade, nos termos do citado 24ºnº1 corpo da Lei Geral Tributária. Como dito responsabilidade cristalinamente funcional, isto é, derivada do exercício dessas funções capitais no seio de um ente coletivo ou equiparado, tem nesse exercício o critério primeiro para uma dada e concreta responsabilização desse elenco de pessoas que agiram em nome [e supostamente no interesse] do ente coletivo – depois de avaliada a situação patrimonial desses entes como autorizando a reversão em abstrato. E o substrato fático desse exercício acha-se também ele cristalinamente retratado na factualidade provada. Pelo que embora o despacho de reversão seja algo conclusivo e tautológico a esse propósito, mostra-se notório que parte da certeza desse mesmo exercício para a decisão que toma, donde que o Opoente seja, deste prisma liminar, parte legítima para ser executado por reversão, nos exatos termos do art.204ºnº1 corpo e alínea b) in fine do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com base no despacho de reversão proferido pelo Órgão de Execução”.


Veja-se, além do mais, o ponto 14 dos factos provados, nos termos do qual “Devido a problemas do foro pessoal, o Opoente afastou-se da gestão da sociedade a partir de julho de 2001, durante cerca de um ano/um ano e meio, durante esse tempo pedindo ajuda a várias pessoas da sua confiança para a gestão da sociedade, mantendo todavia o poder de decisão e acompanhando, ainda que não diariamente, as questões da empresa e respetiva sociedade, nomeadamente as mais importantes”.


Quanto a este aspeto em particular, deve realçar-se o que se referiu na motivação da matéria de facto correspondente (sem impugnação, repita-se), no sentido de que:


“(…)


Com efeito, com especial relevo para a primeira testemunha, pessoa das relações do Opoente que revelou razão de ciência e soube, com apreciável isenção e coerência, descrever o ali consignado – sendo uma das pessoas que àquele prestou colaboração na sociedade aquando do infortúnio que sobre ele se abateu e o afastou de forma relevante da gestão da sociedade executada –, ela descreveu com apreciável precisão a vida da sociedade nos anos aqui com mais relevo, 2001-2003. Nomeadamente, descreveu a razão externa e objetiva da perda de atividade, e internas, o negócio com a outra sociedade citada, como isto acabaria por privar a executada de parte importante do seu negócio até então, aquando da sua saída, apesar de se ter também perspetivado um novo negócio de relevo, com a Caixa Geral de Depósitos, S. A., que por vicissitudes estranhas à sociedade executada acabou por não se concretizar, reduzindo-a a uma atividade de manutenção, já sem a componente comercial, que era relevante. Ainda, descreveu o afastamento do Opoente da vida societária quotidiana, por razões de saúde, mas como tal o não impediu de ir tomando as necessárias decisões capitais na sociedade, referindo ainda o período crítico em que tal se manifestou e como foi exercendo esse poder, embora naturalmente não diariamente, dificultado pelo seu estado e, ainda, como as pessoas que o ajudavam se articulavam entre si e com ele. A segunda testemunha acabou por prestar um depoimento mais vago, mas no essencial corroborou, da sua perspetiva de Técnico Oficial de Contas, os elementos da vida societária e, bem assim, pessoal do Opoente, esclarecendo de algum modo aspetos relacionados com a contabilidade e, nomeadamente, investimentos da sociedade executada. Por ter também demonstrado razão de ciência embora algo diversa e, como a primeira testemunha, isenção, como aquele, também este depoimento convenceu…”.


No mesmo sentido, quanto ao exercício da gerência de facto do ora Recorrente, veja-se o decidido no acórdão, também proferido neste TCA, no processo nº 540/10.3 BELRS, de 20/02/20, respeitante às mesmas partes, o qual foi junto às alegações de recurso. Aí se lê, além do mais que “No caso, dos elementos coligidos nos autos, resulta comprovado que, no período de Julho de 2002 a Agosto de 2006, o oponente exerceu a gerência da sociedade devedora originária”.



*




Chegamos agora à última questão que nos ocupa: saber se a sentença padece de erro de julgamento quando ajuizou que o Recorrente não tinha logrado ilidir a presunção de culpa cujo ónus se circunscrevia na sua esfera jurídica.


A sentença recorrida, a este propósito, alinhou o seguinte discurso fundamentador:


“(…) não logrou ele demonstrar porquê, a despeito do património e ativos financeiros detidos no final de 2003, aliás de vulto e muito mais valiosos que o que era necessário para o pagamento da dívida, ela nunca foi paga. E tenha-se presente, desde logo, que a dívida provém de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas. Isto é, provém de tributação que incide primacialmente sobre lucros obtidos pelo ente coletivo, no caso no decurso do exercício de 2002, art.1º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas. Assim, nem sequer se trata de alguma dívida que provenha de um facto tributário cuja ocorrência recaia sobre um património do sujeito passivo já preexistente, como um encargo indiferente a um rendimento real, onerando como que a retro um património ou riqueza preexistentes, que não meramente pressupostos. Não: a dívida reporta-se a um lucro aferido meses depois da obtenção dos proveitos. Ora, não logrou o Opoente demonstrar por que razão nem um resquício de todo o património societário, nem sequer uma parte desse lucro obtido em 2002, foi canalizado para o pagamento da dívida.


Por outra parte, tal como refere o Digno Magistrado do Ministério Público no seu douto parecer, também se não enxergam razões que justifiquem o facto de o Opoente, no exercício do munus de conduzir os destinos da sociedade executada, maxime em 2003, quer perante o quadro exterior a ela, ou mesmo só perante as vicissitudes das suas relações com os seus pares e clientes, tal como ficou descrito nos factos provados – que ia vendo degradarem-se –, nunca ter recorrido a uma qualquer medida de proteção dos credores, maxime tributários, conforme lhe impunham os arts.64º, 66º e 78º do Código das Sociedades Comerciais, com óbvia remissão para o regime de apresentação à recuperação, ou à insolvência, arts.3º, 18º-19ºss., do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – e igualmente se não observa o que pudesse tê-lo impedido de o fazer. Bem ao invés do recurso a tais meios, tudo o que se observa nos anos subsequentes ao da definição da dívida exequenda é uma contínua deterioração da situação da atividade da empresa da sociedade, com o acumular de dívidas tributárias que ficaram por pagar – inclusive provenientes de retenções na fonte e de contribuições para a Segurança Social!... –, sem que nesses anos ele tenha igualmente recorrido a quaisquer providências de acautelamento do bom cumprimento das obrigações tributárias pecuniárias perante o Estado. Tal ilustra à saciedade a total inação do Opoente na proteção desses credores da sociedade. Inclusive, na paralela continuação de atividade da empresa da sociedade depois de 2003, sugere-se até uma graduação de créditos, hoc sensu, do que importava e do que não importava pagar em primeiro lugar – a este propósito, o depoimento da segunda testemunha é, aliás, ilustrativo não da situação in casu em apreço, mas da mentalidade geral (que suspeitamos nós não seja estranha, afinal, ao que se verificou no caso…). Ou talvez não: o próprio Opoente clama estar a pagar a expensas suas dívidas da sociedade a terceiros (rendas do locado onde a sociedade esteve estabelecida), o que parece conferir até com uma graduação de créditos pessoal, uma opção de gestão que atenderá, por exemplo, a critérios éticos, mas que não serão necessariamente compatíveis com os legais.


De todo modo, a inação do Opoente, enquanto gerente da sociedade, quer ao não providenciar pelo pagamento da dívida – e aquando do respetivo prazo dúvidas não há de que o podia ter feito –, quer omitindo um qualquer acautelamento da sua solvabilidade, é avessa ao que estaria de acordo com o que seria uma gestão correta e prudente da sociedade, quer segundo uma ponderada administração desse ente coletivo, nos temos legais, quer desde logo segundo a ética comummente aceite”.


Vejamos, tendo presente que o Recorrente aduz que é parte ilegítima na presente execução, na medida não criou ou agravou artificialmente ativos ou passivos e, enquanto gerente - antes do período a que respeitam as dívidas tributárias e no período em que exerceu, de direito, as funções -, não fez uso dos créditos da sociedade para satisfazer interesses de terceiros, não trabalhou contabilidades fictícias, não fez desaparecer documentos ou omitiu a contabilidade, nem dispôs de bens da sociedade em proveito pessoal ou de terceiros e não fez uso de créditos contrários aos interesses da sociedade, pelo que iludiu a presunção de culpa pela falta de pagamento que pende sobre si, nos termos do artigo 23° e 24° da LGT.


Lançando mão, uma vez mais, do acórdão deste TCA de 09/06/21, proferido no processo nº 503/10.0 BELRS, aqui inteiramente aplicável, dir-se-á o que se segue:


“De harmonia com o consignado no n.º 2 do artigo 23.º da LGT “a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão”.


Quanto à questão da ilegitimidade, dispõe o artigo 204.º, n.º 1, al. b), do CPPT, que a oposição pode ter como fundamento a “[i]legitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida”.


Encontramo-nos, assim, perante uma ilegitimidade substantiva, assente na falta de responsabilidade do citado pelo pagamento da dívida exequenda. Quanto à questão da legitimidade do responsável subsidiário encontramo-nos face a leis sobre a prova de atos ou factos jurídicos que simultaneamente afetam o fundo ou substância do direito, repercutindo-se, assim, sobre a própria viabilidade deste, pertencendo, por isso, ao direito substancial.


É, com efeito, pacífica a jurisprudência no sentido da aplicação a cada situação da lei que rege sobre o ónus da prova vigente no momento em que se verificam os pressupostos de tal responsabilidade, visto se estar perante norma de cariz substantivo e atento o princípio tradicional da não retroatividade da lei substantiva, consagrado no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil.


In casu, é aplicável o regime constante no artigo 24.º LGT.


Convoquemos, então, o que o referido preceito legal refere.


De harmonia com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, da LGT:


“[o]s administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:


a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;


b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”


Do teor do normativo legal supratranscrito resultam dois regimes distintos da responsabilidade do gestor, classificados de acordo com o fundamento pelo qual o gestor é responsabilizado, a saber, a responsabilidade pela diminuição do património e a responsabilidade pela falta de pagamento.


Concretizando.


Enquanto, a responsabilidade pela diminuição do património se encontra regulada na alínea a), do nº1, do artigo 24.º da LGT, a responsabilidade pela falta de pagamento está consagrada na alínea b), do nº1, do artigo 24º da LGT.


O citado artigo 24.º da LGT, introduziu nas suas alíneas a) e b), uma repartição do ónus da prova da culpa, distinguindo entre:


- As dívidas vencidas no período do exercício do cargo relativamente às quais se estabelece uma presunção legal de culpa na falta de pagamento (cfr. a parte final da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT);


- As demais previstas como geradoras de responsabilidade, concretamente, aquelas cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do cargo (e não se vençam neste) e aquelas cujo prazo legal de pagamento ou entrega termine já após o termo do exercício do cargo. Nestas situações o ónus da prova impende sobre a Administração Tributária, ou seja, os gerentes ou administradores podem ser responsabilizados desde que seja feita prova de culpa dos mesmos na insuficiência do património social.


Convoque-se, neste particular, o Acórdão do STA proferido no recurso nº 0944/10, de 2 de março de 2011, disponível para consulta em www.dgsi.pt, que refere que:


“I - Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respetivas funções.


II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efetivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.


III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova.


IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência.”


Como doutrinado no citado Aresto, não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efetivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário, resultando apenas uma presunção legal, mas apenas da culpa do administrador pela insuficiência do património da sociedade originária devedora.


No caso vertente, conforme resulta do recorte probatório dos autos o despacho de reversão da execução fundamentou-se na alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º da LGT.


Assim, (…) o artigo 24.º, nº1, alínea b), do LGT, onera o Recorrente com a presunção de culpa na insuficiência do património da empresa para satisfação dos créditos fiscais.


Cabe, então, apurar se o Recorrente logrou ilidir a presunção de culpa que sobre ele recai nos termos desta disposição legal, da qual resulta ser-lhe assacado o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.


Dir-se-á, em abono da verdade, que o que se presume é que o gestor não atuou com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial as contempladas no artigo 64.º do CSC, que lhe impõem a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.


A culpa, aqui em causa, deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.


Competindo, assim, aquilatar, apelando à teoria da causalidade, se a atuação do ora Recorrente como gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em atos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. “[o]perando com a teoria da causalidade adequada que se consagra no nosso ordenamento jurídico, para que a atuação do recorrente se pudesse dizer causa do prejuízo era mister que, em abstrato, aquela fosse adequada a produzi-lo, que o prejuízo fosse uma consequência normal típica daquela. E para se poder dizer que a ação ou omissão do recorrente foi adequada à insuficiência do património da empresa para a satisfação dos créditos parafiscais, deve seguir-se o processo lógico da prognose póstuma, ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a ação se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo ex ante. É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano e que não pode existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto.”


Vejamos, então, se assiste razão ao Recorrente quando sustenta que é parte ilegítima por ter ilidido a presunção de culpa.


Importa, desde já, evidenciar que o Recorrente ao invés de alegar factualidade que permitisse concluir que administrou a empresa com observância dos seus deveres legais e contratuais destinados à proteção dos credores e que a falta de pagamento dos créditos tributários não resulta do incumprimento dessas disposições, limitou-se a alegar as circunstâncias de facto que determinaram a situação de crise e de dificuldades de tesouraria, não dando conta de quaisquer medidas concretas que tenha adotado.


Com efeito, atentando na sua p.i., verifica-se que as alegações se coadunam com as razões que levaram à insuficiência patrimonial e insusceptibilidade de pagamento das dívidas tributárias, ou seja, quebra acentuada das vendas e prestações de serviços, e bem assim a uma alegação absolutamente genérica de que “não criou ou agravou activos ou passivos”, “não fez uso dos créditos da sociedade para satisfazer interesses de terceiros”, “não fez uso de créditos contrários contraídos aos interesses da sociedade e nunca prosseguiu uma exploração deficitária e muito menos com a consciência de conduzir a sociedade a uma situação de insolvência”, quando, como visto, o que era curial para efeitos de ilisão da culpa, é que tivesse sido feita prova de quais as medidas concretas que adotou para obstar à situação de crise e insusceptibilidade de pagamento das dívidas tributárias, em execução.


O Recorrente teria de provar que encetou todas as diligências e quais as diligências para proceder ao pagamento das dívidas fiscais pendentes, e não limitar-se a remeter para a conjuntura e para as consequências dela decorrentes, competindo-lhe fazer prova positiva de quais as ações, em concreto, por si desenvolvidas enquanto Gerente, nomeadamente se desenvolveu todos os esforços que lhe eram exigíveis e se empregou o melhor da sua experiência e conhecimento para ultrapassar tais dificuldades.


Porém, do probatório não se retira qualquer realidade fática que permita concluir no sentido da ilisão da culpa. Aliás, do cotejo das alíneas D) a K), e na linha do propugnado pelo Tribunal a quo, que, ora, se valida ficam por explicar realidades que permitem inclusive inferir que a gestão não foi prudente e diligente, mormente, os investimentos e o incremento em investimento em ativo imobilizado corpóreo e incorpóreo, e bem assim o pagamento de remunerações em gradual crescendo. Notese, neste conspecto que, dizem-nos as regras da experiência, que em tempos de crise e de dificuldade financeira o corte nas remunerações, mormente, dos membros de órgãos estatutários é uma medida de gestão ajustada e idónea, e não, naturalmente, o seu aumento.


Note-se que, pese embora o Recorrente aluda nos artigos 50 e seguintes ao depoimento das testemunhas, e convoque, de forma expressa, os depoimentos de ANA PAULA REIS e FRANCISCO FILIPE, a verdade é que não procedeu à impugnação da matéria de facto de acordo com os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC, não indicando, com a devida particularização no competente registo áudio, as passagens concretas desses mesmos depoimentos, nem, tão-pouco, concretiza o teor, devidamente substanciado, do(s) facto(s) que entende pertinente o seu aditamento por via de complementação ou mesmo de supressão, o que para além revestir uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova.


E por assim ser, sendo a factualidade a considerar a contemplada no probatório, então, face ao seu teor, ter-se-á de concluir que nada se provou quanto à desresponsabilização do Recorrente pela criação e manutenção de uma situação de crise financeira, que levou a que ficassem por pagar as dívidas em causa. Destarte, ficou por provar que não foi por culpa do Recorrente que os créditos fiscais não foram pagos” – fim de citação.


Ora, o aqui transcrito é, com as adaptações necessárias, inteiramente aplicável ao caso que nos ocupa. Por assim ser, sem necessidade de mais delongas face à exaustão e clareza do acórdão que vimos acompanhado, há que julgar improcedentes também as conclusões que por último vínhamos analisando.


Sufragamos, pois, o sentido decisório da sentença recorrida que considerou estarem reunidos os pressupostos legais para responsabilizar o aqui Recorrente pelo pagamento das quantias exequendas cobradas coercivamente no processo de execução fiscal nº 3247200401059769, pelo que se nega provimento ao recurso jurisdicional.



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III - Decisão


Termos em que, acordam os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.


Custas pelo Recorrente.


Registe e notifique.


Lisboa, 19/10/23


(Catarina Almeida e Sousa)


(Isabel Fernandes)


(Hélia Gameiro)