Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:128/22.6BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:10/12/2023
Relator:LINA COSTA
Descritores:INFORMAÇÃO NÃO PROCEDIMENTAL
DOCUMENTO ADMINISTRATIVO
RESTRIÇÕES AO ACESSO
RESERVA DA VIDA PRIVADA
Sumário:I. O direito à informação não procedimental, consagrado no artigo 268º, nº 2, da CRP e densificado no artigo 17º do CPA e na Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), aprovada pela Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto, de acesso aos documentos que constam dos arquivos das entidades públicas administrativas visa assegurar a transparência da respectiva actuação na prossecução do interesse público que por lei lhes está cometido;

II. Na acção administrativa prevista no artigo 104º do CPTA apenas cumpre ao juiz verificar se não foi dada satisfação integral a pedido/s formulado/s ao abrigo da informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, em observância do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 268º da CRP, especificado nos artigos 82º a 85º e 17º, respectivamente, do CPA e na LADA, e, atendendo ao caso concreto, se deve intimar no pedido ou julgar a acção improcedente (caso não se verifique qualquer questão prévia que obste ao conhecimento do mérito da pretensão);

III. Não tinha o tribunal recorrido que ter em consideração a alegação de que existe um extenso histórico de litigância entre a Recorrida e a Recorrente [por extravasar o âmbito da presente acção], o presente litígio se reveste de caracter persecutório, vexatório e está a ser usado para a prossecução de interesses pessoais daquela, para subverter as normas da concorrência nos procedimentos concursais em que são concorrentes [por falta de enquadramento nas restrições ao direito de acesso, previstas no artigo 17º do CPA e nos artigos 6º a 8º da LADA], em manifesta violação dos princípios constitucionais da legalidade, estado de direito e proporcionalidade, vertidos nos artigos 2º, 3º e 18º da CRP [por não especificada a violação destes princípios no âmbito do regime do direito à informação não procedimental];

IV. O conceito de documento administrativo, previsto no artigo 3º da LADA pressupõe a pré-existência deste na posse da entidade requerida e não documento a elaborar;

V. A informação referente à contratação de ROC, é susceptível de enquadramento nas subalíneas ii) e iii), da alínea a), do nº 1 do artigo 3º da LADA, pelo que o direito de acesso pode ser expresso pelo particular em requerimento ao abrigo do artigo 5º da mesma Lei, sem necessidade de enunciar qualquer interesse e, consequentemente, de juntar autorização escrita para o efeito, nos termos do invocado nº 6 do artigo 6º, idem;

VI. Se a entidade requerida entender que os concretos documentos que contêm a informação peticionada estão abrangidos por uma das restrições previstas na legislação aplicável, deve, no prazo de 10 dias, comunicar por escrito as razões da recusa, total ou parcial, do acesso ao documento, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 15º da LADA.

Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Subsecção Administrativo Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

M. – E. I., E.M., S.A., entidade requerida nos autos de acção de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões instaurados por S. – S. C., Lda., inconformada, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida em 12.4.2022, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que decidiu julgar procedentes os pedidos de acesso formulados pela requerente e, em consequência, intimou a entidade requerida a, no prazo de 10 dias, a emitir certidão dos correspondentes documentos administrativos, a existirem, com ressalva dos que se encontrem sujeitos a restrições ao direito de acesso, ou certidão negativa se não existirem tais documentos.

Nas respectivas alegações, a Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«A. O presente Recurso de Apelação, vem interposto da decisão proferida na data de 12.04.2022 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a intimação para prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões contra a ora Recorrente, no âmbito do processo n.º 128/22.6BESNT.
B. A sentença objeto do presente recurso condenou a Recorrente a dar satisfação integral aos pedidos formulados pela Autora S. S. C., Lda. (“Autora”).
C. A Recorrente não se conforma com o entendimento e decisão do Tribunal a quo.
D. A Recorrente entende, com o devido respeito, que a decisão proferida pelo Tribunal a quo padece de ilegalidade por erro na aplicação do direito, nomeadamente, por interpretar erroneamente os artigos 3.º e 6.º, nº 6 da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto (“LADA”) e por violação dos princípios constitucionalmente consagrados da legalidade, estado de direito e proporcionalidade, vertidos nos artigos 2.º, 3.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
E. Existe um extenso histórico de litigância entre a Recorrente e a Autora que antecede o presente litígio.
F. O presente litígio reveste-se de caráter persecutório e vexatório.
G. O direito de informação dos administrados não é absoluto pelo que carece de ser considerado no quadro do princípio da proporcionalidade e do conflito de direitos.
H. A Autora instrumentaliza o regime de acesso a documentos administrativos consagrado na LADA, bem como os princípios da administração aberta e da transparência consagrados na CRP aos seus interesses pessoais e com o propósito de subverter as mais basilares normas da concorrência.
I. A violação manifesta dos princípios constitucionais é suficiente para julgar totalmente improcedentes os pedidos da Autora e nesse sentido revogar a decisão do Tribunal a quo por manifestamente ilícita por efeitos da violação dos artigos 2.º, 3.º e 18.º da CRP.
J. No que diz respeito aos elementos requeridos relativamente ao procedimento de formação do contrato para aquisição de serviços de Revisores Oficiais de Contas, o conceito de documento administrativo vertido na alínea a), do nº 1 do artigo 3.º da LADA, impõe que os documentos aos quais se requer acesso sejam “documentos pré-constituídos ou materializados em poder da Administração.”
K. Entende a Recorrente que andou mal o Tribunal a quo quando se arredou do dever de fundamentação, omitindo quais os documentos/informações que a Recorrente estaria efetivamente vinculada a dispor por referência ao conceito de documento administrativo.
L. Em caso algum poderiam estar materializados, e nesse sentido não se consideram documentos administrativos, os elementos requeridos nas alíneas a.5 [5Desde 2014, a M. celebrou mais algum contrato de “Aquisição de serviços de Revisores Oficiais de Contas” com uma SROC ou outro tipo de empresa?”]., c6 [“6 “Em caso de resposta negativa, como foram prestados este tipo de serviços à M.?”] e 6.a7 [7 “A razão para a não publicação do contrato no portal dos contrato públicos, basegov.pt, dos contratos celebrados pela M.;”].
M. Pelo que quanto ao[sic] referidos, incorreu o Tribunal a quo em erro na aplicação do conceito de documento administrativo vertido no artigo 3.º da LADA, por não se tratar de “qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detida em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo seguinte, seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material”.
N. Quanto aos restantes elementos requeridos, não pode colher a argumentação esgrimida pelo Tribunal a quo, considerando que está em causa acesso a documentação/informação respeitante à relação jurídica estabelecida entre a Recorrente e o respetivo órgão de fiscalização.
O. O Tribunal a quo fez uma errónea interpretação e aplicação do direito no que respeito ao artigo 6.º, nº 6 da LADA.
P. O artigo 6.º, nº 6 da LADA dispõe que “Um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.”
Q. Constituem segredos sobre a vida interna de uma empresa aqueles “não são apropriáveis e não têm um valor de mercado. Não são passíveis de replicação, mas o seu conhecimento por terceiros pode acarretar prejuízos.”
R. Os documentos/informações a que o Tribunal a quo decidiu conceder acesso determinam o âmbito da relação jurídica entre a Recorrente e o órgão de fiscalização da mesma.
S. Está em causa acesso a informação intimamente ligada com a gestão interna da empresa, com o desempenho da função do órgão de fiscalização da Recorrente bem como das decisões da Assembleia Geral da mesma.
T. Informação/documentação que quanto ao acesso a terceiros merece ser restringida uma vez que diz respeito à gestão interna da Recorrente e aos métodos de organização e de decisão subjacentes à atuação dos órgãos da Recorrente.
U. Informação que, a ser dada a conhecer a terceiros, designadamente uma concorrente de mercado, é manifestamente suscetível de causar danos à Recorrente, bem como “gravemente afectar a respectiva capacidade ou interesse concorrencial”.
V. Conceder acesso à informação requerida pela Autora seria distorcer, acrescentamos, à revelia das normas da concorrência e da boa-fé, as regras de mercado uma vez que a Autora obteria informação privilegiada no que à estratégia processual de defesa da Recorrente diz respeito, desta forma impedindo o livre exercício da defesa da ora Recorrente que resultaria na obtenção de benefícios ilegítimos por parte da Autora.
W. A manutenção da decisão ora recorrida, resultaria na obtenção de benefícios ilegítimos por parte da Autora.
X. A Recorrente oportuna e tempestivamente invocou o regime previsto nº 6 do artigo 6.º do LADA e as razões pelas quais a documentação requerida respeita à vida interna da mesma.
Y. Trata-se de uma decisão que compete aos sócios da Recorrente, tomada em sede de Assembleia Geral de Sócios.
Z. Sendo que a eleição da entidade que deve desempenhar funções de órgão fiscal não se trata de uma simples contratação de serviços discricionária.
AA. A nomeação do órgão de fiscalização das sociedades anónimas deve resultar de uma deliberação do órgão máximo da sociedade e nessa medida caracteriza-se como um ato solene.
BB. A informação a que a Autora requereu acesso constitui um exemplo paradigmático do que deve ser considerado documentação/informação a respeito da vida interna da empresa e consequentemente sujeito ao regime restritivo contemplado no nº 6 do artigo 6.º da LADA.
CC. Assim, tratando-se sem espaço para dúvidas, de segredo da vida interna da empresa, resulta manifestamente da interpretação literal do nº 6 do artigo 6.º do LADA que caberia à Autora o ónus de demonstrar estar “munido de autorização escrita desta ou demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.”
DD. O Tribunal a quo fez uma aplicação errada do direito através de inversão metodológica nos termos da qual inverte o ónus da prova do interesse em aceder à informação requerida, distorcendo-o de forma a fazer pender sobre a ora Recorrente o ónus de provar que a Autora não tem um interesse ou direito que fundamente o acesso, à revelia dos pressupostos de aplicação presentes na norma sob análise.
EE. A Autora não logrou fazer prova de qualquer interesse, destarte, não preenchendo os pressupostos normativos de aplicação, outra solução não restará pela improcedência do pedido.
FF. Assim, incorreu o tribunal em erro de aplicação do direito e violação do princípio da legalidade e da proporcionalidade.
GG. A Autora estaria investida no ónus de fazer prova nos autos de que era titular de um direito ou interesse legalmente protegido para fundamentar o acesso aos documentos em causa.
HH. Não tendo logrado fazê-lo, incorreu o Tribunal a quo em erro na aplicação do direito e consequente violação do princípio da legalidade por efeitos de ter invertido o ónus da prova ao fazer uma interpretação do artigo 6.º, nº 6 da LADA incompatível com o elemento literal da disposição normativa.
II. Pelo que carece o Tribunal a quo de sustentação jurídica no que diz respeito a conceder acesso aos elementos requeridos.
JJ. Termos em que, no que diz respeito ao pedido de acesso a informação/documento relativos ao procedimento de formação do contrato para aquisição de serviços de Revisores Oficiais de Contas, deve a decisão ora recorrida ser revogada, com fundamento em violação dos princípios constitucionais da legalidade, estado de direito e proporcionalidade, vertidos nos artigos 2.º, 3.º e 18.º da CRP e substituída por outra que indefira integralmente o pedido de informação formulado pela Autora.».

Notificada para o efeito, a Recorrida contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
«a. A douta sentença recorrida fez correta aplicação e interpretação dos comandos legais aplicáveis à situação concreta estando, de resto, em conformidade com a jurisprudência proferida pelos diversos Tribunais em situações análogas devendo, pois, manter-se inalterada, dado que o entendimento aí vertido é o único conforme a lei e a jurisprudência, razão pela qual não assiste razão à Recorrente porquanto:
b. Atenta a natureza jurídica da Recorrente a mesma encontra-se abrangida pelo regime jurídico previsto na Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto (doravante LADA), facto, aliás, dado como assente na sentença recorrida e não recorrido pela mesma.
c. A faculdade de um sujeito privado pedir informações a uma entidade pública, como sucede in casu, decorre, desde logo, da Constituição e, depois, da Lei, não transformando com isso os privados em entidades persecutórias, nem eximindo as entidades que prosseguem o interesse público, como sucede, frise, no caso sub judice com a Recorrente, de cumprir regras de ordem constitucional e legal.
d. É em sintonia com os princípios da publicidade, transparência e da imparcialidade (que vigoram no nosso ordenamento jurídico) e visando a sua consagração no acesso à informação não procedimental que o n.º 1 do artigo 17.º do Código de Procedimento Administrativo estipula que [t]odas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo quando nenhum procedimento que lhes diga diretamente respeito esteja em curso, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal, ao sigilo fiscal e à privacidade das pessoas.
e. Na mesma senda resulta, também, expressamente consagrado nos artigos 2.º e 5.º da LADA que a regra é a do livre acesso aos documentos administrativos, entendendo-se por documento administrativo, para efeitos desta lei, [q]ualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detido em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo [4.º], seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material” [cf. alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º].
f. Previu, também, o legislador, é certo, determinados limites ao princípio da administração aberta, pelo que este princípio deve ser objeto de ponderação com outros valores constitucionalmente protegidos, cabendo ao órgão competente para autorizar o acesso apurar da necessidade, ou não, de o vedar ou lhe impor restrições – segundo critérios de razoabilidade e de proporcionalidade –, decorrentes da existência de informações nos documentos administrativos que sejam objeto de proteção, nos termos e para observância do regime do artigo 6.º da LADA.
g. Acresce que, sendo possível o expurgo de eventual matéria reservada, tudo o restante deverá ser comunicado, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 8, da LADA: [o]s documentos administrativos sujeitos a restrição de acesso são objeto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada. Por isso, a existir real razão de restrição de alguma informação (o que não se admite) deverá apenas essa ser ocultada, com a devida fundamentação, sendo o demais facultado.
h. No caso, estando provado que a Recorrente está obrigada a dar cumprimento ao disposto no artigo 17.º do CPA e artigo 2.º e 5.º da LADA, a mesma, para justificar o não acesso da Recorrida à informação não procedimental requerida, alega, mas sem provar, a existência de segredos comerciais e a desproporcionalidade desse pedido.
i. Todavia, como bem decidiu a sentença recorrida, os elementos solicitados pela Recorrida não contêm matéria sujeita a qualquer restrição, tratando-se apenas de acesso a elementos e informação decorrentes de procedimento administrativos de formação de contratos já findos.
j. Neste sentido, de forma clara e óbvia (como não podia deixar de ser) que a sentença recorrida qualificou a informação requerida como “documento Administrativo”.
k. Ademais, tenha-se em consideração que ao contrário do que alega a Recorrente, a documentação suprarreferida é documentação administrativa para os efeitos do artigo 3.º da LADA.
l. Alias, como decorre do disposto no artigo 43.º da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto, esta matéria deve ser, inclusivamente, fixada no sítio da internet da Recorrente.
m. Por fim, mas não menos importante, frise-se que, é à Recorrente (e não à Recorrida) que compete, primeiro no procedimento administrativo, por decorrência do artigo 14º, alínea c), da Lei n.º 46/2007, de 24/08, e depois no processo judicial, por aplicação dos artigos 264.º, n.º1, in fine, 490.º do CPC, 83.º do CPTA e 342.º, n.º, 2 do CC, alegar e provar quais eram as concretas matérias contidas nos documentos supra indicados que configuravam esses segredos (in douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, tirado no proc. n.º 2232/18.6BELSB, de 27.02.2020, disponível em www.dgsi.pt).».

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente, o processo vem à conferência da Subsecção Administrativo Comum para julgamento.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, no essencial, em saber se a sentença recorrida incorreu em erros de direito quanto (i) aos princípios constitucionalmente consagrados da legalidade, estado de direito e proporcionalidade, vertidos nos artigos 2º, 3º e 18º da CRP, (ii) à interpretação do conceito de documento administrativo vertido no artigo 3º da Lei nº 26/2016, de 22 de Agosto (LADA), e (iii) ao segredo sobre a vida interna da empresa e ao regime de restrição de acesso à informação previsto no artigo 6º, nº 6 da LADA, que determinaram que o pedido de intimação fosse julgado improcedente.

A sentença recorrida considerou, com interesse para a decisão da causa, provados os seguintes factos:
1 - A 21/01/2022, a requerente remeteu missiva à entidade requerida, solicitando, ao abrigo da Lei n.º26/2016, de 22 de Agosto, um conjunto de informações, relacionadas com a aquisição de serviços de Revisores Oficiais de Contas, com o seguinte teor (cfr. doc. 3 e 4, junto aos autos, com a PI);

Imagem: Original nos autos

Imagem: Original nos autos

2 - Até à presente data, a entidade requerida não respondeu ao pedido de informação apresentado pela Requerente – admitido por acordo das partes (cfr. artigo 19.º da petição inicial, não impugnado pela Entidade requerida).

Os factos provados assentam na análise crítica e perfunctória dos documentos juntos aos autos, conforme se indica em cada alínea do probatório.

Inexistem outros factos provados ou não provados com interesse para a decisão da causa.».

Apreciando o recurso,

(i) Da violação dos princípios constitucionais da legalidade, estado de direito e proporcionalidade

Alega a Recorrente, em suma, que: existe um histórico de litigância entre as partes do presente litígio, correndo várias acções de contencioso pré-contratual no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Beja e de intimação, como a presente, junto do TAF de Sintra, ilustrativas aquelas da relação de concorrência e incompatibilidade entre as mesmas, e estas do seu carácter persecutório e vexatório para si; não sendo o direito à informação absoluto, deveria o tribunal a quo ter considerado toda a factualidade subjacente à relação material controvertida, ponderando e hierarquizando os princípios em confronto - da administração aberta, publicidade e transparência com os da liberdade de iniciativa económica, concorrência e segredo profissional – para a justa composição do litígio, o que não fez, desconsiderando que a Recorrida instrumentaliza o regime da LADA e os princípios subjacentes ao direito de informação aos seus interesses pessoais, sem invocar qualquer direito ou interesse na informação peticionada, com o objectivo de subverter as normas da concorrência, pelo que a decisão recorrida descaracteriza os princípios da proporcionalidade, legalidade e boa-fé por ser conivente com a actuação da Recorrida, em manifesta violação dos artigos 2º, 3º e 18º da CRP.

Na sentença recorrida foi efectuado o seguinte enquadramento jurídico do direito à informação administrativa nas suas duas vertentes:
“Dispõe o artigo 268.°, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa que:
«1 - Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.
2 – Os cidadãos têm também direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna, à investigação criminal e à intimidade das pessoas».
No preceito do n.º 1 da referida disposição constitucional encontra previsão o direito à informação dos interessados num procedimento administrativo – o designado direito de informação procedimental, que pressupõe a qualidade de interessado directo num procedimento administrativo em curso.
Por sua vez, no n.º 2., encontra-se o princípio do arquivo aberto, ou o princípio da administração aberta, reportado ao direito de informação não procedimental, (…), e que pressupõe a inexistência de um procedimento administrativo.
São estes os dois planos do direito fundamental à informação administrativa – direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, de cujo regime beneficia nos termos dos artigos 17.º e 18.º da Constituição [cfr., neste sentido e por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Maio de 1996 (processo n.º 40120), disponível em www.dgsi.pt; Sérvulo Correia, “O Direito à Informação e os Direitos de Participação dos Particulares no Procedimento e, em especial, na Formação da Decisão Administrativa”, in Cadernos de Ciência de Legislação, n.º 9/10, Janeiro – Junho de 1994, p. 140].
Cada uma dessas vertentes do direito à informação está submetida a um regime jurídico próprio, desenvolvido para concretizar e conferir operatividade àqueles princípios constitucionais.
Assim e sem prejuízo da existência de regimes especiais, (i) enquanto o CPA estabelece o regime jurídico do acesso procedimental, à luz do n.º 1 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa, (ii) já a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (doravante, “LADA”), aprovada pela Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto − em transposição da Diretiva 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro, e da Diretiva 2003/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de novembro −, estabelece, à luz do n.º 2 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa, o regime do acesso a informação não procedimental.
A garantia contenciosa deste direito fundamental, na sua dupla vertente, é, em qualquer caso, assegurada pelo disposto no n.º 1 do artigo 104.º do CPTA, nos termos do qual, perante a falta de satisfação integral dos pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, o interessado pode requerer a intimação judicial da entidade administrativa competente [cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, 4.ª edição, 2017, p. 855].
Fazendo jus à tipificação das condutas capazes de satisfazer o direito à informação procedimental pelo legislador do CPA – a saber, a informação directa (n.º 2 do artigo 82.º), a consulta do processo (artigo 83.º) e a passagem de certidão, reprodução ou declaração autenticada de documentos (artigos 83.º e 84.º) –, o legislador do contencioso administrativo manteve esta tríade na conformação do meio jurisdicional, designando-o por «intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões».
A procedência do pedido de intimação judicial regulado nos artigos 104.º a 108.º do CPTA depende da verificação cumulativa de duas condições substantivas: (i) ter sido validamente formulado um pedido de informação, procedimental ou não, junto de uma entidade legalmente obrigada a prestar tais informações; e (ii) não ter sido dada integral satisfação a esse pedido por parte da autoridade administrativa competente.
(…)
A norma do artigo 17.º do Código do Procedimento Administrativo consagra o princípio da administração aberta, conferindo a «todas as pessoas […] o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo quando nenhum procedimento que lhes diga directamente respeito esteja em curso, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal, ao sigilo fiscal e à privacidade das pessoas». Pressupondo a vigência desse princípio, o artigo 5.º, n.º 1, da LADA, prevê que:
«Todos sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo».
E tanto é o que basta para que, à partida e contrariamente ao que pretende a Entidade requerida, o pedido de acesso a documentos administrativos formulado pela Requerente não tenha que ser acompanhado da invocação de qualquer direito ou interesse especificamente a tutelar por via desse acesso. Com efeito, qualquer pessoa tem direito de acesso aos «documentos administrativos», compreendendo designadamente a sua consulta e reprodução, sem que para tanto tenha que fundamentar esse seu interesse ou, sequer, invocar a existência de um qualquer interesse conexo com os registos ou documentos a que pretende aceder. Esta é uma decorrência dos princípios da transparência e da publicidade, inscritos no artigo 2.º, n.º 2, da LADA; a que a Entidade requerida está sujeita em atenção à sua natureza jurídica.
(…).” [sublinhados nossos].

Com efeito, o direito à informação, neste caso, não procedimental, de acesso aos documentos que constam dos arquivos das entidades públicas administrativas visa assegurar a transparência da respectiva actuação na prossecução do interesse público que por lei lhes está cometido. A saber, se do teor ou conteúdo desses documentos resulta evidenciado que agiram em observância das suas competências/atribuições e das normas legais, regulamentares, de natureza substantiva, procedimental, técnica, financeira, etc., que lhes são aplicáveis.
De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 2º da LADA, que aí consagra o princípio da administração aberta, o acesso à informação administrativa é assegurado pelos órgãos e entidades indicados no artigo 4º, com os demais princípios da actividade administrativa, designadamente os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da colaboração com os particulares.
E o direito [dos particulares] a esse acesso, por regra, pode ser exercido por toda e qualquer pessoa, bastando que o requeira, sem necessidade de indicar os motivos pessoais que lhe subjazem – não porque estes não existam [resulta da experiência comum que quando alguém pergunta alguma coisa, tem interesse em aceder à informação constante da resposta, ainda que tal interesse possa não ser evidente, perceptível para os demais], mas porque o legislador pretende que cada particular se sinta motivado a actuar como um “controlador” da actividade administrativa do órgão ou entidade a que dirigiu o seu pedido de informação.
De acordo com o disposto no artigo 17º do CPA só quando as informações não procedimentais se prendem com matérias relativas à segurança interna e externa do Estado, à investigação criminal, ao sigilo fiscal e à privacidade das pessoas, tal direito de acesso sofre restrições.
Estas e outras restrições encontram-se densificadas nos artigos 6º a 8º da LADA.
Na acção administrativa prevista no artigo 104º do CPTA apenas cumpre ao juiz verificar se não foi dada satisfação integral a pedido/s formulado/s ao abrigo da informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, em observância do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 268º da CRP, especificado nos artigos 82º a 85º e 17º, respectivamente, do CPA e na LADA, e, atendendo ao caso concreto, se deve intimar no pedido ou julgar a acção improcedente (caso não se verifique qualquer questão prévia que obste ao conhecimento do mérito da pretensão).
O mesmo é dizer que esta acção não é o meio processual próprio para apreciar e decidir, por exemplo, se os procedimentos pré-concursais e os contratos celebrados para aquisição de serviços de Revisores Oficiais de Contas [doravante ROC], deveriam, por força de lei, ter sido publicados no portal dos contratos públicos Basegov.pt, ou sequer se a Requerente/recorrida, com o pedido de informação sobre a razão porque tal publicação não ocorreu, apenas visa subverter as normas da concorrência aos seus interesses pessoais, mas tão só verificar se tal informação consta de documento administrativo na posse, em arquivo da Entidade requerida/recorrente e, se existe, se esta permitiu o acesso ao seu conteúdo, se não o fez, se apresentou justificação legal e aceitável para o efeito, se não existe [o documento], se informou a requerente em conformidade e/ou deve ser intimada a permitir o acesso pretendido.
Em face do que não pode proceder a alegação de que o tribunal recorrido errou ao não ter em consideração que existe um extenso histórico de litigância entre a Requerente/recorrida e a Recorrente [por extravasar o âmbito da presente acção], o presente litígio se reveste de caracter persecutório, vexatório e está a ser usado para a prossecução de interesses pessoais daquela, para subverter as normas da concorrência nos procedimentos concursais em que são concorrentes [por falta de enquadramento nas restrições ao direito de acesso, nos termos que resultam infra], em manifesta violação dos princípios constitucionais da legalidade, estado de direito e proporcionalidade, vertidos nos artigos 2º, 3º e 18º da CRP [por não especificada a violação destes princípios no âmbito do regime do direito à informação não procedimental, até porque a Recorrente é a entidade administrativa a quem foi dirigido o pedido de acesso e a quem cumpre velar pela sua observância no contacto com os particulares, nos termos do nº 1 do referido artigo 2º da LADA].

(ii) Da interpretação do conceito de documento administrativo vertido no artigo 3º da LADA

Alega a Recorrente, em suma, que: o tribunal recorrido intimou-a a prestar todas as informações solicitadas por qualquer delas integrar o conceito de documento administrativo; ao fazê-lo de forma genérica, incumpriu a sua obrigação de fundamentação sobre quais os documentos/informações que estaria efectivamente vinculada a dispor por referência a esse conceito; o disposto no artigo 3º da LADA pressupõe a existência de documento em formato materializável e consequentemente a disponibilizar; o que não se verifica designadamente nos pedidos sobre se celebrou mais algum contrato de aquisição de serviços de ROC, se não celebrou, como lhe foram prestados esse tipo de serviços e a razão da não publicação do contrato no portal dos contratos públicos.

Da sentença recorrida extrai-se a este propósito o seguinte:
“O acesso regulado pela LADA depende, porém, da qualificação do conteúdo a aceder como «documento administrativo». A esse propósito, dispõe o artigo 3.º, n.º 1, alínea a), da LADA que documento administrativo é:
«qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detida em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo seguinte [o artigo 4.º, que define o âmbito subjectivo de aplicação da LADA, nos termos atrás expostos], seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material, neles se incluindo, designadamente aqueles relativos a:
i) Procedimentos de emissão de atos e regulamentos administrativos;
ii) Procedimentos de contratação pública, incluindo os contratos celebrados;
iii) Gestão orçamental e financeira dos órgãos e entidades;
iv) Gestão de recursos humanos, nomeadamente os dos procedimentos de recrutamento, avaliação, exercício do poder disciplinar e quaisquer modificações das respetivas relações jurídicas».
A documentação/informação a que a Requerente pretende aceder respeita: a informação relacionada com a aquisição de Serviços de Revisores Oficiais de Contas, com uma SROC ou outro tipo de empresa, quais as empresas contratadas para a prestação de tais serviços e como foram prestados esses mesmos serviçios[sic], caso tal contratação não se tenha verificado.
Por outro lado, mais pretendem informação relacionada com os procedimentos pré-contratuais e respectivos contractos celebrados com essas mesmas empresas, mais solicitando informação sobre a falta publicação desse contrato no portal dos contratos públicos basegov.pt.
Atenta a natureza exemplificativa do elenco inscrito no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), da LADA, qualquer das informações cujo acesso foi requerido pela Requerente integra o conceito de «documento administrativo».
Aliás, concretiza-se, na sua maioria, a documentos relacionado com procedimentos de contratação pública, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), subalínea ii), da LADA, noutra parte à execução de contrato público, se existente.
Donde, não se verificando os pressupostos de aplicação de qualquer restrição legal de acesso, a Entidade requerida estará obrigada a permitir, nas suas várias formas, o acesso da Requerente a esta documentação[sublinhados nossos].

Do que resulta evidente que tribunal recorrido não decidiu de forma genérica que todos os elementos requeridos se qualificam como documentos administrativos, como alega a Recorrente, mas tão só que são enquadráveis na previsão da alínea a) do nº 1 do artigo 3º da LADA e o seu acesso deve ser permitido se tais documentos existirem.
Se não existirem, deve ser prestada informação em conformidade – no caso em apreciação o juiz a quo, decidiu que tal se traduz na emissão de certidão negativa, cfr. o dispositivo da sentença recorrida.
E o assim fundamentado e decidido está de acordo com o que dispõe o nº 1 do artigo 5º - mormente, que o direito de acesso à informação não procedimental compreende a informação sobre a existência (ou não) dos documentos administrativos requeridos – e o nº 6 do artigo 13º, da LADA - “A entidade requerida não tem o dever de criar ou adaptar documentos para satisfazer o pedido, nem a obrigação de fornecer extratos de documentos, caso isso envolva um esforço desproporcionado que ultrapasse a simples manipulação dos mesmos”.
Quanto aos pedidos formulados pela Recorrida sob a forma de pergunta, mormente nos pontos 4.a “Desde 2014, a M. celebrou mais algum contrato de “Aquisição de serviços de Revisores Oficiais de Contas” com uma SROC ou outro tipo de empresa?”, 4.c) “Em caso de resposta negativa, como foram prestados este tipo de serviços à M.?”] - e de explicação no 6.a. A razão para a não publicação do contrato no portal dos contrato públicos, basegov.pt, dos contratos celebrados pela M.;” - evidenciados pela Recorrente no recurso - poderão ser satisfeitos pela disponibilização do acesso a documentos referentes a contratos de aquisição de serviços de ROC, ou a outros cujo conteúdo total ou parcial permita perceber/saber como é que esses serviços foram prestados à Recorrente se esta não celebrou contratos de aquisição de serviços de ROC após 2014, e qual a razão para a não publicação do contrato no portal dos contratos públicos. Se essa documentação ou suporte que contenha a informação pretendida não existir, o direito à informação não procedimental é satisfeito na medida do possível, a saber, com informação ou certidão negativa prestada pela Recorrente à Recorrida.
Pelo que também não procede este fundamento do recurso.

(iii) Do segredo sobre a vida interna da empresa e o regime de restrição de acesso à informação previsto no artigo 6º, nº 6 da LADA

Alega a Recorrente, em suma, que: está em causa acesso a documentação/informação respeitante à relação jurídica estabelecida entre a si e o seu órgão de fiscalização pelo que, preenchendo o objectivo do nº 6 do artigo 6º da LADA, merece restrição ao direito de acesso; essa informação privilegiada a ser conhecida por uma concorrente de mercado que ademais é parte interessada na lide com interesses conflituantes os seus, é manifestamente susceptível de lhe causar danos no âmbito judicial, e de conceder benefícios ilegítimos à Recorrida; não tendo esta logrado demonstrar estar munida de autorização ou de um interesse legítimo para aceder a tais informações, o tribunal a quo inverteu o ónus da prova do interesse em aceder às mesmas; incorreu o tribunal em erro de aplicação do direito e violação do princípio da legalidade e da proporcionalidade.

Da fundamentação da sentença recorrida consta sobre esta matéria o seguinte:
“Contra a procedência do pedido de acesso da Requerente, a Entidade requerida invoca que a matéria em causa, respeita um documento respeitante a à vida interna da empresa, nos termos do conceito vertido no n.º6, do artigo 6.º da Lei n.º26/2016, de 22 de Agosto.
De acordo com essa disposição legal:
«6 - Um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação».
No entendimento da Entidade requerida, a documentação em causa respeita «à vida interna da empresa», nos termos e para os efeitos do citado preceito legal.
Como decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão de 16 de Junho de 2016 (extraído no processo n.º 13191/16 e disponível em www.dgsi.pt):
«A materialização do que se deve entender por segredo comercial, industrial ou sobre a vida interna de uma empresa deve ter em conta os seguintes parâmetros:
− O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos – de que a LADA constitui um desenvolvimento normativo – está consagrado no artigo 268º, nº 2 CRP, enquanto direito de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, sendo-lhe aplicável o regime próprio destes (cfr. artigos 17º e 18º da Constituição da República Portuguesa). Deste modo, uma vez que o segredo configura uma limitação ao exercício do direito de acesso, apenas nas situações em que esse segredo seja acolhido pela CRP, sob a forma de direitos ou interesses por esta reconhecidos, pode ter como consequência uma tal limitação (cfr. artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa);
− A restrição de acesso prevista no artigo 6.º, n.º 6 da LADA tem como pressuposto que os documentos sujeitos à mesma contenham informação secreta, uma vez que nem toda a informação comercial, industrial ou sobre a vida interna das empresas tem essa natureza. Por isso, qualquer interpretação diversa desta será contrária à lei, por colocar em causa o princípio da administração aberta e a sua aplicação a entidades empresariais públicas, a entidades no exercício de funções administrativas ou de poderes públicos e ainda a outras criadas para satisfazer, de modo específico, necessidades de interesse geral;
− A norma que protege o segredo tem como finalidade impedir que o exercício do direito de acesso aos documentos administrativos constitua uma maneira de colher, a coberto duma maior abertura dos arquivos da Administração, indicações estratégicas respeitantes a interesses fundamentais respeitantes a terceiros, distorcendo dessa forma as regras do mercado».
A propósito deste conceito, decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão de 9 de Maio de 2019 (extraído no processo n.º 882/18 e disponível em www.dgsi.pt) o seguinte:
«Em ordem a compreender o conteúdo das expressões normativas ‘segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa e seguindo a doutrina da especialidade, ‘(...) torna-se importante separar as duas principais componentes da noção, tal como fez a CADA no Parecer n.º 197/2010 [disponível em www.cada.pt]:
a) Segredos comerciais ou industriais (segredos de negócios) são as informações secretas, que por esse facto tenham valor comercial (actual ou potencial) e sejam objecto de medidas no sentido de as manter secretas [neste mesmo sentido, veja-se art.º 318.º do Código da Propriedade Industrial]
b) Os segredos da vida interna das empresas, em regra, não são apropriáveis e não têm um valor de mercado. Não são passíveis de replicação, mas o seu conhecimento por terceiros pode acarretar prejuízos (…) [citando Sérgio Pratas, A (nova) lei de acesso aos documentos administrativos, Almedina/2018, págs.76 a 78].
Em sentido conformativo próximo, ‘(...) o segredo económico é objectivo, ao contrário da vida interna das empresas, sendo isso o que os distingue. Ou seja, o segredo económico tem valor económico em si mesmo. Um método de fabrico, um modo especial de organização que não é do conhecimento comum, uma forma de proceder ou de funcionar que é sob o ponto de vista técnico nova ou pouco divulgada.
Já a vida interna das empresas pode ter valor económico, mas apenas e só na medida em que se refere a esta empresa concreta. A situação económica desta empresa concreta, o facto de esta empresa concreta ter adoptado este ou aquele modelo de organização, modelos em si, e em abstracto que podem ser mesmo banais, só não sendo público o facto de que uma empresa concreta adoptou este ou aquele modelo. (...) [citando Alexandre Brandão da Veiga, Acesso à informação da administração pública pelos particulares, CMVM, Almedina/2007, págs. 110-111]».
Ainda sobre este conceito, entende a CADA em sucessivos pareceres que «a vida interna da empresa reporta-se à forma como cada empresa, internamente, organiza, executa e planifica a sua atividade. Por exemplo, a situação contributiva face à segurança social e o fisco (a menos que, por lei, tenha que ser revelada), a escrituração comercial e a planificação de reestruturações internas [cfr. os Pareceres da CADA n.º 23/2013, de 15 de Janeiro, n.º 170/2013, de 18 de Junho, e n.º 226/2013, de 16 de Julho, disponíveis em www.cada.pt].
É justamente com base nestas coordenadas, que, em caso de recusa de acesso, cabia à Entidade requerida concretizar, ainda que de modo sintético, por que considera estarem em causa documentos referentes à sua «vida interna» nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 6, da LADA.
Sucede que, uma vez mais, a Entidade requerida limita-se a alegar, de forma genérica e conclusiva, que a documentação em causa respeita à sua «vida interna». E como resulta do disposto no artigo 15.º, n.º 1, alínea c), da LADA, o afastamento do livre acesso a qualquer «documento administrativo» depende da fundamentação das razões da recusa.
E, nesse contexto, é «exigível que a entidade requerida concretize, de forma fundamentada, quais são os documentos sujeitos a limitação de acesso. Nessa fundamentação não poderá, simplesmente, referir-se que o conhecimento dessa documentação por parte de um terceiro interfere com determinado tipo de valores. Haverá que indicar o “porquê” dessa decisão, apontando os motivos pelos quais tal revelação, se fosse feita, afectaria esses valores [cfr., neste sentido, Pareceres da CADA n.º 422/2018, de 23 de Outubro, n.º 267/2019, de 15 de Outubro, n.º 17/2021, de 20 de Janeiro, e n.º 305/2021, de 10 de Novembro, disponíveis em www.cada.pt].
Ora, a informação referente a informação se a requerida celebrou algum contrato à aquisição de serviços de revisores oficiais de contas, quais as empresas contratadas para o efeito, bem como, em caso de inexistência de contratação de tais serviços, a forma como foram prestados estes serviços à entidade requerida, tendo por base o que resulta dos seus estatutos e do CSC, é matéria de acesso público, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea a), subalínea ii), da LADA.
Não se vislumbrando sequer que esteja em causa documentos internos da empresa, mas sim informação sobre procedimento pré-contratuais e contratuais de aquisição de serviço, que ainda que tenham que ver com a “vida interna” da empresa, com eles não se confundem, sendo certo que ainda que estejam no âmbito do mercado em concorrência, a natureza pública da entidade requerida, implica a sua sujeição a um bloco de legalidade, mormente de princípios fundamentais administrativos, constitucionalmente previstos, designadamente o princípio da transparência.
E a mera invocação do regime de restrição de acesso à informação previsto no artigo 6.º, n.º 6, da LADA, sem explicar em que termos a divulgação das informações pretendidas pela Requerente afecta de forma grave/séria o interesse concorrencial e o segredo sobre a vida interna da empresa, não permite, sem mais, concluir que a divulgação da documentação possa gravemente afectar de forma juridicamente relevante a capacidade ou interesse concorrencial da Entidade requerida.
Por último, importa sublinhar que, ainda que algum segmento da documentação referente à gestão interna da empresa, respeite a segredo da «vida interna da empresa», a Entidade requerida não fica desobrigada de, no remanescente, conferir à Requerente o acesso à documentação requerida, bastando para tal expurgá-la, ocultando a informação efectivamente restringida (cfr. artigo 6.º, n.º 7, da LADA).” [sublinhados nossos].

E mais uma vez nenhuma razão assiste à Recorrente, porquanto o genericamente alegado na resposta apresentada na acção e reiterado no recurso – em suma: a informação pretendida pela Requerente/recorrida relaciona-se com a nomeação do órgão de fiscalização, eleito em Assembleia Geral de Sócios, cfr. artigo 415º do CSC, a deliberação correspondente não consubstancia uma simples contratação de serviços discricionária, caracterizando-se, antes como um acto solene, pelo que qualquer procedimento de contratação pública promovido para o efeito deve ser entendido como uma mera formalização da vontade dos accionistas no âmbito da Assembleia Geral, apresentando-se, por isso, como expoente máximo de um documento sobre a vida interna de uma empresa – não se afigura suficiente ou adequado para suportar o alegado segredo ou restrição ao direito de informação procedimental, constitucionalmente consagrado, bem como para infirmar as razões aduzidas pelo juiz a quo para suportar a decisão de intimação, objecto do recurso.
Com efeito, quer encarada na óptica da documentação relativa a procedimentos pré-concursais ou aos contratos celebrados, ou da gestão orçamental e financeira dos órgãos e entidades, a informação peticionada é enquadrável nas subalíneas ii) e iii) da alínea a) do nº 1 do artigo 3º da LADA, pelo que o direito de acesso pode ser expresso pelo particular em requerimento, como o que está em causa nos autos, ao abrigo do artigo 5º da mesma Lei, sem necessidade de enunciar qualquer interesse e, consequentemente, de juntar autorização escrita para o efeito, nos termos do invocado nº 6 do artigo 6º, idem.
Contudo, como também resulta da fundamentação da sentença recorrida, se a entidade requerida entender que os concretos documentos que contêm a informação peticionada estão abrangidos por uma das restrições previstas na legislação aplicável, deve, no prazo de 10 dias, comunicar por escrito as razões da recusa, total ou parcial, do acesso ao documento, bem como quais as garantias de recurso administrativo e contencioso de que dispõe o requerente contra essa decisão, nomeadamente a apresentação de queixa junto da CADA e a intimação judicial da entidade requerida - cfr. a referida alínea c) do nº 1 do artigo 15º.
O que a Entidade requerida/recorrente não fez nem antes nem depois de instaurada a presente acção de intimação.
Donde, não tendo observado o ónus procedimental de comunicação e processual de alegação, que sobre a Recorrente, enquanto entidade requerida, impende, quanto às razões concretas da pretendida recusa de acesso à informação não procedimental em referência, bem andou o juiz a quo ao considerar a mesma legalmente injustificada [não procedendo os invocados erro de julgamento quanto à inversão do ónus da prova, à aplicação do direito e à violação do princípio da legalidade e da proporcionalidade].
Apesar do que, entendeu esclarecer [último parágrafo da fundamentação reproduzido] que ainda que algum segmento da documentação referente à gestão interna da empresa, respeite a segredo da «vida interna da empresa», o acesso deve ser facultado, expurgando ou ocultando da documentação a parte que lhe respeita, com a devida justificação (cfr. artigo 6º, nº 7 da LADA).

Atendendo ao que não procede o presente recurso, devendo manter-se a sentença recorrida.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes da Subsecção Administrativo Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os respectivos fundamentos, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 12 de Outubro de 2023.

(Lina Costa – relatora)

(Catarina Vasconcelos)

(Ricardo Ferreira Leite)