Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:260/06.3BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:10/08/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:ISSD,
PRESCRIÇÃO,
AVALIAÇÃO QUOTAS SOCIAIS.
Sumário:I. Não se pode conhecer da prescrição da obrigação tributária na impugnação judicial, a título incidental como eventual causa de inutilidade superveniente da lide, quando o processo não disponibiliza, sem necessidade de averiguação, todos os elementos factuais necessários;
II. O valor da avaliação das quotas sociais efetuada nos termos do art. 77.º do CIMSISSD, apurado pela AT com base em correção aos valores contabilísticos societário, consubstancia materialmente uma primeira avaliação, que pode ser contestada pelo contribuinte, ainda que nos termos gerais estabelecido do art. 96.º do CIMSISSD, requerendo-se uma segunda avaliação, não obstando ao exercício desse direito que na notificação ao contribuinte se tenha indicado o art. 87.º CIMSISSD.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:



I. RELATÓRIO

T..... vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada que julgou improcedente a impugnação deduzida contra o acto de Imposto Sucessório n.º 4….., no montante de 74.007,49€.


O Recorrente T....., apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

1. Atento o disposto no artigo 279°, n°1 do CC, in casu é aplicável o prazo prescricional de 8 anos, previsto na LGT;

2. E, bem assim, é aplicável o regime de contagem do prazo estabelecido nos artigos 48° e 49° da LGT;

3. Em termos de incidência processual com relevo para o cômputo da prescrição, resulta dos autos principais que (i) a prescrição inicia a sua contagem a partir de 1 de Janeiro de 1999 (data de entrada em vigor do artigo 48.° da LGT, por força do artigo 6° do Decreto-Lei n°398/98, de 17 de Novembro), (ii) a impugnação judicial foi instaurada em 30 de Novembro de 2005 (Cfr. fls. 2 e ss. dos autos principais), (iii) a impugnação judicial esteve parada, por facto não imputável ao contribuinte, desde 30 de Junho de 2008 até 12 de Março de 2012 (Cfr. fls. 82 e 83 dos autos principais);

4. Os presentes autos estiveram parados por mais de um ano, por facto não imputável ao Impugnante (Cfr. fls. 82 e 83 dos autos principais), aplicando-se, por isso, o n°2 do artigo 49° da LGT, onde se estabelece que a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior [interrupção], somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da sua autuação;

5. Logo, a impugnação, entrada em juízo em 30 de Novembro de 2005 (Cfr. fls. 2 dos autos principais), não interrompeu, em absoluto, o prazo prescricional em curso, porquanto a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito da impugnação enquanto evento interruptivo da prescrição;

6. E, tendo o processo se encontrado parado de 30 de Junho de 2008 até 12 de Março de 2012, soma-se o tempo que decorreu desde 30 de Junho de 2009 ao tempo que decorreu até ao evento interruptivo, nos termos do disposto no artigo 49°, n°2 da LGT, na redacção aplicável in casu;

7. Pelo que operou a prescrição do imposto impugnado, porquanto desde 1 de Janeiro de 1999 até 30 de Novembro de 2005 (data da instauração da impugnação) decorreram 6 anos e 11 meses, que, somados ao tempo decorrido após 30 de Junho de 2009 (termo do primeiro ano em que o processo esteve parado), em muito excedem o prazo prescricional aplicável;

8. Nestes termos, deverá determinar-se a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 287°, alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 2.° CPPT.

SEM PRESCINDIR

9. O indeferimento pela Administração Tributária, melhor descrito nas alíneas I) a L) dos Factos Provados, sem mais, da Contestação apresentada pelo Recorrente nos termos e para os efeitos do artigo 87.° do CIMSISD, que versava sobre a necessidade de uma nova avaliação da quota social em causa, constitui uma preterição de uma formalidade essencial;

10. De facto, ao rejeitar a possibilidade de contestar a avaliação melhor descrita nas alínea C) dos Factos Provados a Administração Tributária impediu o Impugnante de esgotar os meios graciosos ao seu alcance, o que configura preterição de formalidade legal e causa de invalidade da liquidação;

11. Mais, a Administração Fiscal não apreciou a contestação formulada, limitando-se a cogitar que " o pedido não se enquadra dentro dos parâmetros do disposto no art°87° do Código do Imposto Municipal da Sisa e Imposto sobre as Sucessões e Doações " (Cfr. fls.170 e 171 do processo administrativo);

12. Tal ofício constante de fls. 171 do processo administrativo é completamente omisso sobre os parâmetros do artigo 87° do CIMSISD, pelo que é legítimo questionar quais são esses parâmetros, pois eles não são invocados no despacho de fls. 170 do processo administrativo, nem os mesmos resultam da leitura da lei;

13. Logo, tal despacho, ao não determinar com rigor quais os parâmetros, equivale a uma decisão não fundamentada;

14. Ao contrário do entendimento expresso pelo Tribunal a quo, o considerando vertido pela Administração Tributária e melhor descrito nas alíneas I) a K) dos Factos Provados, não pode ser tido por uma decisão fundamentada;

15. E assim é, porquanto a Administração Tributária não procedeu a uma análise pormenorizada de cada um dos argumentos esgrimidos na contestação, ou seja, a Administração Tributária limitou-se a utilizar fundamentação genérica, que nada pormenoriza, não permitindo reconstituir o itinerário cognoscível e valorativo para a decisão em causa;

16. Pelo que está assim tal acto inquinado com o vício da falta de fundamentação;

17. Acresce que a Administração Tributária, antes da decisão melhor descrita na alínea I) dos Factos Provados, não notificou o Impugnante para exercer o direito de audição previsto na alínea b) do n°1 do artigo 60° da LGT;

18. Uma vez que a Contestação do Recorrente, apresentada nos termos e para os efeitos do artigo 87° do CIMSISD não enfermava de qualquer vício que impusesse o seu indeferimento liminar, se impunha a notificação do Recorrente para o exercício do direito de audição prévia;

19. Pelo que, postergado o sobredito direito de audição prévia, se têm por nulos os actos processuais subsequentes;

20. Mais, sempre deverá ser considerado que o valor pelo qual foi avaliada a participação social o foi de forma errónea, pois não teve a Administração Fiscal em consideração o passivo gerado pela avaliação tributária, pelo que sempre deverá ser corrigido atendendo-se às referidas verbas liquidadas de IRC e juros compensatórios (quer de IRC quer de IVA) como custos para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC da sociedade a que se reporta a participação social em causa;

21. Tanto que a representante comum dos herdeiros da quota de T..... na referida sociedade, foi notificada da reversão contra o falecido de dívidas fiscais da sociedade em apreço no montante de €1.099.441,07 (Cfr. fls. 27 dos autos principais);

22. Sendo certo que está expressamente admitida a possibilidade de correcção do valor do balanço, o que tem de ser entendido no sentido de que o balanço deverá ser tido em conta pela expressão com que ele tem de ser organizado à face das respectivas normas de contabilidade legal (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de Setembro de 2009, no processo n°0261/09, in www.dgsi.pt);

23. E, é manifesto que o montante em causa é uma dívida da sociedade anterior ao óbito do autor da herança e que por isso devia ter sido tida em consideração na avaliação da participação social efectuada pelos serviços tributários, porquanto se aquela dívida fiscal tivesse sido considerada, como tinha que ser, a participação social não teria qualquer valor, porquanto o seu passivo seria superior ao seu activo;

24. E foi por tal dívida não ter sido tida em consideração que o Impugnante pediu uma segunda avaliação da referida participação social;

25. Por isso, se impunha a segunda avaliação de tal quota ao abrigo do disposto nos artigos 20°, 3°, cláusulas 3ª e 4ª, 77°, 1°, 87° e 96° do CIMSISD, por não se encontrar abrangida na excepção contida naquele artigo 87°, n°2;

26. O que, para mais, é o entendimento expresso pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo no seu parecer de fls. 76 a 78;

27. É que, ao se verificar a reversão da dívida da sociedade para o falecido, e consequentemente para a herança, pois pelo pagamento da mesma responde a totalidade dos bens que constituem o acervo hereditário, tal dívida teria de constar na relação de bens como uma verba do Passivo;

28. Tal quantia de € 1.099.441,07 é muito superior à totalidade do activo da herança, pelo que os bens que constituem o acervo hereditário são insuficientes para proceder ao pagamento dessa dívida da herança;

29. Ou seja, os interessados na herança nada vão herdar, pois a totalidade do activo não chega para pagar as dívidas do falecido;

30. No entanto, estão notificados para pagarem, cada um, €74.007,49 de imposto sucessório por uma herança em que o activo é inferior ao passivo;

31. Tudo isto por culpa da Administração Fiscal que, em primeiro lugar, ao efectuar a avaliação da referida quota, não teve em consideração as dívidas da sociedade à própria Administração Fiscal;

32. Com a prática supra referida a Administração Tributária violou o princípio da justiça material previsto no n°2 do artigo 5° da LGT;

33. Bem com o disposto no artigo 55° da LGT que impõe que "a Administração Fiscal exerça as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios (...) da proporcionalidade, da justiça ";

34. Se a dívida fiscal era apenas da sociedade, como salientado pelo Tribunal a quo na douta decisão em crise, então deveria a mesma ter sido tida em conta na avaliação fiscal da quota de que o falecido T..... era titular na sociedade em causa;

35. Tendo em conta que a reversão ocorreu por factos ocorridos durante a vida do falecido, pelo que nos termos do disposto legal referido, o valor do imposto revertido contra o falecido teria de ser deduzido ao activo da herança;

36. Estamos, de facto, unicamente perante factos ocorridos em vida do falecido, que afectam, em tal período, quer o passivo quer o activo da sociedade;

37. Ou seja, é manifesto que a avaliação fiscal da quota não considerou a sobredita dívida fiscal no montante de €1.099.441,07;

38. Afigurando-se, assim, violador das normas dos artigos 5°, n°2 e 55° da LGT o entendimento expresso na douta sentença em crise de que (i) a dívida é da sociedade, (ii) que tal dívida não releva para avaliação da quota (iii) e que a avaliação impugnada não padece de qualquer incorrecção;

39. Assim, tendo em conta que a reversão ocorreu por factos ocorridos durante a vida do falecido, pelo que nos termos do disposto legal referido, o valor do imposto revertido contra o falecido teria de ser deduzido ao activo da herança;

40. Acresce que o próprio artigo 77° do CIMSISD no seu parágrafo terceiro prevê, na última parte, a hipótese da liquidação do valor de uma quota ou parte social ser corrigida em consequência de factos supervenientes que impliquem uma correcção da avaliação efectuada;

41. Sendo que nos termos do artigo 149° do mesmo código está a Administração Fiscal obrigada a efectuar a revisão oficiosa da liquidação quando verificar que houve situações ulteriores que aumentaram ou diminuíram o valor das participações sociais avaliadas pela administração fiscal;

42. De tudo o supra exposto, verifica-se ainda fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário;

43. Pelo que, no caso de não proceder a alegada nulidade do acto por omissão do dever de fundamentação e de postergação do direito de audição, impõe-se, por isso, salvo melhor opinião, a anulação da douta sentença, com fundamento na violação dos artigos 5°, n°2 e 55° da LGT, impondo-se a anulação da liquidação, nos termos previstos no artigo 100° do CPPT, por subsistir fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário.

A douta decisão violou, entre outros, os seguintes preceitos legais:
• Artigos 5°, 48°, 49°, 55° e 60º da LGT;
• Artigos 20.°, 28°, 77° e 87° do CIMSISD;
• Artigo 175° do CPPT.

Nestes termos, nos mais de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso, assim se fazendo a costumada
JUSTIÇA.».

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A Recorrida, não apresentou contra-alegações.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:
_ Preterição de formalidade essencial na decisão de indeferimento da contestação dos valores apresentada nos termos do art. 87.º do CIMSISD (conclusões 9 a 15 das alegações de recurso);
_ O valor pelo qual foi avaliada a participação social é erróneo por não ter considerado no valor da avaliação a dívida fiscal revertida que é anterior ao óbito do autor da herança, por isso se impunha a 2.ª avaliação da quota, com cabimento no art. 77.º do CIMSISD no seu parágrafo terceiro (conclusões 20 a 43 das alegações de recurso);
_ preterição do direito ao exercício do direito de audição prévia, previsto na alínea b), do n.º 1, do art. 60.º da LGT (cf. conclusões 16 a 19 das alegações de recurso).
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«III - Fundamentação

III. 1 De Facto

Com relevo para a decisão a proferir, julgo provados os seguintes factos:

A) Em 20/08/1998 foi instaurado no Serviço de Finanças de Seixal 2 o processo de imposto sucessório n°4….. por falecimento de T….., ocorrido em 22 de Julho de 1998 (cfr. fls. 1 do processo administrativo em apenso);

B) Em 07/12/1999 junto do Serviço de Finanças de Seixal 2, foi apresentada por T....., na qualidade de cabeça-de-casal a relação de bens, da qual consta como verba n°1, metade indivisa de uma quota da sociedade por quotas T....., Lda.", com o valor nominal de Esc. 5.400.000$00 (cfr. teor de fis. 14/17 do apenso);

C) Em 24/05/2005 foi efectuada a avaliação da quota que T..... detinha na sociedade T....., Lda., tendo sido confirmado o valor da participação social em € 958.584,52 e adicionado ao activo da herança o saldo credor de € 318.481,93 (cfr. fls. 60/65 do apenso);

D) Em 09/05/2005 foi emitido o ofício n° 1….. dirigido ao aqui impugnante, T..... de J....., para efeitos de notificação para o exercício do direito de audição sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção (cfr. fls. 86 do apenso);

E) - Em 23/05/2005 foi exercido por escrito o direito de audição prévia (cfr. fls. 87/89 do apenso);

F) Em 17/06/2005 foi emitido o ofício n°4785 dirigido ao ora impugnante para efeitos de notificação da liquidação de imposto sucessório, por óbito de T....., do qual constam como valores base de liquidação - € 366.884,19 - bens móveis e € 837,16 - bens imóveis, bem como o valor líquido tributável no montante de € 367.721,34, cabendo ao ora impugnante o montante € 107.789,12. Consta ainda do mesmo ofício o seguinte "Os valores que serviram de base à liquidação poderão ser objecto de contestação, por qualquer das seguintes formas:. contestação dos valores que serviram de base à liquidação nos termos do art.87º do Código deste imposto no prazo de oito dias a contar da assinatura do aviso de recepção que acompanha a presente notificação./. reclamação graciosa ou impugnação judicial nos termos, fundamentos e prados previstos respectivamente nos artigos 68°/70° ou 99°/102° do Código do Procedimento e do Processo Tributário (...)" (cfr. fls.118/119 do apenso);

G) Em 20/06/2005, o ora impugnante foi notificado do ofício referido na alínea anterior (cfr. assinatura de F……. constante do aviso de recepção de fls. 120 do apenso);

H) Em 30/06/2005, o ora impugnante apresentou contestação dos valores sobre que foi liquidado o imposto, no tocante à avaliação da quota da sociedade T....., Lda., no valor nominal de € 26.935,09 em € 958.584,52, pedindo a final que "seja revisto o valor da quota referente à sociedade T....., Lda., no valor nominal de € 26.935,09, avaliada em € 958.584,52, devendo a esse valor ser abatidos todos os encargos fiscais reportados à data do óbito" (cfr. fls. 152/159 do apenso);

I) Sobre a referida contestação, em 22/07/2005, foi proferida informação no serviço de finanças de Seixal 2 com o seguinte teor "Vem Dr.... Advogado, em representação de T........, herdeiro no processo de imposto sucessório nº4….. por óbito de T……, apresentar contestação nos termos do art.87° do código de imposto sucessório referente à avaliação da quota da Sociedade T..... Lda.;
Da leitura do referido artigo depreende-se que o mesmo permite contestação de valores e perante esta contestação o contribuinte pode requerer a avaliação de bens ainda não avaliados no processo, o que não é o caso pois a referida quota já foi avaliada, conforme ofício nº1….. de 27-05-2005 da Direcção Finanças de Setúbal -Divisão de Prevenção e Inspecção Tributária II." (cfr. fls. 170 do apenso);

J) Em 08/07/2005 foi proferido despacho de indeferimento pelo Chefe de Finanças de Seixal 2 (cfr. fls. 170 do apenso);

K) Foi emitido o ofício n° 9…. dirigido ao mandatário do ora impugnante, e o of° n°9…., dirigido a este último, para efeitos de notificação do indeferimento da contestação, constando do referido ofício que: "O indeferimento teve como base o pedido não se enquadrar dentro dos parâmetros do disposto no art.87° do Código do Imposto Municipal de Sisa e Imposto sobre as Sucessões e Doações", (cfr. fls. 171 do apenso);

L) Tal despacho foi notificado ao impugnante em 12.07.2005 (cfr. fls. 171 do apenso).

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A convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, e, em concreto, no teor dos documentos indicados em cada um dos pontos do probatório.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito em face das possíveis soluções de direito e que, por conseguinte, importe registar como não provados».


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Com base na matéria de facto supra transcrita a Meritíssima Juíza do TAF de Almada julgou improcede a impugnação judicial. Entendeu, em síntese, que não se verifica falta de fundamentação da decisão de indeferimento da contestação dos valores apresentada nos termos do art. 87.º do CIMSISD, nem a violação deste preceito legal, nem havendo que proceder à audição prévia nos termos do art. 100.º do CPA.

O recorrente não se conforma com o decidido invocando, desde logo, a prescrição da dívida (cf. conclusões 1) a 8) das alegações de recurso).

Ora, a questão da prescrição não foi suscitada, nem decidida em 1.ª instância, e, por conseguinte, estamos perante uma questão nova. Não obstante, considerando que se trata de questão de conhecimento oficioso (art. 175.º, n.º 1 do CPPT) o tribunal deve pronunciar-se.

Não obstante, importa ainda notar que a prescrição não constitui fundamento de impugnação judicial, e nessa medida, como a jurisprudência do STA tem vindo a reiterar “Só pode conhecer-se da prescrição da obrigação tributária, em impugnação judicial, incidentalmente, como eventual causa de inutilidade superveniente da lide, se o processo disponibilizar, sem necessidade de averiguação, todos os elementos factuais necessários.” (v. por todos, o recente acórdão do STA de 04/07/2018, proc. n.º 01433/17, e jurisprudência aí citada)

Considerando os documentos junto aos autos, adita-se aos factos provados as seguintes alíneas (art. 662.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT):

M) Em 17/10/2005 foi instaurado ao Impugnante o processo de execução fiscal n.º 36……. para a cobrança coerciva da liquidação de imposto sobre as sucessões e doações referido na alínea F) (cf. documentos de fls. 68 a 71 dos autos);

N) Em 24/11/2005 foi emitido mandado de citação no âmbito do processo de execução fiscal referido na alínea M) (cf. documentos de fl. 71 dos autos).

Estabilizada a matéria de facto dada como provada nos autos, vejamos, então, se é possível de conhecer da prescrição da dívida.

In casu o facto tributário ocorreu em 22/07/1998 (cf. alínea A) dos factos provados), e, portanto, seguiremos de perto o acórdão do STA de 14/03/2012, proc. n.º 01157/11 em que também estava em causa imposto sucessório do ano de 1998, e nessa medida, esclarece-se o cômputo do prazo de prescrição a aplicar no caso dos autos:

“Tratando-se de dívida de imposto sucessório, o facto tributário em que se fundamentou a liquidação (sucessão mortis causa) ocorreu em 30/11/98 e, nessa altura, o prazo de prescrição era o de dez anos previsto no artigo 34.º do Código de Processo Tributário, por força da redacção dada ao artigo 180.º do CIMSISSD pelo Dec.Lei nº 119/94, de 7 de Maio (Que passou a ter a seguinte redacção: «O imposto municipal da sisa e o imposto sobre sucessões e doações prescrevem nos termos do artigo 34.º do Código de Processo Tributário».), contado do início do ano seguinte àquele em que o facto tributário ocorreu, isto é, contado a partir do dia 1 de Janeiro de 1999 (artigo 34.º, n.º 2 do CPT).
Precisamente nessa data, 1 de Janeiro de 1999, entrou em vigor a Lei Geral Tributária, que encurtou o prazo de prescrição para oito anos (artigo 48.º), deixando, porém, ressalvado que ele não era aplicável aos prazos fixados em lei especial – como era o caso do imposto sobre sucessões e doações, em que o prazo de prescrição encontrava previsão expressa e específica no CIMISSD e não nas regras gerais contidas no Código de Processo Tributário.
Pelo que não assiste razão à Recorrente quando defende que o novo prazo de oitos anos estabelecido na LGT é aplicável à contagem da prescrição do imposto sucessório a partir do dia 1 de Janeiro de 1999, data da entrada em vigor desta nova lei e que, por isso, prazo de prescrição encontrou o seu termo no dia 31/12/2006.
Todavia, com o Dec.Lei nº 472/99, de 8 de Novembro, que entrou em vigor no dia 13 de Novembro de 1999, também o prazo de prescrição deste imposto foi reduzido para os oito anos estabelecidos no artigo 48º da LGT, já que a nova redacção dada ao artigo 180.º do CIMSISSD pelo referido diploma é a seguinte : «O imposto municipal de sisa e o imposto sobre as sucessões e doações prescrevem nos termos dos artigos 48.º e 49.º da lei geral tributária .».
E na sucessão de leis no tempo destas normas há que aplicar a regra contida no artigo 297.º do Código Civil, segundo o qual a lei que estabelecer um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
É, pois, com referência à data da entrada em vigor daquele diploma legal, em 13 de Novembro de 1999, e não à da entrada em vigor da Lei Geral Tributária, em 1 de Janeiro de 1999, que terá de verificar-se, por aplicação da regra contida no n.º 1 do art.º 297.º do C.Civil, que prazo faltava para a prescrição se verificar (Neste sentido, vejam-se, entre outros, os Acórdãos do STA proferidos em 8/06/2011, no recurso n.º 117/11, e em 26/01/2011, no recurso n.º 1027/10.).
Ora, visto que à data da entrada em vigor do Dec.Lei nº 472/99 faltava, à luz da lei antiga, mais tempo do que o estabelecido na lei nova para o prazo se completar, é inequívoca a aplicação do prazo de oito anos, contado, porém, da data da entrada em vigor deste diploma legal face ao preceituado no aludido artigo 297.º do Código Civil.
Definido que o prazo de prescrição aplicável é o de 8 anos previsto na LGT, contado a partir da data da entrada em vigor desse diploma legal, em 13 de Novembro de 1999 , há que apurar se ele já decorreu perante a ocorrência de factos com efeito interruptivo ou suspensivo previstos na lei vigente à data da respectiva ocorrência, em conformidade com a regra contida no artigo 12.º da Lei Geral Tributária e no artigo 12.º do Código Civil.
Esse prazo de oito anos terminava, em princípio, no dia 13 de Novembro de 2007 e embora não tenha sido interrompido com a instauração da execução como se afirmava na sentença – pois a Lei Geral Tributária não concede qualquer relevância interruptiva a esse acto – veio, porém, a ser interrompido com a instauração da presente impugnação judicial, em 20 de Julho de 2007, em conformidade com o preceituado no artigo 49.º, n.ºs 1 e 3, da LGT, na redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/2006 (que entrou em vigor em 1/01/2007), segundo o qual a interrupção da prescrição tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.
Neste enquadramento, tendo o acto interruptivo ocorrido antes do termo do prazo de prescrição e tendo a interrupção inutilizado para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente (artigo 326.º, n.º 1, do C.Civil), suspendendo-se o prazo enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado que ponha termo ao processo «nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida» (artigo 49.º, n.º 4, da LGT), facilmente se conclui que a prescrição não ocorreu”

Aplicando aquela jurisprudência, ao caso dos autos, que como já referimos, também versa sobre o mesmo imposto e mesmo ano de 1998, é aplicável o prazo de prescrição de 8 anos previsto no art. 48.º, n.º 1 da LGT, contados a partir da entrada em vigor do DL n.º 472/99, de 8 de novembro, ou seja, a partir de 13 de Novembro de 1999, porque “à luz da lei antiga, faltava mais tempo do que o estabelecido na lei nova para o prazo se completar, é inequívoca a aplicação do prazo de oito anos, contado, porém, da data da entrada em vigor deste diploma legal face ao preceituado no aludido artigo 297.º do Código Civil.”.

Sublinhe-se que, in casu, não releva enquanto causa de interrupção a instauração da execução em 17/10/2005 (alínea M) da matéria de facto provada aditada), porque ocorre já depois da entrada em vigor da LGT que não lhe confere qualquer efeito interruptivo.

Por outro lado, importa ainda ter em consideração que nos termos do disposto no art. 49.º, n.º 1 da LGT a impugnação e a citação interrompem a prescrição, ou seja, ambas constituem causas interruptivas do prazo de prescrição, portanto, no caso dos autos verifica-se uma causa interruptiva com a impugnação judicial apresentada em 30/11/2005 (cfr. alínea N) da matéria de facto provada aditada) e uma outra com a citação da executada, cuja data se desconhece, pois apenas é que foi emitido mandado de citação em 24/11/2005, assim existe a hipótese de ter ocorrido em data anterior ao efeito interruptivo da impugnação, o que significa que existe uma incerteza sobre qual a data do 1.º facto interruptivo, o que não permite fazer o cômputo do prazo de prescrição.

Na verdade, a data da citação é essencial, uma vez que ambas as causas interruptivas produzem os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência (nesse sentido, e por todos, vide Acórdão do STA de 07/01/2016, proc. n.º 01564/15 e jurisprudência ali citada), devendo ser considerado, em princípio, o art. 49.º na redação anterior à Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro, e assim sendo, devem todas elas ser consideradas desde que ocorressem após a cessação do efeito interruptivo das anteriores (acórdão do STA de 09/09/2015, proc. n.º 01024/15).

Efetivamente, sintetizando o entendimento da jurisprudência do STA (entre outros, os acórdãos do Pleno da Secção do STA de 24/10/2007, no proc. n.º 0244/07 e de 28/05/2008, no proc. n.º 0840/07, e os acórdãos de 12/08/2009, no proc. nº 0748/09, e de 13/01/2010, no proc. nº 01148/09) sobre a verificação de sucessivas causas de interrupção antes da alteração introduzida no art. 49.º da LGT pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, vide acórdão do STA de 09/09/2015, proc. n.º 01024/15, cujo sumário é o seguinte:

“I. Antes da alteração introduzida no art. 49º da LGT pela Lei nº 53-A/2006, de 29.12, foi longamente discutida a questão de saber se existindo várias causas de interrupção do prazo de prescrição da dívida tributária exequenda, podiam ou não relevar todas elas, tendo-se firmado jurisprudência no sentido afirmativo, isto é, de que ocorrendo várias e sucessivas causas de interrupção, deviam todas elas ser consideradas desde que ocorressem após a cessação do efeito interruptivo das anteriores.
II - Só após o início de vigência da Lei nº 53-A/2006, em 1 de Janeiro de 2007, a interrupção do prazo de prescrição passou a operar uma única vez, tendo em conta que o aludido nº 3 do art. 49º passou a ter a seguinte redacção: “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar”.
III - Todavia, essa nova redacção da norma aplica-se apenas aos factos interruptivos verificados após o início da vigência da Lei 53-A/2006, em conformidade com a regra geral da sucessão de leis no tempo contida no art. 12º da LGT e no art. 12º do C.Civil.

IV - Pelo que, ocorrendo várias causas de interrupção da prescrição antes da entrada em vigor da nova redacção do nº 3 do art. 49º da LGT, devem todas elas ser consideradas, e não pode deixar de ter relevância interruptiva a citação do responsável subsidiário em 2009 uma vez que ela constitui o primeiro acto interruptivo da prescrição após o início da vigência do diploma que introduziu a alteração da norma.”

Ademais, existe ainda uma incerteza quanto a existência de causas suspensivas do prazo de prescrição, pois a verdade é que tendo sido deduzida impugnação judicial, desconhece-se se o processo de execução fiscal se suspendeu por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de impugnação – cf. n.º 3, do art. 49.º da LGT, na versão anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29/12.

Pelo exposto, na presente impugnação judicial não se pode conhecer da prescrição da obrigação tributária, a título incidental, como eventual causa de inutilidade superveniente da lide, pois o processo não disponibiliza, sem necessidade de averiguação, todos os elementos factuais necessários. (v. acórdão do STA de 04/07/2018, proc. n.º 01433/17 supra citado).

Prosseguindo.

Invoca o recorrente, preterição de formalidade essencial na decisão de indeferimento da contestação dos valores apresentada nos termos do art. 87.º do CIMSISD, o que conduz à invalidade da liquidação, posto que, ficou impedido de esgotar os meios graciosos ao seu alcance (conclusões 9 e 10 das alegações de recurso), sendo que, considerando os factos I) a K), verifica-se que tal decisão enferma de falta de fundamentação porque não invoca quais são os parâmetros do art. 87.º do CIMSISD (conclusões 11 a 15 das alegações de recurso).

Insurge-se contra o valor pelo qual foi avaliada a participação social, considera que é erróneo por não ter considerado no valor da avaliação a dívida fiscal revertida que é anterior ao óbito do autor da herança, por isso se impunha a 2.ª avaliação da quota, com cabimento no art. 77.º do CIMSISD no seu parágrafo terceiro, violando-se o princípio da justiça previsto no disposto no art. 5.º, n.º 2, da LGT, e art. 55.º da LGT, estando a AT obrigada à revisão oficiosa do ato (art. 149.º CIMSISD), verificando-se fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário (conclusões 20 a 43 das alegações de recurso).

Invoca ainda o recorrente a preterição do direito de audição prévia, uma vez que a AT, antes da decisão descrita na alínea I), não notificou o Impugnante para o exercício do direito de audição prévia, previsto na alínea b), do n.º 1, do art. 60.º da LGT (cf. conclusões 16 a 19 das alegações de recurso).

Vejamos, então, a questão de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, na parte em que entendeu não se verificar ilegalidade no entendimento da AT de impossibilidade de requerer uma segunda avaliação da quota social que fazia parte da herança, nos termos do art. 87.º do CIMSISSD.

Apreciando.

Resulta dos autos que na sequência do falecimento de “T.....” foi instaurado no serviço de finanças do Seixal o respetivo processo de liquidação de imposto sobre sucessões e doações (cf. alínea A) da matéria de facto).

Apresentada a relação de bens, da qual consta como verba n.º 1 metade indivisa de uma quota de uma sociedade, com um determinado valor declarado, a AT entendeu efetuar uma avaliação dessa quota (cf. alínea B) e C) da matéria de facto), não aceitando aquele valor.

Efetivamente, a avaliação das quotas da sociedade que a AT levou a cabo no procedimento é efetuada nos termos do art. 77.º do CIMSISSD, que lhe permite fazer um exame à escrita da sociedade, corrigir valores, que devem ser justificados através de relatório sucinto. Ou seja, estamos materialmente perante uma avaliação das quotas sociais efetuada pela AT, efetuada através de correções a escrita da sociedade, e pela qual é fixado o valor das quotas sociais sobre o qual incidirá o imposto sucessório. Ou seja, o apuramento do imposto não se funda nos valores declarados, mas em valores apurados pela AT.

In casu, efetivamente tal sucedeu. A AT procedeu ao exame à escrita da sociedade em causa para determinação do valor das quotas, porém, também efetuou correções ao lucro tributável da sociedade que, não só deram origem às respetivas liquidações adicionais de impostos, mas como também influenciaram positivamente o valor societário na medida em que aumentaram o lucro tributável. É neste contexto, em que a Impugnante deixa claro na sua contestação apresentada à AT, que discorda do valor da avaliação das quotas, que lhe é dado conhecimento através da notificação do imposto sobre as sucessões e doações (cf. alíneas F), G), e H) dos factos provados) porque não se teve em consideração os valores que afetam negativamente o valor societário, nomeadamente, as liquidações adicionais que resultam daquelas correções.

A posição da Impugnante é de que o imposto liquidado adicionalmente tem impacto direto no valor das quotas, diminuindo o valor das mesmas, e nessa medida deveria ter sido considerado no valor fixado na avaliação das quotas, tal como foi considerado positivamente o aumento de lucro tributável, e deste modo, a avaliação ficaria equilibrada, pois consideraria não só o impacto positivo na avaliação das quotas, das correções efetuadas, mas também os impactos negativos dessas mesmas correções.

Ora, foi efetivamente fixado um valor às quotas societárias na sequência de uma avaliação pela AT (cf. alínea C) dos factos provado), e na sequência desta a recorrente foi notificada para contestar, no prazo de 8 dias, os valores que serviram de base à liquidação de imposto sucessório, nos termos do art. 87.º CIMSISSD. Assim, a recorrente apresentou a contestação aos valores (cf. alíneas F), G) e H) dos factos provados), e que, foi indeferida pela AT por se entender que não caberia contestação nos termos do próprio artigo indicado à recorrente (cf. alíneas J) a K) dos factos provados).

Na verdade, não se compreende bem a atuação da AT, que procede a uma avaliação das quotas societárias para efeitos de imposto sucessório, excluindo, portanto, os valores indicados na relação de bens, notifica a recorrente para contestar esses valores, e quando o recorrente o faz, então, paradoxalmente, entende que não lhe assiste o direito de o fazer por não ter cabimento legal no artigo art. 87.º CIMSISSD, preceito legal expressamente indicado no ofício que notifica o recorrente dos seus meios de defesa.

Ora, dúvidas não há que independentemente do preceito legal indicado pela AT, para plena satisfação do direito de defesa do recorrente, terá de lhe ser facultado um meio para contestar tal avaliação que foi efetuada pela AT, uma vez que não foram considerados os valores constantes da relação de bens apresentada. Repare-se que, relativamente aos outros bens (os que não foram avaliados e que não se encontram excecionados no normativo), dúvidas não há que assiste o direito do contribuinte a requerer a sua avaliação nos termos do art. 87.º do CIMSISSD, e, portanto, participar num procedimento de avaliação que fixará definitivamente o valor dos bens.

Neste contexto, facilmente se compreenderá, na coerência do sistema jurídico do imposto sobre sucessões e doações, que o legislador não pretendeu restringir direitos processuais dos contribuintes em função de um tipo ou outro de bem do acervo hereditário, mas tão-somente, adaptar a tramitação do procedimento tributário às características de cada bem, garantindo uma maior eficiência da justiça tributária.

A verdade é que, se da letra do art. 87.º do CIMSISSD não resulta líquido que se poderá contestar os valores do imposto sucessório liquidado, solicitando uma avaliação, porque tal preceito legal encontra-se recortado para as situações em que os bens que ainda não tenham sido avaliados, a verdade é que o STA no acórdão de 11/03/2015, proc. n.º 01197/13, num caso de determinação do valor das quotas sociais nos termos do art. 77.º, n.º 1 do CIMSISSD, entendeu que “Entendendo a ora Recorrente que o acto de fixação dos valores às quotas sociais que integravam o património do de cujus enfermava de falta de fundamentação e de preterição do dever de audição prévia, deveria ter contestado tais valores nos termos do disposto no art. 87.º do CIMSISD, como foi expressamente indicado na notificação da liquidação (cfr. facto provado sob o n.º 10). Não o fez e, por isso, deixou caducar o direito de contestar a referida fixação. Por isso, tem de se considerar assentes os valores fixados, que se constituíram em caso decidido ou caso resolvido, consolidando-se na ordem jurídica, independentemente de se estar perante uma situação em que a correcção dos valores tenha cobertura legal e de ter sido efectuada em termos adequados. Designadamente, não tendo sido requerida a avaliação, não pode admitir-se a impugnação judicial para discussão da legalidade da fixação de tais valores, pois, como estabelece o n.º 7 do artigo 134.º do CPPT, esta só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação.”

Portanto, apesar de não estarmos perante as mesmas circunstâncias dos autos, podemos inferir daquele acórdão que no caso de avaliação de quotas sociais nos termos do n.º 1, do art. 77.º CIMSISSD, a contestação nos termos do art. 87.º do CIMSISSD não só é admissível, como é necessária para abrir a via contenciosa.

Ora, dentro da coerência do sistema jurídico do CIMSISSD, o que nos parece evidente, é que sempre deverá haver a possibilidade de o contribuinte requerer uma segunda avaliação de bens, seja em sede de imposto sobre sucessões e doações, seja em sede de imposto de Sisa como resulta da inserção sistemática na secção III, “Disposições comuns” do art. 96.º do CIMSISSD, sob a epígrafe “com epígrafe “2.ª avaliação”, que dispõe no sentido de que se o contribuinte não concordar com o resultado da avaliação (o que inclui as avaliações de bens efetuadas para efeitos de imposto sobre sucessões e doações e imposto municipal da SISA), poderá ser requerida ou promovida uma segunda avaliação.

Na verdade, o contribuinte tem de ter o direito procedimental de contestar o valor da avaliação das quotas sociais que é fixado pela AT, requerendo uma segunda avaliação, pois razões não existem para excluir estes bens hereditários em particular da garantia de impugnação graciosa dos valores da avaliação, pois tal entendimento violaria o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, na medida em que não se garante uma equivalência de direitos procedimentais relativamente à contestação da avaliação de determinados bens do acervo hereditário, o que não é justificável por qualquer razão substancialmente válida.

Por outras palavras, se a AT entende que o disposto no artigo art. 87.º CIMSISSD, indicado na notificação ao contribuinte, não pode ser interpretado no sentido de que não lhe permite que venha contestar o valor das quotas societárias fixadas por avaliação nos termos do art. 77.º CIMSISSD, porque o âmbito daquele preceito legal está limitado às situações em que os bens ainda não foram avaliados, sempre poderia lhe garantir o direito à contestação dos valores fixados na avaliação, considerando-se o disposto no art. 96.º do CIMSISSD que se aplica às avaliações de bens em geral, e nessa medida independente do preceito legal constante da notificação, foi preterida uma formalidade essencial, porque a AT deveria ter apreciado os fundamentos do recorrente.

Pelo exposto, assiste razão ao recorrente, devendo a liquidação de imposto sucessório impugnada ser anulada, e nessa medida, fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso, nos termos do disposto no art. 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 663.º, n.º 2 do CPC.


Vencida na presente causa a recorrida esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Contudo, a Recorrida não tendo apresentado contra-alegações não é responsável pelo pagamento da taxa de justiça – cf. acórdão do STA de 13/12/2017: “I - As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artigos 529.º n.º 1, do CPC, e 3º, nº 1, do RCP).
II – A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente (artigos 529º, nº 2, e 6º, nº 1, do CPC) e apenas é devida no seu pagamento pela parte que demande (artigo 530.º n. 1, do CPC).
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Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. Não se pode conhecer da prescrição da obrigação tributária na impugnação judicial, a título incidental como eventual causa de inutilidade superveniente da lide, quando o processo não disponibiliza, sem necessidade de averiguação, todos os elementos factuais necessários;

II. O valor da avaliação das quotas sociais efetuada nos termos do art. 77.º do CIMSISSD, apurado pela AT com base em correção aos valores contabilísticos societário, consubstancia materialmente uma primeira avaliação, que pode ser contestada pelo contribuinte, ainda que nos termos gerais estabelecido do art. 96.º do CIMSISSD, requerendo-se uma segunda avaliação, não obstando ao exercício desse direito que na notificação ao contribuinte se tenha indicado o art. 87.º CIMSISSD.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar-se a decisão recorrida, e consequentemente julgar procedente a impugnação, anulando-se a liquidação impugnada.
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Custas pela Recorrida, que não é responsável pelo pagamento da taxa de justiça de recurso porque não contra-alegou.
D.n.
Lisboa, 8 de outubro de 2020.

Cristina Flora

Tânia Meireles da Cunha

António Patkoczy