Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:526/12.3BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:10/08/2020
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL;
NOTIFICAÇÃO POR CARTA REGISTADA;
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO.
Sumário:I- De acordo com o nº 3 do art. 38º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), as notificações relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correções à matéria tributável que tenham sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada.

II- A notificação por carta registada presume-se feita no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (cfr. art. 39º, nº 1 do CPPT).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública e o Ministério Público, vieram interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRS do ano 2007 no montante de € 19.619,56, por verificada a caducidade do direito à liquidação.

Os Recorrentes nas suas alegações de recurso, formularam conclusões nos seguintes termos:

I- O Ministério Público

“1. As liquidações em apreço nos autos devem ser notificadas nos termos do artigo 38°, n° 3 do CPPT.

2. Tal prova deve ser feita pela AT, não bastando para o efeito um "print" interno dos serviços, mas sim o registo da correspondência emitido pelos CTT, ainda que colectivo, onde constem os elementos aptos a comprovar que a correspondência foi efectivamente remetida para o domicílio fiscal do contribuinte e não devolvida.

3. No caso em apreço, com a junção da guia de entrega e expedição do registo dos CTT, das notas de liquidação e cobrança enviadas e da informação dos CTT que a correspondência foi entregue (vide fls. 57, 60 e 61 do PA), entrega essa no domicílio fiscal do sujeito passivo, entendemos estar feita a prova da correcta notificação.

4. Isto aliás na linha do que tem vindo a ser decidido pelo TCA Sul, nomeadamente nos Acórdãos de 2/10/2012, proc. 05673/12 e de 6/11/2012, proc. 05822/12 e ainda por esse Supremo Tribunal em acórdãos de 16/5/2012, proferido no processo 01181/11.

5. Assim sendo as notificações foram feitas antes de decorrido o prazo de caducidade das liquidações, que é de quatro anos nos termos do art. 45° n° 1 da LGT.

6. Em face do exposto, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que declare que as notificações das liquidações foram validamente efectuadas, com as consequências daí resultantes.
VOSSAS EXELÊNCIAS, PORÉM, COMO SEMPRE, MELHOR DECIDIRÃO, FAZENDO JUSTIÇA”

II- A Fazenda Pública

A) Considerou a sentença sob recurso que a AT não havia demonstrado a notificação da liquidação ao impugnante antes de completado o prazo de caducidade - 2011/12/31, pelo que julgou a impugnação procedente, determinando a anulação da liquidação de IRS do ano de 2007 posta em causa.

B) O recorte discordante do presente recurso centra-se na deficiente valorização da prova produzida pela AT, seja com origem interna, seja externa - documentos de fls. 59 a 61 do processo administrativo, com o inerente erro no sentido da decisão final.

C) Pois que os autos exibem acervo documental bastante para evidenciar a remessa para a morada fiscal do impugnante, a coberto de registo simples, da notificação para pagamento voluntário do IRS do ano de 2007.

D) Demonstrada tal remessa, sempre beneficiava a AT da presunção de que a notificação havia sido recebida pelo impugnante - art. 39.°, n.° 1, do CPPT.

E) Tanto que os documentos fornecidos pelos CTT - documentos extraídos do site público - atestam que a notificação foi efectivamente entregue na morada fiscal do impugnante (receptáculo postal/caixa do correio) em 2011/12/02.

F) Não vindo, significativamente, invocada na actual sede qualquer causa de justo impedimento ao seu recebimento.

G) Acresce que a todo este conjunto documental tem de ser reconhecido o valor da informação prestada pelos CTT a que alude o art. 39°, n° 2 do CPPT.

H) Assim, fosse pela aplicação do n° 1 ou do n° 2 do art. 39° do CPPT, sempre a notificação teria de ser considerada como válida e nunca a sentença sob recurso poderia considerar como não demonstrada a remessa e a efectivação da notificação da liquidação em causa.

I) Aliás, na linha do entendimento sufragado pelo Acórdão de 2012/11/06, processo n° 05822/12 deste mesmo Venerando TCAS.

J) Assim, a douta sentença sob recurso avaliou deficientemente a prova documental produzida pela AT, fazendo errónea aplicação e interpretação dos normativos legais que regulam a situação vertente, designadamente, dos artigos 38°, n° 3, 39°, n° 1 e n° 2, ambos do CPPT e art. 45°, n° 6 da LGT, pelo que não deve manter-se.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente, com o que se fará como sempre JUSTIÇA”.
* *

O Recorrido apresentou contra-alegações, tendo concluído o seguinte:

“A. A notificação da liquidação ora em crise, foi feita ao impugnante em 4 de Janeiro de 2012.

B. Ou seja, já depois de completado o prazo de caducidade da referida liquidação.

C. De facto, a liquidação em causa é referente ao ano de 2007 e a caducidade do direito à mesma opera em 1 de Janeiro de 2012.

D. Nos termos do disposto dos art.s 65º e 66º do CIRS, os actos de fixação ou alteração são sempre notificados aos sujeitos passivos.

E. Por seu lado, o art. 36º do C.P.P.T. determina que as notificações dos actos que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzam efeito quanto a estes quando lhe sejam validamente notificados.

F. O conteúdo deste artigo remete directamente para o direito consagrado no art. 268º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa, que estabelece a notificação aos interessados como um dos direitos e garantias dos administrados.

G. Remete igualmente para o art. 77º, nº 6 da L.G.T. que determina que a eficácia da decisão depende da notificação.

H. Concretizando a forma legal da realização destas notificações, preconiza o art. 38º do C.P.P.T. que as mesmas devem ser "efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção" (sublinhado e negrito nossos).

I. A Autoridade Tributária não procedeu de acordo com os referidos preceitos, tendo enviado a notificação por meio de registo simples.

J. Esta modalidade de registo consiste numa carta meramente depositada num receptáculo postal sem qualquer prova da recepção pelo seu putativo destinatário.

K. A AT não fez prova da recepção da referida demonstração da liquidação,

L. pelo que não goza da presunção estabelecida no art. 39º do C.P.P.T..

M. Assim, a fundamentação apresentada por esta, ao conjecturar sobre eventuais datas em que as notificações ora em causa supostamente tenham sido recebidas, baseia-se apenas nesta presunção, carecendo de validade.

N. Já neste sentido decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no seu acordão nº 0472/13 de 29 de Maio de 2013.

O. Ao optar por esta modalidade de notificação, se a lei pretendesse que a mesma fosse suficiente, nunca permitiria ao impugnante comprovar a não recepção da mesma, criando assim uma manifesta desigualdade entre as partes.

P. Não ficou assim, provado que a AT tenha efectivamente notificado o impugnante antes da data da caducidade da liquidação.

Q. Verificada a caducidade do direito à liquidação resulta o acto consequente da anulação da mesma.

Termos em que, e com o sempre mui douto suprimento de Vªs Exªs, se pugna pela manutenção da sentença proferida a quo e consequente anulação da liquidação, negando-se provimento aos recursos ora apresentados.”

* *
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência dos recursos.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações dos Recorrentes, importa aferir se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao ter decidido que se verificava a caducidade do direito à liquidação.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. O impugnante exerce a actividade de “comércio por grosso de minérios e de metais”, desde 4/1/2001, a que corresponde o CAE 046720, encontrando-se enquadrado em sede de IVA no regime trimestral (desde 2001-04-01) e em sede de IRS no regime simplificado (fls. 5 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).

2. Em dois períodos de tributação consecutivos (2005 e 2006) o impugnante ultrapassara o limite de € 149.739,37 de volume de vendas.

3. Em 2008 o impugnante submeteu a declaração de IRS, referente a 2007, mas esta foi recusada devido a erros/anomalias em 2008 (fls. 8 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

4. Foi, então, o contribuinte notificado para proceder à correção, com indicação de que deveria ter entregue “anexo C” (fls. 8 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

5. Mas a declaração nunca foi sanada/corrigida sob qualquer forma, determinando que ficasse sem efeito, volvido o prazo legal.

6. A ação inspetiva foi realizada a coberto da ordem de serviço n.º OI201002298, de 4/10/2010, relativamente ao ano de 2007, na sequência de cruzamento informático que detetou a falta de entrega da declaração mod. 3 de IRS referente a 2007 (fls. 4 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).

7. O impugnante foi notificado, em 8/9/2011, para apresentar a declaração de rendimentos referente a 2007, com a advertência de que em caso de não apresentação da declaração o rendimento coletável seria apurado com base nos elementos constantes do serviço (fls. 6 do relatório e 14 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).

8. O impugnante não apresentou a declaração.

9. De acordo com os elementos em dispor da AT, o montante total das vendas durante todo o ano de 2007 foi de € 286.154,00 (fls. 6 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).

10. Em face do que a AT decidiu: «Estando o contribuinte abrangido pelo Regime Simplificado de Tributação, acordo com o artigo 28º do Código do IRS e sendo os rendimentos no ano em causa provenientes da actividade de Comércio de Sucata, pelo que o seu Rendimento Tributável da Categoria B é determinado pelo produto do seu Rendimento ilíquido pelo coeficiente 0,20, nos termos do n.º 2 do artigo 31.º do citado Código…» (fls. 7 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).

11. Assim, ao rendimento líquido de € 286.154,00 foi aplicado o coeficiente de 0,20, resultando um rendimento tributável de € 57.230,80.

12. Subsequente, foram emitidas a nota de cobrança – demonstração da liquidação n.º ………… e a demonstração da liquidação de juros n°…………, notificadas a coberto, respectivamente, dos registos simples n° RY……….. e n° RY…….., de 25/11/2011 (fls. 57 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).

13. Em relação a estes registos os CTTs informam a entrega conseguida em a. 2/11/2011 (registo RY………….) e b. 30/11/2011 (registo RY………….) – tudo como consta de fls. 60 e 61 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido.

FACTOS NÃO PROVADOS.
Com interesse para a decisão da causa nada mais se provou.

MOTIVAÇÃO.
A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, referidos nos «factos provados» com remissão para as folhas do processo onde se encontram.”.
* *
Ao abrigo do disposto no artigo 662º, n.º 1 do CPC, altera-se, oficiosamente, a redacção do ponto 13 do probatório, porquanto constata-se que por manifesto erro de julgamento ou manifesto lapso material, neste ponto do probatório a data de 02/11/2011 nele mencionada não se mostra correcta face ao teor da prova documental junta a fls. 60 do apenso, sendo 2/12/2011 a data correcta. Assim o ponto 13 do probatório passa a ter a seguinte redação:

“13. Em relação a estes registos os CTTs informam a entrega conseguida em a. 2/12/2011 (registo RY………..) e b. 30/11/2011 (registo RY…………) – tudo como consta de fls. 60 e 61 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido.”.

E, por se considerar relevante para a decisão do presente recurso, nos termos do art. 662º do CPC, adita-se ao probatório, os pontos seguintes:

14. Em 14/10/2011 foi emitido ofício dirigido a H.......... para efeitos de notificação do relatório de inspecção bem como para o exercício do direito de audição, tendo sido enviado através de carta registada com o registo postal nº RC………… (cfr. fls. 2/verso do processo administrativo em apenso).

15. O registo postal nº RC…………. consta do registo dos CTT como “Objecto Entregue” em 17/10/2011 (cfr. fls. 3 do processo administrativo em apenso).

16. A nota demonstrativa da liquidação de IRS do ano de 2007 foi enviada para R…………….., ….., ………Mira de Aire (cfr. documento de fls. 7 dos autos).


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O impugnante, ora Recorrido, apresentou petição inicial de impugnação judicial contra a liquidação de IRS do ano de 2007 na qual invocou os seguintes fundamentos:
i) Nulidade da notificação para apresentação de declaração tributária de 8 de Setembro de 2011;
ii) Nulidade do pedido de apresentação do Anexo C;
iii) Nulidade da demonstração de IRS;
iv) Caducidade do direito de liquidação.

O Tribunal a quo apreciou a questão da nulidade da demonstração da liquidação tendo concluído que a liquidação não padecia de qualquer ilegalidade e julgou a impugnação procedente por verificada a caducidade do direito à liquidação do IRS do ano de 2007 dado que a notificação da liquidação não foi efectuada dentro do prazo de quatro anos previsto no art. 45º do CPPT. Mais julgou prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos invocados.

Inconformados com o decidido, a Fazenda Pública e o Ministério Público apresentaram recursos jurisdicionais, defendendo não ter ocorrido a caducidade do direito à liquidação, dado que a notificação da liquidação ocorreu dentro do prazo de 4 anos.

Para o efeito invocam que a notificação foi feita por carta registada nos termos do art. 38º, nº 3 do CPPT; que de acordo com o art. 39º, nº 1 do CPPT a administração tributária (AT) beneficia da presunção de que a notificação havia sido recebida pelo impugnante; e, dos elementos probatórios constantes do processo resulta que o Recorrido teve conhecimento da liquidação antes do fim do prazo de caducidade.

O Recorrido nas respectivas contra-alegações defende que a notificação deveria ter sido efectuada através de carta registada com aviso de recepção nos termos do art. 38º do CPPT, não tendo a AT feito prova da receção da demonstração da liquidação. Mais alega que a notificação da liquidação ocorreu apenas a 4 de Janeiro de 2012, após o prazo de caducidade.

Vejamos então.

O art. 45º, nº 1 da LGT consagra que o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

A propósito da caducidade do direito à liquidação recorde-se o Acórdão do TCA Sul de 24/09/2015 no recurso – 08523/15 ao enunciar que “Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo período. O instituto da caducidade tem por fundamentos vectores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública constitui a razão explicativa para que o prazo de caducidade corra sem suspensões e interrupções e, em princípio, que só o exercício do direito durante o mesmo impeça que a caducidade opere. A necessária brevidade da relação jurídica que comporta um direito caducável determina que o não exercício do mesmo no prazo legal ou convencionalmente definido acarreta a sua extinção. Refira-se, ainda, que a caducidade, determinando a extinção do direito e da correspondente vinculação sem mais, não gera o consequente aparecimento de uma obrigação natural, contrariamente ao que acontece com o instituto da prescrição. Por último, a caducidade deve consubstanciar-se como uma excepção peremptória passível de apreciação oficiosa pelo Tribunal (cfr.artºs.328, 331 e 333, todos do C.Civil; artº.496, do C.P.Civil; Luis A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, A.A.F.D.L., 1983, pág. 567 e seg.; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª.edição, Coimbra Editora, 1989, pág.372 e seg.; Aníbal de Castro, A Caducidade na doutrina, na lei e na jurisprudência, 3ª.edição, 1984, pág.29 e seg.).

No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, encontra actualmente consagração genérica no art. 45º da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12, norma que vem consagrar um prazo de caducidade de quatro anos (cfr.anterior artº.33, nº.1, do C.P.Tributário, o qual consagrava o prazo de cinco anos). Face à redacção do aludido artº.45, da L. G. Tributária, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/10/2012, proc.5792/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.7031/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/10/2014, proc.7773/14; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e Anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4ª. Edição, 2012, pág.359 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.259 e seg.; Joaquim Casimiro Gonçalves, A caducidade face ao direito tributário, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, 1999, pág.225 e seg.).
A Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela Lei Constitucional nº.1/82, de 30/9, prevê no seu artº.268, nº.3, que os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei (lei ordinária), assim impondo à Administração um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, do teor dos actos praticados, comunicação essa que deve incluir também a própria fundamentação do acto que do mesmo faz parte integrante (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª. Edição revista, II volume, Coimbra Editora, 2010, pág.824 e seg.).

A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/04/2015, proc.8399/15; Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.239 a 242; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.94 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.309 a 311).
No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.5673/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/04/2015, proc.8399/15).”.


Importa desde já decidir no caso em apreço qual a forma legal da notificação da liquidação, se através de carta registada como defendem os Recorrentes, se através de carta registada com aviso de recepção como defende o Recorrido.

Nos termos do art. 38º, nº 3 do CPPT, as notificações relativas a liquidações de tributos que resultem de correções à matéria tributável que tenham sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada.

Do probatório resultou provado que o Recorrido foi notificado através de carta registada do projecto de correções ao IRS de 2007 bem como para o exercício do direito de audição (cfr. pontos 14 e 15 aditados ao probatório).

Tomando em consideração o disposto no mencionado nº 3 do art. 38º do CPPT, conclui-se que a forma da notificação da liquidação através de carta registada adoptada pela AT mostra-se correcta.

Assente a forma legal da notificação (carta registada), analisemos de seguida se foi efectuada prova da notificação da liquidação de IRS do ano de 2007 ao Recorrido para efeitos de apurar se efectivamente ocorreu, ou não, a caducidade do direito à liquidação.

Para efeitos de contagem do prazo de caducidade de 4 anos, o art. 45º, nº 6 da Lei Geral Tributária (LGT) dispõe que as notificações sob registo consideram-se validamente efectuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.

No mesmo sentido, o art. 39º, nº 1 do CPPT estabelece que as notificações efectuadas nos termos do nº 3 do art. 38º do CPPT, presumem-se feitas no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil. Esta presunção só pode ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito a administração tributária ou o tribunal, com base em requerimento do interessado, requerer aos correios informação sobre a data efectiva da notificação (cfr. nº 2 do art. 39º do CPPT).

Do acervo probatório dos presentes autos resultou o envio da notificação da liquidação do IRS para o domicílio fiscal do Recorrido através do registo postal nº RY………….. datado de 25/11/2011, tendo a entrega desse registo sido efectuada em 02/12/2011 (cfr. pontos 12, 13 e 16 do probatório).

Tais factos resultam dos documentos juntos aos autos, designadamente da nota demonstrativa da liquidação do IRS do ano de 2007 junta pelo próprio impugnante como documento nº 1, dos documentos juntos ao processo administrativo referentes ao registo de expedição e ao registo dos CTT da entrega.

Mais se salienta que o Recorrido não logrou ilidir a presunção prevista nos artigos 45º, nº 6 da LGT e art. 39º, nº 1 do CPPT. Na verdade o Recorrido limitou-se a invocar que recebeu a notificação apenas a 4 de janeiro de 2012 sem que tenha feito prova desse facto.

Sobre a notificação através de carta registada e da prova da sua recepção destacamos o entendimento vertido no Acórdão do STA de 11/03/2015 no processo nº 4/2014:

Trata-se de questão, tem sido apreciada em vários arestos desta Secção do STA, (cfr., os acórdãos de 16/5/2012, proc. n.º 1181/11, de 27/6/2012, proc. n.º 966/11, de 29/5/2013, proc. n.º 472/13, de 1/10/ 2014, procs. n.ºs 603/13 e 1450/13, de 29/10/2014, proc. n.º 1619/13, de 5/11/2014, proc. n.º 0609/13, de 26/11/2014, proc. n.º 1056/13 e de 3/12/2014, proc. nº 1139/13), com a mais recente jurisprudência a firmar-se no sentido de que, tendo a AT o ónus de demonstrar que efectuou a notificação de forma correcta (cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais) e sendo certo que o recibo de aceitação e o recibo de entrega da carta registada pelos serviços postais, previstos nos n.ºs 2 e 4 do art. 28.º do Regulamento do Serviço Público de Correios, são documentos idóneos para provar que a carta foi registada, remetida e colocada ao alcance do destinatário. E que, de todo o modo, sempre se estará perante uma formalidade simplesmente probatória ou “ad probationem”, cuja falta pode ser substituída por outros meios de prova.
E na verdade assim é.
Por um lado, o registo informático dos mesmos dados de facto existente em entidades diferentes – o emissor (Administração Tributária) e o distribuidor da carta (CTT) – é uma circunstância concreta que, num sistema de livre apreciação das provas, ainda que limitado pelo principio da persuasão racional, justifica suficientemente que se dê como provado que o registo foi efectivamente realizado e, por outro lado, o registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo, uma presunção legal que se destina a facilitar a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando, presunção que, tendo por base o registo postal, só existe quando se prove que o registo foi efectuado.
No que aqui releva, exara-se no citado acórdão de 1/10/2014, proc. n.º 1450/13, o seguinte:
«Antes de mais, convém esclarecer que não se encontra em discussão no presente recurso que a notificação dos actos de liquidação que estão na origem da dívida exequenda tinha que ser efectuada por carta registada, em conformidade com o disposto no n.º 3 do art. 38.º do CPPT; nem se discute que, tal como ficou provado, a carta para notificação desses actos de liquidação foram recepcionados na sede da oponente. O que se discute é unicamente a questão de saber se o registo dessas cartas apenas pode ser provado pelo recibo da expedição da carta sob registo, emitido e entregue ao remetente pelos CTT, ou se pode, antes, ser comprovado por outros meios de prova, mais propriamente pelos registos informáticos da emissão, distribuição e entrega da correspondência existentes nos respectivos serviços. (…)
Tal questão foi já analisada e decidida no acórdão proferido pelo STA em 16 de Maio de 2012, no processo n.º 01181/11, […]
Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com ela concordarmos plenamente, pelo que nos limitaremos a reproduzir o que sobre a questão ficou dito no referido acórdão proferido no processo nº 01181/11:
“O procedimento de notificação por carta registada, regulado nos artigos 35.º a 39.º do CPPT e no artigo 28.º do Regulamento do Serviço Público de Correios (RSPC), aprovado pelo DL n.º 176/88 de 18/5, compreende os seguintes actos: (i) a emissão de uma carta, que incorpora a notificação do acto tributário, com a respectiva fundamentação (ii) o registo nos serviços postais, através da apresentação da carta em mão, mediante recibo; (iii) e a entrega no domicílio fiscal do respectivo destinatário, comprovada por recibo.
Em princípio, do ponto de vista formal, estes actos colocam a informação ao alcance do sujeito passivo, fazendo depender o respectivo conhecimento exclusivamente da sua vontade.
O «recibo de aceitação» e o «recibo de entrega» da carta registada pelos serviços postais, previstos nos n.ºs 2 e 4 do artigo 28.º do Regulamento do Serviço Público de Correios são documentos idóneos para provar que a carta foi remetida e colocada ao alcance do destinatário. Para a administração tributária é suficiente exibir o recibo da apresentação em mão da carta expedida sob registo, pois, não tendo sido devolvida a carta, o n.º 1 do artigo 39.º do CPPT presume que a notificação se efectuou no 3.º dia posterior ao registo. Porque a comunicação é efectuada através dos serviços postais, que podem levar algum tempo a colocar a carta em condições do destinatário ter possibilidade de conhecer a sua existência, através de uma regra de experiência (id quod plerumque accidit), a lei presume que a comunicação postal demora três dias posteriores ao registo, que se transfere para o 1.º dia útil, se o último dia não for dia útil.
Deste modo, o registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo. Trata-se pois de uma presunção legal destinada a facilitar à administração tributária a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando. Mas a «presunção» que tem por base o registo postal, não existe se o registo não for feito.».
O registo postal, com ou sem aviso de recepção, apenas se justifica por uma questão de segurança probatória. É uma formalidade que a lei prevê para melhor garantir a certeza jurídica da cognoscibilidade do acto notificado, evitando o risco de se invocar a falta de notificação. E resulta claramente do artigo 28.º do RSPC que a finalidade tida em vista ao se exigir o recibo foi apenas a de obter prova segura acerca do registo e não qualquer outra finalidade. Assim sendo, e aplicando o critério do n.º 2 do artigo 364.º do Código Civil, deve considerar-se o recibo do registo da carta como uma formalidade simplesmente probatória ou «ad probationem», cuja falta pode ser substituída por outros meios de prova.
Os outros meios de prova invocados pela administração tributária são os dados constantes do sistema electrónico de citações e notificações da DGCI e dos registos constantes do site dos CTT. Aqueles elementos, que constam dos autos, indicam a data em que foram emitidas as notificações relativas às liquidações a que nos vimos referindo e o número do registo postal dessas notificações a indicação de que foram recebidas e a data da recepção. Por sua vez, no registo dos CTT, cuja cópia consta do processo administrativo, também consta o número do registo, a data de envio e a data da aceitação do registo.
Do confronto entre os dois registos resula claro que as notificações das liquidações foram remetidas ao Recorrido através de registo postal.
A partir da prova do envio funciona a presunção do n.º 1 do artigo 39.º do CPPT, pertencendo ao destinatário o ónus de demonstrar que, apesar do registo, não chegou a receber as cartas pois que é verdade que a atribuição legal de certa relevância ao registo não dá certeza de que o seu destinatário as recebeu no prazo de três dias, havendo sempre o risco de as não ter recebido. E, como referimos, é por isso mesmo que o n.º 2 do artigo 39.º permite ao notificado ilidir aquela presunção «quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida», solicitando à administração tributária e ao tribunal que requeiram aos correios a informação sobre «a data efectiva da recepção» ou, como também se estabelece no art. 6.º do RSPC, qualquer outro «documento comprovativo» do destino que lhe foi dado.
Como se vê, os n.ºs 1.º e 2.º do artigo 39.º CPPT indicam claramente o efeito que a lei quer atribuir ao registo: trata-se de uma presunção juris tantum da demora que levará a fazer a comunicação postal (cfr. Ac do STA, de 2/3/2011, rec. n.º 0967/10). Se o registo da carta liberta a administração tributária do ónus de provar que a mesma ficou em condições de ser recebida pelo destinatário em três dias, este tem o ónus de provar que, na situação concreta, a recebeu posteriormente ou que nunca a recebeu, o que não se verificou nos autos.
Comprovado, pelos referidos meios de prova, o registo da carta para notificação dos actos de liquidação, há que presumir que o seu destinatário (Oponente) a recebeu nos três dias após esse registo, ficando, assim, com o ónus de provar que a não recebeu ou recebeu posteriormente, o que não logrou demonstrar. (citado acórdão de 1/10/2014, proc. n.º 1450/13).
Acresce que, como igualmente tem vindo a salientar a jurisprudência, nestas situações em que também está provado que a liquidação foi recepcionada na sede da Oponente - como é o caso – qualquer formalidade que não tivesse sido observado no cumprimento do acto sempre se degradaria em não essencial, por ter sido atingido o objectivo visado com a notificação: levar ao conhecimento do respectivo destinatário o teor do acto notificado, possibilitando-lhe o uso dos meios contenciosos e administrativos que a lei coloca ao seu dispor.”

Atenta a matéria de facto dos presentes autos bem como as normas jurídicas aplicáveis e tomando em consideração o entendimento jurisprudencial sobre a matéria acima transcrito, conclui-se que os recursos apresentados pela Fazenda Pública e pelo Ministério Púbico merecem provimento porquanto a notificação ao Recorrido da liquidação do IRS do ano de 2007 foi efectuada dentro do prazo de caducidade, pelo que a sentença, que assim não decidiu, deve ser revogada.

Importa agora conhecer, em substituição, dos demais fundamentos invocados pelo impugnante, cujo conhecimento ficou prejudicado pelo tribunal recorrido face à decisão proferida, a saber:

“ i) Nulidade da notificação para apresentação da declaração tributária de 8 de Setembro de 2011;
ii) Nulidade do pedido de apresentação do Anexo C;

Afirma-se desde já que não se verificam as alegadas nulidades do procedimento de liquidação do IRS.

O Recorrido encontrava-se enquadrado em sede de IRS no regime simplificado, contudo os serviços de inspeção detectaram que em dois períodos de tributação consecutivos (2005 e 2006) foi ultrapassado o limite de € 149.739,37 do volume de vendas, pelo que o Recorrido passou obrigatoriamente a ser sujeito ao regime geral de tributação nos termos dos nºs 2 e 6 do art. 28º do CIRS (cfr. pontos 1 e 2 do probatório).

Razão pela qual ao pretender submeter a declaração mod. 3 de IRS do ano de 2007 o sistema informático detectou e sinalizou “erro na declaração” tendo sido determinada para a sua regularização a entrega do anexo C (cfr. ponto 3 e 4 do probatório).

Dado que a situação não foi regularizada, a declaração submetida não produziu quaisquer efeitos como determina o art. 5º da Portaria nº 1214/2001 de 23 de Outubro e art. 7º, alínea d) da Portaria nº 159/2003 de 18 de Fevereiro.

Na sequência de acção inspectiva foi detectada a falta de entrega da declaração mod. 3 de IRS referente a 2007 (cfr. ponto 6 do probatório).

Razão pela qual o impugnante foi notificado em 08/9/2011, para apresentar a declaração de rendimentos referente a 2007, com a advertência de que em caso de não apresentação da declaração o rendimento coletável seria apurado com base nos elementos constantes do serviço (cfr. ponto 7 do probatório).

Destarte se conclui que a AT procedeu de acordo com as disposições legais aplicáveis à situação concreta e acima referidas, não se verificando as nulidades apontadas, improcedendo assim todos os fundamentos invocados pelo impugnante relativamente à liquidação de IRS de 2007.


V- DECISÃO


Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento aos recursos, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação judicial.

Custas a cargo do Recorrido.

Lisboa, 8 de Outubro de 2020

Luisa Soares
Cristina Flora
Tânia Meireles da Cunha