Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:441/08.5BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:02/25/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:SOCIEDADE IRREGULAR
LOTEAMENTO
IRC
AFFECTIO SOCIETATIS
Sumário:I-A nota distintiva entre a compropriedade e a sociedade irregular é que nesta última existe uma atividade comum exercida pelos sócios, que têm em vista a criação de uma utilidade nova, norteada para a obtenção de lucro, inversamente ao que sucede na compropriedade em que os consortes se limitam a usufruir dos simples frutos propiciados pelo património comum, com o mesmo espírito em que se move o proprietário singular.
II-Daí que o elemento essencial e específico de uma sociedade, ainda que irregular, é a chamada affectio societatis, ou seja, a intenção de cada um se associar com outro ou outros, para formação de uma pessoa coletiva distinta da de cada um deles.
III-A aludida affectio societatis, caracteriza-se por dois requisitos: um, subjetivo, consubstanciado na intenção de constituir uma certa realidade económico-jurídica; outro, objetivo, expressado na constituição de um fundo social sem a existência do qual aquela intenção seria meramente programática.
IV-O facto de a Recorrida e a comproprietária terem dado entrada a um pedido de licenciamento tal realidade, per se, em nada permite inferir a vontade de exercício, em conjunto, de uma atividade comercial, tendente à formação de uma pessoa coletiva distinta de cada uma delas, quando, de resto, até já tinha sido outorgado o contrato de promessa de compra e venda, no qual tinha sido estipulado o preço do bem e bem assim que o efetivo suporte das despesas incorridas recairia na esfera jurídica da sociedade promitente compradora.
V-A alegada transformação do bem imóvel, nada permite extrapolar quanto à constituição de uma sociedade irregular, e à tributação em sede de IRC. Com efeito, a assumirem-se tais atos como atos de comércio, tal não legitima a sua tributação em sede de IRC, mas sim em sede de IRS, enquanto atos isolados de comércio, com subsunção na categoria B.
VI-Tendo a AT considerado que foi constituída pelos comproprietários uma sociedade irregular e procedido à tributação daqueles ganhos em sede de IRC, a consequente liquidação deste imposto enferma de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, a determinar a sua anulação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M….., ora representada por M….., devidamente habilitada no presente recurso, tendo por objeto a liquidação de IRC (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas) nº ….., respeitante ao exercício de 2003, no montante global de €106.727,27.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

1. A decisão, proferida pelo Douto Tribunal a quo, que considerou procedente a Impugnação apresentada pela ora Recorrida, ao não acolher, como resulta do probatório, que no caso concreto em questão, as valorizações não foram ocasionais, nem fruto da acaso ou da sorte, fez uma errónea interpretação e aplicação do direito ao caso, tendo consequentemente violado o disposto nos artigos 15.º e 16.º, n.º 3, da LGT, 3.º, n.º 1 e 2 do CPPT, 2.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 e 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 4, do CIRC.

2. E, em consequência, sentenciando que as proprietárias do terreno são apenas co-proprietárias.

3. Entendimento, não perfilhado pela Administração Tributária (AT), que, atentos os factos, defende que a Impugnante e co-proprietária constituíram-se como sociedade irregular, com vista ao loteamento e posterior venda da parcela de terreno objecto de destaque, devendo tal acto ser tributado de acordo com o disposto no artigo 3.º do CIRC.

4. Consequentemente, não se conformando com a sobredita decisão.

5. Não se conformando a AT, desde logo, face aos documentos assinados pela Impugnante e a co-proprietária, bem como o alvará emitido em nome destas, a requerer o licenciamento do loteamento, para posterior venda dos lotes de terreno.

6. Ficando, assim, provado que, desta forma, praticaram actos de comércio resultantes do exercício de uma actividade empresarial.

7. Não obstante tudo isto, a Sentença, aqui recorrida, julgou procedente a Impugnação.

8. Porém, conclusão diferente deveria ter sido retirada do probatório.

9. Por do mesmo resultar que a Impugnante desenvolveu uma actividade comercial, no âmbito duma sociedade irregular, não se limitando a usufruir dos frutos propiciados pelo património comum, o que somente aconteceria se a parcela de terreno tivesse sido alienada no estado em que foi adquirida.

10. Todavia, a decisão da Digna Magistrada, não obstante os documentos assinados pela Impugnante e co-proprietária, a requerer o licenciamento do loteamento, bem como a emissão do alvará em nome destas e, ainda, porque, dos factos carreados para os autos, nada permite concluir que não foram as próprias co-proprietárias a encetar, por sua conta e encargo, todas as operações de licenciamento para posterior venda dos lotes de terreno, praticando, desta forma actos de comércio, inseridos ou resultantes do exercício de uma actividade empresarial, acabaria por frustrar o veredicto expectável e aquele que julgamos como juridicamente aceitável.

11. Desde logo, como demonstrado, a Impugnante e co-proprietária não se limitaram a vender a parcela de terreno em questão no estado em que a adquiriram.

12. Tendo desenvolvido toda uma actividade de transformação da propriedade, distribuindo, entre elas, o resultado dessa transformação, ou seja o somatório do valor da alienação de 63 lotes urbanizados, pelo preço global de € 2.119.891,14.

13. Como ensina o Prof. José Oliveira de Ascensão, in direito comercial, volume IV, sociedades comerciais, Lisboa 1993, “A distinção entre pré-vida e a irregularidade tem de se tornar essencialmente valorativa. Haverá irregularidade quando passar o prazo razoável em que se esperaria a formalização do contrato social.

14. E a sociedade verdadeiramente irregular estará prevista no artigo 36/2, do CSC. Directamente não, pois aí se prevê um trecho normal da vida da sociedade em formação. É invocável, nesse sentido, o artigo 7.º da Directiva, que também só contempla esta situação normal ”Artigo 7.º - Se forem praticados actos em nome de uma sociedade em formação, antes de ela ter adquirido personalidade jurídica, e a sociedade não vier a assumir os compromissos daí decorrentes, as pessoas que os contraíram serão solidária e ilimitadamente responsáveis por tais actos, salvo convenção em contrário.

15. Trata-se da Primeira Directiva do Conselho das Comunidades Europeias (68/151/CEE, publicada no JOCE n.º L65/8, de 14 de Março de 1968, tendente a coordenar as garantias que, para protecção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-membros às sociedades, na acepção do artigo 58.º do Tratado.

16. Daí que, como também citado na douta Sentença, o Prof. António Pereira de Almeida, tipifique a sociedade de facto como sociedade irregular.

17. Resulta assim, e porque é de uma sociedade de facto que se trata, que, para a AT, a formação de tributação dos rendimentos dessa actividade deva ocorrer no âmbito de sociedade irregular e em sede de IRC, embora a Impugnante o haja contestado.

18. Como provado, a Impugnante associou-se à outra co-titular para desenvolver toda uma actividade de natureza empresarial, com a finalidade de converter aquela parcela de terreno, rústica, em parcela urbana, através de uma operação de loteamento, conforme Alvará de Loteamento n.º ….., emitido pela Câmara Municipal de Benavente em 21 de Julho de 2003.

19. Já assim não sucederia se a citada parcela tivesse sido alienada no estado em que foi adquirida, e a operação de loteamento empreendida pela sociedade adquirente, tout court, a sociedade anónima, denominada de M….., SA.

20. Efectivamente, tal como decorre da lei e da jurisprudência, os traços que distinguem as situações de compropriedade e de sociedade, são os que vêem esta como algo dinâmico, onde existe uma actividade comum exercida pelos sócios, visando a criação de uma utilidade nova, orientada para a obtenção do lucro, ao invés do que ocorre na compropriedade em que os consortes se limitam a usufruir dos simples frutos propiciados pelo património comum, com o mesmo espírito em que se move o proprietário singular.

21. Assim, ao invés alegado, pela Impugnante e co-proprietária, bem como do decidido pelo Tribunal “a quo”, entendemos que, no caso concreto, se verifica, no empreendimento que encetaram, a presença da denominada «affetio societatis», consubstanciada no desencadear daquele procedimento, que teve em vista a concessão do Alvará de Loteamento n.º ….., emitido pela Câmara Municipal de Benavente, de 21 de Junho de 2003, bem como a venda daqueles lotes de terreno urbanizado.

22. E, nessa medida, as sociedades irregulares – comerciais quanto ao seu objecto, ainda que sem forma legal, e portanto destituídas de personalidade jurídica em face ao direito comum, mas com capacidade tributárias, como decorre, aliás, dos artigos 15.º e 16.º, n.º 3, da Lei Geral tributária (LGT) e 3.º, n.º 1 e 2 do CPPT – estão pois sujeitas ao regime geral do de IRC pelo lucro obtido no âmbito da actividade comercial exercida, como estatuído nos artigos 2.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 e 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 4, do CIRC.

23. Na verdade, tal como consta ainda do n.º 3 do Preâmbulo do Código do Imposto sobre o Rendimento das pessoas Colectivas – texto de acordo com a republicação da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro – “O ponto de partida para a definição da incidência subjectiva foi, assim, o atributo da personalidade jurídica. No entanto sujeitaram-se igualmente a IRC entidades com sede ou direcção efectiva em território português que, embora desprovidas de personalidade jurídica, obtêm rendimentos que não se encontram sujeitos a pessoas singulares ou colectivas que as integram. Deste modo, consideram-se passíveis de imposto determinados entes de facto, quando razões de ordem técnica ou outras tornem particularmente difícil uma tributação individualizada, evitando-se que a existência de tributação ou o imposto aplicável fiquem dependentes da regularidade do processo de formação dos entes colectivos”.

24. Além de que, a liquidação ora impugnada foi efectuada na sequência de uma acção de inspecção efectuada pelos competentes serviços inspectivos desta Direcção de Finanças de Setúbal.

25. Nessa acção de inspecção apuraram aqueles Serviços que a ora impugnante e M….., NIF: ….., que, relativamente a um prédio misto inscrito na respectiva matriz rústica, sob o artigo n.º 12, da Secção BR, alienaram em 2003.12.11, na sequência de uma operação de destaque e subsequente operação de loteamento urbano, por si desencadeada, livre de ónus e encargos, todos os lotes (63), resultantes da sobredita operação de destaque e subsequente operação de loteamento, pelo preço de € 2.119.891,14, da Freguesia e Concelho de Benavente.

26. Apuraram também, os já referidos Serviços inspectivos que as diligências necessárias, tendo em vista aquela operação de loteamento foram efectuadas pela ora Impugnante e pela supra referida M….., NIF: …..e tiveram início em 2000.10.11.

27. Concluíram por isso, aqueles Serviços de inspecção, estar provada a intenção societária da ora Impugnante, bem como da outra contribuinte supra identificada.

28. Tendo concluído também que as vendedoras como sociedade irregular exerceram uma actividade de natureza empresarial sujeita a IRC.

29. Porém, da análise ao sistema informático, constataram que a dita sociedade irregular não se encontrava registada, quer em sede de IRC, quer em sede de IVA.

30. Tendo procedido à notificação da sociedade irregular na pessoa de ambas as sócias, para dentro do prazo de 10 dias procederem à entrega das declarações em falta, começando pela inscrição no RNPC.

31. Decorrido o prazo, sem que hajam sido entregues as declarações em falta, nem efectuada a inscrição da sociedade irregular no RNPC, foi solicitada a sua inscrição oficiosa, tendo-lhe sido atribuído o NIPC …...

32. Assim, após a atribuição do NIPC, foi solicitado o registo oficioso da sociedade irregular através da emissão do respectivo «BAO» e posterior envio à Direcção de Serviços de Registo de Contribuinte – DSRC, reportando-se, face aos elementos disponíveis, ao início de actividade a 11/1072000.

33. E uma vez que que não foi apurada a existência de volume de negócios nos anos de 2000, 2001 e 2002. E dado não ter sido efectuada a opção prevista no n.º 7, do artigo 53.º do CIRC, a sociedade ficou enquadrada no regime simplificado de tributação em sede de IRC, desde 01/01/2001 a 31/12/2003 e, posteriormente, a partir de 01/01/2004 a 31/12/2006, nos termos do n.º 9, do artigo 53.º, do CIRC.

34. Em sede de IVA, dada a natureza da actividade exercida, ficou isenta nos termos do artigo 9.º do CIVA.

35. Verifica-se, em consequência, que a Administração Fiscal, esteve bem ao liquidar oficiosamente IRC, à supra identificada sociedade irregular e relativamente ao exercício do ano de 2003, não padecendo a referida liquidação de qualquer vício que afecte a sua validade.

36. Devendo a liquidação oficiosa de IRC do ano de 2003 ser mantida na ordem jurídica, uma vez que a mesma está correcta, é legal e o seu valor é devido.

37. Desde logo, porque é comummente aceite que o exercício, ainda que ocasional, de uma actividade objectivamente comercial ou industrial, com o propósito da obtenção de lucros, enquadra-se no conceito de rendimento comercial.

38. Como resulta do probatório, in casu, as valorizações não foram ocasionais, nem fruto do acaso ou da sorte.

39. Antes foram consequência de actos e operações que, tendo início em 2000, com o pedido de operação de loteamento, só lograram concretização em 2003, com a emissão do Alvará de Loteamento, o que retira aos ganhos obtidos na venda do imóvel, aquele carácter ocasional próprio das mais-valias.

40. Temos, pois, que a natureza do acto praticado pelas Impugnante e co-proprietária, no caso vertente, não deixa dúvidas de que se trata de um acto de natureza comercial ou industrial.

41. Razão pela qual, com o devido respeito por opinião melhor fundamentada, a decisão recorrida não pode pois manter-se.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e, em consequência, ser a douta Sentença, ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a Impugnação improcedente.”


***

A Recorrida apresentou contra-alegações concluindo da seguinte forma:

“1. A douta Sentença recorrida decidiu corretamente, procedendo a uma correta decisão de facto e de direito do tema sub judice, pelo que deverá ser integralmente mantida.

2. Com efeito, a Autoridade Tributária procedeu a uma incorreta liquidação dos rendimentos de 2013 em sede IRC, por ter entendido, incorretamente, que através do processo de loteamento do imóvel em causa nos autos foi constituída uma sociedade irregular pelas comproprietárias do imóvel.

3. Os factos provados pela douta sentença não indiciam a existência de qualquer ente autónomo de facto - sociedade irregular - que justifique a tributação dos rendimentos obtidos em sede de IRC.

4. Efetivamente, a situação descrita nos autos não se reconduz a uma situação de não conclusão de um processo formativo de sociedade, que se iniciou, ou de efetiva presença de uma organização societária em funcionamento.

5. Por outro lado, nunca foi projetada qualquer imagem societária pelas vendedoras, nem tão pouco realizado qualquer ato em nome de outrem, que não das próprias vendedoras, enquanto coproprietárias do imóvel.

6. Nem sequer se percebe qual a vantagem que as recorridas poderiam retirar da constituição da referida sociedade irregular, uma vez que o preço do imóvel foi fixado em data anterior ao deferimento do processo loteamento, cujo pagamento foi, aliás, integralmente cumprido por uma das compradoras.

7. Assim, as então vendedoras não eram comerciantes, nem tão pouco praticaram atos enquanto tal, limitando-se a vender um bem que lhes pertencia, como lhes é de direito.

8. Por tudo quanto foi exposto, não pode haver outro entendimento senão o de que não houve qualquer pretensão de constituir um ente autónomo, não sendo justificável a tributação dos rendimentos obtidos em sede de IRC.

9. Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente a decisão proferida pelo Tribunal a quo.

Nestes termos e demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá negar-se provimento ao presente Recurso, mantendo-se integralmente a douta Sentença recorrida, assim se fazendo a costumada e esperada JUSTIÇA!”


***

A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***

II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão de mérito:

1. Em 01.04.1993, foi registada na Conservatória de Registo Predial de Benavente, a favor da impugnante M….. e de M….., a aquisição, na proporção de 2/3 e 1/3 indivisas, respectivamente, do prédio misto, denominado "…..», com a área de 57,5560 hectares, descrito sob o nº….., com reserva de usufruto a favor de M….. (cfr. doc. junto a fls. 158 e segs. dos autos);

2. Em 27.06.2000, a impugnante M….., e M….., celebraram um contrato-promessa com as sociedades "M….., Lda." e "S….., Lda.", nos termos do qual as primeiras prometeram transmitir e as últimas adquirir o imóvel identificado no ponto anterior (cfr. fls. 46 a 56 dos autos, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido);

3. A impugnante M….., M….. e M….. apresentaram um pedido de licenciamento de operação de loteamento para o prédio melhor identificado no ponto 1, em data que não se consegue precisar mas anterior a 11/10/2000 (cfr. doc. junto a fls. 57 e 58 dos autos)

4. Em 11/10/2000, a impugnante M….., M….. e M….. apresentaram um pedido de licenciamento de operação de loteamento para o prédio melhor identificado no ponto 1 (cfr. fls. 57 e 58 dos autos);

5. Em 06.01.2003, sido diferido pela Câmara Municipal de Benavente o pedido de licenciamento das obras de urbanização identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 57 e 58 dos autos)

6. Em 21.07.2003, foi emitido pelo Município de Benavente o alvará de loteamento nº …..em nome da impugnante M….. e de M….. (cfr. fls. 59 a 71 dos autos);

7. Tendo por base o alvará referido no ponto anterior, foram constituídos 63 lotes de terreno destinados a construção urbana (cfr. fls. 59 a 71 dos autos);

8. Em 11.12.2003, a impugnante M….. e M….. venderam à sociedade ’M….., S.A." todos os lotes de terreno mencionados no ponto anterior, pelo preço de € 2.119.891,14 euros (cfr. fls. 46 a 56 dos autos);

9. Do contrato de compra e venda identificado no ponto anterior consta que desde 27/06/2000 a compradora "M….., S.A." assumiu todas as despesas inerentes ao processo de loteamento incluindo pagamentos efectuados aos arquitectos pela elaboração dos projectos de arquitectura, bem como as despesas registrais daí decorrentes nos termos do contrato promessa celebrado em 27/06/2000 (cfr. doc. junto a fls. 46 a 56 dos autos);

10. Em 22.12.2003, a sociedade "M….., S.A." apresentou pedido de licenciamento de construção nos lotes 2, 15, 62, 29 e 56, os quais foram posteriormente averbados em nome da sociedade "E….., S,A." (cfr. doc. junto a fls. 57 e 58 dos autos);

11. Em 07/01/2008 foi elaborado um Relatório da Inspecção realizada pela Direcção de Finanças de Setúbal do qual consta que actividade da impugnante M….. e de M….. consubstancia o exercício de actividade comercial, em sociedade irregular, e a fixar para o ano de 2003, nos termos do artigo 53°, nº1 e 4 do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, o lucro tributável de € 423.978,22 (cfr. doc. junto a fls. 31 a 45 dos autos);

12. Em 09/01/2008, foi proferido despacho pelo director de finanças em substituição, a concordar com as propostas do Relatório melhor identificado no ponto anterior (cfr. relatório de fls. 31 a 45 dos autos);

13. Em 16/01/2008, foi efectuada a liquidação nº ….., na qual foi apurado imposto no montante de € 106.727,27, relativo a IRC do ano de 2003 (cfr. fls. 128 dos autos);

14. A data limite de pagamento da liquidação identificada no ponto anterior é de 25/02/2008 (cfr. doc. junto a fls. 128 dos autos);

15. A p.i. que deu origem aos presentes autos deu entrada neste Tribunal e m 14/05/2008, via fax (cfr. doc. junto a fls. 1 dos autos).


***

O Tribunal a quo considerou como factualidade não provada o seguinte:

 “Dos factos constantes da impugnação, todos objectos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.”


***

No concernente à motivação da matéria de facto ficou consignado o seguinte:

 “A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação oficiosa de IRC, respeitante ao exercício de 2003, no montante global de €106.727,27.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre apreciar se a sentença padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, indagando, para o efeito, se os atos praticados pela Recorrente e sua comproprietária permitem inferir que constituíram uma sociedade irregular, como propugna a Recorrente, ou se os mesmos não são de molde a retirar essa intenção societária.

A Recorrente defende que o Tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, porquanto valorou incorretamente a factualidade constante no probatório, sendo que dele dimana que as valorizações não foram ocasionais, nem fruto do acaso ou da sorte, interpretando, nessa medida, erradamente os artigos 15.º e 16.º, n.º 3, da LGT, 3.º, n.º 1 e 2 do CPPT, 2.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 e 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 4, do CIRC.

Sustenta, para o efeito, que do acervo fático dos autos, resulta que a Recorrente e a comproprietária constituíram-se como sociedade irregular, com vista ao loteamento e posterior venda da parcela de terreno objeto de destaque, devendo tal ato ser tributado de acordo com o disposto no artigo 3.º do CIRC.

Sublinha, neste particular, que os documentos assinados pela Recorrente e pela comproprietária, concretamente o requerimento a requerer o licenciamento e a obtenção de alvará emitido em nome destas, permitem inferir que estas praticaram atos de comércio resultantes do exercício de uma atividade empresarial, no âmbito duma sociedade irregular.

Até porque, enfatiza, não se limitaram a usufruir dos frutos propiciados pelo património comum, tendo desenvolvido toda uma atividade de transformação da propriedade, distribuindo, entre elas, o resultado dessa transformação, ou seja, o somatório do valor da alienação de 63 lotes urbanizados, pelo preço global de €2.119.891,14.

E por assim ser, conclui que a formação de tributação dos rendimentos dessa atividade deva ocorrer no âmbito de sociedade irregular e em sede de IRC, porquanto sujeitas ao regime geral pelo lucro obtido no âmbito da atividade comercial exercida, como estatuído nos artigos 2.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 e 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 4, do CIRC.

Dissente a Recorrida, alegando para o efeito que a decisão recorrida não merece qualquer censura, visto que a AT procedeu a uma incorreta liquidação dos rendimentos, em sede IRC, por ajuizar, incorretamente, que foi constituída uma sociedade irregular pelas comproprietárias do imóvel.

Mais relevando que, do teor do probatório em nada se retira a existência de qualquer ente autónomo de facto - sociedade irregular - que justifique a tributação dos rendimentos obtidos em sede de IRC. Até porque, nunca foi projetada qualquer imagem societária pelas vendedoras, nem tão pouco realizado qualquer ato em nome de outrem, que não das próprias vendedoras, enquanto comproprietárias do imóvel.

De resto, alvitra que, nem tão-pouco, sequer se perceciona qual a vantagem que a Recorrida e a comproprietária poderiam retirar da constituição da referida sociedade irregular, quando inclusive o preço do imóvel foi fixado em data anterior ao deferimento do processo loteamento, e cujo pagamento foi integralmente cumprido por uma das compradoras.

Conclui, nessa medida, que as vendedoras se limitaram a vender um bem que lhes pertencia, como lhes é de direito.

O Tribunal a quo assim o entendeu, esteando a procedência, desde logo, na circunstância de que “[o] que constitui elemento fundamental para afirmarmos se  Impugnante agiu como comproprietária ou com o chamado "affetio societatis" apurarmos se a Impugnante se limitou a usufruir dos frutos propiciados pelo património comum, com o espírito do proprietário singular, ou se, pelo contrário, e à semelhança do que acontece numa sociedade, ainda que irregular, existe uma actividade comum exercida pelos sócios, visando a criação de uma utilidade nova, orientada para a obtenção de lucro.”

Relevando, para o efeito que dimanando “[d]o probatório supra que a Impugnante e a outra co-proprietária não suportaram sequer os cujos decorrentes da operação de loteamento, nomeadamente os decorrentes dos projectos de arquitectura que são necessários elaborar com vista à aprovação do projecto de loteamento. Tudo leva a quer que a Impugnante juntamente com a outra comproprietária se limitaram a assinar os documentos necessários para a obtenção do alvará de loteamento.”

Mais sublinhando que “[a] simples prática de actos comerciais não determina a existência duma sociedade é necessário algo mais. É necessário que os sócios queiram efectivamente desenvolver uma actividade destinada à produção ou distribuição de bens ou serviços e que o queiram fazer através duma pessoa jurídica distinta dos sócios.”

Concluindo, nessa medida, que “[n]ão se verifica no caso concreto qualquer pretensão de constituir um outro ente autónomo para explorar o exercício de uma actividade comercial, mas tão só de venda da parcela de terreno já valorizada com o licenciamento do loteamento.”

Vejamos, então.

Importa, desde já, relevar que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto, não requerendo qualquer aditamento por complementação, ou por supressão, apenas aduz que o Tribunal a quo, face ao recorte fático dos autos teria que retirar uma conclusão díspar, como visto, no sentido da inferência da constituição da sociedade irregular.

Assim, estabilizada que está a matéria de facto importa apreciar se ocorreu o arguido erro de julgamento de facto e de direito.

Para o efeito, importa, desde já, tecer alguns considerandos quanto à figura jurídica da sociedade irregular.

Neste particular, importa convocar o artigo 36.º do Código das Sociedades Comercias (CSC) cujo nº 1 estatui que “se dois ou mais indivíduos, quer pelo uso de uma firma comum quer por qualquer outro meio, criarem a falsa aparência de que existe entre eles um contrato de sociedade responderão solidária e ilimitadamente pelas obrigações contraídas nesses termos por qualquer deles.”

Preceituando, por seu turno, o nº2 que “se for acordada a constituição de uma sociedade comercial, mas, antes da celebração da escritura pública, os sócios iniciarem a sua atividade, são aplicáveis às relações estabelecidas entre eles e com terceiros as disposições sobre sociedades civis.”

Dir-se-á, portanto, que a nota distintiva entre a compropriedade e a sociedade irregular é que nesta última existe uma atividade comum exercida pelos sócios, que têm em vista a criação de uma utilidade nova, norteada para a obtenção de lucro, inversamente ao que sucede na compropriedade em que os consortes se limitam a usufruir dos simples frutos propiciados pelo património comum, com o mesmo espírito em que se move o proprietário singular.

Como doutrinado no Aresto do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo nº 842/10.9 TBNF.P2, de 14 de setembro de 2015, e demais jurisprudência nele convocada “[e]lemento essencial e específico de uma sociedade, ainda que irregular, é a chamada affectio societatis, ou seja, a intenção de cada um se associar com outro ou outros, para formação de uma pessoa colectiva distinta da de cada um deles. Como é sabido, o contrato de sociedade pressupõe uma affectio societatis, ou seja, a intenção de uma pessoa se associar com outra (ou outras) com vista à formação de uma actividade económica que não seja de simples fruição, com o objectivo de realização de lucros e sua repartição - cfr. acórdão do STJ, de 27/6/2000, CJSTJ, ano VIII, tomo II, página 129.

A chamada affectio societatis, caracteriza-se por dois requisitos: um, subjectivo, traduzido na intenção de constituir uma certa realidade económico-jurídica; outro, objectivo, revelado na constituição de um fundo social sem a existência do qual aquela intenção seria meramente programática. Qualquer dos requisitos referidos constitui matéria de facto; o primeiro, por respeitar à intenção das partes no negócio jurídico, o segundo porque só se revela através de actos de estipulação ou convenção.

Para que possa, pois, considerar-se a existência de uma sociedade irregular, é necessário que se verifiquem factos que suportam tal tese, designadamente, que tenha sido acordado entre os potenciais sócios a sua constituição, que tenham contratado em nome dela, constituído um fundo social e posto em comum os seus haveres, com a intenção de repartir lucros e perdas. Para que uma sociedade se possa qualificar de irregular tem que se estar perante uma figura associativa que seja uma sociedade, que tenha um fim comercial e que se verifique vício de forma - falta de escritura pública, a falta do registo do título constitutivo e da sua matrícula e das publicações estatutárias.”

Daí que, “[n]a sociedade existirá uma comunhão de bens, distinta da compropriedade e da communio incidens pela existência de negociações contratuais e há-de ocorrer a affectio societatis, elemento intencional que demonstra a necessidade do consenso, sem o qual não se incorre em sociedade, mas na compropriedade. Pinto Furtado, Código Comercial Anotado, vol. I, Coimbra, 1985, pag. 217 e Ac. STJ de 27/10/70, in BMJ nº 200, pag. 244 (relator Bogarim Guedes).[1]” (destaques e sublinhados nossos).

De convocar, outrossim, o doutrinado por Higina Castelo[2], a propósito das sociedades irregulares:
“Na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, o primeiro passo da argumentação jurídica tendente a enquadrar uma situação de facto na norma do art. 36.º, n.º 2, do CSC tem sido, invariavelmente, a averiguação da presença na situação concreta dos elementos do contrato de sociedade civil simples, previstos no art. 980.º do CC. Ou seja, a jurisprudência portuguesa tem decidido, de forma constante, que a sociedade prevista no art. 36.º, n.º 2, do CSC só existe se se verificarem, entre outros, os elementos do contrato de sociedade civil.
Esses elementos estão descritos no art. 980.º do CC e arrumam-se do seguinte modo:
- Pessoas – duas ou mais pessoas (que se obrigam);
- Objeto – bens ou serviços (com que contribuem);
- Função eficiente (ou função jurídica) – obrigação (de contribuição);
- Função económico-social (ou função metajurídica)
– cooperação – contribuição para o exercício em comum de certa atividade; - Circunstância (no caso, a finalidade da função económico-social)
– finalidade de repartição de lucros.
Estes elementos, não obstante não estarem descritos no art. 36.º, n.º 2, do CSC, têm sido entendidos no direito vivido, praticado, aplicado, como sendo os necessários (ainda que com especificidades infra explicadas) para que numa dada situação de facto se aplique a consequência prevista naquela norma: a sujeição ao regime jurídico das sociedades civis simples.
Verificando-se esses elementos e aplicando-se às relações entre os sócios e deles com terceiros o regime das sociedades civis, significa que os sócios conseguem os seus intentos de desenvolver uma atividade comercial através de uma sociedade personalista, não dotada de personalidade coletiva.”

Delimitada legal e conceptualmente a sociedade irregular, importa relevar que em termos de tributação, a mesma está sujeita à tributação pelo regime geral de IRC pelo lucro obtido com a atividade comercial exercida (artigos 2.°, n.º 1, alínea b) e n.° 2 e 3.°, n.° 1, alínea a) e n.° 4 do CIRC)[3].

Visto o direito que releva para dirimir essa questão, importa, então, apurar se da factualidade provada se pode retirar a affectio societatis, ou seja, o acordo entre os comproprietários de exercerem uma atividade comercial ou industrial, no fundo, a intenção dos sócios de constituir uma sociedade.

Do probatório resulta que:

A 01 de abril de 1993, foi registada na Conservatória de Registo Predial de Benavente, a favor da Recorrida e da comproprietária, a aquisição, na proporção de 2/3 e 1/3 indivisas, respetivamente, do prédio misto, descrito sob o nº …...

Sendo que a 27 de junho de 2000, a Recorrente e a comproprietária celebraram um contrato-promessa com as sociedades "M….., Lda." e "S….., Lda.", nos termos do qual prometiam vender o aludido imóvel.

Dimanando, igualmente, provado que a Recorrida e a comproprietária apresentaram, em 11 de outubro de 2000, um pedido de licenciamento de operação de loteamento para o prédio supra evidenciado, o qual a 06 de janeiro de 2003, foi objeto de deferimento pela Câmara Municipal de Benavente, e nessa sequência, emitido o alvará de loteamento nº ….. para construção de 63 lotes de terreno destinados a construção urbana.

Resultando, outrossim, que a 11 de dezembro de 2003, a Recorrida e a comproprietária venderam à sociedade “M….., S.A." os evidenciados lotes de terreno para construção, e nessa conformidade a sociedade adquirente, a 22 de dezembro de 2003, apresentou pedido de licenciamento de construção nos lotes 2, 15, 62, 29 e 56, os quais foram posteriormente averbados em nome da sociedade "E….., SA”.

Ora, face ao supra expendido nenhuma censura pode ser apontada à decisão recorrida, porquanto da factualidade supra expendida não se pode retirar o escopo societário.

É certo que foi a Recorrida e a comproprietária que deram entrada ao pedido de licenciamento, mas tal realidade, per se, em nada permite inferir a vontade de exercício, em conjunto, de uma atividade comercial, tendente à formação de uma pessoa coletiva distinta de cada uma delas. Até porque, in casu, já tinha sido outorgado o contrato de promessa de compra e venda, no qual tinha sido estipulado o preço do bem e bem assim que o efetivo suporte das despesas incorridas recairia na esfera jurídica da sociedade promitente compradora.

De sublinhar, neste particular, que conforme resulta expresso da factualidade assente, desde 27 de junho de 2000, a sociedade "M….., S.A." assumiu todas as despesas inerentes ao processo de loteamento incluindo pagamentos efetuados aos arquitetos pela elaboração dos projetos de arquitetura, bem como as despesas registrais.

Face à factualidade supra expendida, e contrariamente ao evidenciado pela Recorrente, não resulta demonstrado que a Recorrida e a comproprietária tenham tido a intenção de se associarem em ordem à prossecução de uma atividade económica, e constituído, por via disso, uma sociedade irregular tributada em sede de IRC.

Noutra formulação, não resulta provado e cujo ónus se circunscrevia na esfera jurídica da AT, da existência de um acordo societário, ou seja, de acordo em ordem à prossecução de uma atividade económica, com o intuito de realizar e repartir os lucros dela resultantes, nos termos do disposto no artigo 980.º do CC.

Não se vislumbrando, outrossim, que a questão se subsuma no convocado artigo 7.º da Primeira Diretiva 68/151/CEE do Conselho, de 9 de março de 1968, a qual visou, como resulta do seu preâmbulo, coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades, na aceção do segundo parágrafo do artigo 58.º do Tratado, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade, sendo certo que a lei portuguesa não autonomizou a sociedade em formação, da sociedade irregular.

É certo que a Recorrente aduz que não se pode inferir uma simples atividade de fruição, porquanto ocorreu transformação do bem imóvel, mas a verdade é que tal assunção em nada permite extrapolar a constituição de uma sociedade irregular, e a tributação em sede de IRC.

Com efeito, a assumirem-se tais atos como atos de comércio, a verdade é que nunca legitimaria a sua tributação em sede de IRC, mas sim em sede de IRS, enquanto atos isolados de comércio, com subsunção na categoria B, para efeitos de IRS.

Neste particular, convoque-se o Aresto do STA, proferido no processo nº 0424/09, de 13 de março de 2019, cujo sumário se extrata[4]:
“I - Se a actividade dos comproprietários de dois prédios rústicos anteriormente à venda dos lotes de terreno resultantes daqueles imóveis se limitou à apresentação do pedido de licenciamento de loteamento (não se comprovando a realização de qualquer actividade de urbanização dos prédios, com a realização de infra-estruturas urbanísticas, que permita inferir a intenção dos comproprietários se associarem em ordem a prosseguirem uma actividade económica), os ganhos resultantes daquela venda dos lotes devem considerar-se como rendimentos obtidos com a prática de acto isolado de comércio e, por isso, a serem tributados na esfera jurídica dos comproprietários, como rendimentos empresariais, subsumíveis à categoria B para efeitos de IRS [cfr. art. 3.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea h), do CIRS].
II - Tendo a AT considerado que foi constituída pelos comproprietários uma sociedade irregular e procedido à tributação daqueles ganhos em sede de IRC, a consequente liquidação deste imposto enferma de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, a determinar a sua anulação.”

Conclui-se, assim, que inexiste qualquer violação dos convocados normativos 15.º e 16.º, n.º 3, da LGT, 3.º, n.º 1 e 2 do CPPT, 2.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 e 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 4, do CIRC, porquanto a situação de facto em contenda não é reveladora de capacidade contributiva que se apresente como unidade económica, e suscetível de integrar uma sociedade irregular, faltando-lhe, como visto, o escopo societário, sendo certo que competia à AT provar, que essa existência é facto constitutivo do direito ao património social que invoca[5].

Ora, face a todo expendido, e sem necessidade de outros considerandos, a liquidação impugnada padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, devendo, por isso, ser cominada com a anulabilidade, pelo que a sentença que assim o decidiu, deve ser confirmada.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 25 de fevereiro de 2021


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

_________________
[1] In cit. Acórdão da R.P., de 14.09.2015.
[2] Sociedade Irregular-contrato de sociedade: O acordo a que se reporta o artigo 36º, 2, do Código das Sociedades Comerciais-Natureza e Validade, portal verbo jurídico, 10-2015, pp.9 e 10.
[3] Vide, designadamente, os Acórdãos do STA proferidos nos processos n.ºs 0733/14, 0216/12, datados de 15.04.2015 e 05.02.2014
[4] Vide, também, Aresto do STA, proferido no processo nº 0810/14, de 09.09.2015.
[5] No mesmo sentido, vide Acórdão deste Tribunal, com identidade fática com os dos presentes autos e  prolatado no processo nº 176/08, de 28.03.2019.