Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:319/09.5BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/02/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:CATEGORIA E
ADIANTAMENTO POR CONTA DE LUCROS
ÓNUS DA PROVA
OMISSÃO DE PROVEITOS
Sumário:I - São considerados rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS, os lucros, incluindo os adiantamentos por conta de lucros, colocados à disposição dos respetivos titulares, desde que se demonstre, para o efeito, os respetivos factos génese (artigo 5.º do CIRS).
II - A única presunção legal estabelecida para o efeito encontra-se plasmada no artigo 6.º, nº4, do CIRS, cuja operatividade pressupõe, ab initio, um registo na conta corrente do sócio, que reflita um acréscimo patrimonial na sua esfera jurídica. Daí que, o facto tributário se verifique quando ocorre a colocação do rendimento à disposição do seu titular (cfr. artigo 7.º, nºs 1 e 3, alínea a), ponto 2) do CIRS).
III - Não se estando perante situação em que fosse de lançar mão da presunção referida, caberia à AT demonstrar o quid da qualificação efetuada.
IV - Não basta à AT partir da existência de cheques e transferências na conta bancária do Impugnante para a sua configuração enquanto adiantamentos por conta de lucros, quando nada resulta do RIT que permita sustentar tal configuração enquanto rendimento da categoria E, e quando, ademais, tal categoria tem natureza e caráter residual.
Votação:COM VOTO DE VENCIDA
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO


I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante DRFP ou Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por J… P…. e M… P… (doravante Recorridos), tendo por objeto liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do ano de 2004.

A Recorrente, veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“1.Por muito respeito que mereça o vertido na decisão a quo, com a mesma não se pode, de modo algum, concordar.

2. Pelo que, bastaria que fosse dada uma maior acuidade ao escopo do vertido no Relatório da Inspeção Tributária sub judice e seus respectivos Apensos (constituído por 38 fls., designadamente, de fls. 133 a 144 dos autos, o qual aqui se dá integralmente vertido para os devido efeitos); ao documento de fls. 235 a 242 (informação da divisão de justiça contenciosa); ao parecer de fls. 243 do PAT ; conjugadamente com a mais recente jurisprudência dos nossos Tribunais superiores,

3. assim como a todo o restante acervo probatório que foi junto ao processo, para que, perfunctoriamente, se pudesse aquilatar pela improcedência da Impugnação aduzida pela Recorrida/Impugnante. Mormente para que melhor se pudesse decidir, no sentido da improcedência de um qualquer vício de violação de lei, por erro nos pressupostos.

4. Pelo que, a Recorrente, com o devido respeito, conclui não ter razão o Tribunal a quo, que julgou num determinado sentido que perante a matéria de facto dada como assente, o acervo probatório erroneamente valorado (prova documental supra elencada), a matéria de facto que foi elencada como não provada, com os demais elementos comprovantes constantes dos autos, não tem a devida correspondência com o modo como as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão a quo deveriam ter sido interpretadas e aplicadas.

5. No âmbito do processo de Impugnação supra melhor identificado, no que concerne à quaestio decidenda da temática recorrida, foi proferida a decisão a quo, a qual julgou procedente a pretensão do Impugnante, quanto ao facto de a liquidação sub judice padecer de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos.

6. A predita vicissitude, preconizada pelo respeitoso Tribunal a quo, foi mutatis mutandis, foi como que causa adequada, para que fosse alvitrada pelo areópago recorrido, uma errada valoração do acervo probatório documental constante dos autos, a sua falta de valoração e consequentemente, a errada interpretação e aplicação do direito aos factos do caso vertente, mormente do preceituado nos artigos. 10.º e 74.º da LGT; art. 342.º CC; arts. 6.º n.º 4, art. 7.º n.º 1 e art. 5.º, n.º 2, al. h) todos do CIRS; arts. 31.º e 37.º do CComercial; Do Princípio do primado da verdade material sob a verdade formal e do Princípio da auto-responsabilidade das partes.

7. A MATÉRIA DE FACTO DADA COMO ASSENTE, consta dos itens 1) a 12) do segmento fáctico do douto aresto a quo, mormente de fls. 3 in fine a fls. 12 do predito aresto. Aliás, pela sua relevância, e para os efeitos almejados com o presente recurso, aqueles itens da factualidade dada como provada dão-se aqui por integral e expressamente vertidos por razão de economia processual.

8. Desde já é premente aqui deixar devidamente plasmada insuficiente e errada valoração da matéria de facto dada como assente, mormente quando atento o teor do vertido no item 9) é feita uma remissão para alienações de bens imóveis que constariam elencadas no item 2) da factualidade dada como assente.

9. Todavia, analisado o item 2) dos factos assentes, nenhuma alienação é nele elencada e descrita, tal como refere o item 9), não havendo correspondência entre os dois itens, na forma como é apresentado pelo Tribunal a quo. Da conjugação efectuada pelo Tribunal a quo, entre os dois itens supra mencionados, não resultam plasmadas e devidamente identificadas as alienações que com a sobredita remissão e conjugação do itens se pretendia dar como assente.

10. Com o devido respeito, padece do mesmo erro o itinerário seguido e o modus procidendi que o Tribunal a quo preconizou ao considerar a factualidade dada como provada no caso sub judice.

11. E desde logo, porquanto, o mesmo método foi utilizado no item 6) do segmento fáctico do aresto a quo, o qual fica esvaziado factualmente ao remeter, também, para as alienações/situações descritas no item 2). Pelo que, aquelas alienações ou situações ali mencionadas, são um conceito genérico, vago e vazio de concretização e caracterização factual.

12. O tribunal a quo preconizou e efectivou remissões, no segmento fáctico do seu douto aresto, para factualidade não existente e elencada no item factual dado como assente e para o qual se remete.

13. No aresto a quo consta como FACTUALIDADE NÃO PROVADA, a que infra se segue:

- “A) Os valores referidos em 5) e 6) foram utilizados para cobrir despesas da sociedade referida em 1).”

14. ORA, EM FACE DA FUNDAMENTAÇÃO (DO ARESTO A QUO) SUPRA NARRADA EM SINTESE, NO CORPO NARRATIVO DESTE RECURSO, E SE NÃO FOR POR MAIS,

15. Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou correctamente a prova produzida e que faz parte do processo, fazendo, por isso, errada aplicação das normas legais supra vazadas.

16. Em bom rigor, resulta, insofismavelmente, da prova carreada para os autos, e de tudo o que acima foi exposto, sedimentada a existência do facto tributário, in casu, da existência de um adiantamento por conta de lucros.

17. O douto aresto a quo, com o devido respeito, que é muito, padece, por todo o exposto, de erro na apreciação da prova e preconizou uma errónea interpretação das normas aplicáveis, não podendo em consequência permanecer na ordem jurídica.

18. Ora, pertencendo os valores sub judice, à sociedade, como proveito e dele se tendo apropriado, em parte, o ora recorrido – em termos fiscais não pode deixar tal montante de lhe ser imputado como um seu rendimento, como rendimento da categoria E, como adiantamento por conta de lucros,

19. já que também não se prova que tal montante proviesse de mútuo, prestação de trabalho ou do exercício de cargo social.

20. Efectivamente, tal montante ingressou no património do impugnante, ora recorrido, já que o mesmo lhe foi depositado em conta bancária de que também era titular e nenhuma prova foi efectuada que o tenha devolvido à sociedade.

21. Assim, demonstrou a Inspecção a ocorrência dos pressupostos legais que legitimam a correcção ao rendimento declarado pelo Impugnante, dado que o mesmo recebeu importâncias pertença da sociedade e que reverteram para a sua esfera pessoal, sem que tenham sido objecto de contabilização na esfera jurídica da sociedade.

22. Aliás nesse sentido, resultou como não provado que tais valores tivessem sido utilizados para cobrir despesas da sociedade!

23. Da matéria dada como provada e da que foi considerada poder-se-á inferir que as importâncias movimentadas através dos cheques beneficiaram os sócios, mormente o aqui recorrido, os quais obtiveram lucros sem que a sociedade suportasse os impostos a que estava obrigada.

24. Encontrando-se, desta forma, cabalmente demonstrada a existência do facto tributário gerador dos rendimentos de capitais, sujeito a IRS, nos termos do art. 5.º, do CIRS.

25. E perante a demonstração da existência dos pressupostos legais que legitimam a correcção ao rendimento declarado pelo Impugnante, dado que o mesmo recebeu importâncias pertença da sociedade e que reverteram para a sua esfera pessoal sem que tenham sido objecto de tributação em sede de IRC,

26. restava ao Impugnante a prova de que tais importâncias haviam sido recebidas a outro título, ou por outros, ou que as mesmas tinham sido transferidas para a sociedade, prova que não logrou fazer.

27. Com efeito, nenhuma prova foi feita de que não ocorreu adiantamento por conta de lucros, nem em sede de procedimento inspectivo, nem em sede de reclamação graciosa ou da presente impugnação, não cumprindo o Impugnante o ónus da prova que lhe é imposto pelo artigo 74°, n°1, da LGT,

28. o qual determina que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito invocado cabe àquele que os invocar, de acordo, aliás, com a norma geral do artigo 342° do CC, que dispõe «àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado».

29. Ora, de acordo com jurisprudência do respeitoso TCA Sul, "… incumbe ao contribuinte o ónus de prova de que deu cumprimento às obrigações de natureza contabilística impostas pela lei comercial e fiscal…

30. Para efeitos fiscais, a fiabilidade do registo contabilístico dos factos patrimoniais funda-se na chamada escrituração comercial, constituída por livros e registos obrigatórios, submetidos a formalidades legais, e pelos livros facultativos ou a estes equiparados (folhas soltas, volantes ou avulsas, v.g. as folhas de caixa, arts. 31° a 37° C.Com.) e demais documentos justificativos, não sendo de esquecer que, nos termos da lei, a escrituração comercial é, simultaneamente, o meio descritivo dos factos patrimoniais e o modo formal da respectiva comprovação - Vide Ac. proferido no processo n° 5153/01 disponível em www.dgsi.pt.

31. Também é sobremaneira relevante para melhor formar a convicção do douto areópago ad quem, no sentido da posição que é sufragada pela recorrente, desde já chamar à colação alguma da nossa melhor Jurisprudência, maxime, a que resulta do douto Acórdão datado de 22.02.2011,no âmbito do Proc. n.º 04487/11 e do Acórdão datado de 09.07.2013, no âmbito do Proc. n.º 06678/13, ambos da lavra do nosso respeitoso Tribunal Central Administrativo do Sul.

32. Com o devido respeito, que é muito, (considerando as irregularidades e omissões contabilísticas, consequência da não declaração de valores, relativos à diferença entre os valores declarados e os valores reais de alienações de imóveis, e da forma como está devidamente escalpelizada a aritmética dos mesmos no RIT, perfunctóriamente se infere do mesmo, ao que se somam as regras da experiência e da lógica, que nos caso concreto, os valores em causa não correspondiam a qualquer rendimento de trabalho dependente.

33. Aliás, uma análise atenta ao teor do RIT, à matéria que foi dada como assente, tudo devidamente conjugado com os demais elementos dos autos, forçosamente nos leva a concluir que seria tarefa assaz mais difícil e tortuosa de se almejar alcançar, a que diz respeito à eventual opção propugnada pelo Tribunal a quo, de que poderia a AT ter explanado a opção da qualificação dos valores em causa como rendimento de trabalho dependente!

34. Até porque, tão pouco resulta dos factos assentes, nem de qualquer parte do processo ou de um elemento probatório constante dos autos e que não tivesse sido considerado ou devidamente valorado pelo Tribunal a quo (de salientar que a prova testemunhal foi dispensada pelo próprio Impugnante, pelo que também aqui advém as consequências que estão inerentes ao princípio da auto-responsabilidade das partes) que alguma vez o recorrido tivesse recebido da sociedade rendimento de trabalho dependente!

35. Nem tão pouco dos elementos probatórios constantes dos autos, trazidos à colação pelo próprio recorrido e pela recorrente, resulta, elementos qualitativos dos pressupostos necessários para a qualificação de um rendimento como de trabalho dependente (quer quanto à periodicidade e regularidade do mesmo, os valores certos e regulares, entre outros mais).

36. E não poderia estar mais incorrecta a constatação efectuada pelo Tribunal a quo, de que tal qualificação dos valores em causa como adiantamento por conta dos lucros apenas se consubstanciou no facto de terem sido depositados nas contas bancárias conjuntas do impugnante marido e de A…. D… consequência da errada valoração que foi efectuada pelo mesmo, aos elementos probatórios constantes dos autos, mormente de todo o teor pormenorizado e devidamente fundamentado do Relatório de Inspecção sub judice, da matéria dada como provada pelo Tribunal a quo e a que resultou como não provada.

37. REITERA-SE: da matéria dada como assente pelo Tribunal a quo não se vislumbra factualidade que pudesse desvirtuar o considerado pela Administração Tributária quanta a esta vexata quaestio. Ao invés, atenta a matéria dada como assente, e a falta de valoração de prova documental que foi junta aos autos por parte do Tribunal recorrido, cimentam a posição assumida e defendida pela Administração Fiscal.

38. A AT no caso vertente, rumou caminho no sentido da descoberta da verdade tributária aproximada e não por um exponenciar de um rendimento que nunca poderia existir! O método e o itinerário que foi adoptado pela Administração Tributária no caso vertente, não é nem inadmissível, nem se mostra inadequado ou contra legem.

39. Posto que, aquelas vicissitudes supra elencadas, estão comprovadas, referenciadas e dadas como assentes nos presentes autos, não tendo sido devidamente relevadas pelo Tribunal a quo, pois que, a tê-lo sido, o itinerário decisório a implementar pelo respetivo areópago de certo que teria sido outro. Outrossim, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou corretamente a prova produzida e que faz parte do processo, fazendo, por isso, errada aplicação das normas legais supra vazadas.

40. Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, assim como não considerou nem valorizou como se impunha a prova documental que faz parte dos autos em apreço.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.

Concomitantemente,

Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro acto da administração pública, fazer justiça é um acto místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada JUSTIÇA!”


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Os Recorridos devidamente notificados não apresentaram contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul proferiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida fixou a factualidade que infra se descreve:

1) Em 2004, o impugnante marido era sócio gerente da sociedade S…, Lda. (doravante, S..)

2) A sociedade mencionada em 1), designadamente no ano de 2004, auferiu proveitos que não declarou na sua contabilidade, relativos à diferença entre os valores declarados e os valores reais de alienações de imóveis.

3) A conta bancária n.° 2…, do M…. (à época Banco…), tinha como titulares o impugnante marido e A…. D…., também sócio gerente da sociedade referida em 1).

4) A conta bancária n.° 2…., da C…., tinha como titulares o impugnante marido e A…. D…., também sócio gerente da sociedade referida em 1).

5) No âmbito de transações de bens imóveis enquadradas na atividade da sociedade mencionada em 1) e considerando o descrito em 2) foi efetuada, por adquirente, transferência bancária, no valor de 25.000 Eur., para a conta bancária mencionada em 4).

6) Foram emitidos, por adquirentes, no âmbito de transações de bens imóveis enquadradas nas situações descritas em 2), os seguintes cheques:

a. Cheque n.° 1…., do banco M… G…., no montante de 10.000,00 Eur., à ordem da sociedade mencionada em 1), datado de 26.11.2003;
a. Cheque n.° 9…, do banco M… G…, no montante de 36.148,00 Eur., à ordem da sociedade mencionada em 1);
b. Cheque n.° 1…, do banco M…, no montante de 25.000,00 Eur,
c. Cheque n.° 4…, do banco B…, no montante de 5.000,00 Eur, ao portador, datado de 19.12.2003;
d. Cheque n.° 4…, do banco B…, no montante de 52.000,00 Eur., à ordem do impugnante marido;
e. Cheque n.° 1…, do banco M…, no montante de 57.500,00 Eur., à ordem de A… D….;
f. Cheque n.° 7…., do banco B…, no montante de 10.000,00 Eur., à ordem da sociedade mencionada em 1).
1) Na conta identificada em 3) foram depositados os cheques mencionados entre 6.c) e 6.g).

2) Na conta identificada em 4) foram depositados os cheques mencionados em 6 a) e b).

3) A sociedade S… foi objeto de ação de fiscalização, por parte da AT, abrangendo os exercícios de 2003 a 2005, no âmbito da qual foram detetadas situações de alienações de bens imóveis, por parte da referida sociedade, por valor real superior ao valor declarado, designadamente as referidas em 2) (cfr. fls. 41 a 81).

1) Os impugnantes foram objeto de ação de fiscalização, em cumprimento da Ordem de Serviço n.° OI2008…, pela Direção de Finanças de Lisboa (cfr. fls. 20, dos autos, e fls. 133, do processo administrativo).

2) Da ação de fiscalização referida em 10) resultou um Relatório de Inspeção Tributária (RIT), datado de 31 de outubro de 2008, do qual consta designadamente o seguinte


C.1.2 - Enquadramento. Fiscal

Suieito passivo A: Em sede de IRS, auferiu os seguintes rendimentos no ano de 2004:

. Categoria A - rendimentos de trabalho dependente, cuja entidade/sujeito passivo pagadora é a empresa “S… - …, Lda.”, NIPC/5…., na qualidade de sócio-gerente;

Categoria E - rendimentos de capitais sujeitos a englobamento;

Categoria F - rendimentos prediais.

(...)

1. Descrição dos factos e fundamentos

No decurso de uma acção de inspecção, efectuada pela Direcção de Finanças de Santarém, à empresa “S…., Lda.", NIPC/5…., verificou-se que no exercício de 2004 procedeu à alienação de diversas fracções de prédios urbanos, tendo sido apurado que foram declarados para efeitos da celebração das escrituras de compra e venda; valores de transacção inferiores aos valores reais, nas quais o sujeito passivo A interveio na qualidade de sócio-gerente.

Os sujeitos passivos adquirentes dos imóveis admitiram a existência de omissões nos valores declarados para efeitos de escritura e efectuaram o pagamento do respectivo IMT - Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis. Dos factos apurados verifica-se que desde a data do início do negócio até à data da realização da escritura de compra .e venda, os adquirentes dos imóveis procederam à emissão de cheques/transferências para pagamento das diferenças entre os valores reais e os valores, declarados.

Estes valores, adiante enunciados foram depositados nas contas particulares identificadas como n.º 2…. do B…, e n.º 2… do. Banco …, as quais são tituladas por ambos os sócios da sociedade “S…., Lda, Conta n.° 2… do Banco …., co-titulada pelos sujeitos. passivos A… D… e J…. P…. (anexo 2)


«Imagem em texto no original»


Conta n.° 2….. do Banco …., co-titulada pelos sujeitos. passivos A… D…. e J…. P… (anexo 1)


«Imagem em texto no original»



Os valores pagos ao sujeito passivo A – J… P…. e a A…. D…., na qualidade de sócios-gerentes da sociedade “S…- …., Lda.", como forma de dissimular a omissão de proveitos na sociedade no exercício de 2004, resultam em remunerações auferidas pelos mesmos (embora através de uma conduta ilegítima) atribuídas pela sociedade, e que deveriam ter sido lançadas nas respectivas contas correntes.

Pelo que:

-De acordo com o disposto no n,° 4, do artº. 6.º do Código do IRS, constituem pagamentos a título de adiantamento por conta de lucros, que nos termos do n.° 1 do art. 7° do Código do IRS, ficam sujeitos, a tributação no ano em que são colocados à disposição do seu titular.

-Assim verifica-se que os valores, depositados nas contas tituladas pelos dois sócios gerentes - € 220.648,00 - concorreram para o valor real de transacção dos imóveis, tendo resultado numa omissão de rendimentos sujeitos a tributação, e que deveriam ser tributados como rendimentos da Categoria E - adiantamentos por conta de lucros, nos termos da alínea h),do nº2 do artº 5ºdo Código do IRS

Na medida em que os titulares das contas n.° 2…. do Banco ….. e n.° 2….. do Banco ….., são os dois sócios gerentes, e pelo facto das quotas da sociedade estarem repartidas em 50% para cada sócio irá considerar-se remuneração do sujeito passivo A — J…. P…., o valor de € 110.324,00 correspondente a 50% dos montantes depositados naquelas contas (€ 220.648,00*50%).

2. Correccões Aritméticas

2.1 Em sede de IRS- Ano de 2004

•Pelo exposto, propõe-se a correcção meramente aritmética do rendimento colectável dos sujeitos passivos, nos termos do n.° 4. do art. 65° do Código do IRS, considerando como adiantamento por conta de lucros, o valor total de €110.324,00. Porém, atendendo a que de acordo com o disposto no art. 40°-A do Código do IRS apenas 50% deste-valor é considerado para efeitos de tributação como rendimento de capitais - Categoria E, tal resulta num acréscimo ao rendimento colectável no montante de € 55,162,00.

•Apuramento do Rendimento Colectável


IX- Direito de Audição - Fundamentação

O sujeito passivo foi notificado para o seu domicílio fiscal conforme Ofício n.° 78609 de 17/10/2008, com registo n.° RC071270814PT (cfr. Anexo 3. fis, 1/z a ffc 2/2), tendo no decurso do prazo exercido o direito de audição através de mandatário, conforme Entrada n.° 95410 de 30/10/2008 (cfr, Anexo 4, fls.1/9 a fls.9/9).

1.1 - No âmbito do direito de audição os sujeitos passivos contestam os factos descritos no Projecto de Relatório, dos quais se realçam as seguintes partes:

• Do ponto “I- DOS FACTOS”:

- (…) para além das declarações dos sujeitos passivos adquirentes terem admitido a existência de omissões dos valores declarados na aquisição destas fracções, também o respondente já havia confessado tal situação — aliás, habitual neste tipo de negócios - junto da DF de Santarém

- “(...) Aceita-se igualmente, que os adquirentes das fracções em causa emitiram-os cheques em anexo e efectuaram transferências bancárias já conhecidas, que corresponderam às diferenças entre os valores reais e os valores declarados (...).,

“(...) As contas de que ambos os ex-sócios eram titulares e onde os cheques Transferências acima referidas foram depositados têm os números 2… do M….. e 2…. da N… (Banco ….)(...).”;

- “(...) ter a Administração Fiscal actuado com desrespeito pelos princípios da verdade material, da proporcionalidade, da generalidade, da igualdade e da legalidade, (...) para que remetem os art°s 6o e 7° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e artº 5o da Lei Geral Tributária...)";

- “(...) verifica-se dos anexos ao relatório a que se responde que dois dos cheques que figuram em anexo não respeitam ao ano de 2004, porquanto foram emitidos e depositados nas contas conjuntas dos ex-sócio no ano de 2003 (.

Nestes termos importa relevar os seguintes aspectos:

Ø A Administração Fiscal, nos termos do n.° 1, do art, 74° da Lei Geral Tributária (LGT) verificou os factos, inequivocamente demonstrados no âmbito deste processo, uma vez que recai sobre ela o ónus da prova:

- a omissão de valores nas escrituras de compra e venda dos imóveis é o depósito/transferências destes em contas particulares dos sócios gerentes da sociedade vendedora;

- o depósito destes valores em contas bancárias particulares, tituladas pelos sócios gerentes, nomeadamente o sujeito passivo A. releva que estas quantias ficaram disponíveis para sua utilização particular.

Ø O procedimento de inspecção tributária respeitou todos os princípios consagrados na lei fiscal, nomeadamente o do art. 10° da LGT — “O carácter ilícito da obtenção de rendimentos (...) não obsta à sua tributação quando esses actos preencham os pressupostos das normas de incidência aplicáveis.”

Ø Efectivamente dois dos cheques identificados no Ponto III deste relatório foram emitidos no ano de 2003 (cfr. Anexo 5, fls. 1/2 a fls. 2/2)

«Imagem em texto no original»


Por lapso, a Administração Fiscal, uma vez que as escrituras foram realizadas no ano de 2004, respectivamente, em 11/03/2004 e em 23/03/2004 (assim como parte do pagamento dos valores reais de venda destas fracções), incluiu estes valores nas correcções do ano de 2004. Esta situação será rectificada, contudo ressalva-se que o sujeito passivo não foi corrigido, nem tributado nestes: valores no ano de 2003. .

Nestes termos o Ponto 2/2.1 - Correcções Aritméticas em sede de IRS -Ano de 2004 é corrigido da seguinte forma:

-Efectua-se a correcção meramente aritmética do rendimento colectável dos sujeitos passivos, nos termos do n,° 4, do art. 65.º do Código do IRS. considerando como adiantamento por conta de lucros, o valor total de €102.824.00 (50% dos montantes depositados - € 204,648,00 f€ 220.648,00 - € 15.000,00]. Porém, atendendo a que de acordo com o disposto no art. 40°-A do Código do IRS apenas 50% deste valor é considerado para efeitos de tributação como rendimento de capitais - Categoria E, tal resulta num acréscimo ao.rendimento colectável no montante de € 51.412,00.

• Apuramento do Rendimento Colectável

Este ponto do exercício do direito de audição por parte do sujeito passivo refere a inspecção da D.F. de Santarém, cujas correcções foram efectuadas na esfera da sociedade, em sede de IRC, da qual o sujeito passivo é sócio.

Neste relatório as correcções aritméticas são concretas e objectivas, tendo por base as provas documentais (em anexo) dos depósitos dos eheques/transferências bancárias em contas particulares dos sócios, já anteriormente identificadas. Realça-se o facto de que os registos na contabilidade da empresa (devidos ou indevidos) e mesmo que rectificados, em sede de IRC no Relatório da D.F. de Santarém em nada se reflectem nas correcções aritméticas efectuadas neste relatório

Do ponto “III -DA DUPLICAÇÃO DA COLECTA”:

- “No desenrolar da inspecção levada a efeito pela DF de Santarém ficou sohejámente comprovado que as quantias não escrituradas e contabilizadas que resultaram da venda das frácções em causa, foram alvo de um apuramento adicional de IRC ”;

- “...os montantes considerados para efeito de apuramento de IRC dá sociedade “S… já não poderão ser levados em conta para efeito de cálculo de IRS do sócio J… P…..”

As omissões nos valores declarados nas escrituras resultaram em rendimentos sujeitos a tributação tanto em sede IRC como IRS, senão vejamos:

- em sede de IRC uma vez que os proveitos da sociedade são contabilizados de acordo com os valores declarados nas escrituras de compra e venda, verificou-se que os cheques depositados nas contas particulares dos sócios gerentes, correspondentes às diferenças entre os valores das escrituras e os valores reais de venda dos imóveis, não foram contabilizados como proveitos da sociedade vendedora, não concorrendo para a determinação do lucro tributável da sociedade nos termos do art. 17° do Código do IRC, resultando numa diminuição do IRC devido;

- em sede de IRS porque os elementos detectados demonstram que estes valores foram efectivamente recebidos pelos sócios gerentes - depositados nas contas bancárias particulares destes, identificadas no ponto III - n.° 1, que intervieram nas escrituras na qualidade de legítimos representantes da sociedade, como forma de dissimular a omissão de proveitos na sociedade, sendo que metade do valor/ ver ponto III - n.° 1) destas quantias resultaram numa remuneração auferida pelo sujeito passivo A atribuída pela sociedade. Está em causa uma vantagem económica, que muito embora obtida através de uma conduta ilícita resultou num rendimento atribuído ao sócio gerente, não declarado por este para efeitos de tributação em sede de IRS.

1.2- Pelo exposto, as correccões meramente aritméticas propostas em sede de IRS para o ano de 2004 - Categoria E são no valor de € 51.412.00..." (cfr. fls. 133 a 170, do processo administrativo).

12) Foi emitida, pela AT, em nome dos impugnantes, a liquidação adicional de IRS n.° 2008 ….., relativa ao ano de 2004, e a dos respetivos juros compensatórios, de cuja demonstração de acerto de contas resultou um valor a pagar de 22.057,82 Eur., tendo como data limite para pagamento voluntário 08.01.2009 (cfr. fls. 18, dos autos, e fls. 192 a 194, do processo administrativo).


***


A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“A) Os valores referidos em 5) e 6) foram utilizados para cobrir despesas da sociedade referida em 1).


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Não existem outros factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.

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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

“A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou, desde logo, na prova documental junta aos autos, conforme indicado em cada um desses factos.

Especificamente quanto ao facto 1), a convicção do Tribunal fundou-se na posição assumida pelos impugnantes (art.° 5.º, da petição inicial), lida em consonância com o RIT (ponto III.1. - cfr. fls. 138, do processo administrativo).

Quanto ao facto 2), trata-se igualmente de facto não controvertido, como decorre da posição dos impugnantes, vertida nos art.° e 22.°, da petição inicial, bem como do RIT - ponto III.1. (cfr. fls. 138 e 139, do processo administrativo).

No que respeita aos factos 3) e 4), trata-se de factos que se extraem do RIT e seus anexos 1 e 2 (cfr. fls. 138 a 140,146 a 148 e 150 a 154, do processo administrativo) bem como do RIT relativo à S… (cfr. fls. 47, dos autos) e dos documentos.

No tocante constantes de fls. 121 a 126, dos autos, não controvertidos (cfr. a posição assumida pelos impugnantes no art.° 33.°, da petição inicial).

No tocante aos factos 5), 6), 7) e 8), trata-se igualmente de factos não controvertidos, como resulta da posição dos impugnantes, constante dos art.°s 33.0 e 36.°, da petição inicial, e que se extraem de fls. 30 a 32, 34 a 38,121 a 128, dos autos, bem como o teor do RIT e seus anexos (cfr. fls. 138 e 146, 147, 148 e 150 a 154, do processo administrativo).

Quanto ao facto A), não provado, não foi feita qualquer prova pelos impugnantes, tendo sido estes quem o alegou, sublinhando-se que foi por eles prescindida a produção de prova testemunhal.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS, respeitante ao ano de 2004.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo:

- Incorreu em erro de julgamento de facto, na medida em que valorou erradamente a factualidade constante no probatório, e estabeleceu remissões genéricas e desadequadas;

- Cometeu erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, porquanto se encontram reunidos os pressupostos para efeitos de subsunção e qualificação enquanto rendimentos de capital, concretamente adiantamento por conta de lucros.

Ab initio, importa, desde já, relevar que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto, em ordem aos requisitos contemplados no artigo 640.º do CPC, nada peticionando em termos de alterações ao probatório, mormente, em sede de aditamento, substituição e ou supressão, limitando-se a evidenciar uma errónea valoração da matéria vertida no acervo fático dos autos concatenada com deficientes remissões, mormente, nos pontos 6 e 9.

A Recorrente evidencia, neste particular, uma insuficiente e errada valoração da matéria de facto dada como assente no item 9), na medida em que é feita uma remissão para alienações de bens imóveis que constariam elencadas no item 2), contudo nesse ponto inexiste qualquer densificação atinente a bens imóveis, o mesmo sucedendo quanto ao ponto 6.

Ora, ainda que a Recorrente se limite a evidenciar uma errónea ponderação da matéria de facto e não convoque uma concreta supressão ou roupagem alternativa dos visados pontos do probatório, a verdade é que o supra aludido não merece provimento, na medida em que as remissões constantes em 6) e 9), para o elencado em 2), não contemplam qualquer erro.

Note-se que, o ponto 2) faz expressa referência à diferença entre os valores declarados e os valores reais de alienações de imóveis, logo a remissão corporizada em 6) e 9) encontra respaldo e fundamento na mesma, não carecendo, naturalmente, de qualquer densificação de quantum, até porque essa asserção encontra-se plasmada em 5) a 8), devendo a mesma ser interpretada em conjunto.

Face a todo o expendido, não se verifica o aludido erro de julgamento de facto, sendo, ainda, de salientar que carece de relevo o explanado em 2) a 4), porquanto mais não representam que asserções genéricas sem a mínima consubstanciação fática.

Note-se que, não basta à Recorrente defender, globalmente, que a decisão sobre a matéria de facto está incorreta, carecendo, como visto, de indicar que concretos pontos de facto estão incorretamente julgados, que concretos meios probatórios suportam esse entendimento e que concretos factos entendem que devem ser considerados provados ou não provados.

E por assim ser não se vislumbra qualquer erro de julgamento de facto.

Assim, uma vez estabilizada a matéria de facto, atentemos, então, no erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Vejamos, então, se a materialidade fáctica apurada é bastante para que se assuma/presuma a natureza de adiantamento por conta de lucros, isto é, para que se julgue preenchida a previsão do convocado artigo 6.º, nº4, do CIRS.

A Recorrente defende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação dos pressupostos de facto, na medida em que se encontram preenchidos os pressupostos para que as verbas em causa sejam tributadas a título de lucros ou de adiantamento de lucros.

Densifica, para o efeito, que pertencendo os valores sub judice, à sociedade, e dele se tendo apropriado, em parte, o ora Recorrido, em termos fiscais não pode deixar tal montante de lhe ser imputado como um seu rendimento da categoria E, já que também não se prova que tal montante proviesse de mútuo, prestação de trabalho ou do exercício de cargo social, reclamando, outrossim, tal conclusão das regras da experiência.

Conclui dizendo que, perante a demonstração da existência dos pressupostos legais que legitimam a correção competia ao Recorrido demonstrar que tais importâncias haviam sido recebidas a outro título, ou por outros, ou que as mesmas tinham sido transferidas para a sociedade, prova que não logrou fazer.

O Tribunal a quo esteou o juízo de procedência evidenciando, desde logo, que o ónus da prova dos pressupostos base radicavam na esfera jurídica da AT, o qual não cumprido, externando, mediante transposição para o Relatório de Inspeção em contenda, que “[a] AT qualificou os valores em causa como adiantamentos por conta de lucros, apenas com base no facto de terem sido depositados nas contas bancárias conjuntas do impugnante marido e de A… D….. Aliás, não resulta explanada a opção feita, por parte da AT, por esta qualificação e não como rendimento de trabalho dependente, considerando que o impugnante era gerente da sociedade em causa.”

Concluindo, depois, que os “[e]lementos constantes do relatório de inspeção não se podem extrair, nem do ponto de vista fático, nem do ponto de vista de direito, os pressupostos para esta qualificação efetuada pela AT, porquanto, por um lado, não há factualidade demonstrada nesse sentido e, por outro lado, a qualificação como rendimento da categoria E tem caráter residual (como referido no n,° 1 do art.° 5.°, do CIRS, in fine), não ficando na discricionariedade da Administração escolher se um determinado rendimento há de ser qualificado, por exemplo, como rendimento da categoria A ou da categoria E.”

Ora, cotejando a fundamentação supra expendida com a realidade fática constante do probatório, ajuíza-se que o entendimento propugnado pelo Tribunal a quo não merece a censura que lhe é endereçada pela Recorrente, porquanto interpretou corretamente o regime normativo aplicável ao caso vertente, com a devida transposição para a realidade de facto em contenda.

Senão vejamos.

Comecemos por atentar na fundamentação que fundou as correções aritméticas sub judice, convocando, para o efeito, o respetivo Relatório Inspetivo, porquanto, como é consabido, é com base nele, e exclusivamente nele, que se deve aferir a legalidade e a bondades das correções.

Ora, compulsado o teor do mesmo sintetiza-se, da seguinte forma, a fundamentação das correções em contenda:

- A empresa “S….”, no exercício de 2004, procedeu à alienação de diversas frações de prédios urbanos, tendo sido apurado mediante realização de ação inspetiva que foram declarados para efeitos da celebração das escrituras de compra e venda, valores de transação inferiores aos valores reais, nas quais o Recorrido interveio na qualidade de sócio-gerente.
- Os sujeitos passivos adquirentes dos imóveis procederam à emissão de cheques/transferências para pagamento das diferenças entre os valores reais e os valores declarados.
- Foram depositados em contas que são tituladas por ambos os sócios da aludida sociedade, valores inerentes ao aludido diferencial.
- Tais valores resultam em remunerações auferidas pelos mesmos e que deveriam ter sido lançadas nas respetivas contas correntes.
- De acordo com o disposto no n,° 4, do artº. 6.º do Código do IRS, constituem pagamentos a título de adiantamento por conta de lucros, que nos termos do n.° 1 do art. 7° do Código do IRS, ficam sujeitos, a tributação no ano em que são colocados à disposição do seu titular.

Feita a enumeração da realidade fática e as razões de direito que externaram as correções sindicadas, cumpre convocar o respetivo regime jurídico.

Com efeito, dispunha, à data, o citado artigo 5.º do CIRS, epigrafado de “Rendimentos da Categoria E”, que:

“1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.

2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:

(…)

h) Os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º”.

Sendo, igualmente, de chamar à colação o preceituado no artigo 6.º, nº4, do CIRS, o qual sob a epígrafe de “presunções relativas a rendimentos da categoria E”, dispõe que:

“4 - Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.”

Ora, do teor dos citados normativos retira-se que são considerados rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS, os lucros, incluindo os adiantamentos por conta de lucros, colocados à disposição dos respetivos titulares, desde que se demonstre, para o efeito, os factos génese.

Relevando-se, adicionalmente, que a única presunção legal estabelecida neste concreto particular se encontra plasmada no citado artigo 6.º, nº4, do CIRS, da qual deriva, desde logo, que a operatividade da mesma pressupõe, ab initio, um registo na conta corrente do sócio, que reflita um acréscimo patrimonial na sua esfera jurídica. Daí que, o facto tributário se verifique quando ocorre a colocação do rendimento à disposição do seu titular (cfr. artigo 7.º, nºs 1 e 3, alínea a), ponto 2) do CIRS).

No caso vertente, e conforme resulta da enunciação supra expendida, a AT convoca de forma expressa o artigo 6.º, nº4, do CIRS, atinente à presunção legal, relevando, no entanto, que não obstante não tenham existido quaisquer lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, a verdade é que tais entradas de capital resultam em remunerações auferidas pelos mesmos e que deveriam ter sido lançadas nas respetivas contas correntes.

Com efeito, como se infere do Relatório de Inspeção Tributária, e bem assim das próprias alegações de recurso, a AT propugna que basta comprovar o recebimento dos montantes em causa, que os mesmos resultaram da atividade comercial da sociedade e que nesta não tinham sido objecto de tributação, para concluir que os mesmos deverão ser tributados enquanto adiantamentos sobre conta de lucros.

No entanto, in casu, não é possível acionar-se a aludida presunção legal, competindo, portanto, à AT demonstrar as premissas base para o enquadramento nessa Categoria, o que não logrou demonstrar, carecendo de qualquer relevo o expendido em 22) e concatenado com a factualidade não provada, porquanto, a jusante.

No caso vertente, a AT partiu da existência de cheques e transferências na conta bancária do Recorrido para a sua configuração enquanto adiantamentos por conta de lucros, contudo nada resulta do RIT que permita sustentar tal configuração enquanto rendimento da categoria E. Ademais, como bem evidenciado na decisão recorrida, sendo o Recorrido sócio gerente haveria que afastar o recebimento de qualquer quantia dimanante de outra categoria, mormente A, até porque como, devidamente, evidenciado anteriormente, a Categoria E tem natureza e caráter residual.

Não podendo, naturalmente, lograr provimento o expendido nas conclusões atinentes ao facto do Recorrido não ter feito prova de que tais quantias não provinham de mútuo, prestação de trabalho ou do exercício de cargo social, porquanto, por um lado, o ónus do quid é a montante e reside, como vimos, na esfera jurídica da AT, e por outro lado, porque essa específica corporização apenas releva para efeitos da ilisão da presunção legal, a qual, como visto, não há que convocar, porquanto não legitimada.

Note-se que, tendo presente o citado normativo 6.º, nº4, do CIRS, o mesmo não permite, de todo, inferir que os depósitos na conta bancária do sujeito passivo se presumem feitos a título de adiantamento dos lucros, com efeito, a norma apenas permite inferir que os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, se presumem feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.

Carecendo, igualmente, de relevo o expendido quanto às regras da experiência, porquanto não é possível apelar-se às mesmas para fundar e legitimar um rendimento na Categoria E, e com a natureza já devidamente densificada anteriormente.

Neste concreto particular, há que chamar à colação o Acórdão prolatado por este Tribunal, no âmbito do processo nº 6368/13, datado de proferido em 31 de março de 2016, do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

“(…)

Como se disse já por diversas vezes em arestos deste Tribunal Central, “com esta presunção, procede-se a uma qualificação supletiva de quantias cuja origem não esteja expressa nas contas correntes em causa (…), constituindo essa qualificação das quantias escrituradas, cuja "causa" jurídica não foi expressamente declarada, precisamente o objectivo a que o legislador se propôs com a consagração da presunção em apreço. (2)

Perante os elementos literal, lógico e sistemático dos normativos que regem a tributação dos rendimentos da categoria E, mais especificamente os casos em que podem ser presumidos os rendimentos dessa categoria, as únicas situações em que são consentidas presunções quanto a tais rendimentos são as tipificadas no art° 7°, concretamente e ao que ao caso importa, os nºs 4. Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucros.

É precisamente na ausência de qualquer registo contabilístico que os Impugnantes alicerçam de forma mais impressiva a sua defesa de ilegalidade da liquidação: não havendo qualquer escrituração na conta corrente dos sócios por parte da sociedade, não há lugar à presunção que suporta a liquidação adicional, isto é, não há fundamento de facto para fazer operar a presunção do artigo 6.º, n.º 4 do CIRS e, consequentemente, não há fundamento legal para a liquidação.

Tendo presente a noção de presunção acolhida no artigo 349.º do Código Civil (“Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.”), a distinção, também legalmente estabelecida, entre presunções legais e presunções judiciais (conforme a indução ou inferência é feita pela própria lei, que do facto conhecido presume a existência do facto desconhecido, sem dependência de apreciação do juiz, ou é feita por este através das regras da vida - cfr. artigo 350.º e 351.º do Código Civil) e a relevância ou distinto tratamento de que uma e outra podem ser objecto ao nível da sua infirmação (as presunções legais para serem destruídas, nos casos em que a lei o permite, têm de ser ilididas mediante prova em contrário, no caso de presunção natural, não é necessário fazer a prova do contrário do facto presumido, bastando abalar a convicção resultante da presunção, e não, necessariamente, fazer prova do contrário do facto a que ela conduz – cfr. artigos 350.º,n.º 2 e 351.º do Código Civil) (3), não nos assistem dúvidas quanto a que a presunção de que a Administração Tributária lançou mão constitui uma presunção legal. Isto é, o próprio legislador qualifica como “rendimentos da categoria E”, adiantamentos por conta dos lucros, os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucro. Ou seja, só nos casos ali expressamente previstos é que podem ser presumidos os rendimentos dessa categoria, são estas as únicas situações em que são consentidas presunções quanto a tais rendimentos, resultando esta conclusão inequivocamente dos elementos literal, lógico e sistemático dos normativos que regem a tributação dos rendimentos da categoria E.

Acontece porém que, no caso concreto, o facto conhecido, isto é, o facto em que o legislador faz assentar a presunção não está comprovado. Alias, está provado precisamente o seu contrário, já que o Tribunal a quo deu como provado que não havia qualquer registo contabilístico, qualquer escrituração relativa aos montantes recebidos pelos Impugnantes, o que significa que a presunção legal, que constitui o fundamento da presente impugnação, não é legitima.

Em suma, a presunção de adiantamentos por conta dos lucros só poderia operar se existissem lançamentos em conta-corrente dos Impugnantes, escriturados na sociedade, pois só estes se presumem, face ao disposto no nº 4 do art. 7º do CIRS, feitos sob aquele título.

O que, in casu, não acontece.

Daí que, perante este quadro, forçoso é concluirmos que aos Impugnantes não se impunha, contrariamente ao que parecem indiciar as suas conclusões, em especial a identificada sob o n.º IV in fine (“restava ao impugnante a prova de que tais importâncias haviam sido recebidas a outro título ou que as mesmas verbas tinham sido posteriormente pagas pelo impugnante à sociedade, prova que não logrou fazer”) alegar ou provar que as quantias recebidas nas suas contas e provenientes de terceiros que com a sociedade desenvolveram negócios não constituíam qualquer adiantamento por lucros ou, sequer, demonstrar a sua origem para afastar a presunção legal contida no artigo 6.º n.º 4 do CIRS, uma vez que é sobre a Administração Tributária, pretendendo lançar mão da presunção legal consagrada no artigo 6.º n.º 4 do CIRS, que impende o ónus de alegar e comprovar que aquelas quantias recebidas em contas de que os Impugnantes (sócios) eram titulares estavam escrituradas, ainda que sem menção de origem, na conta corrente dos sócios existentes na sociedade. O que, como bem se vê dos factos apurados, do próprio Relatório e da posição desde o inicio por si assumida, a Administração Tributária não fez, nem tentou fazer, convicta, como vimos, de que para beneficiar daquela presunção legal lhe bastava comprovar o recebimento dos montantes em causa, que os mesmos resultaram da actividade comercial da sociedade e que nesta não tinham sido objecto de tributação”.

De chamar à colação, outrossim, o expendido, no Acórdão proferido no processo deste TCAS com o nº 2314/07, datado de 30 de setembro de 2019, com similitude fática com o caso vertente, concretamente, a entrada de cheques e transferências na conta do Recorrido, que não se encontram, como visto, escriturados na conta dos sócios da sociedade que reflitam a colocação de lucros à sua disposição, e no qual se sentenciou que tais asserções não permitem legitimar qualquer enquadramento como

E no mesmo sentido se doutrinou, no Acórdão deste TCAS, prolatado no âmbito do processo nº 702/10, de 19 de janeiro de 2023, em situação fática similar à dos autos, e no qual a, ora, Relatora integrou o Coletivo enquanto Segunda Adjunta [no mesmo sentido, vide, designadamente, Acórdãos proferidos nos processos nº 631/10, de 11 de janeiro de 2023, e 1955/09, de 22 de abril de 2022]:

“Com efeito, a mesma partiu da existência de transferências bancárias ou emissões de cheques para a configuração dos respetivos valores enquanto adiantamentos por conta de lucros, nada constando do RIT que permita sustentar tal configuração enquanto rendimento da categoria E.

In casu, os valores em causa não estavam escriturados na contabilidade da sociedade, pelo que não se pode lançar mão da presunção consagrada no n.º 4 do art.º 6.º do CIRS. Neste sentido, v., v.g., os Acórdãos deste TCAS de 31.03.2016 (Processo: 06368/13) e do Tribunal Central Administrativo Norte de 13.07.2017 (Processo: 00484/07.6BEVIS), de 21.11.2019 (Processo: 00700/11.0BECBR) e de 29.04.2021 (Processo: 00337/14.1BEPRT).(…) não se podem confundir transferências bancárias ou emissões de cheques com escrituração na contabilidade, em sede de conta corrente dos sócios. Quando se fala em conta corrente dos sócios pretende-se abarcar a escrituração contabilística de determinados valores, designadamente em diversas das subcontas da conta 25 do Plano Oficial de Contabilidade, então em vigor.

Como tal, não se estando perante situação em que fosse de lançar mão da presunção referida, caberia à AT demonstrar o quid da qualificação efetuada.

No entanto, em sede de RIT, a AT concluiu, com base fática insuficiente para o efeito, estarmos perante adiantamentos por conta de lucros.

Na verdade, a administração limitou-se a concluir, sem mais, que os valores das transferências bancárias e dos cheques eram rendimentos de capitais do Recorrido. (…) (destaques e sublinhados nossos).

Ora, face a todo o supra expendido e tendo presente, como visto, que não estamos perante uma situação de funcionamento da presunção prevista no n.º 4, do artigo 6.º do CIRS, competia, assim, à AT fazer prova dos pressupostos do seu agir (cfr. artigo 74.º, n.º 1, da LGT), sendo que no caso concreto tal não se verificou, não se encontrando, assim, reunidos os factos índice que permitem à AT fazer o enquadramento dos valores corrigidos e em contenda, como rendimentos da categoria E, colocados à disposição dos sócios, padecendo a liquidação impugnada de vício de violação de lei.

Conclui-se, assim, que inexiste o apontado erro de julgamento à decisão recorrida.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSEÇÃO COMUM deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e confirmar a decisão recorrida, a qual se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.



Lisboa, 02 de novembro de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Susana barreto)
Voto de vencida

Não acompanho a decisão e, como tal, contrariamente ao sufragado no presente acórdão, teria dado provimento ao recurso jurisdicional.

Entendo que a AT limitou-se a fazer referência, na fundamentação do acto, ao artigo 6.º, n.º 4 do CIRC, tendo enquadrado os valores omitidos na contabilidade da sociedade e pagos directamente ao sócio-gerente no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, norma que não exige a escrituração formal dessa realidade como pressuposto de incidência.

Consta do RIT, que a correcção em causa resulta de inspecções tributárias à sociedade e aos seus sócios gerentes, onde se apurou que os montantes em causa, que deviam ter sido reconhecidos como proveitos da sociedade, acabaram por não ser registados na contabilidade desta e foram acrescer ao património individual dos respectivos sócios-gerentes. Resulta ainda do RIT que a AT promoveu também em sede de IRC a respectiva correcção nos resultados do exercício de 2004 da sociedade, com um apuramento adicional de IRC.
Os elementos de prova constantes dos autos, na apreciação crítica que deles faço, sustentam que a AT coligiu e invocou factos índice passíveis de conduzir os valores monetários omitidos na contabilidade da sociedade e pagos directamente ao seu sócio-gerente à natureza de adiantamentos por conta de lucros, sujeitos a IRS na esfera do beneficiário dos rendimentos, nos termos do artigo 5.º, n.ºs 1 e 2.º, alínea h) do CIRS, não tendo o Impugnante logrado demonstrar a inexistência de facto tributário (artigo 74.º, n.º 1 da LGT).

Nesta conformidade, na minha opinião, o recurso devia ser julgado procedente.

(Maria cardoso)