Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:744/11.1BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/27/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IVA
FATURAS
REQUISITOS
DEDUÇÃO
ÓNUS DA PROVA
DEMONSTRAÇÃO DA SITUAÇÃO MATERIAL
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
Sumário:
I. As faturas configuram-se como documentos não só relevantes para efeitos de exercício do direito à dedução, mas também pertinentes para efeitos de exercício dos poderes de controlo por parte da AT.

II. Não existe qualquer hierarquia entre os diversos requisitos exigidos às faturas.

III. O TJUE tem considerado ser admissível o direito à dedução, ainda que haja alguns requisitos formais por cumprir nas faturas, desde que a situação material seja demonstrada.

IV. O não cumprimento escrupuloso das formalidades exigidas em termos de emissão de faturas pode não comprometer o exercício do direito à dedução, desde que as exigências de fundo tenham sido cumpridas e que a AT disponha de todos os elementos para substantivamente caraterizar a operação, sendo certo que o ónus da prova caberá ao sujeito passivo.

V. Não tendo sido apresentados elementos documentais que contenham um conteúdo que permita suprir as lacunas das faturas, não é admissível o direito à dedução.

VI. Para que se possa apelar à autoridade do caso julgado, é necessário que a situação jurídica material tenha sido definida por sentença ou acórdão transitados em julgado.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

E….., Lda (doravante Recorrente ou Impugnante) veio apresentar recurso da sentença proferida a 19.12.2016, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre as liquidações de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e as dos respetivos juros compensatórios, relativas ao ano de 2006.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais, após aperfeiçoamento, concluiu nos seguintes termos:

 “1-A recorrente “E….., Lda, deduziu impugnação judicial visando as liquidações adicionais de IVA do exercício de 2006, no montante global de 40.954,57, resultantes da Acção Inspectiva de que foi alvo.

2-Por Sentença proferida em 19-12-2016, o Mmº Juíz julgou parcialmente procedente a impugnação, mantendo as liquidações adicionais referentes às facturas emitidas pela sociedade “A….., Lda”, por o sujeito passivo ter exercido o direito à dedução do IVA contido em documentos que não se encontravam emitidos de acordo com os requisitos do artigo 35º do CIVA.

3-Um acto só pode considerar-se fundamentado quando, tanto o Tribunal como o administrado ( colocado na posição de um destinatário normal) ficam esclarecidos acerca das razões que estiveram na base desse acto e que o motivaram, o que não sucede no caso em apreço, este o sentido do decidido no Acórdão do STA, de 02-02-2006, relativo ao processo nº1114/05 (disponível no endereço www.dgsi.pt).

4-Da matéria de facto provada sob o ponto 3 do Probatório resulta que as liquidações impugnadas assentam nos elementos constantes do relatório elaborado pela AT após a Inspecção Tributária a que a Recorrente foi sujeita.

5-A AT no dito Relatório da Acção Inspectiva, não refere v.g. documento a documento, i.e., factura a factura, qual ou quais o(s) requisito(s) legal(is) de que o nº2 do artigo 19º do Código do IVA faz depender o exercício do direito à dedução que alegadamente estavam/estariam em falta em cada um dos alegados documentos, como legalmente se lhe impunha, quando alteraram a(s) declaração(ões) periódica(s) de IVA apresentada(s) pela Recorrente.

6-A AT, no seu Relatório , não justifica fundamentadamente as correcções efectuadas à ora Recorrente, quando está em causa um acto que afectou os direitos ou interesses legalmente protegidos desta, e que, por assumir esta categoria, constitucionalmente garantida, é um acto que carece de fundamentação expressa ( cfr. nº3 do artigo 268º da CRP).

7-A AT não juntou quaisquer elementos/provas que permitissem indagar ao Douto Tribunal sobre a legalidade e a certeza do seu juízo, sendo certo que era exclusivamente a ela que o competia fazer, pois que, era ela que pretendia alterar o declarado pelo Contribuinte, em violação das regras de repartição do ónus da prova previstas nos artigos 71º e 74º da LGT.

8-Por se ter limitado a emitir no Relatório da Acção Inspectiva um juízo conclusivo, sem concretizar as razões que a permitiam concluir nesse sentido, efectuou uma fundamentação genérica e abstracta, destinada a valer para todas as facturas identificadas e emitidas pela “A….., Lda”, independentemente das eventuais especificidades.

9-Ao contrário do decidido na douta Sentença de aqui se recorre, é absolutamente impossível ao Tribunal controlar o bem fundado da actuação da AT ao pretender impedir o direito da Recorrente à dedução do IVA por falta de requisitos legais para tal.

10-Na realidade, a simples emissão de juízos conclusivos, acompanhada da invocação de duas disposições legais ( artigo 19º, nº2 e nº6 e artigo 35º do CIVA) não integra o conceito de acto fundamentado.

11- A decisão aqui recorrida apresenta-se manifestamente ilegal, em consequência da violação do nº3 do artigo 268º da CRP, e ainda do disposto nos artigos 77º; 71º e 74º todos da LGT.

12- O Mmº Juíz “a quo” decidiu que as quatro facturas emitidas pela “A….. lda” não cumprem com as exigências formais contidas nas alíneas b) e f) do nº5 do artigo 35º do CIVA, aplicáveis por força do nºs 1; 2 e 6 do artigo 19º do mesmo diploma legal, ao decidir nestes moldes a Sentença ora impugnada enferma de erro de julgamento.

13- Ficou provado que no ano de 2006, a sociedade “A….., lda”emitiu à Recorrente quatro facturas, onde consta a data da sua emissão, os serviços prestados, a obra em que tiveram lugar, o tipo de serviços prestados e o valor dos mesmos.

14- Os serviços prestados à Recorrente, consistiram, como ficou provado, no fornecimento de mão-de-obra.

15- Quantidade, na sua definição, significa “grandeza expressa em número” mas, também, “propriedade das coisas que de algum modo pode ser medida (tamanho, peso. etc).

16- Não existe uma forma clara de quantificar numa factura serviços que consistem apenas em fornecimento de mão-de-obra, tanto mais que nem todos os serviços são passíveis de ser medidos ou quantificados.

17- Na verdade, o que houve foi serviços dos tipos referidos que foram prestados nas diversas obras da Recorrente, sendo que cada uma das facturas contempla um desses serviços, daí que possamos concluir que os requisitos relativos à quantidade e denominação exigidos pelo disposto na alínea b) do nº5 do artigo 35º do CIVA se encontram cabalmente preenchidos.

18-O artigo 35, nº5, alínea f) do Código do IVA dispunha, na redacção vigente à data dos factos, que as facturas devem conter a data em que os serviços foram realizados, esta exigência também se encontra satisfeita, no caso em apreço, dado que a regularidade da emissão das facturas, uma por cada mês, permite aferir a data em que foram prestados os serviços em questão.

19- O entendimento de que as facturas não cumprem com os requisitos do artigo 35º, nº5, do CIVA, põe em causa a verdade material tributária, que deve sempre prevalecer sobre a verdade formal.

20- As facturas cumprem com as exigências legais ao identificarem os trabalhos, os locais, a empresa que executou, o período e a taxa aplicável.

21- Assim, a decisão recorrida viola o disposto no artigo 35º, nº5, em particular as alíneas b) e f) e ainda o artigo 19º, todos do CIVA.

22- Da análise dos factos dados como provados na douta Sentença Recorrida, verifica-se que os factos consignados nos pontos 4; 5; 6; 7; 8 e 9 dizem, todos eles, respeito a facturas que se encontram juntas ao Processo de Reclamação Graciosa apenso a este Processo Judicial e que lhe serviram de prova .

23- As facturas que integram os pontos 4 e 5, são em tudo iguais ás constantes nos pontos 6; 7; 8 e 9, pois, cumprem com os requisitos legais, ou seja, foram emitidas de acordo com a forma legal, veja-se documentos a folhas 47; 47 verso; 48; 49; 50; 50 verso; 51; 51 verso do Processo de Reclamação Graciosa que se encontra apenso a este Processo Judicial e que serviram como elementos de prova desses factos.

24- A AT e o Tribunal entenderam, e bem, que a ora Recorrente tem o direito à dedução do IVA liquidado nas facturas constantes dos pontos 4 e 5 da matéria de facto dada como provada, não poderá deixar de ter o mesmo entendimento em relação ao valor de IVA que a Recorrente pagou à “A….., Lda”, aquando da liquidação das quatro facturas que esta lhe emitiu.

25- Aliás, foi este o entendimento seguido pelo Meritíssimo Juíz que decidiu o processo nº 745/11.0BELRA onde a Recorrente impugnou a liquidação adicional de IRC do ano de 2006, de onde constam todas as facturas do presente processo, tendo-se aí decidido pela anulação da liquidação.

26- Na decisão proferida no processo nº745/11.BELRA, que não sofreu qualquer recurso, considerou-se as facturas da “A….., Lda” como legais e válidas.

27-A Recorrente não percebe nem aceita que as mencionadas facturas possam ter uma qualificação e aceitação opostas à que ficou fixada pela decisão proferida e já transitada.

28-O Mmº Juíz “ a quo”, ao seguir diferente entendimento do aqui expendido e do que foi decidido naquele processo, proferiu uma decisão que se apresenta manifestamente ilegal, pois, viola o disposto na alínea i) dos artigos 577º; 578º; 580ª e 581º, todos do Código de Processo Civil e viola ainda os princípios da legalidade, da igualdade, da justiça, e da imparcialidade, plasmados nos artigos 3º; 6ºe 9º do Código do Procedimento Administrativo.

29-Os serviços mencionados nas facturas da “A….. Lda” foram efectivamente prestados e esta recebeu da Recorrente o devido IVA, tinha a AT tributária que diligenciar junto daquela sociedade para saber qual destino que deu ao valor do IVA recebido, o que não foi feito.

30-Esta inércia da AT implica uma ostensiva violação do principio do inquisitório.

31- A não averiguação dos elementos necessários à descoberta da verdade material, com a consequente violação do princípio do inquisitório, é fundamento de ilegalidade do acto tributário, o devia ter sido conhecido e decidido na Sentença recorrida

32- A Sentença sob recurso violou o disposto nos artigos 58º e nº1 do artigo 99º ambos da LGT e no nº1 do artigo 13º do CPPT, quando não determinou a anulação de todas as liquidações adicionais de IVA, objecto do processo de impugnação.

33-A Recorrente entende que o nº2 do artigo 19º do CIVA não pode aplicar-se ao caso em apreço, de forma contrária ao direito de dedução da Recorrente, na medida em que não se vislumbra nos factos relevantes qualquer situação de distorção à forma legal das facturas.

34- No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da declaração e da veracidade da escrita – artigo 75º da LGT.

35-Aliás competia à própria AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, o que não se verificou no caso em apreço.

36- Consequentemente, a decisão aqui impugnada viola o disposto no nº2 do artigo 19 do CIVA e no artigo 75º da LGT.

37- A decisão aqui impugnada apresenta-se em contradição com as modernas decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia, que vão contra este entendimento.

38- A leitura da jurisprudência actual do Tribunal de Justiça da União Europeia parece permitir concluir que «Se uma determinada factura, embora contendo vícios formais, permite assegurar a exacta cobrança e respectiva fiscalização do imposto, deverá ser aceite para efeitos de exercício do direito à dedução»

39- Ainda a propósito desta especifica exigência ou requisito formal foi já afirmado por este Tribunal Central, em moldes que inteiramente subscrevemos, que da “ (…) al. b) do n° 5 do art° 35 CIVA (…) decorre que não basta indicar na factura que a mesma se refere à prestação de serviços, havendo que especificar qual o serviço que foi efectivamente prestado, embora pela mera indicação da sua denominação usual, sem necessidade de mais especificações. (…)”.

40- À luz do enquadramento jurídico, doutrinal e jurisprudencial aludidos, tem de ser reconhecido à Recorrente o direito à dedução do imposto, pois, as facturas emitidas pela “A….., Lda” cumprem todos os requisitos legais de forma prescritos no artigo 35° n.° 5 do Código do IVA, não podem deixar de considerar-se passadas “em forma legal”.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as demais consequências legais, designadamente a anulação da sentença recorrida e dos actos impugnados, assim se fará a costumada

JUSTIÇA”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:
a) Verifica-se erro de julgamento, na medida em que o ato padece de falta de fundamentação?
b) Verifica-se erro de julgamento, uma vez que a administração tributária (AT) não juntou quaisquer elementos que permitissem indagar sobre a legalidade e certeza do seu juízo?
c) Há erro de julgamento, na medida em que as faturas emitidas cumprem com as exigências formais contidas nas alíneas b) e f) do n.º 5 do art.º 35.º do Código do IVA (CIVA), aplicáveis por força dos n.ºs 1, 2 e 6 do art.º 19.º do mesmo diploma legal?
d) Verifica-se violação do caso julgado, uma vez que nos autos n.º 745/11.BELRA, no âmbito dos quais constam todas as faturas do presente processo, foi anulada a liquidação, tendo ainda o Tribunal a quo violado os princípios da legalidade, da igualdade, da justiça e da imparcialidade?
e) Verifica-se erro de julgamento, por violação por parte da AT do princípio do inquisitório?
f) O Tribunal a quo violou ele próprio o princípio do inquisitório?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. A Impugnante “E….., LDA.” é uma sociedade que se dedica à construção de edifícios, inscrita com o CAE 041200, tendo iniciado a sua atividade em 01 de janeiro de 1992 e estando enquadrada em sede de IRC no regime geral de tributação e em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral – cfr. fls. 22 a 43 do Processo de Reclamação Graciosa apenso (relatório inspetivo).

2. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º ….., os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Santarém, realizaram à Impugnante, entre 21 de junho de 2010 e 15 de outubro de 2010, ação de inspeção externa relativamente ao exercício de 2006, em sede de IVA, no âmbito da qual procederam a correções à matéria tributável no montante de € 34.954,57 com recurso a correções meramente aritméticas – cfr. fls. 19, 20, 22, e respetivos versos do Processo de Reclamação Graciosa apenso.

3. No dia 23 de novembro de 2010 proferido pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Santarém relatório de inspeção tributária relativo ao procedimento inspetivo referido no ponto anterior, onde ficou consignado, na parte que ora importa, o seguinte:

II – 3.3 – Resumo dos Procedimentos de Inspecção

[...]

II – 3.3.2. Trabalho de Campo

Procedemos à verificação da contabilidade seguindo o Programa de Trabalho Padrão, constante no Manual de Metodologias de Inspecção Tributária, fazendo incidir a nossa análise, de uma forma mais acentuada, nas áreas que considerámos de maior risco ou de maior relevância fiscal, nomeadamente as seguintes: Prestações de Serviços, Compras, Custo das Existências Vendidas e Matérias Consumidas, Fornecimentos e Serviços Externos.

Pela análise dos documentos contabilísticos do sujeito passivo verificou-se que o contribuinte apresentou no exercício de 2006 um lucro tributável de 3.709,76 €.

Efectuada a análise documental, nomeadamente à rúbrica de Fornecimentos Serviços Externos identificámos os subempreiteiros seguintes:
· F….., Lda, com o NIPC: …..;
· A….., Lda, com o NIPC: …..;
· M….., Lda, com o NIPC: …..;

Relativamente aos quais se apuraram indícios de existência de anomalias graves, conforme passaremos a descrever, no capítulo III do presente Relatório.

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

1 - Fornecedores com indícios de emissão de facturas fictícias

Relativamente aos serviços prestados por terceiros declaradas pela "E…..", detectaram-se as situações anómalas que constam na sua contabilidade com os seguintes fornecedores:

1.1. - F….., Lda. – NIPC ….. (….., Cacém)

F….., Lda., está colectado pela actividade de "Construção de Edifícios", com o CAE 41200, tendo-se verificado que:

• Iniciou a sua actividade em 15 de Março de 2001;

• Cessou-a em 17 de Julho de 2003;

• Reiniciou-a em 4 de Março de 2004

Encontra-se enquadrado, em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral, em sede IRC no Regime Geral de Tributação.

Da consulta base de dados, que consta ao sistema informático da DGCI, verifica-se que em sede de IVA, o sujeito passivo, nos termos do disposto nos artigos 26.°, 28.° e 40.° (actuais 27.°, 29.° e 41.°) todos do CIVA, entregou, ainda que sem movimentos, as declarações periódicas de IVA do exercício de 2006.

Relativamente ao cumprimento das obrigações fiscais em sede de IRC, em cumprimento do disposto nos artigos 109.°, n.º 1 al. b) e 112.°, ambos do CIRC, procedeu à entrega da declaração Modelo 22, ainda que sem qualquer movimento. Porém, encontra -se em falta, a Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal, a que se referem os artigos 109.° n.º 1 al. c) e 113.°, ambos do CIRC.

De referir ainda, que da consulta ao sistema de base de dados da DGCI se constata que no exercício de 2006 o número fiscal do sujeito passivo F….., Lda., não consta em qualquer declaração como entidade pagadora, ou seja, não se verifica a existência de qualquer sujeito passivo a declarar ter auferido rendimentos daquela entidade.

Saliente-se também o facto, de que no sistema de base de dados da DGCI não constavam em nome de F….., Lda., quaisquer bens materiais inerentes ao exercício da actividade (viaturas ou imóveis).

Esta entidade consta na contabilidade da "E…..", conta corrente 22110009 F….., como fornecedor de prestações de Serviços, designadamente "Assentamento de Tijolo" e “Execução de Rebocos” tendo-lhe emitido no exercício de 2006 as facturas, cujas cópias se encontram discriminadas no Anexo II, identificadas no quadro seguinte:

As facturas supra mencionadas foram contabilizadas nos meses de Fevereiro (facturas n. º 315 e 316) e Março (factura n.º 317), na conta corrente do cliente em contrapartida da conta 622362 - Iva dedutível (Base Tributável) e 2434351 - Mercado Nacional 21 % ( IVA).

1.1.1- Diligências Efectuadas pela Direcção de Finanças de Lisboa

A Direcção de Finanças de Lisboa efectuou as diligências que a seguir se transcrevem:

5 - Diligências Efectuadas

Perante as situações atrás descritas, nomeadamente, pelo facto de o sujeito passivo, não ter assumido como proveitos, os valores declarados como custos, pelos utilizadores das facturas, por ele, e/ou por terceiros, emitidas, no montante global de €2.207.140,00 (Iva incluído), que constam do Anexo" --- '' relativamente ao exercício de 2006, procedeu-se:

Ao inicio do procedimento inspectivo, em 2009-06-02, mediante marcação de hora certa, cuja notificação foi efectuada, por afixação, nos termos do nº 4 do artº 2400 do Código do Processo Civil por não ter encontrado no local da sede o representante da entidade em análise.

• À notificação do sujeito passivo, através do oficio com o nº 048 208, datado de 16-06-2009, para até ao dia 30-06-2009, apresentar a contabilidade e documentos suporte, bem como os livros de registo obrigatórios e ainda livros de facturas emitidas, tendo a carta sido devolvida em 26-06-2009, com a indicação de objecto reclamado, pelo que:

Não tendo sido disponibilizados os elementos contabilísticos, nem no prazo estipulado nem quando da comparência nestes Serviços a 03 de Setembro de 2009, do Sr F….., com o NIF ….., na qualidade de sócio gerente da referida sociedade, que, mediante Termo de Declarações, cuja cópia se junta á presente informação como -------- , afirmou, que não tinha em seu poder quaisquer elementos contabilísticos, porque os havia entregue à D. --------, em ------- (TM ----------), que, por falta de pagamento, não lhos entregou até à data. Contactada para o efeito, a Sra. Dra. ------- , informou que do seu ex– cliente "F….. Lda." apenas tem comprovativos das declarações de IVA entregues a zeros referentes ao ano de 2006 e 10 semestre de 2007- Vidé ---- fls -----

Quanto aos livros de facturas emitidas, o Sr. F….., afirmou que não tinha em seu poder quaisquer livros de facturas e não se lembra quantos mandou fazer.

Quando confrontado, com a lista de clientes que constam do "Anexo ----" da Declaração Anual de 2006, este declarou que não pode afirmar com exactidão se trabalhou para essas empresas, porque conhecia as pessoas, mas não se lembra do nome das empresas.

Quanto às Tipografias onde mandou fazer os livros, não se lembra do nome, recorda apenas as localidades, uma, na Idanha - Belas e outra em Rio de Mouro.

Apesar das diligências efectuadas, como atrás ficou exposto, não foram obtidos, quaisquer elementos contabilísticos, relativamente a 2006, quer através do sujeito passivo, quer através quer da sua contabilista, Dra. ----- ou até da Dra. a quem, sujeito passivo afirmou ter entregue toda a documentação dos anos compreendidos entre 2005 e 2007.

Assim sendo, e face à escassez de elementos, procederam os Serviços à notificação dos clientes que, segundo o Anexo ----- declararam ter o sujeito passivo F….. Lda., prestado Serviços.

Mediante as referidas notificações, solicitou-se a esses clientes, a apresentação dos extractos de conta corrente com a referida empresa, relativamente a todas as transacções com ela efectuadas, cópias das facturas por ela emitidas e meios de pagamento utilizados.

Da análise às respostas obtidas, designadamente, cópias das facturas emitidas por, ou em nome de F….. LDA N. I. P. C. …..", com sede na ….., - Cacém, a que tivemos acesso, relacionámos as facturas que se juntam e que irão constar do ------- a este relatório, as quais irão ser objecto correcção, com base nos fundamentos invocados no capitulo seguinte.

Capitulo III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas.

3.1 – Em sede de IVA

3.1.1 – Iva Liquidado e não entregue nos cofres do Estado

À imagem do constatado em exercícios anteriores, conclui-se, da análise aos elementos facultados pelos clientes, designadamente, cópia das facturas relacionadas por períodos de imposto no mapa que se junta como ------- a este relatório, e ainda, informações complementares prestadas pelos mesmos, que constam do processo, como "papéis de trabalho", conclui-se que existem fortes indícios que as facturas em causa, não correspondam a serviços efectivamente prestados pelo sujeito passivo em análise, pelas mais variadas razões a seguir discriminadas:
Ø Informação prestada pelo sujeito passivo à responsável pela contabilidade do exercício em análise, TOC "----------" que consta do relatório, como ------ de que a sociedade não tinha qualquer movimento e que, para não ter coimas, deveriam ser enviadas as declarações fiscais, pelo que, foram entregues sem quaisquer movimentos, a DR Mod 22 de IRC de 2006 e as declarações do IVA, referentes aos quatro trimestres de 2006 e aos primeiros dois trimestres de 2007.
Ø A assinatura que consta nas facturas, com excepção das emitidas à -------- Lda e ------ A. ------- Unipessoal Lda, não corresponde à do responsável da sociedade, o que se pode comprovar, através de uma de duas assinaturas que o mesmo sempre utiliza, tal como afirmou em Termo de Declarações que para o efeito se junta, como ------.

De referir, que nas facturas emitidas aos dois clientes supra referidos, não foi possível confirmar com exactidão, da veracidade dos serviços prestados, porquanto não foram exibidas provas fidedignas para o efeito, como sejam: Contratos, Autos de medição, Meios de pagamento – Vidé informação prestada por aqueles utilizadores de facturas, que se juntam às cópias das facturas, que constam das folhas ---- e ---- do ---- a este Relatório.
Ø Da consulta às declarações existentes na base de dados do sistema informático da DGCI, que integra o presente relatório como -----, verifica-se, que no exercício de 2006, a entidade F….. Lda NIPC ….., não consta em qualquer declaração como entidade pagadora, não obstante o facto de na folha de descontos para a Segurança Social figurarem diversos trabalhadores, mas todos eles, com a indicação "inexistência de remunerações"
Ø Não exibir, apesar de notificado para o efeito, contabilidade regularmente organizada, conforme legalmente exigido;
Ø As facturas obtidas por circularização, abarcam uma diversidade de operações, que estão para além da sua capacidade, face à estrutura empresarial do mesmo;
Ø A manifesta falta de meios financeiros e patrimoniais em nome, que justifique os montantes das transacções em causa;

Relativamente às provas de pagamento dos supostos "clientes" referem-se, em parte a pagamentos em dinheiro que, pela sua natureza, são difíceis de comprovar. Aliás, os recebimentos/pagamentos, de serviços, na ordem de dezenas de milhar de Euros, com exclusivo recurso a dinheiro, consubstanciam uma situação, "totalmente contrária a uma boa, recomendável, segura e habitual prática comercial;

[...]
Ø A cópia dos cheques, (frentes) enviados por alguns clientes, sendo eles nominativos ou ao portador, não identificam quem é o verdadeiro benificiário dos mesmos, já que, a assinatura que consta nas facturas, que estão subjacentes a estes pagamentos, não confere com a do responsável pela sociedade – Vidé ---- ao relatório, a fs. ---- a ----; ---- a ---- e ---- a ----.

Os factos expostos, circunscrevem, não só, situações de ilegalidade fiscal, como constituem fortes indícios de prática de emissão (por parte do sujeito passivo em análise) e utilização (por parte dos supostos "clientes") de facturas falsas e/ou de favor, quer no que respeita às operações que titulam, quer ao seu valor.

Face ao descrito, conclui-se, pela existência de fortes indícios de que as facturas relacionadas no quadro que se junta como -----, não correspondem a verdadeiras operações económicas.

Assim sendo,

De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, o sujeito passivo ao mencionar Iva, ainda que indevidamente, nas facturas emitidas, torna-se responsável pela entrega do mesmo nos cofres do Estado, nos termos do n.º2 do art.º 26.º do CIVA, (actual art.º 27.º, após renumeração do CIVA pelo DL 102/2008 de 20/06), procedeu-se à quantificação do mesmo, com base nas facturas que nos foi possível obter, por circularização, relacionadas no mapa que constitui o ----- apurando-se Iva liquidado e não entregue nos cofres do Estado, no montante de € 356 086,24, cuja distribuição por períodos de imposto se resume no quadro seguinte:

1.2 – M….., Lda. – NIPC ….. (…..– Rio de Mouro)

M….., Lda. está colectado pela actividade de“Comércio de Veículos Automóveis”, com o CAE 45110, tendo iniciado a sua actividade em 22 de Setembro de 2003.

Encontra-se enquadrado, em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral, em sede IRC no Regime Geral de Tributação.

Da consulta à base de dados, que consta do sistema informático da DGCI, verifica -se que em sede de IVA, o sujeito passivo, nos termos do disposto nos artigos 26.°, 28.° e 40.º (actuais 27.°, 29.° e 41.°) todos do CIVA, apenas entregou as declarações periódicas do 1° e 2 trimestre do exercício de 2006, ainda que esta última tenha sido enviada sem qualquer movimento.

Relativamente ao cumprimento das obrigações fiscais em sede de IRC, em cumprimento do disposto nos artigos 100.°, n.º 1 al. b) e 112.°, ambos do CIRC, não procedeu à entrega da declaração Modelo 22, nem da Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal, a que se referem os artigos 109.° n.º 1 aI. c) e 113.°, ambos do CIRC.

Esta entidade consta na contabilidade da "E…..", conta corrente 22110015 M….., Lda., como fornecedor de prestações de Serviços, designadamente "Assentamento de alvenaria", tendo-lhe emitido no exercício de 2006 a factura, cuja cópia se encontra discriminada no Anexo III, identificada no quadro seguinte:

A factura supra mencionada foi contabilizada no mês de Junho na conta corrente do cliente em contrapartida da conta 622362 - Iva dedutível (Base Tributável) e 2434351 - Mercado Nacional 21 % (IVA).

1.2.1- Diligências Efectuadas pela Direcção de Finanças de Lisboa

A Direcção de Finanças de Lisboa efectuou as diligências que a seguir se transcrevem:

INFORMAÇÃO

No âmbito do cumprimento do procedimento de inspecção externo, Ordens de Serviço N.º ….., para a firma M….. LDA (doravante designada M….., Lda), com o NIF …..e com domicílio fiscal em …..  RIO DE MOURO, verificou-se que esta empresa não podia ter prestado todos os serviços que os seus alegados clientes declararam ter-lhe adquirido, nos anos de 2005 a 2007, dado que:

a) Não foi possível identificar à firma M….., Lda. nenhuma estrutura produtiva, além da mão-de-obra do pessoal, que terá eventualmente tido ao seu serviço, nos anos em análise.

b) O próprio sócio gerente confirmou que a firma nunca possuiu qualquer alvará ou licença de construção e que apenas podia prestar serviços de mão-de-obra, pois não dispunha de qualquer máquina ou equipamento para prestar outro tipo de serviços. Apenas reconheceu ter prestado serviços a duas empresas, no ano de 2006, no montante de cerca de dezassete mil euros, e relativamente aos quais se desconhecem as facturas.

c) Relativamente às facturas conhecidas, emitidas pela firma M….., Lda., verificou-se a utilização em simultâneo de várias séries de facturas e as facturas, salvo raras excepções, não discriminam nem quantificam os serviços prestados e não respeitam a cronologia das datas.

d) Apenas foi possível obter informação acerca de parte da facturação, emitida pela firma M….., Lda., e o valor da facturação conhecida, não tem paralelo com a estrutura produtiva evidenciada pela referida firma.

e) O sócio gerente, relativamente às firmas (clientes) com sede noutros distritos que se discriminam no quadro que se segue, confirmou que a firma M….. Lda. não lhes prestou serviços e que nem sequer as conhecia.

NIFDenominaçãoDistritoServiço de Finanças
…..e….. LDASANTARÉMBENAVENTE

f) Dado que existiam dúvidas sobre a realidade dos serviços que lhes foram facturados as referidas firmas foram notificadas para prestarem esclarecimentos acerca das operações realizadas com a firma M….., Lda., tendo sido obtidas as respostas/informações de que se junta cópia.

[...]

1.3- Diligências Efectuadas pela Direcção de Finanças de Santarém Notificação Efectuada ao Sujeito Passivo

Estes Serviços de Inspecção procederam, em 21 de Junho de 2010, à notificação da sociedade, na pessoa do seu TOC, uma vez que o seu gerente, se encontrava nesta data impossibilitado de comparecer, por motivos de saúde atendíveis, para que nos apresentasse:

1- Provas documentais, nomeadamente, contratos de empreitada, autos de medição, seguros do pessoal em obra, bem como quaisquer outros elementos que provem inequivocamente a realização dos trabalhos por parte dos fornecedores supra identificados;

2-Cópia dos documentos de pagamento (caso de cheques solicita-se fotocópia de frente e do verso) e, sendo caso disso, identificação da conta bancária onde os mesmos foram depositados;

3- Identificação dos trabalhadores dos fornecedores supra mencionados, que prestaram serviço nas vossas obras, discriminando o n. o de dias de trabalho, exercício e obra;

4- No caso dos trabalhadores não pertencerem ao quadro de pessoal d aqueles fornecedores, identificação do subempreiteiro a quem os fornecedores supra mencionados recorreram para prestar os serviços mencionados nas facturas por vós contabilizadas;

5- Identificação e contacto das pessoas, com quem foram estabelecidos contactos comerciais, designadamente as pessoas que lhe entregavam a facturação em causa.

Em resposta à notificação a sociedade vem informar o seguinte:

"(...) 1- Em relação ao fornecedor M….., Lda., com o NIPC ….., nada mais temos a acrescentar para além da informação que já prestámos oportunamente, em 23/04/2009.

2 - Em relação ao fornecedor F….., Lda., com o NIPC ….., temos ainda o telemóvel do gerente, Sr. M….., com o nº ….., lembrando-nos ainda do nome de dois dos seus empregados, que eram o J….. e o M…... Apenas trabalharam na obra de Oeiras, no lote nº13.

Não houve a celebração de nenhum contrato escrito, mas apenas verbal, dado que a obra era acompanhada no dia a dia por nós.

O pagamento foi faseado, conforme a obra ia avançando, e sempre em numerário.

3 - Com o fornecedor A….., Lda., com o NIPC ….., conhecíamos na altura o nº do telemóvel do sócio-gerente Sr. J….., que era o …...

Sabíamos que trazia quatro pessoas com ele, que ainda hoje nos lembramos dos nomes: C….., J….., M….., M….. e B…...

Trabalharam nas três obras que tínhamos, ou seja, Oeiras, Amoreira e Ameixoeira.

Não foram assinados contratos escritos e os pagamentos foram faseados ao longo das obras e sempre em numerário. (.. )"

Foram ainda apresentados pelo gerente cópia de alguns contratos de empreitada e subempreitada, contudo, estes contratos eram referentes a trabalhos prestados nos exercícios de 2005 e 2007.

Análise dos movimentos financeiros relativos ao pagamento das facturas em causa

No que se refere aos pagamentos dos montantes constantes das facturas emitidas pelos fornecedores F….., Lda. e M….., Lda., não foram apresentadas provas dos mesmos, tendo sido alegado pela "E….." que foram efectuados em numerário, situação típica e recorrente em casos em que se conclui pela existência de fortes indícios de utilização/emissão de "facturação fictícia"

1.4 – CONCLUSÃO

Em face do exposto, nomeadamente as conclusões do Relatório de Inspecção efectuada e da Informação dos alegados fornecedores, pela Direcção de Finanças de Lisboa, bem como as diligências efectuadas pela Direcção Finanças de Santarém, conclui-se pela existência de fortes indícios, objectivos e credíveis, de que as facturas emitidas pelos fornecedores F….., Lda. e M….., Lda. para a "E…..", no exercício de 2006, não titulam operações reais, o que indicia que se está na presença da designada prática de emissão/utilização de facturas "falsas".

2 – Dedução de IVA em documentos sem forma legal

Da análise à contabilidade detectou-se a contabilização das facturas, na conta corrente "22110011 - A…..", emitidas pelo fornecedor A….., Lda, com o NIPC: ….., as quais passamos a descrever no quadro seguinte e cujas cópias constam do Anexo IV a este Projecto de Relatório:

As facturas supra mencionadas foram contabilizadas na conta corrente do cliente em contrapartida da conta 622362 – Iva dedutível (Base Tributável) e 2434351 – Mercado nacional 21 % (IVA).

Da análise às facturas supra mencionadas, verificamos que as mesmas não preenchem os requisitos enunciados no artigo 35.º do CIVA, nomeadamente os elementos constantes nas alíneas b) e c) do n.º 5 do mencionado artigo, uma vez que os documentos apenas referem expressões vagas de que são exemplo as seguintes: "Assentamento de alvenaria na v/obra Lumiar - Lisboa", "Execução de trabalhos de pedreiro e servente na v/obra Lisboa", "Assentamento de alvenaria nas caves lote 34, 35 e 36 na v/obra Ameixoeira - Lumiar", "Execução de trabalhos de telhado na v/obra Amoreira - Cascais".

Isto é, os referidos documentos não contém a quantidade e a denominação usual dos serviços prestados e respectiva unidade de transacção, pelo que não podem considerar-se passado "em forma legal".

3 – Enquadramento fiscal das correcções propostas

3.1. – Em sede de IVA

3.1.1 – Fornecedores com indícios de operações simuladas

Como já anteriormente se expôs, existem indícios fundados de que as facturas emitidas pelos "fornecedores" supra identificados não titulam operações reais, e por conseguinte o IVA deduzido pela "E…..", relativamente às mesmas facturas, não é dedutível, uma vez que o Código do IVA, explicita no n.º 3 do seu artigo 19.º, que "não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente". Este entendimento tem sido expresso na abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, quando afirma que "o direito à dedução do IVA pago a montante apenas poderá existir, segundo a própria natureza das coisas, relativamente a imposto efectivamente suportado em operações efectivamente acontecidas..."

Em face do exposto verificamos que o sujeito passivo deduziu indevidamente o imposto resumido no quadro infra por período de imposto:

Data
Nº Fatura
Fornecedor
Base Tributável
IVA
Período Imposto
30-01-2006
315
F….., Lda
22.500,00€
4.725,00€
06/03T
27-02-2006
316
F….., Lda
16.200,00€
3.402,00€
29-03-2006
317
F….., Lda
11.300,00€
2.373,00€
Total
50.000,00€
10.500,00€
30-06-2006
190
M….., Lda
25.000,00€
5.250,00€
06/06T
Total
25.000,00€5.250,00€

3.1.2- Fornecedor emitente de factura sem forma legal

De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 19.º do CIVA refere que "Só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal".

Atendendo a que, não se encontram verificadas toas as condições, para que as facturas emitidas pela A….., Lda, se considerem passadas "em forma legal", não poderá a "E….." deduzir IVA nelas mencionado, no montante total de € 19.204,57 €.

Em face do exposto nos pontos 3.1.1 e 3.1.2 verificamos que o sujeito passivo deduziu indevidamente o imposto total resumido no quadro infra por período de imposto:

               

[...]” – cfr. fls. 22 a 43 do Processo de Reclamação Graciosa apenso que se dão por integralmente reproduzidas.

4. Dá-se aqui por reproduzido o teor das três faturas emitidas pela sociedade “F….., LDA” com os n.ºs 315, 316 e 317 à Impugnante, especificando a primeira e a última “assentamento de tijolo no v/prédio sito em Oeiras, Lote 13” e 316 “execução dos rebocos e salpicos nas fachadas exteriores no prédio sito em Oeiras lote 13”, nos valores de € 22.500,00 mais IVA à taxa de 21 % (total de € 27.225,00), € 16.200,00 mais IVA à taxa de 21 % (no total € 19.602,00) e € 11.300,00 mais IVA à taxa de 21 % (num total € 13.673,00), respetivamente – cfr. fls. 47, 47/verso e 48 do Processo de Reclamação Graciosa apenso.

5. Dá-se aqui por reproduzido o teor da fatura emitida pela sociedade “MM….., LDA.” com os n.º 0190 à Impugnante, especificando que se reporta a “assentamento de alvenaria na v/obra Lumiar- Lisboa”, no valor de € 25.000,00 mais IVA à taxa de 21 % (num total de € 30.250,00) – cfr. fls. 49 do Processo de Reclamação Graciosa apenso.

6. Dá-se aqui por reproduzido o teor da fatura emitida pela sociedade “A….., LDA.” com o n.º 358, datada de 30 de junho de 2006, à Impugnante, na qual se reporta o seguinte:

               

– cfr. fls. 50 do Processo de Reclamação Graciosa apenso.

7. Dá-se aqui por reproduzido o teor da fatura emitida pela sociedade “A….., LDA.” com o n.º 392, datada de 28 de julho de 2006, à Impugnante, na qual se reporta o seguinte:

               

– cfr. fls. 50/verso do Processo de Reclamação Graciosa apenso.

8. Dá-se aqui por reproduzido o teor da fatura emitida pela sociedade “A….., LDA.” com o n.º 396, datada de 30 de agosto de 2006, à Impugnante, na qual se reporta o seguinte:

               

– cfr. fls. 51 do Processo de Reclamação Graciosa apenso.

9. Dá-se aqui por reproduzido o teor da fatura emitida pela sociedade “A….., LDA.” com o n.º 401, datada de 29 de setembro de 2006, à Impugnante, na qual se reporta o seguinte:

               

– cfr. fls. 51/verso do Processo de Reclamação Graciosa apenso.

10. Em 03 de setembro de 2009, foi subscrito por F….. “TERMO DE DECLARAÇÕES”, constante de fls. 30 e 31 dos autos em suporte físico que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.

11. No dia 18 de fevereiro de 2010, foi subscrito por M….. “TERMO DE DECLARAÇÕES”, constante de fls. 32 a 34 dos autos em suporte físico que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.

12. Em 14 de dezembro de 2010, foi emitida em nome da Impugnante liquidação adicional de IVA n.º ….., referente ao período 03 de 2006, na qual se apurou imposto a pagar no montante de € 10.500,00 – cfr. fls. 06 do Processo de Reclamação Graciosa apenso.

13. No dia 14 de dezembro de 2010, foi emitida em nome da Impugnante liquidação de juros compensatórios n.º ….., incidentes sobre o IVA em falta no período 03 de 2006 referido no ponto antecedente, no montante de € 1.900,93 – cfr. fls. 07 do Processo de Reclamação Graciosa apenso.

14. Em 14 de dezembro de 2010, foi emitida em nome da Impugnante liquidação adicional de IVA n.º ….., referente ao período 06 de 2006, na qual se apurou imposto a pagar no montante de € 10.499,77 – cfr. fls. 08 do Processo de Reclamação Graciosa apenso.

15. No dia 14 de dezembro de 2010, foi emitida em nome da Impugnante liquidação de juros compensatórios n.º ….., incidentes sobre o IVA em falta no período 06 de 2006 referido no ponto antecedente, no montante de € 1.793,88 – cfr. fls. 09 do Processo de Reclamação Graciosa apenso.

16. Em 14 de dezembro de 2010, foi emitida em nome da Impugnante liquidação adicional de IVA n.º ….., referente ao período 09 de 2006, na qual se apurou imposto a pagar no montante de € 13.954,80 – cfr. fls. 10 do Processo de Reclamação Graciosa apenso.

17. No dia 14 de dezembro de 2010, foi emitida em nome da Impugnante liquidação de juros compensatórios n.º ….., incidentes sobre o IVA em falta no período 09 de 2006 referido no ponto antecedente, no montante de € 2.245,00 – cfr. fls. 11 do Processo de Reclamação Graciosa apenso.

18. A Impugnante apresentou no dia 30 de março de 2011 junto do Serviço de Finanças de Benavente reclamação graciosa das liquidações de IVA e respetivos juros compensatórios referentes ao exercício de 2006, a qual foi autuada sob o n.º …...4 – cfr. fls. 01 a 05 do Processo de Reclamação Graciosa apenso.

19. Por despacho datado de 19 de maio de 2011, proferido pelo Diretor de Finanças de Santarém (por delegação de competências), foi indeferida a reclamação graciosa referida no ponto 18. que antecede, por remissão para anteriores informações – cfr. fls. 52 a 67 do Processo de Reclamação Graciosa apenso, que se dão por integralmente reproduzidas .

20. Nas obras onde a Impugnante prestou serviços era habitual haver pagamentos em numerário aos trabalhadores e a subempreiteiros – cfr. depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante.

21. A presente impugnação judicial deu entrada no dia 06 de junho de 2011, no Serviço de Finanças de Benavente – cfr. 02 e ss. dos autos em suporte físico”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Inexistem factos não provados, com interesse para a solução da causa, atenta a causa de pedir”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto, efetuou-se com base nos documentos, informações oficiais e certidões constantes dos autos e no Processo de Reclamação Graciosa e no Processo Administrativo Organizado apensos, referidos em cada um dos respetivos pontos do elenco da factualidade dada como provada, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com a livre apreciação da prova.

A convicção do Tribunal alicerçou-se também no depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante, especialmente no que concerne ao facto elencado no ponto 20. do probatório.

Efetivamente, as testemunhas L….., P….. e J….., demonstraram ter conhecimento direto acerca da forma como a Impugnante procedia aos pagamentos em contexto de obra, prestando depoimentos credíveis, seguros e objetivos, que convenceram o Tribunal da sua veracidade.

Especificando:

A testemunha L….., que à data dos factos era Diretor Técnico da obra onde a Impugnante prestou os seus serviços, confirmou em audiência que a Impugnante tinha vários subempreiteiros a trabalhar para si . Mais afirmou que não se recorda do Sr. S….. e confirmou que pagava à Impugnante em cheque mas reconhece que era hábito haver pagamentos em numerário, tendo chegado a ver também o gerente da Impugnante a pagar em numerário aos seus subempreiteiros.

Já a testemunha P….., atualmente desempregado, mas à data dos factos vendedor de uma empresa materiais de construção, confirmou que a Impugnante contratava subempreiteiros para as obras onde prestava serviços, afirmou que conhece o Sr. F….., tendo presenciado o pagamento por parte da Impugnante em numerário diretamente àquele, não se recordando do Sr. M…...

E a testemunha J….., que à data dos factos era construtor, confirmou que a Impugnante prestou serviços durante sete meses na obra de Oeiras, afirmou que a mesma pagava em numerário aos funcionários, porém não conseguiu confirmar se o Sr. F….. trabalhou na referida obra.

É, de igual forma, de realçar que o depoimento da testemunha arrolada pela Fazenda Pública, C….., inspetora tributária, relevou para a confirmação dos factos descritos no relatório inspetivo”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

22. A ora Recorrente apresentou, junto do TAF de Leiria, impugnação, tendo por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas relativa ao exercício de 2006, que deu origem ao processo 745/11.0BELRA (cfr. documento com o n.º de registo 004164920, no SITAF do TAF de Leiria, do conhecimento de ambas as partes).

23. No âmbito dos autos referidos em 22., foi proferida sentença, a 25.11.2015, da qual consta designadamente o seguinte:

3.2 Do Direito:

Na sequência da inspecção realizada à Impugnante relativa ao ano de 2006, a Administração Fiscal procedeu a correcções aritméticas em sede de IRC no valor de 75.000,00€, uma vez que considerou que as facturas emitidas pela F….., Lda. (de ora em diante apenas F….., Lda.) e M….., Lda. não correspondem a serviços realmente prestados.

A Impugnante, por seu turno, contesta a liquidação adicional relativa ao mesmo período, sustentando que as facturas em causa, contrariamente ao que entendeu a AF, correspondem a serviços realmente prestados.

Refira-se que apesar de ter sido alegado na p.i., a questão das facturas da A….., por apenas terem reflexo em sede de IVA, não serão analisadas na presente acção.

Apreciemos.

(…)

Isto dito, indaguemos se a AF fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às facturas contabilizadas pela Impugnante e emitidas pela F….., Lda. e pela M….., Lda. não subjazem a prestações de serviços que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.

(…) Todavia, resulta do probatório que os indícios recolhidos pela AF não permitem suportar, objectivamente, a conclusão a que chegou e na qual fez repousar a decisão de corrigir a matéria tributável da Impugnante e proceder à liquidação em causa nos presentes Autos.

As considerações vagas que faz da F….., Lda. e de M….., Lda. no Relatório não são suficientes para concluir que às facturas contabilizadas pela Impugnante não subjazem a prestações de serviços, sendo até contraditórias.

Por conseguinte, ao ter corrigido ilegalmente a matéria tributável e, com base nessa correcção, ter procedido à liquidação de imposto, a AF incorreu em ilegalidade implicante da invalidade de tal liquidação, razão pela qual a Impugnação tem que proceder com base neste fundamento…” (cfr. documento com o n.º de registo 004613830, no SITAF do TAF de Leiria, do conhecimento de ambas as partes, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

24. A sentença mencionada em 23. não foi objeto de recurso ou de reclamação (facto que se extrai da plataforma SITAF, do conhecimento de ambas as partes).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento por falta de fundamentação, por falta de junção de elementos por parte da AT e por violação pela AT do princípio do inquisitório

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que os atos impugnados, na parte em que foram mantidos, padecem de falta de fundamentação, tendo ainda a AT atuado em violação do princípio do inquisitório e não tendo juntado os elementos passíveis de sustentar a correção.

In casu, está em causa a correção relativa a faturas emitidas pela fornecedora A….., Lda (doravante A…..), relativamente às quais a AT, em sede de ação inspetiva, considerou não reunirem os requisitos previstos no art.º 35.º do CIVA, entendimento secundado pelo Tribunal a quo.

Atenta a petição inicial apresentada, a ora Recorrente alegou o seguinte acerca desta correção:

“Já quanto à,


8.º
análise às facturas... emitidas pelo fornecedor A….., L.da, foi erradamente entendido e interpretado que as mesmas não preenchem os requisitos legais enunciados no artigo 35. ° do CIVA, nomeadamente os elementos constantes nas alíneas b) e c) do n.° 5”, o que não corresponde à verdade. (Cfr. relatório da Inspecção Tributáriafts. 20) Pelo que,

9.º
A Administração Tributária, erradamente informada que, não se encontram verificadas todas as condições para que as facturas emitidas pela A….., L.da, se considerem passadas “em forma legal”, não poderá a ora Reclamante, deduzir o IVA nelas mencionado, no montante total de 19.204,57 Euros, que corresponde ao IVA liquidado e deduzido nas facturas 358, 392, 396 e 401. Certo é que,

10.°

As facturas, n.° 358, 392, 396 e 401, emitidas pela sociedade A….. L.da, ao contrário do que é informado e decidido pelos Ogãos da AT, cumprem os formalismos do CIVA, pois que desde 2008, o artigo que tipifica os elementos das facturas, errare humanum est, é o 36.° do CIVA e não o 35.°, (Cfr.fts30do Relatório) após entrada em vigor do DL 102/08 de vinte de Junho. Sendo que,

11.°

Foi proveito, sujeito a IRC e IVA o montante de 91.460,35 Euros, recebido pela A….. L.da, cujo IVA liquidado e deduzido foi de 19.204,57 Euros. Logo,

12.º

Se outras legais razões não houvessem..., terá que ser custo de quem efectuou o legal pagamento e o IVA liquidado e deduzido tem que ter-se por legal. Temos por certo,

13.°

Que a Administração Tributária, sempre foi cumpridora da Lei e reporá a legalidade tributária. Pois que,

14.°

Devem dar-se como certo o IVA liquidado e o deduzido no exercício de 2006, para que não sejam violados os princípios da legalidade, da cooperação, da razoabilidade, da justiça e da imparcialidade.

15.°

A Administração Fiscal, in casu, age segundo o princípio economicista: "não pagam uns pagam outros”, (in Problemas Fundamentais do Direito Tributário - Diogo Leite Campos).

16.°

Existindo uma evidente injustiça tributária, pois que a ora Reclamante, liquidou e deduziu legalmente o IVA nos casos supracitados.

17.º

A matéria colectável fixada e o consequente IVA liquidado, no exercício de 2006, não corresponde, in casu, à realidade económica/tributária do Sujeito Activo ora Reclamante, existindo clara errónea qualificação e quantificação da matéria colectada. Por tal razão,
Do direito

18.°
A Administração Tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com o princípio da legalidade. . . no respeito pelas garantias dos contribuintes. (Artigo 55.° da LGT)

19.°
Os órgãos da Administração Tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração reciproco. (Artigo 59.º/1 da lgt)

20.°
As facturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos:
a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;
b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas devem ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução. (Art° 36.º/5 do CIVA)
21.º
As facturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos:
a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;
b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas devem ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;
c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável. (Artigo 36.°do CIVA)
Em conclusão: (…)
c)  Errare humarmm est, e quando se afirma que ...Atendendo a que, não se encontram verificadas todas as condições, para que as facturas emitidas pelo fornecedor A….., L.da, se considerem passadas “em forma legal”, não poderá a... ora Reclamante.. deduzir o IVA nelas mencionado, no montante total de 19.204,57 Euros, quando de facto e de direito os formalismos do artigo 36 ° do CIVA que não o 3 5.°,foram cumpridos”.

Como decorre da análise do articulado, verifica-se que, a par de uma alegação não consubstanciada de violação de princípios, é no fundo apenas invocado erro sobre os pressupostos, considerando-se que as faturas em causa respondem aos formalismos exigidos pelo art.º 36.º do CIVA (além de ser sublinhado um alegado lapso na indicação do art.º 35.º do mesmo código).

Como tal, nunca foi alegado o vício de falta de fundamentação formal, nunca se alegou a falta de junção de elementos por parte da AT (aliás, trata-se apenas de análise de teor de faturas juntas ao processo inspetivo) e nunca se alegou a violação do princípio do inquisitório por parte da AT.

Assim, as questões referidas tratam-se de questões novas (ius novorum).

Com efeito, o processo civil português consagra o chamado princípio da preclusão, ao qual subjaz o ónus de alegação no momento oportuno dos factos essenciais[1], sem prejuízo, naturalmente, das questões que sejam de conhecimento oficioso ou supervenientes.

Por outro lado, consagrando o nosso ordenamento um modelo de recurso de reponderação[2], o Tribunal ad quem deve produzir novo julgamento sobre os factos alegados perante o Tribunal a quo. Este modelo de recurso não é um modelo puro, na medida em que, como já mencionado, podem ser apreciadas pelo Tribunal ad quem questões de conhecimento oficioso e pode ser admitida a junção de documentos, desde que supervenientes, cuja influência pode ditar alteração do julgamento de facto.

Neste seguimento, salvo as exceções a que já se fez menção, o Tribunal ad quem não se pode confrontar com questões novas, apenas devendo ser confrontado com questões que, em momento oportuno, foram discutidas pelas partes. “Quando respeitem à matéria de facto mais se impõe o escrupuloso respeito de tal regra, a fim de obviar a que, numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas”[3].

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, verifica-se que na presente instância foram efetivamente invocadas as já referidas questões novas, que, como já referimos, não foram oportunamente invocadas.

Assim, sendo questões novas e não respeitando a questão que seja do conhecimento oficioso, as mesmas não podem ser aqui apreciadas, votando ao insucesso o alegado pela Recorrente a este propósito.

III.B. Do erro de julgamento por estarem reunidos os requisitos exigidos pelo art.º 35.º do CIVA e por não ser aplicável o disposto no art.º 19.º, n.º 2, do CIVA

Considera, por outro lado, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que as faturas em causa reúnem os requisitos legalmente exigidos. Considera, ademais, que não se pode aplicar, in casu, o disposto no art.º 19.º, n.º 2, do CIVA.

Estão em causa, na correção objeto do presente recurso, 4 faturas emitidas em 2006 pela sociedade A….., que a AT considerou não conterem todos os elementos legalmente exigidos.

Vejamos então.

O IVA é um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.

O direito à dedução do IVA é um direito que assiste aos sujeitos passivos deste imposto, desde que os bens e os serviços, a que respeita tal imposto a deduzir, sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis[4].

O IVA funciona, pois, pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs.

Trata-se de um reflexo do princípio da neutralidade, subjacente a este imposto, que, no que toca ao direito à dedução em específico, se reflete na necessidade de o IVA não condicionar os produtores a alterar o seu processo produtivo.

Assim, o exercício do direito à dedução, em sede de IVA, revela-se de importância fundamental na mecânica do imposto, sendo o mesmo que permite assegurar o respeito pelo princípio da neutralidade[5].

Os requisitos desse direito à dedução podem ser de cariz subjetivo (relacionados com a qualidade de sujeito passivo), objetivo (relacionados com a tipologia de bens ou serviços), finalístico (atinentes ao fim dos bens ou serviços) e temporal (relacionados com a determinação do momento da exigibilidade)[6].

O CIVA, a este respeito, prevê as regras inerentes à dedução de IVA, que passam pela definição das suas linhas gerais nos art.ºs 19.º e 20.º e pela consagração expressa de situações de exclusão do direito à dedução (art.º 21.º).

Assim, chamando à colação o art.º 19.º do CIVA, do mesmo resulta, na redação aplicável à época:

“1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram:

a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;

b) O imposto devido pela importação de bens;

c) O imposto pago pela aquisição dos serviços indicados nos n.ºs 8, 11, 13, 16, 17, alínea b), e 19 do artigo 6.º, bem como pela aquisição dos bens referidos no n.º 22 do mesmo artigo;

d) O imposto pago como destinatário de operações tributáveis efetuadas por sujeitos passivos estabelecidos no estrangeiro, quando estes não tenham no território nacional um representante legalmente acreditado e não houverem faturado o imposto;

e) O imposto pago pelo sujeito passivo à saída dos bens de um regime de entreposto não aduaneiro, de acordo com o n.º 6 do artigo 15.º

2 - Só confere direito à dedução o imposto mencionado em faturas e documentos equivalentes passados em forma legal, bem como no recibo de pagamento de IVA que faz parte das declarações de importação, em nome e na posse do sujeito passivo”.

Considerando o disposto no n.º 2 deste art.º 19.º, cumpre atentar nas funções das faturas.

Estas surgem como documentos que, por um lado, permitem ao sujeito passivo o exercício do direito à dedução (isto sem prejuízo do que se falará infra, em termos de possibilidade de ser feito outro tipo de prova, em casos de deficiências de faturação).

Surgem igualmente como um elemento essencial para efeitos de controlo por parte da AT.

Num momento inicial de funcionamento do sistema do IVA, os requisitos das faturas eram bastante menores do que os atualmente previstos (cfr. o art.º 22.º, n.º 3, da Sexta Diretiva – redação inicial).

Só com a Diretiva 2001/115/CE do Conselho de 20 de dezembro de 2001 (transposta em 2003 para o nosso ordenamento, com produção de efeitos a partir de 01.01.2004) se passou a prever, como menções obrigatórias, a data de emissão, o número sequencial, o número de identificação para efeitos de IVA, quer do fornecedor, quer do cliente, o nome e endereço completo do sujeito passivo e do cliente, a quantidade e natureza dos bens entregues ou a amplitude dos serviços prestados, a data em que for efetuada ou concluída a entrega de bens ou a prestação de serviços ou a data em que for efetuado o pagamento por conta, a base tributável para cada taxa ou isenção, o preço unitário sem taxas, bem como os descontos e outras reduções eventuais, se não estiverem incluídos no preço unitário, a taxa do IVA aplicável, o montante do IVA a pagar, salvo casos de exceção, em caso de isenção, ou quando o cliente for devedor do imposto, a referência à disposição pertinente ou a outras informações que indiquem que a entrega de bens beneficia de isenção ou está sujeita ao processo de autoliquidação, entre outros. Portanto, com a Diretiva 2001/115/CE foi significativamente ampliado o leque de menções obrigatórias das faturas, que até lá era mais circunscrito, como se deixou já explanado.

Entre estes requisitos não se pode dizer que haja algum tipo de hierarquia ou que haja alguns principais e outros acessórios[7].

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.02.1999 (Processo: 020593)[8]:

“Não há, entre aquelas exigências, essenciais e acessórias, pois o legislador, ao estabelece-las, considerou-as todas necessárias para a identificação da operação a que respeitam, de modo a que possam extrair-se daqueles documentos as devidas consequências quanto à incidência do imposto, sua taxa, sujeitos, cobrança, deduções, etc.”.

Aliás, a intenção do legislador da União Europeia, sobretudo com a Diretiva 2001/115/CE do Conselho de 20 de dezembro de 2001, foi a de simplificar e harmonizar as condições aplicáveis à faturação, sendo, naturalmente, identificadas como menções obrigatórias aquelas que se revelam essenciais ao cabal funcionamento do imposto e seu controlo.

Cumpre, então, atentar no disposto no CIVA, à data da emissão das faturas. Assim, nos termos do seu art.º 35.º:

“1 - A fatura ou documento equivalente referidos no artigo 28º devem ser emitidos o mais tardar no quinto dia útil seguinte ao do momento em que o imposto é devido nos termos do artigo 7º.

Todavia, em caso de pagamentos relativos a uma transmissão de bens ou prestação de serviços ainda não efetuada, a data da emissão do documento comprovativo coincidirá sempre com a da perceção de tal montante.

2 - Nos casos em que seja utilizada a emissão de faturas globais, o seu processamento não poderá ir além de 5 dias úteis do termo do período a que respeitam.

(…)

5 - As faturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos:

a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas deverão ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;

c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso.

No caso de a operação ou operações às quais se reporta a fatura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados em b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável;

f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da fatura.

No caso de a operação ou operações às quais se reporta a fatura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados nas alíneas b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável…”.

Antes de se passar à análise da reunião ou não dos requisitos das faturas no caso em concreto, considerando o enquadramento efetuado, cumpre sublinhar que a correção da AT não tem a ver com a (nã0) efetividade das operações tituladas pelas faturas emitidas pela A….. (ao contrário do que sucedeu com as correções nas quais a Recorrente obteve vencimento). A correção efetuada pela AT situou-se a montante, ou seja, na própria aferição dos requisitos das faturas. Portanto, está tão-só em causa a reunião ou não reunião dos referidos requisitos. Como tal, tudo o alegado, relativo à efetividade da operação e à alegada obrigação de a AT diligenciar no sentido de aferir do destino do IVA recebido pela A….., carece de relevância.

Prosseguindo.

Como referimos, estão em causa 4 faturas, com, designadamente, as seguintes caraterísticas [cfr. factos 6) a 9)]:
a) Fatura n.º 358, emitida a 30.06.2006, com base tributável 24.998,90 Eur., com descrição “Assentamento de alvenaria na v/ obra Lumiar”;
b) Fatura n.º 392, emitida a 28.07.2006, com base tributável de 24.980,50 Eur., com descrição “Assentamento de alvenaria nas caves Lote 34, 35 e 36 na v/ obra Ameixoeira - Lumiar”;
c) Fatura n.º 396, emitida a 30.08.2006, com base tributável de 21.575,60 Eur., com descrição “Execução de trabalhos de telhado na v/ obra Amoreira – Cascais”; e
d) Fatura n.º 401, emitida a 29.09.2006, com base tributável de 19.895,35 Eur., com descrição “execução de trabalhos de pedreiro e servente na v/ obra em Lisboa”.

A AT, em sede de RIT, considerou que não estavam preenchidos os requisitos exigidos pelo n.º 5 do art.º 35.º do CIVA, uma vez que os documentos apenas referem expressões vagas, não contendo a quantidade e a denominação usual dos serviços prestados e respetiva unidade de transação.

Concorda-se com este entendimento da AT e do Tribunal a quo, que o secundou, porquanto os descritivos das faturas em causa são muito vagos e genéricos, não permitindo aferir que concretos serviços foram prestados – aliás, basta que a Recorrente refere tratar-se de faturas relativas a fornecimento de mão-de-obra (cfr. conclusão 14) e tal não decorrer minimamente do referido descritivo.

O mencionado descritivo não permite aferir a tipologia de serviço prestado, por ser demasiado vago; a própria menção às obras é uma menção demasiado genérica, que não permite identificar a concreta obra em causa.

Recordemos ainda que as mencionadas alíneas do n.º 5 do art.º 35.º do CIVA respeitam à quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável, o que não se compadece com descrições genéricas.

Por outro lado, não se alcança o alegado em termos de não ser possível quantificar os serviços, quando, desde logo, são perfeitamente quantificáveis, pela indicação do número de dias ou horas de trabalho ou pela extensão do trabalho, dependendo da concreta especificidade da prestação de serviço – que, in casu, como não se consegue identificar, não é possível explanar se não de forma abstrata.

Ademais, o alegado no sentido de que a data da realização dos serviços decorre da data da emissão da fatura carece de sustentação, porquanto nada resulta dos documentos em causa que permita concluir que ambas as datas coincidem, sendo que, como resulta das regras da experiência, os trabalhos de construção civil costumam estender-se por mais do que 1 dia.

Portanto, ao contrário do defendido pela Recorrente, as faturas contêm deficiências em termos de preenchimento, que se revelam atentatórias das exigências legalmente prescritas e que impedem, por consequência, a função de controlo a que já nos referimos.

É certo que, em determinados casos, a existência de fatura contendo todos os requisitos legalmente exigidos não é conditio sine qua non para o exercício do direito de dedução.

A este respeito, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) tem considerado ser admissível o direito à dedução, ainda que haja alguns requisitos formais por cumprir, desde que a situação material seja demonstrada.

Assim, como referido no Acórdão do TJUE de 08 de maio de 2008, Ecotrade, C-95/07 e C-96/07, EU:C:2008:267, n.º 63, “o princípio da neutralidade fiscal exige que a dedução do IVA a montante seja concedida se as exigências de fundo foram cumpridas, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certas exigências formais”.

Chama-se igualmente à colação o Acórdão do TJUE de 1 de março de 2012, Polski Trawertyn, C-280/10, EU:C:2012:107, no qual se refere:

“… [O] Tribunal de Justiça declarou que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução do imposto pago a montante seja concedida se os requisitos substanciais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Uma vez que a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para determinar que o sujeito passivo, enquanto destinatário das transações em causa, é devedor do IVA, não pode impor, no que diz respeito ao seu direito a dedução, requisitos adicionais que possam ter por efeito a inviabilização absoluta do exercício desse direito (v., no que respeita ao regime de autoliquidação, acórdão de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C‑385/09, Colet., p. I‑10385, n.° 42).

(…) 48 O Tribunal de Justiça declarou, por outro lado, que, embora uma fatura tenha efetivamente uma função documental importante pelo facto de poder conter dados controláveis, existem circunstâncias nas quais os dados podem ser validamente comprovados através de outros meios que não sejam uma fatura e em que a exigência de dispor de uma fatura em todos os pontos conforme com as disposições da Diretiva 2006/112 teria como consequência pôr em causa o direito a dedução de um sujeito passivo (v., neste sentido, acórdão de 1 de abril de 2004, Bockemühl, C‑90/02, Colet., p. I‑3303, n.os 51 e 52).

49 Ora, impõe‑se salientar que (…) numa situação como a que está em causa no processo principal, os dados necessários para assegurar uma cobrança fiável e eficaz do IVA estão demonstrados” (sublinhado nosso).

Como referido por Sérgio Vasques, designadamente a propósito deste acórdão[9]:

“[O] TJUE tem vindo a relativizar de algum modo os requisitos de forma para o exercício do direito à dedução e a função que nisso cabe às faturas (…). O tribunal admite que a substância das operações prevaleça sobre os vícios da factura, quando estejam em causa elementos previstos exclusivamente na lei interna dos estados-membros (…). E o tribunal admite mesmo que a substância das operações prevaleça sobre vícios das facturas relativos a elementos tipificados na Directiva IVA, posto que não se crie com isso risco de fraude.

O objectivo desta abordagem ‘flexível’ (…) é o de garantir o direito à dedução a qualquer sujeito passivo que efectivamente tenha suportado o pagamento do imposto. (…) Foi assim que o TJUE acabou por desenvolver ‘uma variante do princípio da proporcionalidade’ ao lidar com estes casos, reiterando sempre que ‘as formalidades assim estabelecidas pelo estado-membro em causa e que devem ser respeitadas pelo sujeito passivo para poder exercer o direito a dedução do IVA não podem ultrapassar o estritamente necessário para controlar a aplicação correcta do procedimento de autoliquidação’”.

Assim, e nas palavras de Cidália Lança[10]: “… de acordo com a jurisprudência daquele Tribunal [TJUE], o princípio da neutralidade exige que a dedução do IVA seja concedida se os requisitos substantivos tenham sido cumpridos, mesmo se os sujeitos passivos tiverem negligenciado certos requisitos formais”.

Chama-se ainda a este propósito à colação o Acórdão do TJUE de 15 de setembro de 2016, Barlis, C-516/14, EU:C:2016:690:

26 Em primeiro lugar, o artigo 226.°, n.° 6, da Diretiva 2006/112 exige que a fatura contenha a menção da extensão e natureza dos serviços prestados. A redação desta disposição indica assim que é obrigatório especificar a extensão e natureza dos serviços prestados, sem contudo precisar que é necessário descrever os serviços específicos prestados de forma exaustiva.

27 (…) [A] finalidade das menções que devem obrigatoriamente constar da fatura consiste em permitir às Administrações Fiscais a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA. É, portanto, à luz desta finalidade que importa analisar se faturas como as que estão em causa no processo principal respeitam as exigências do artigo 226.°, n.° 6, da Diretiva 2006/112.

28 No processo principal, (…) a menção «serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao presente» ou «serviços jurídicos prestados até ao presente» não parece indicar, de forma suficientemente detalhada, a natureza dos serviços em causa. Além disso, esta menção é tão genérica que não permite pôr em evidência a extensão dos serviços prestados, pelas razões referidas pela advogada‑geral nos n.os 60 a 63 das suas conclusões. Por conseguinte, a dita menção não cumpre, em princípio, os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.° 6, da Diretiva 2006/112, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

29 Em segundo lugar, o artigo 226.°, n.° 7, da Diretiva 2006/112 exige que a fatura contenha a data em que foi efetuada, ou concluída, a prestação de serviços.

30 Esta exigência também deve ser interpretada à luz da finalidade prosseguida pela imposição de menções obrigatórias na fatura, conforme previstas no artigo 226.° da Diretiva 2006/112, que é, como foi recordado no n.° 27 do presente acórdão, permitir às Administrações Fiscais a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA. Para este efeito, a data da prestação dos serviços objeto da referida fatura permite controlar quando ocorreu o facto gerador do imposto e, portanto, determinar as disposições fiscais que devem, de um ponto de vista temporal, aplicar‑se à operação a que respeita o documento.

(…) 33 (…)[H]á que considerar que uma fatura que contenha apenas a menção «serviços jurídicos prestados até ao presente», sem especificar uma data de início do período de faturação, não preenche os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.° 7, da Diretiva 2006/112.

34 Cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio, se constatar que as faturas em causa não preenchem as exigências decorrentes do artigo 226.°, n.os 6 e 7, desta diretiva, verificar se os documentos anexos aduzidos pela Barlis contêm uma apresentação mais detalhada dos serviços jurídicos em causa no processo principal e podem ser equiparados a uma fatura nos termos do artigo 219.° da referida diretiva, na qualidade de documentos que alteram a fatura inicial e a ela façam referência específica e inequívoca.

(…) 42 O Tribunal de Justiça declarou que o princípio fundamental da b do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C‑385/09, EU:C:2010:627, n.° 42; de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz, C‑280/10, EU:C:2012:107, n.° 43; e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C‑183/14, EU:C:2015:454, n.os 58, 59 e jurisprudência aí referida).

43 Daqui resulta que a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.os 6 e 7, da Diretiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos.

44 A este respeito, a Administração Fiscal não deve limitar‑se ao exame da própria fatura. Deve igualmente ter em conta informações complementares prestadas pelo sujeito passivo. Esta constatação é confirmada pelo artigo 219.° da Diretiva 2006/112 que equipara a fatura qualquer documento ou mensagem que altere a fatura inicial e a ela faça referência específica e inequívoca.

(…) 46 Neste contexto, há que sublinhar (…) que é ao sujeito passivo que solicita a dedução do IVA que incumbe provar que preenche os requisitos para dela beneficiar (v., neste sentido, acórdão de 18 de julho de 2013, Evita‑K, C‑78/12, EU:C:2013:486, n.° 37). As autoridades fiscais podem assim exigir ao próprio contribuinte as provas que considerem necessárias para apreciar se há ou não que conceder a dedução solicitada (v., neste sentido, acórdão de 27 de setembro de 2007, Twoh International, C‑184/05, EU:C:2007:550, n.° 35)”.

Atendendo a este entendimento do TJUE, de facto, o não cumprimento escrupuloso das formalidades exigidas em termos de emissão de faturas pode não comprometer o exercício do direito à dedução. No entanto, tal só ocorre desde que as exigências de fundo tenham sido cumpridas e que a AT disponha de todos os elementos para substantivamente caraterizar a operação, sendo certo que o ónus da prova caberá ao sujeito passivo. Nesta parte, cumpre sublinhar que essa prova tem de ser feita perante a AT, como resulta da jurisprudência a que fizemos referência, e é a análise dessa prova feita perante a AT que permite concluir pela (não) suficiência dos elementos facultados.

Ora, in casu, a Recorrente limitou-se a considerar que as faturas estavam preenchidas de forma suficiente, entendimento que não subscrevemos, nos termos já referidos supra, não tendo tratado de, de alguma forma, suprir essas insuficiências.

Como tal, não se trata de prevalência da verdade formal sobre a verdade material, pois a Recorrente não complementou a informação constante das faturas por forma a conseguir alcançar-se a verdade material, quando o ónus era seu. Assim sendo, não se verifica qualquer violação do princípio da neutralidade, porquanto a Recorrente limitou-se a apresentar faturas cujos elementos, sobretudo ao nível da descrição dos serviços, são insuficientes e não supriu tais insuficiências, nos termos admitidos pelo TJUE.

Face a este contexto e tendo em consideração a relevância de tais elementos para efeitos de controlo do direito à dedução e sublinhando que a análise de uma fatura tem de ser sempre feita atendendo à globalidade do seu papel, é de importância exponencial a adequada descrição dos bens vendidos ou prestações de serviços efetuadas, porquanto só esta permite, desde logo, o controlo dos requisitos objetivo e finalístico inerentes ao direito à dedução.

Nessa sequência, considera-se que é aplicável o n.º 2 do art.º 19.º do CIVA, na medida em que, como já referimos, as faturas em causa não respeitaram as exigências impostas pelo art.º 35.º do CIVA.

Não se trata aqui, ademais, de qualquer violação do art.º 75.º da LGT, cuja aplicação pressupõe a adequada emissão das faturas que sustentam determinados custos, o que não ocorreu, tendo a AT cabalmente evidenciado tais irregularidades nos termos exigíveis.

Acrescente-se que carece de relevância o alegado na conclusão 22., porquanto os factos 4. e 5. respeitam a faturas em relação às quais a AT não fez qualquer apreciação, em termos de reunião ou não reunião dos requisitos exigidos pelo art.º 35.º do CIVA. A questão que se colocou nestes casos teve a ver com uma eventual existência de emissão de faturas falsas, na qual a Recorrente obteve vencimento em 1.ª instância, e que nada tem a ver com a situação ora controvertida.

Como tal, não assiste razão à Recorrente.

III.C. Da violação do caso julgado e dos princípios da legalidade, da igualdade, da justiça e da imparcialidade

Entende, ainda, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em violação do caso julgado e dos princípios da legalidade, da igualdade, da justiça e da imparcialidade, em virtude de, no âmbito dos autos 745/11.BELRA, a questão já ter sido conhecida.

Vejamos.

Nos termos do art.º 619.º, n.º 1, do CPC:

“1 - Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º”.

Respeita a norma contida nesta disposição legal ao caso julgado material, que ocorre quando a decisão transitada recai sobre o mérito da causa[11]. Assim, a definição dada à relação material controvertida tem força dentro e fora do processo[12].

As exigências de segurança jurídica têm sido apontadas como fundamento primordial do caso julgado material[13], sendo um garante da tendencial imutabilidade das decisões transitadas em julgado, fundamental até em termos de manutenção da paz social.

O caso julgado material pode refletir uma dupla função, negativa ou positiva[14]. Assim, a função negativa do caso julgado material está inerente à exceção de caso julgado, consubstanciando-se no impedimento de a mesma causa ser apreciada pelo Tribunal numa nova ação. Já a função positiva respeita à chamada autoridade do caso julgado, através da qual se obsta a que a situação jurídica material definida por sentença ou acórdão transitados em julgado possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença ou acórdão[15]. Ou seja, a autoridade do caso julgado impõe à segunda decisão de mérito o decidido na primeira como sendo seu pressuposto indiscutível, subjacente a uma relação de prejudicialidade entre o objeto de ambas as decisões[16].

Ora, aplicando estes conceitos ao caso dos autos, verifica-se que o alegado não tem adesão à realidade.

Com efeito, no âmbito dos autos n.º 745/11.0BELRA nada foi decidido relativamente a estas faturas.

Da sentença ali proferida consta:

“Refira-se que apesar de ter sido alegado na p.i., a questão das facturas da A….., por apenas terem reflexo em sede de IVA, não serão analisadas na presente acção”.

Como tal, ao contrário do que alega a Recorrente, não se coloca aqui qualquer questão de violação do caso julgado.

Finalmente refira-se que não se alcança de que forma foram violados os princípios da legalidade, da igualdade, da justiça, e da imparcialidade, plasmados nos art.ºs 3.º, 6.º e 9.º do Código do Procedimento Administrativo, alegação feita de forma abstrata e não concretizada.

Como tal, improcede o alegado pela Recorrente nesta parte.

III.D. Da violação do princípio do inquisitório pelo Tribunal a quo

Considera ainda a Recorrente que o Tribunal a quo violou o princípio do inquisitório, resultando da leitura integral das alegações que tal entendimento se funda na circunstância de não terem sido juntas aos autos as faturas controvertidas.

O princípio do inquisitório é um dos princípios que enforma o processo tributário. Atento o mesmo, impõe-se que o juiz realize ou ordene todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade material.

O mesmo encontra previsão expressa no n.º 1 do art.º 99.º da LGT, nos termos do qual “[o] tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer”, encontrando-se previsto, em termos idênticos, no art.º 13.º do CPPT.

O respeito pelo princípio do inquisitório implica, pois, que, sendo relevantes para a descoberta da verdade material, se levem a cabo diligências de prova, quer requeridas pelas partes, quer mesmo oficiosamente.

Assim, o respeito pelo princípio do inquisitório reflete-se, desde logo, na decisão de ordenar a realização das diligências necessárias à descoberta da verdade material.

Ora, in casu, não se alcança de que forma o mencionado princípio foi violado. Por um lado, as faturas em causa constam dos autos e motivaram, aliás, a decisão proferida sobre a matéria de facto [factos 6) a 9)]. Por outro lado, como já mencionamos anteriormente, nada sequer foi alegado na petição inicial, do ponto de vista factual, que exigisse mais do que a apreciação do teor das faturas e do teor do RIT.

Como tal, improcede o alegado pela Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Negar provimento ao recurso;
b) Custas pela Recorrente;
c) Registe e notifique.


Lisboa, 27 de maio de 2021


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores António Patkoczy e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha


_____________________
[1] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª Ed., Lex, Lisboa, p. 454.
[2] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., pp. 395, 396 e 460, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2000, p. 106; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 119.
[3] António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., pp. 119 e 120.
[4] Sobre o direito à dedução, v., v.g., os acórdãos do TJUE de 8 de junho de 2000, Midland Bank, C-98/98,EU:C:2000:300, de 1 de abril de 2004, Bockemühl, C90/02, EU:C:2004:206, n.° 38, e de 15 de julho de 2010, Pannon Gép Centrum, C368/09, EU:C:2010:441, n.° 37 e jurisprudência aí referida.
[5] V. a este respeito Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, 6.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2014, pp. 228 a 230, Patrícia Noiret da Cunha, Imposto sobre o Valor Acrescentado, Instituto Superior de Gestão, Lisboa, 2004, p. 332.
[6] Cfr. Sérgio Vasques, Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, Coimbra, 2015, pp. 336 a 340.
[7] Cfr. Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, cit., p. 276.
[8] V. igualmente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.10.2007 (Processo: 0487/07) e o Acórdão deste TCAS, de 25.06.2020 (Processo: 309/13.3BELRA).
[9] Sérgio Vasques, ob. cit., p. 345.
[10] «Artigo 36º», Código do IVA e RITINotas e Comentários (coord- Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos), Almedina, Coimbra, 2014, p. 340.
[11] Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. V, p. 156.
[12] A este respeito, v. Manuel de Andrade, Noções Elementares de processo Civil, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1956, p. 285.
[13] A este respeito, v. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. III, p. 94, Manuel de Andrade, ob. cit., pp. 286 e 287, e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, 1985, Coimbra Editora, Coimbra, p. 705.
[14] V. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. III, p. 93. Distinguindo as situações consoante a relação entre o objeto da decisão transitada e o do processo posterior e, nesse seguimento, discernindo entre situações com relação de identidade, situações com relações de prejudicialidade e situações com relações de concurso, v. Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., pp. 574 a 577.
[15] Cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.11.2018 (Processo:  4263/16.1T8VCT.G1.S1) e de 27.02.2018 (Processo: 2472/05.8 TBSTR.E1).
[16] V. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26.02.2019 (Processo: 4043/10.8TBVLG.P1.S1) e de 13.11.2018 (Processo:  4263/16.1T8VCT.G1.S1), e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28.02.2019 (Processo: 2143/05.5BELSB).