Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1477/21.6 BELRA |
![]() | ![]() |
Secção: | CA |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 10/26/2023 |
![]() | ![]() |
Relator: | PAULA FERREIRINHA LOUREIRO |
![]() | ![]() |
Descritores: | ADMISSIBILIDADE ESPECIAL RECURSO PRETENSÃO INDEMNIZATÓRIA VIOLAÇÃO CASO JULGADO AMPLITUDE DO DIREITO AO CONTRADITÓRIO. |
![]() | ![]() |
Sumário: | I- Em face do valor do pedido sobre o qual recaiu a sentença agora impetrada- inferior ao valor da alçada da 1.ª instância-, o recurso não é admissível, por aplicação do disposto nos art.ºs 31.º, n.ºs 1 e 2, 32.º, n.ºs 1 e 7 e 142.º, n.º 1, todos do CPTA. II- Sucede, porém, que a legislação processual comporta diversas exceções aos limites inerentes ao valor da causa e da sucumbência para efeitos de admissão de recurso, concretamente, as elencadas diretamente no n.º 3 do art.º 142.º do CPTA, bem como as previstas no art.º 629.º, n.º 2 do CPC, atenta a remissão explícita do dito art.º 142.º, n.º 3 para a legislação processual civil. III- E, escrutinada a peça recursória da Recorrente, é forçoso concluir que a questão da violação do caso julgado foi invocada de modo claro e adequado, o que quer dizer que, indubitavelmente, o caso presente enxerta-se, precisamente, na situação de admissibilidade especial do recurso, prevista nos art.ºs 142.º, n.º 3 do CPTA e 629.º, n.º 2, al. a) do CPC. Pelo que, o recurso deve ser admitido. IV- Estando em causa uma situação de excecional admissibilidade do recurso, a amplitude do julgamento por banda do Tribunal ad quem está limitada e restringe-se ao escrutínio do fundamento da admissibilidade excecional do recurso, que, in casu, é a violação do caso julgado, nada mais devendo ser apreciado e julgado nesta sede. V- O exercício do direito ao contraditório determinado pelo Acórdão de 06/10/2022 deste Tribunal de Apelação tem como objeto, somente, os factos consubstanciados na «aprovação de novas peças procedimentais e à abertura de novo concurso limitado por prévia qualificação, tendo como objeto a celebração de contrato para Implementação de Novo Sistema de Informação para a Ordem dos Advogados», e respetivo enquadramento jurídico para efeitos da pretensão indemnizatória da Recorrente. VI- Assim, delineado o objeto do exercício ao direito do contraditório da Recorrente que foi determinado pelo Acórdão proferido por este Tribunal de Apelação em 06/10/2022, verifica-se que, após a baixa dos autos ao Tribunal a quo, a Recorrente foi, efetivamente, notificada do despacho prolatado em 09/11/2022, que ordenava a notificação das partes para exercerem o respetivo direito ao contraditório no que concerne à factualidade visada no Acórdão de 06/10/2022 deste Tribunal de Apelação, e apresentou requerimento em 21/11/2021 onde debate a factualidade em questão e realiza o respetivo enquadramento jurídico, culminando com a apresentação de prova documental e requerendo a produção de prova testemunhal. VII- Pelo que, em face do teor do Acórdão prolatado por este Tribunal de Apelação em 06/10/2022 e desta tramitação, não remanesce dúvida de que a Recorrente exerceu o respetivo direito ao contraditório. VIII- Ademais, o sobredito Aresto não impõe a produção de prova testemunhal, como até nem sequer impõe a produção de algum meio de prova específico, nem o exercício do contraditório por banda da Recorrente pode ter como fito introduzir nos autos factualidade nova relativamente a um pedido indemnizatório que foi formulado logo na petição inicial, e relativamente ao qual não ocorre qualquer alteração superveniente, pois que o dano sofrido pela Recorrente mantém-se o mesmo, e que é o prejuízo derivado do custo com a elaboração da primeira proposta apresentada ao procedimento concursal. IX- Por conseguinte, face ao pedido indemnizatório que vem formulado na petição inicial, não se descortina qualquer motivo ou necessidade para repetir a instrução já realizada nos autos quanto à matéria factual que suporta essa pretensão indemnizatória, uma vez que, tal matéria encontra-se já demonstrada. X- Destarte, a sentença agora recorrida, proferida pelo Tribunal a quo em 26/01/2023, não viola o caso julgado derivado do Acórdão promanado por este Tribunal Central Administrativo Sul em 06/10/2022. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Votação: | UNANIMIDADE |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Indicações Eventuais: | Subsecção de CONTRATOS PÚBLICOS |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO
A… – Ambiente e Sistemas de Informação Geográfica, SA (Recorrente) vem recorrer da sentença proferida em 26/01/2023 pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Leiria, que, na presente ação urgente de contencioso pré-contratual proposta contra a Ordem dos Advogados (Recorrida), julgou improcedente o pedido de condenação da Recorrida no pagamento de indemnização no valor de 3.571,16 Euros- destinado a ressarcir a Recorrente do prejuízo correspondente ao custo da retribuição dos colaboradores da autora com o tempo despendido com a preparação e elaboração da proposta- e, consequentemente, absolveu a Recorrida deste pedido. * Subidos os autos a este Tribunal, por despacho proferido em 14/07/2023, foi ordenada a notificação das partes e do Digno Magistrado do Ministério Público para emitir pronúncia quanto à possível rejeição do recurso, em virtude de o valor da ação ser bem inferior ao valor da alçada do Tribunal recorrido. Tendo as partes sido notificadas, ambas emitiram pronúncia. A Recorrente pugna pela admissão do recurso, fundamentando a sua posição na ocorrência de violação do caso julgado. Por seu turno, a Recorrida defende a rejeição do vertente recurso por o mesmo não cumprir o requisito descrito no art.º 142.º, n.º 1 do CPTA, atinente ao valor do processo, bem como por não ocorrer violação do caso julgado. O Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu parecer. Vejamos, então, se o recurso merece, ou não, a respetiva admissão. II. DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO Com relevo para apreciação da arguida questão interessa salientar que a Recorrente, autora na vertente ação de contencioso pré-contratual, veio peticionar a declaração de ilegalidade de algumas das disposições do Programa do Concurso e do Convite, bem como a condenação da agora Recorrida a aprovar novas peças do procedimento concursal e a retomar o mesmo procedimento. Finalmente, a Recorrente veio peticionar, também, a condenação da Recorrida a pagar-lhe uma indemnização no montante de 3.571,16 Euros, acrescidos de juros devidos desde o trânsito em julgado da decisão a ser proferida nestes autos até efetivo pagamento. Citada, a Recorrida contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação. Após, a Recorrente apresentou articulado ampliativo da instância, no qual peticionou, também, a anulação do ato de adjudicação entretanto praticado. E, a seguir, a mesma Recorrente apresentou resposta à matéria excetiva invocada pela Recorrida. E, finalmente, a Recorrida respondeu à pretensão ampliativa formulada pela Recorrida. Depois de várias vicissitudes processuais, foi admitida a ampliação da instância por despacho de 17/01/2022, bem como proferido despacho a diferir a instrução atinente ao pedido indemnizatório. E, na mesma data de 17/01/2022, foi proferido saneador sentença, que julgou improcedente a matéria excetiva arguida e anulou o ato de adjudicação, condenando ainda a Recorrida a aprovar novas peças do procedimento e a praticar os demais atos procedimentais subsequentes. Não tendo as partes interposto recurso jurisdicional, aquela decisão de mérito transitou em julgado. Assim, em despacho emitido em 11/02/2022, foi determinada a abertura da instrução para apuramento dos prejuízos invocados pela Recorrente, e ordenada a notificação das partes para procederem à alteração dos respetivos requerimentos probatórios. A Recorrente apresentou requerimento reiterando pretender ouvir quatro testemunhas quanto ao invocado nos pontos 88.º, 93.º e 95.º a 101.º da petição, bem como declarações de parte aos pontos 93.º e 95.º a 101.º da petição. A Recorrida também apresentou requerimento, mantendo a pretensão de produzir a prova já anteriormente requerida, ou seja, ouvir uma testemunha. Por despacho prolatado em 23/02/2022, foi integralmente admitida a produção de todos os meios de prova requeridos por ambas as partes. Em 27/04/2022, foi produzida a prova requerida pelas partes, concretamente, ouvidas as declarações de parte por banda da Recorrente, três das testemunhas arroladas pela Recorrente e a testemunha arrolada pela Recorrida. E, a final, as partes produziram oralmente as suas alegações. Em 09/05/2022 foi proferida sentença, que julgou totalmente improcedente o pedido indemnizatório formulado pela Recorrente. Inconformada, a ora Recorrente apresentou recurso, e a Recorrida ofereceu contra-alegações. Este Tribunal Central Administrativo Sul proferiu Acórdão em 06/10/2022, nos termos do qual o Coletivo decidiu: «acordam conceder provimento ao recurso e, em consequência, anulam a sentença recorrida e ordenam a baixa do processo ao Tribunal de 1ª. Instância para a efetivação do princípio do contraditório e dos termos processuais subsequentes». Remetidos os autos à Instância a quo, foi proferido despacho em 09/11/2022, que ordenou a notificação das partes para «exercerem o respectivo direito ao contraditório quanto à factualidade relativa à repetição do procedimento pré-contratual em discussão nos presentes autos- resultante do depoimento prestado em sede de audiência final pela testemunha J…. e, bem assim, dos documentos entretanto juntos aos autos pela Autora em 02/06/2022». Em 21/11/2022, a Recorrente apresentou requerimento, que conclui peticionando o que se segue: «a. Serem admitidos os dois documentos juntos pela Autora, em exercício do presente contraditório e nos termos do disposto no artigo 3.º/3 e do artigo 417.º do CPC; b. Ser determinada a produção de nova prova testemunhal, restrita aos factos supervenientes trazidos ao presente processo, para garantia do exercício do direito ao contraditório, na sua plenitude, previsto no artigo 3.º/3 do CPC, e para respeito pelo princípio da igualdade de armas previsto no artigo 4.º do CPC; e c. Por se encontrarem verificados os pressupostos da responsabilidade pré-contratual, previstos no n.º 2 do artigo 7.º do RRCEE, deve a Entidade Demandada ser condenada ao pagamento dos montantes peticionados, a título de responsabilidade civil extracontratual.» A Recorrida, na mesma data, também apresentou o seu requerimento. Em 01/12/2022, o Tribunal a quo proferiu despacho com, além do mais, o seguinte teor: «Admito os documentos juntos aos autos pela Autora em 21.11.2022, por se mostrarem os mesmos relevantes para o cabal esclarecimento dos termos em que está a ser levada a cabo a repetição do procedimento concursal em análise, em execução da sentença proferida nestes autos em 17.01.2022 (sendo que os documentos juntos pela Autora em 02.06.2022 já foram admitidos pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão datado de 06.10.2022). Por outro lado, considerando: - que em sede de audiência final, realizada em 27.04.2022, já teve a Autora oportunidade de produzir prova testemunhal quanto aos danos alegados em sede de petição inicial; - e que, bem assim, para a emissão de um juízo quanto aos termos da retoma do procedimento concursal aqui em causa bastará a análise dos elementos documentais juntos aos autos – não se devendo perder de vista a natureza eminentemente documental da prova das incidências de concursos como o presente, Indefiro a produção de nova prova testemunhal, conforme requerido pela Autora na respectiva resposta de 21.11.2022. (…) Dada a produção de prova (documental) já após a realização de audiência final e não incumbindo ora designar nova data para o efeito, atendendo ao despacho supra proferido, incumbe dar ainda cumprimento ao disposto no artigo 91.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aqui analogicamente aplicável. Por conseguinte, notifique as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas pelo prazo simultâneo de 20 dias (cf. ainda o artigo 102.º, n.º 5, alínea a) do CPTA).» A Recorrente e a Recorrida apresentaram alegações finais escritas. E, em 26/01/2023, foi proferida nova sentença, que também julgou o pedido indemnizatório formulado pela ora Recorrente totalmente improcedente. Inconformada, a Recorrente veio apresentar novo recurso jurisdicional. E a Recorrida contra-alegou. Espraiado o périplo processual que os autos percorreram até ao momento presente, importa averiguar se o presente recurso jurisdicional interposto pela Recorrente pode ser admitido. Ora, diga-se já que, em face do valor do pedido sobre o qual recaiu a sentença agora impetrada, o recurso não é admissível. Com efeito, o vertente recurso vem atacar a sentença prolatada em 26/01/2023, nos termos do qual, apenas e só, foi julgado totalmente improcedente o pedido indemnizatório formulado pela Recorrente. Refira-se, também, que o pedido indemnizatório respeita ao ressarcimento de danos que a Recorrente alega ter sofrido, e que totalizam a quantia global de 3.571,16 Euros. O que significa, inapelavelmente, que, por aplicação do disposto nos art.ºs 31.º, n.ºs 1 e 2, 32.º, n.ºs 1 e 7 e 142.º, n.º 1, todos do CPTA, o recurso não se apresenta admissível uma vez que o valor do pedido a que respeita a decisão judicial impetrada é de 3.571, 16 Euros, ou seja, é inferior ao valor da alçada do Tribunal Administrativo de Círculo (5.000,00 Euros) que proferiu a decisão a quo. Sucede, porém, que a legislação processual comporta diversas exceções aos limites inerentes ao valor da causa e da sucumbência para efeitos de admissão de recurso, concretamente, as elencadas diretamente no n.º 3 do art.º 142.º do CPTA, bem como as previstas no art.º 629.º, n.º 2 do CPC, atenta a remissão explícita do dito art.º 142.º, n.º 3 para a legislação processual civil (neste sentido, veja-se MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Tomo II, 4.ª edição, março 2020, Almedina, pp. 1089 a 1091). No caso que agora se aprecia, a Recorrente vem, precisamente, sustentar a admissibilidade do seu recurso, invocando para tanto que no mesmo foi alegada a violação do caso julgado. Ou seja, que a sentença agora impetrada desrespeita o julgado estabelecido neste litígio pelo Acórdão promanado por este Tribunal de Apelação em 06/10/2022, e nos termos do qual o Coletivo decidiu: «acordam conceder provimento ao recurso e, em consequência, anulam a sentença recorrida e ordenam a baixa do processo ao Tribunal de 1ª. Instância para a efetivação do princípio do contraditório e dos termos processuais subsequentes». Realmente, e como explica ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, junho 2018, Almedina, p.49), «independentemente do valor do processo ou do valor da sucumbência, é sempre admissível recurso nos diversos graus de jurisdição quando vise a impugnação de decisões relativamente às quais seja invocada pelo recorrente a ofensa do caso julgado formal ou material (arts. 620.º e 621.º)». Por conseguinte, «a admissibilidade especial do recurso esta condicionada aos seguintes pressupostos: (i) existência de uma decisão judicial a que seja imputada a ofensa do caso julgado (formal ou material); (ii) indiferença do valor da causa ou da sucumbência, bastando, portanto, que seja imputada à decisão recorrida a ofensa do caso julgado; e (iii) a invocação expressa ou ao menos implícita deste fundamento especial de recorribilidade no requerimento de interposição de recurso, facultando ao juiz os elementos que lhe permitam pronunciar-se de imediato sobre a sua admissibilidade» (ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, junho 2018, Almedina, p.51). Sendo assim, importa averiguar se a Recorrente invocou adequadamente, no seu recurso, a questão da violação do caso julgado por parte da sentença que vem atacar. E, escrutinada a peça recursória da Recorrente, é forçoso concluir que a questão da violação do caso julgado foi invocada de modo claro e adequado, como decorre das conclusões C, D, E, F, G, H, I, L, M, N, O, P, Q, R, S. T, U, V e W do recurso. O que quer dizer que, indubitavelmente, o caso presente enxerta-se, precisamente, na situação de admissibilidade especial do recurso, prevista nos art.ºs 142.º, n.º 3 do CPTA e 629.º, n.º 2, al. a) do CPC. Destarte, não resta outra alternativa que não a de admitir o recurso da Recorrente. III. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO No seu recurso, a Recorrente vem impetrar a sentença recorrida imputando-lhe nulidade processual, por violação dos princípios do contraditório e da igualdade de armas, nulidade decorrente da violação do caso julgado formado com a prolação, nestes autos, do anterior Acórdão deste Tribunal de 07/10/2022 e erro de julgamento, por incorreta aplicação ao caso versado do regime de responsabilidade pré-contratual. É certo que, examinado o petitório final da peça recursória, não se encontra formulado expressamente o pedido de declaração de nulidade da sentença por violação do caso julgado. No entanto, esta pretensão está claramente plasmada no elenco conclusivo, especificamente, na conclusão U, que se mostra ainda mais compreensível quanto à sua intencionalidade quanto conjugada com as conclusões C, D, E, F, G, H, I, L, M, N, O, P, Q, R, S. T, V e W do mesmo recurso. Pelo que, não resta qualquer dúvida de que este Tribunal de Apelação terá de enfrentar a sobredita questão da violação do caso julgado. É, contudo, de realçar que, não obstante a Recorrente ter içado diversas outras questões no sentido de demonstrar o desacerto da decisão recorrida, o conhecimento das mesmas já está vedado ao Tribunal. Realmente, estando em causa uma situação de excecional admissibilidade do recurso, a amplitude do julgamento por banda do Tribunal ad quem está limitada e restringe-se ao escrutínio do fundamento da admissibilidade excecional do recurso, que, in casu, é a violação do caso julgado. Inexiste, efetivamente, qualquer dúvida no tocante à restrição operada quanto ao objeto do recurso, destacando-se, a este propósito, as palavras de ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES (idem, p. 51), «a norma que amplia a recorribilidade apenas pode servir para confrontar o Tribunal Superior com a discussão da alegada ofensa do caso julgado, excluindo-se outras questões cuja impugnação fica submetida às regras gerais.» No mesmo sentido se pronunciam, aliás- e ainda que ao abrigo da versão anterior do CPC-, JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ARMINDO RIBEIRO MENDES (Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, setembro 2003, Coimbra Editora, p. 11), bem como LOPES DO REGO (Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, junho 2004, p. 569). E ainda mais clara é a Jurisprudência, que é longa e uniforme no sentido assinalado, como decorre, ilustrativamente, do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 06/05/2021, no processo 542/14.0T2STC-B.E1.S1, em que afirma perentoriamente que «tratando-se de recurso admitido ao abrigo da al. a) do nº 2 do art. 629º do CPC, por invocada ofensa do caso julgado, fica o respectivo objecto limitado a essa questão, que, excepcionalmente, permite o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, não sendo de conhecer de nulidades que não digam respeito a tal objecto». E do Acórdão proferido pela mesma Instância em 23/04/2020, no processo 405/06.3TBMNC-C.G1.S1: «I. Tendo o recurso sido interposto ao abrigo do fundamento especial previsto no artigo 629.º, n.º 2, al. a), do CPC (a ofensa do caso julgado), o objecto do recurso terá se se circunscrever à questão de saber se ocorre a alegada ofensa do caso julgado.» Quer tudo isto significar, portanto e revertendo ao caso posto, que o objeto do presente recurso circunscreve-se à questão de saber se ocorre a alegada ofensa do caso julgado, nada mais devendo ser apreciado e julgado nesta sede. IV. APRECIAÇÃO DO RECURSO QUANTO À VIOLAÇÃO DO CASO JULGADO A Recorrente imputa à sentença agora recorrida- a proferida em 26/01/2023- a violação do caso julgado, fundamentando-a no desrespeito do estipulado no Acórdão proferido por este Tribunal Central Administrativo Sul, prolatado neste processo em 06/102022. Com efeito, e como se explicou anteriormente, a Recorrente, autora na vertente ação de contencioso pré-contratual, veio peticionar a declaração de ilegalidade de algumas das disposições do Programa do Concurso e do Convite, bem como a condenação da agora Recorrida a aprovar novas peças do procedimento concursal e a retomar o mesmo procedimento. Ademais, a Recorrente peticionou também a anulação do ato de adjudicação e, finalmente, peticionou a condenação da Recorrida a pagar-lhe uma indemnização no montante de 3.571,16 Euros, acrescidos de juros devidos desde o trânsito em julgado da decisão a ser proferida nestes autos até efetivo pagamento. Em despacho de 17/01/2022, o Tribunal a quo determinou o diferimento da instrução atinente ao pedido indemnizatório. E, por saneador sentença emanado também em 17/01/2022, foi anulado o ato de adjudicação, condenada a Recorrida a aprovar novas peças do procedimento e a praticar os demais atos procedimentais subsequentes. Não tendo as partes interposto recurso jurisdicional, aquela decisão de mérito transitou em julgado. Por conseguinte, devendo os atos prosseguir para apreciação do mérito do pedido indemnizatório, foi ordenada e produzida a prova por declarações de parte, testemunhal e documental requerida pelas partes, nos termos requeridos pelas mesmas. Especificamente, a Recorrente requereu a audição de quatro testemunhas quanto ao invocado nos pontos 88.º, 93.º e 95.º a 101.º da petição, bem como declarações de parte aos pontos 93.º e 95.º a 101.º da petição. E a Recorrida requereu a audição de uma testemunha. Em 27/04/2022, foi produzida a prova requerida pelas partes, concretamente, ouvidas as declarações de parte por banda da Recorrente, três das testemunhas arroladas pela Recorrente e a testemunha arrolada pela Recorrida. E, a final, as partes produziram oralmente as suas alegações. Em 09/05/2022 foi proferida sentença, que julgou totalmente improcedente o pedido indemnizatório formulado pela Recorrente. Inconformada, a ora Recorrente apresentou recurso, tendo este Tribunal Central Administrativo Sul proferido Acórdão em 06/10/2022, nos termos do qual conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a baixa do processo ao Tribunal de 1ª. Instância para a efetivação do princípio do contraditório e dos termos processuais subsequentes. A fundamentação do decidido neste Aresto, na parte que releva em termos de facto e de direito foi a que se transcreve em seguida: «(…) 11) Para efeitos de participação no procedimento a que se referem os pontos anteriores, estiveram envolvidos na elaboração da proposta da Autora os seus colaboradores E.., S… C…, S…e R…– depoimentos das testemunhas S.., E…e Sara F….; 12) O número de horas despendido por cada um dos colaboradores da Autora com a elaboração da proposta foi registado pelos mesmos em sistema de registo de tarefas diárias em uso naquela empresa, deste se extraindo o registo de 85 horas por E…, 70 horas por S…, 20 horas por C…, 45 horas por S… e 10 horas por R….– depoimentos das testemunhas S…, E… e S… bem como documento junto aos autos pela Autora em 22.02.2022, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido; 13) O salário base mensal e isenção de horário de cada um dos colaboradores da Autora eram, entre Julho e Setembro de 2021, os seguintes: E…– 1.600,00 EUR; S…– 1.550,00 EUR; C…– 2.750,00 EUR; S…– 900,00 EUR; e R…– 900,00 EUR – docs. n.ºs 10 a 24 juntos com a petição inicial, para os quais se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidos; 14) Por decisão proferida nestes autos em 17.01.2022 foi julgada “procedente a presente ação (sem prejuízo do diferimento da apreciação do pedido relativo a pagamento da quantia de 3.571,16 EUR, a título de custos com a elaboração da proposta, nos termos do artigo 90.º, n.º 4 do CPTA) e, em consequência, anulo o ato de adjudicação impugnado e condeno a Entidade Demandada a, no prazo de 60 dias, aprovar novas peças do procedimento, sem reincidir nas ilegalidades detetadas e praticar todos os demais atos subsequentes legalmente previstos para a tramitação do procedimento précontratual em causa” – fls. 517-554 do suporte eletrónico dos autos, para as quais se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidas; 15) Na sequência da decisão a que se refere o ponto anterior, a Entidade Demandada procedeu à aprovação de novas peças procedimentais e à abertura de novo concurso limitado por prévia qualificação, tendo como objeto a celebração de contrato para Implementação de Novo Sistema de Informação para a Ordem dos Advogados – depoimento da testemunha J…. * Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados. * Motivação: A decisão da matéria de facto relevante para a decisão da causa efetuou-se com base na posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, bem como na análise crítica e conjugada dos documentos constantes dos autos, concretamente os juntos pelas partes e o processo administrativo junto aos autos, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, os quais dada a sua natureza e qualidade mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova. No que concerne à prova testemunhal produzida nos autos, de salientar que a mesma se assumiu como relevante para prova dos factos constantes dos pontos 11 e 12 do probatório, para o que contribuíram os depoimentos das testemunhas S… , E… e S…, todas elas trabalhadoras da Autora que tiveram intervenção direta na elaboração dos documentos necessários à participação desta no procedimento aqui em discussão – de onde lhes advém o conhecimento direto dos factos relativamente aos quais prestaram depoimento. As testemunhas identificadas prestaram depoimentos de forma espontânea e convincente, mais a mais corroborando-se mutuamente, tendo as mesmas identificado os colaboradores da Autora que tiveram intervenção na elaboração da candidatura e da proposta. Mais lograram descrever as tarefas que foram realizadas para esse efeito (salientando-se neste aspeto o depoimento da testemunha S…, a qual relatou de forma pormenorizada as atividades concretamente realizadas no contexto da participação no procedimento em crise nos autos). As testemunhas da Autora relataram ainda de forma credível e coincidente que o respetivo trabalho diário é registado em sistema interno em uso na empresa, ao que acresce que, pese embora não conseguissem concretizar o número de horas despendido com a elaboração dos documentos para concurso, confirmaram a credibilidade dos números que lhes foram transmitidos como constando do registo diário. Motivo pelo qual concluiu o Tribunal pela credibilidade da matéria a que se reporta o ponto 12 do probatório, conjugando o teor dos documentos ali identificados com os depoimentos das testemunhas da Autora. Por fim, quanto à matéria constante do ponto 15 do probatório, a respetiva fixação decorreu da circunstância de tais factos terem decorrido da instrução da causa, concretamente atento o teor do depoimento da testemunha da Entidade Demandada J…, em conjugação com o facto de estar em causa matéria do conhecimento geral. Com efeito, a testemunha identificada tem conhecimento direto da matéria relativamente à qual prestou depoimento, em virtude do exercício de funções como chefe de serviços do departamento de planeamento e controlo orçamental da Ordem dos Advogados, tendo esclarecido o Tribunal que, na sequência da decisão já proferida nestes autos, a Entidade Demandada procedeu à correção das peças referentes ao procedimento em discussão, tendo iniciado novo procedimento, o qual se encontra em curso. Tal matéria constitui, de resto, facto de conhecimento público, dada a publicitação do procedimento em causa em www.dre.pt, concretamente na 2.ª série do Diário da República de 08.04.2022, o que igualmente contribuiu para a convicção do Tribunal quanto a este ponto». De Direito Documentos juntos com as alegações de recurso. A autora, ora recorrente, juntamente com as alegações de recurso, apresentou as peças procedimentais do novo concurso e a sua candidatura ao mesmo (documentos nº 1 e nº 2). Avança como justificação para este momento de apresentação dos documentos o facto de o tribunal recorrido ter considerado factos supervenientes na sentença e a recorrente ter apresentado a sua candidatura ao novo procedimento após a prolação da sentença recorrida. Para a apreciação e decisão da presente questão prévia importa atentar no art 651º do CPC, que dispõe que: As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. Ou seja, a regra é a de que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância (v.g. quando a decisão proferida não era de todo expectável, tendo-se ancorado em factos supervenientes não alegados, pese embora essenciais, que julgou provados e ditaram um resultado com que a parte, justificadamente, não contava). Ora os documentos juntos aos autos pretendem fazer prova da retoma do procedimento concursal, das novas peças do procedimento e da nova proposta apresentada pela recorrente. Os documentos juntos pela recorrente são documentos supervenientes e inexistentes à data da entrada em juízo da presente ação e motivados pelo julgamento proferido em 1ª instância. Como dispõe o art 651º, nº 1 do CPC, a apresentação revelou-se necessária por virtude do julgamento proferido e aqui impugnado. Pelo exposto, decidindo, acorda-se em admitir os documentos juntos com as alegações de recurso. Nulidade da sentença – excesso de pronúncia – art 615º, nº 1, al d), 2ª parte do CPC - violação do princípio do contraditório previsto no art 3º, nº 3 do CPC. A recorrente aponta nulidade à sentença recorrida por o tribunal ter conhecido, em audiência final, factos essenciais não alegados previamente pela entidade demandada e serviu-se desses factos, para julgar improcedente o pedido de indemnização, sem ouvir a autora. O tribunal, alega a recorrente, concluiu que a entidade demandada havia sanado as ilegalidades praticadas no procedimento pré-contratual, mesmo sem constar da presente ação judicial os documentos respeitantes ao novo concurso público lançado pela Ordem dos Advogados. E mais concluiu que, com a reposição da legalidade do procedimento pré-contratual, deixavam de existir danos na esfera jurídica da autora reparáveis através de indemnização. Assim incorre a sentença em apreço em excesso de pronúncia ou, se assim não for entendido, em violação do princípio do contraditório previsto no art 3º, nº 3 do CPC. Dispõe o artigo 615º nº 1 alínea d) do CPC que é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. A nulidade da sentença por excesso de pronúncia está diretamente relacionada com o disposto no artigo 608º, nº 2, segunda parte e artigo 609º, nº 1 do CPC, de acordo com os quais, respetivamente, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo a sentença condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir. O limite à condenação na sentença, assim previsto no CPC, surge como corolário do princípio do dispositivo (cfr. artigos 5º nº 1 do CPC novo, correspondente ao artigo 264º nº 1 e 664º, 2ª parte, do CPC antigo) e visa impedir que o Tribunal se pronuncie para além daquilo que lhe foi pedido pelas partes quer em termos quantitativos quer qualitativos. De modo que limitado pelos pedidos das partes, seja em termos de ação, seja em termos de defesa, o juiz não pode, na sentença, deles extravasar, não podendo pronunciar-se sobre mais do que o que foi pedido ou sobre coisa diversas daquela que foi pedida. Assim, o objeto da sentença deve coincidir com o objeto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido (cfr Miguel Teixeira de Sousa, em «Estudos sobre o Novo Processo Civil», Lex, Lisboa, 1997, pág. 222 e segs, José Lebre de Freitas, «Código de Processo Civil Anotado», 2º Vol. Coimbra Editora, pág. 648). Na situação presente, a questão trazida a Tribunal e que foi conhecida na sentença recorrida consistiu em saber se se verificavam os pressupostos de responsabilidade civil extracontratual, por ilícito pré-contratual, invocados pela autora e se esta devia ser indemnizada a esse título pelos danos negativos ou por lesão da confiança alegados. O que demandou pronúncia judicial sobre a aplicação ao caso do disposto no art 7º, nº 2 da Lei nº 67/2007, de 31.12, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 31/2008, de 17.7. Concluindo o tribunal recorrido que, pese embora o ato de adjudicação impugnado neste processo seja objetivamente ilícito, o facto de, em cumprimento do julgado anulatório, a Entidade Demandada ter já retomado o procedimento concursal, aprovando novas peças e com isso repondo a legalidade (assim proporcionando à Autora a possibilidade de apresentação de proposta a este renovado procedimento e, simultaneamente, reintegrando a sua esfera jurídica), ocorreu a eliminação dos efeitos ilegais e ilícitos do ato anulado. Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, falhando um dos pressupostos legais dos quais depende a responsabilidade da Entidade Demandada que aqui a Autora pretende efetivar, improcede necessariamente o pedido indemnizatório deduzido. Considerando o objeto da ação e o objeto da sentença, sumariamente identificados, de facto, em nosso juízo, o tribunal decidiu a pretensão material da autora. Com efeito, lida atentamente a decisão judicial impugnada, proferida a 9.5.2022, temos que na mesma foi conhecida e julgada improcedente a pretensão da autora, de ser ressarcida pelo interesse contratual negativo (dano de confiança), na decorrência da anulação do ato de adjudicação do procedimento de contratação por concurso limitado por prévia qualificação, com a designação Implementação de novo Sistema de Informação para a Ordem dos Advogados CLPQ200/2021. Antes, por saneador sentença, de 17.1.2022, o Tribunal de 1ª instância apreciou parcialmente o mérito da causa, tendo concluído pela verificação das invalidades apontadas pela autora às peças do procedimento, a saber, o teor das alíneas a), b), c) e d) dos n.ºs 1 e 2 do Artigo IX do Convite, bem como das alíneas a), b), c) e d) dos n.ºs 1 e 2 do Artigo XXIII do Programa do Procedimento, por violarem o disposto nos artigos 75º, nº 1 e 3 e 139º, nº 4 do CCP, e os princípios da legalidade e da concorrência previstos no artigo 1.º-A do mesmo diploma. Tais circunstâncias geraram a invalidade do ato de adjudicação que procedeu à aplicação dessas mesmas regras procedimentais. Após o trânsito em julgado da decisão de 17.1.2022, o processo prosseguiu para conhecimento do pedido indemnizatório, com sujeição prévia a instrução. A sentença agora em apreço conheceu, como dissemos, a pretensão indemnizatória formulada pela autora, de condenação da demandada no pagamento de €: 3.571,16, correspondente ao custo da retribuição dos colaboradores da autora com o tempo despendido com a prestação e elaboração da proposta, e julgou-a improcedente, por falhar o pressuposto da ilicitude, mas fê-lo com fundamento em factos supervenientes referidos no depoimento da testemunha da entidade demandada Joana Mafalda Portela e, como motiva o Tribunal, publicados em Diário da República, 2ª série, de 8.4.2022, (Anúncio de procedimento n.º 4454/2022). A ponderação de factos essenciais, colhidos durante a instrução da causa, que não foram alegados pelas partes, maxime, pela parte a quem aproveitam, em articulado superveniente, não obsta a que o juiz deles possa conhecer, desde que tenham sido submetidos ao regime de contraditório e de prova durante a discussão da causa. Note-se que este entendimento não viola o princípio do dispositivo, enquanto trave mestra do processo civil e também do processo administrativo. Tal apenas pode não acontecer nos casos em que as partes não tiveram possibilidade de se pronunciar sobre os factos ou, tendo-o tido, se pronunciaram no sentido do seu não aproveitamento. In casu, A sentença recorrida deu efetivação ao disposto no art 611º, nº 1 do CPC, nos termos do qual: sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão. Assim, julgou provado o facto, nº 15, com o seguinte teor: «Na sequência da decisão a que se refere o ponto anterior [17.1.2022], a Entidade Demandada procedeu à aprovação de novas peças procedimentais e à abertura de novo concurso limitado por prévia qualificação, tendo como objeto a celebração de contrato para Implementação de Novo Sistema de Informação para a Ordem dos Advogados» – depoimento da testemunha Joana Mafalda Portela. Mas fê-lo sem que os factos provados no nº 15 do probatório, supervenientes à propositura da ação, tivessem sido alegados e documentados nos autos pelas partes, até ao encerramento da discussão, nos termos do disposto no art 86º, nº 1 ex vi art 102º, nº 1 do CPTA e, subsidiariamente, do art 588º do CPC. Compulsada a ata de audiência final, realizada a 27.4.2022, da mesma não se extrai que o tribunal recorrido tenha notificado a entidade demandada para cumprir o disposto no art 8º, nº 3 e 4 do CPTA, de molde a juntar aos autos os documentos respeitantes ao procedimento lançado em execução do julgado anulatório (de 17.1.2022) – como sejam as peças procedimentais, o anúncio de abertura do concurso, as candidaturas entretanto apresentadas. Também não foi ditado para a ata qualquer requerimento das partes. Do mesmo modo, da tramitação do processo não se retira que a autora tenha sido notificada para exercer o prévio contraditório quanto aos factos supervenientes. Antes resulta da audição da gravação da audiência final que a autora fez notar e insistiu que a testemunha J… estava a ser inquirida sobre factos supervenientes não alegados pela demandada. Ainda assim, como argumenta a recorrente, a decisão recorrida levou os factos ao probatório, no nº 15, e serviu-se desses factos para julgar o pedido indemnizatório da autora improcedente. Lê-se na sentença recorrida: … numa primeira aproximação ao que resulta dos autos, temos que, de facto, se verifica objetivamente a ilicitude do ato impugnado, dada a ilegalidade de várias disposições contidas nas peças procedimentais. Ademais, é inegável que a violação de princípios e normas procedimentais, como as desrespeitadas pelo procedimento subjacente aos autos, é suscetível de redundar na ofensa de direitos e interesses legalmente protegidos dos lesados, porquanto integra no seu âmbito de proteção não só a garantia do cumprimento dos princípios estruturantes da contratação pública, como, mais concretamente, os próprios interesses dos concorrentes na adjudicação das suas propostas. Pese embora tal princípio, certo é que in casu, na decorrência da anulação do ato impugnado pela Autora, a Entidade Demandada já retomou o procedimento, refazendo as peças procedimentais na sequência do julgado condenatório emitido por este Tribunal, pelo que devem retirar-se as devidas consequências de tal facto. Ora, compulsada a petição inicial apresentada pela Autora, esta pretende ser ressarcida pelo interesse contratual negativo (dano de confiança), correspondente aos danos que não teria sofrido caso a Entidade Demandada houvesse agido em conformidade com as regras e princípios regentes da contratação pública, ou seja, pelos prejuízos que suportou e que não teria suportado, não fossem as ilegalidades apontadas ao ato de adjudicação impugnado e às peças procedimentais (o que abrange, concretamente, os custos suportados com a elaboração da sua proposta). Visa, assim, o ressarcimento pelo interesse contratual negativo colocar o lesado na situação em que estaria não fosse a ilegalidade detetada e se não tivesse participado no procedimento concursal em crise, pelo que, não obstante tal interesse incluir, em tese, os danos/custos decorrentes da apresentação e elaboração de proposta, certo é que pressupõem que tais despesas tenham sido inúteis/infrutíferas. … não se vislumbram, nem foram alegados, prejuízos que subsistam após a retoma do procedimento e que apenas sejam reparáveis através de indemnização. … À semelhança da situação sobre a qual versava o citado aresto [ac do TCAS, de 21.4.2022, processo nº 1020/20] também no caso em apreço nada vem alegado pela Autora quanto à impossibilidade de aproveitamento do trabalho desenvolvido no ano de 2021 para efeitos do procedimento que aqui nos ocupa, nada se tendo igualmente apurado quanto à (des)necessidade de refazer as respetivas candidatura e proposta para efeitos de participação do novo procedimento já em curso [sublinhado nosso]. O tribunal recorrido, como evidencia a passagem que transcrevemos, considerou como factos determinantes da sentença a aprovação das novas peças procedimentais e a abertura de novo concurso limitado por prévia qualificação, julgando-os como factos extintivos do direito invocado pela autora. O tribunal julgou improcedente o pedido indemnizatório da autora com base em factos não alegados no processo, nem provados por documento (nomeadamente, as novas peças do procedimento – Convite e Programa do Procedimento – sem reincidirem nas ilegalidades que fundamentaram a anulação), e sobre os quais a autora não foi ouvida, mas carecia de se defender, como, contraditoriamente, acaba por assumir o tribunal recorrido. Pois só assim se percebe que na sentença se tenha afirmado que nem foram alegados prejuízos que subsistam após a retoma do procedimento e que apenas sejam reparáveis através de indemnização e, ainda, no caso em apreço nada vem alegado pela Autora quanto à impossibilidade de aproveitamento do trabalho desenvolvido no ano de 2021 para efeitos do procedimento que aqui nos ocupa, nada se tendo igualmente apurado quanto à (des)necessidade de refazer as respetivas candidatura e proposta para efeitos de participação do novo procedimento já em curso. O tribunal decidiu neste sentido mas não deu oportunidade à autora de, face aos factos supervenientes conhecidos durante a audiência final, alegar a impossibilidade de aproveitar o trabalho desenvolvido em 2021, para o procedimento que culminou com a anulação do ato de adjudicação, e, consequentemente, a necessidade de refazer as respetivas candidaturas e propostas para efeitos de participação do novo procedimento em curso. Ora, a retoma do procedimento pré-contratual, no curso da presente ação, releva para o conhecimento do mérito do pedido indemnizatório, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão. No entanto, nos termos do art 86º, nº 1 do CPTA, a apresentação de articulado superveniente é uma faculdade da parte a quem aproveita, que aqui seria a entidade demandada. Sucede que nem a entidade demandada, ora recorrida, nem a autora, ora recorrente, deduziram novos articulados além da petição inicial e da contestação na ação. Os factos levados ao nº 15 do probatório resultaram da instrução e da discussão da causa, do depoimento da testemunha J... Porém, a entidade demandada nada requereu no sentido de tais factos serem considerados no processo, nem documentou a respetiva prática. Nem o tribunal assegurou efetivamente o direito ao contraditório da autora, que não se dá por verificado com as contra-instâncias da testemunha da demandada, J…, e com as alegações orais dos mandatários das partes no final da audiência de julgamento. Nestas circunstâncias, face à fundamentação da sentença, a repetição do procedimento pré-contratual não podia ter sido atendida pelo tribunal a quo sem antes ser dada a oportunidade à autora de se pronunciar sobre a nova realidade fáctica ocorrida no curso da ação e que ditou o seu desfecho, julgando o pedido indemnizatório improcedente. A autora instaurou a presente ação em 21.10.2021. A entidade demandada contestou a ação a 22.11.2021. Os factos alegados na petição inicial e na contestação, lidos ambos os articulados, obviamente, nada referem sobre a repetição do procedimento após o trânsito em julgado da sentença anulatória e condenatória de 17.1.2022. Consequentemente, não tendo as partes alegado factos relativos à execução do caso julgado, porque inexistentes em 21.10.2021 e em 22.11.2021, não se concebe como podia a autora alegar e exercer o contraditório sobre matéria fáctica não alegada nem documentada no processo e conhecida em audiência final. Assim sendo, a situação dos autos é bem diversa da que foi julgada pelo TCAS no recente acórdão proferido, a 21.4.2022, no processo nº 1020/20.4BELRA, relatado pela ora 1ª Adjunta, Exma. Sra. Desembargadora Dra Lina Costa, sendo Adjunta, tal como neste, a Exma. Sra. Desembargadora Dra Catarina Vasconcelos. Nesse acórdão os factos supervenientes foram levados ao processo e nele documentados pela entidade demandada, antes da audiência final, e o Tribunal a quo concedeu prazo à autora para se pronunciar sobre a alegação superveniente. O que de todo ocorreu na presente ação, em que os factos supervenientes foram trazidos ao processo no dia 27.4.2022, pelo depoimento de uma testemunha, no decurso de audiência final. Razão pela qual a sentença em apreço constituiu uma surpresa quanto aos fundamentos e ao resultado, isto é, foi proferida sem que à autora tivesse sido dada possibilidade de se pronunciar sobre aqueles factos e respetivo enquadramento jurídico, em violação do princípio do contraditório. O princípio do contraditório é um elemento basilar do processo, essencial para a garantia da igualdade das partes. A obediência à audiência contraditória só pode ser preterida em casos excecionais, em que manifestamente se torna desnecessária a sua verificação. Fora desses casos, cumpre ao juiz garantir o contraditório das partes e só pode decidir após o cumprimento do direito ao contraditório (cfr art 3º, nº 3 do CPC). A inobservância do contraditório, sobre factos determinantes para a decisão da causa, gera nulidade da sentença. Entretanto, só após a garantia do exercício de tal direito pode o processo prosseguir os seus normais termos, com a instrução que se considerar ainda devida e subsequente decisão. Pelo exposto, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se procedente o recurso quanto à invocada nulidade, ficando prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos da apelação (cfr art 608, nº 2 do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA. Decisão Nestes termos, os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso e, em consequência, anulam a sentença recorrida e ordenam a baixa do processo ao Tribunal de 1ª. Instância para a efetivação do princípio do contraditório e dos termos processuais subsequentes.» Examinado detalhadamente o Aresto transcrito, proferido nestes autos por este Tribunal de Apelação em 06/10/2022, verifica-se que, em suma, após acolher a factualidade considerada como provada no Tribunal a quo- e, com relevo para o que interessa agora, os factos atinentes aos prejuízos clamados pela Recorrente-, este Tribunal admitiu a junção de documentos apresentados pela Recorrente com as alegações de recurso, documentos esses atinentes às peças procedimentais do novo concurso e a sua candidatura ao mesmo, por serem documentos supervenientes, referentes até a factos supervenientes ao momento da propositura da ação. Em seguida, o Aresto debruçou-se sobre a violação do princípio do contraditório e o excesso de pronúncia. Estava em causa, de acordo com a Recorrente, a circunstância de a então sentença recorrida ter considerado que a entidade demandada havia sanado as ilegalidades no procedimento, já no decurso destes autos, sem que, contudo, tivessem sido alegados factos ou carreados documentos atinentes a tal. E fê-lo sem, sequer, permitir o contraditório, conduzindo ao probatório, no ponto 15, facto derivado unicamente do depoimento da testemunha arrolada pela Recorrida, sem que tal matéria tenha sido, antecipadamente, debatida pela Recorrente. Aliás, essa factualidade veio a fundar a decisão de improcedência do pedido indemnizatório, por o Tribunal a quo ter entendido que, tendo sido reposta a legalidade através da elaboração de novas peças do procedimento e de apresentação de novas propostas, a Recorrente viu reintegrada a sua esfera jurídica por ter tido a oportunidade de apresentar nova proposta ao procedimento concursal. Ora, este Tribunal de Apelação reconheceu assistir razão à Recorrente, pois concluiu que a decisão de improcedência do pedido indemnizatório derivou da falta de um pressuposto da responsabilidade, asserção essa que se ancorou nos factos supervenientes referidos no depoimento da testemunha Joana Portela, arrolada pela Recorrida, concretamente, os factos que foram conduzidos ao ponto 15 do probatório reunido. Mais entendeu este Tribunal de Apelação que aqueles factos constantes do ponto 15 do probatório, eram supervenientes à propositura da ação, e não foram alegados nem documentados pelas partes até ao encerramento da discussão, razão pela qual, a Recorrente nunca pôde, quanto aos mesmos, exercer o seu direito ao contraditório. Daí que, este Tribunal de Apelação tenha alcançado a conclusão de que o Tribunal a quo julgou improcedente o pedido indemnizatório com base em factos não alegados no processo, nem provados por documento, e sobre os quais a Recorrente não foi ouvida, mas carecia de se defender: «O tribunal decidiu neste sentido mas não deu oportunidade à autora de, face aos factos supervenientes conhecidos durante a audiência final, alegar a impossibilidade de aproveitar o trabalho desenvolvido em 2021, para o procedimento que culminou com a anulação do ato de adjudicação, e, consequentemente, a necessidade de refazer as respetivas candidaturas e propostas para efeitos de participação do novo procedimento em curso.» Estabeleceu este Tribunal de Apelação que, «só após a garantia do exercício de tal direito pode o processo prosseguir os seus normais termos, com a instrução que se considerar ainda devida e subsequente decisão». Nesse seguimento, em sede de dispositivo, este Tribunal de Apelação anulou a sentença recorrida e determinou a baixa dos autos ao Tribunal a quo “para efetivação do princípio do contraditório e dos termos processuais subsequentes”. Ora, a análise do Acórdão proferido em 06/10/2022- e que a Recorrente invoca não ter sido cumprido nos seus termos conduzindo à violação do aí julgado- permite assentar, sem qualquer dificuldade, que o seu cumprimento concretizar-se-á com o exercício, por banda da Recorrente, do seu direito ao contraditório. E o objeto deste contraditório corresponde, naturalmente, aos factos, e inerentes implicações jurídicas, sobre os quais anteriormente não teve oportunidade para debater, e que, como especifica o Acórdão, são os factos conduzidos aos ponto 15 do probatório. A factualidade que foi conduzida ao dito ponto 15 é a seguinte: 15) Na sequência da decisão a que se refere o ponto anterior [refere-se à sentença que anulou o ato de adjudicação, determinou a aprovação de novas peças do procedimento e o prosseguimento subsequente da tramitação do procedimento pré-contratual], a Entidade Demandada procedeu à aprovação de novas peças procedimentais e à abertura de novo concurso limitado por prévia qualificação, tendo como objeto a celebração de contrato para Implementação de Novo Sistema de Informação para a Ordem dos Advogados – depoimento da testemunha Joana Mafalda Portela. O que quer dizer que, o exercício do direito ao contraditório determinado pelo Acórdão de 06/10/2022 deste Tribunal de Apelação tem como objeto, somente, os factos consubstanciados na «aprovação de novas peças procedimentais e à abertura de novo concurso limitado por prévia qualificação, tendo como objeto a celebração de contrato para Implementação de Novo Sistema de Informação para a Ordem dos Advogados», e respetivo enquadramento jurídico para efeitos da pretensão indemnizatória da Recorrente. Assim, delineado o objeto do exercício ao direito do contraditório da Recorrente que foi determinado pelo Acórdão proferido por este Tribunal de Apelação em 06/10/2022, importa apurar em seguida se o Tribunal a quo procedeu adequadamente, assegurando o efetivo exercício do direito da Recorrente. Como se expendeu em momento anterior, remetidos os autos à Instância a quo, foi proferido despacho em 09/11/2022, que ordenou a notificação das partes para «exercerem o respectivo direito ao contraditório quanto à factualidade relativa à repetição do procedimento pré-contratual em discussão nos presentes autos- resultante do depoimento prestado em sede de audiência final pela testemunha J… e, bem assim, dos documentos entretanto juntos aos autos pela Autora em 02/06/2022». Em 21/11/2022, a Recorrente apresentou requerimento, que conclui peticionando o que se segue: «a. Serem admitidos os dois documentos juntos pela Autora, em exercício do presente contraditório e nos termos do disposto no artigo 3.º/3 e do artigo 417.º do CPC; b. Ser determinada a produção de nova prova testemunhal, restrita aos factos supervenientes trazidos ao presente processo, para garantia do exercício do direito ao contraditório, na sua plenitude, previsto no artigo 3.º/3 do CPC, e para respeito pelo princípio da igualdade de armas previsto no artigo 4.º do CPC; e c. Por se encontrarem verificados os pressupostos da responsabilidade pré-contratual, previstos no n.º 2 do artigo 7.º do RRCEE, deve a Entidade Demandada ser condenada ao pagamento dos montantes peticionados, a título de responsabilidade civil extracontratual.» A Recorrida, na mesma data, também apresentou o seu requerimento. Em 01/12/2022, o Tribunal a quo proferiu despacho com, além do mais, o seguinte teor: «Admito os documentos juntos aos autos pela Autora em 21.11.2022, por se mostrarem os mesmos relevantes para o cabal esclarecimento dos termos em que está a ser levada a cabo a repetição do procedimento concursal em análise, em execução da sentença proferida nestes autos em 17.01.2022 (sendo que os documentos juntos pela Autora em 02.06.2022 já foram admitidos pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão datado de 06.10.2022). Por outro lado, considerando: - que em sede de audiência final, realizada em 27.04.2022, já teve a Autora oportunidade de produzir prova testemunhal quanto aos danos alegados em sede de petição inicial; - e que, bem assim, para a emissão de um juízo quanto aos termos da retoma do procedimento concursal aqui em causa bastará a análise dos elementos documentais juntos aos autos – não se devendo perder de vista a natureza eminentemente documental da prova das incidências de concursos como o presente, Indefiro a produção de nova prova testemunhal, conforme requerido pela Autora na respectiva resposta de 21.11.2022. (…) Dada a produção de prova (documental) já após a realização de audiência final e não incumbindo ora designar nova data para o efeito, atendendo ao despacho supra proferido, incumbe dar ainda cumprimento ao disposto no artigo 91.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aqui analogicamente aplicável. Por conseguinte, notifique as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas pelo prazo simultâneo de 20 dias (cf. ainda o artigo 102.º, n.º 5, alínea a) do CPTA).» A Recorrente e a Recorrida apresentaram alegações finais escritas. E, em 26/01/2023, foi proferida nova sentença, que também julgou o pedido indemnizatório formulado pela ora Recorrente totalmente improcedente. E inconformada, a Recorrente vem, de novo, impetrar esta decisão, assacando-lhe a violação do caso julgado. A fundamentação de facto e de direito da, na parte que releva, da sentença recorrida é a seguinte: «13) Para efeitos de participação no procedimento a que se referem os pontos anteriores, estiveram envolvidos na elaboração da proposta da Autora os seus colaboradores Elisabete Rodrigues, Sandra Loureiro, C…, S…e R…– depoimentos das testemunhas S…, E…e S…; 14) O número de horas despendido por cada um dos colaboradores da Autora com a elaboração da proposta foi registado pelos mesmos em sistema de registo de tarefas diárias em uso naquela empresa, deste se extraindo o registo, para esse efeito, de 31 horas por E…, 22 horas por S…, 16 horas por C…, 19 horas por S…e 3 horas por R…– depoimentos das testemunhas S…, E… e S…, bem como documento junto aos autos pela Autora em 22.02.2022, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido; 15) Os salários base mensais e isenção de horário de cada um dos colaboradores da Autora eram, entre Julho e Setembro de 2021, os seguintes: E…– 1.600,00 EUR; S…– 1.550,00 EUR; C….– 2.750,00 EUR; S…– 900,00 EUR; e R….– 900,00 EUR – docs. n.ºs 10 a 24 juntos com a petição inicial, para os quais se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidos; 16) Por decisão proferida nestes autos em 17.01.2022 foi julgada “procedente a presente acção (sem prejuízo do diferimento da apreciação do pedido relativo a pagamento da quantia de 3.571,16 EUR, a título de custos com a elaboração da proposta, nos termos do artigo 90.º, n.º 4 do CPTA) e, em consequência, anulo o acto de adjudicação impugnado e condeno a Entidade Demandada a, no prazo de 60 dias, aprovar novas peças do procedimento, sem reincidir nas ilegalidades detectadas e praticar todos os demais actos subsequentes legalmente previstos para a tramitação do procedimento pré-contratual em causa” – fls. 517-554 do suporte electrónico dos autos, para as quais se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidas; 17) Na sequência da decisão a que se refere o ponto anterior, por despacho do Bastonário da Ordem dos Advogados de 31.03.2022 foi determinada a abertura de novo concurso limitado por prévia qualificação, tendo como objecto a celebração de contrato para Implementação de Novo Sistema de Informação para a Ordem dos Advogados e ao qual foi atribuída a referência CLPQ108/OA/2022 – doc. n.º 1 junto aos autos em 02.06.2022, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido; 18) Do teor do programa do procedimento a que se refere o ponto anterior extrai-se, para além do mais, o seguinte: “(…) I - Identificação do Procedimento O presente procedimento tem por objeto a aquisição e implementação de novo sistema de informação para a Ordem dos Advogados, nos termos e com as condições definidas no Caderno de Encargos. (…) IV - Decisão de Contratar A decisão de contratar foi adotada pelo Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados, através de despacho de 31 de março de 2022, ao abrigo do disposto nos artigos 36.º n.º 1 e 38.º do CCP, e artigo 40.º, nº 1, alínea f) do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro. (…) XXII - Critério de Adjudicação 1. A adjudicação é efetuada segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa, na modalidade da melhor relação qualidade-preço, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 74.º do CCP, composto pelos seguintes fatores: a) Valor de custo de implementação do projeto (preço global); b) Valor de manutenção corretiva e preventiva através de blocos de 100 horas vinculativo por 24 meses (preço unitário por bloco); c) Prazo de execução do projeto, em dias, contados até go live, e em cumprimento do disposto nas especificações técnicas do Caderno de Encargos. d) Experiência da equipa a afetar ao projeto, que tem de ser composta por 1 consultor contratado com certificação comprovada em metodologia de gestão de projetos e com, pelo menos, 10 anos de experiência, e outros 5 consultores com, pelo menos 3 anos de experiência, todos com a experiência comprovada de ter participado no desenvolvimento e implementação de 5 sistemas de informação com as características definidas na alínea a) do n.º 1 do ponto XI do presente Programa. 2. A classificação final de cada proposta será obtida pela seguinte fórmula, em que se pode verificar a ponderação de cada fator: a) Valor de custo de implementação do projeto: PP(i) = P(i)x54% Ppi é o preço de implementação do projeto proposto PBase é o preço base previsto no Caderno de Encargos para a implementação do projeto PP(i) é a pontuação do concorrente neste critério b) Valor de manutenção corretiva e preventiva através de blocos de 100 horas vinculativo por 24 meses (preço unitário por bloco). Este suporte pode ser prestado, total ou parcialmente, nas instalações do Conselho Geral da Ordem dos Advogados: Bhp(i) é o preço do bloco de 100 horas proposto BhMáx é o preço máximo definido no Caderno de Encargos para o bloco de 100h BH(i) é a pontuação do concorrente neste critério c) Prazo de execução do projeto PE(i) = Pe(i) x 20% Pep(i) é o prazo de execução proposto PeMáx é o prazo de execução máximo previsto no Caderno de Encargos PE(i) é a pontuação do concorrente neste critério d) Equipa a afetar ao projeto: Gestor (G) – pontuação atribuída de 0 a 1 – experiência entre 10 anos (= 0) e 35 anos (=1) – 0,04 pontos por cada ano completo de experiência a partir da experiencia mínima (10 anos) Consultores (C) – pontuação atribuída de 0 a 1 – experiência entre 3 anos (=0) e 35 anos (=1) – 0,031250 por cada ano completo de experiência a partir da experiência mínima (3 anos) G = pontos atribuídos ao gestor x 6 C = pontos atribuídos a cada consultor x 3 EQ(i) = G1 + C1 + C2 + C3 + C4 + C5 EQ(i) é a pontuação do concorrente neste critério Classificação Final = PP(i) + BH(i) + PE(i) + EQ(i) A proposta vencedora é a que apresenta o valor superior. A pontuação será arredondada até à 6.ª casa decimal (…)” – doc. n.º 1 junto aos autos em 02.06.2022, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido; 19) A Autora apresentou candidatura no âmbito do procedimento a que se refere o ponto 17) –doc. n.º 2 junto aos autos em 02.06.2022, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido. * Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.* Motivação: A decisão da matéria de facto relevante para a decisão da causa efectuou-se com base na posição assumida pelas partes nos respectivos articulados, bem como na análise crítica e conjugada dos documentos constantes dos autos, concretamente os juntos pelas partes e o processo administrativo junto aos autos, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, os quais dada a sua natureza e qualidade mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova. No que concerne à prova testemunhal produzida nos autos, de salientar que a mesma se assumiu como relevante para prova dos factos constantes dos pontos 13 e 14 do probatório, para o que contribuíram os depoimentos das testemunhas S…, E….e S…, todas elas trabalhadoras da Autora que tiveram intervenção directa na elaboração da proposta para efeitos do procedimento aqui em discussão – de onde lhes advém o conhecimento directo dos factos relativamente aos quais prestaram depoimento. As testemunhas identificadas prestaram depoimentos de forma espontânea e convincente, mais a mais corroborando-se mutuamente, tendo as mesmas identificado os colaboradores da Autora que tiveram intervenção na elaboração da proposta. Mais lograram descrever as tarefas que foram realizadas para esse efeito (salientando-se neste aspecto o depoimento da testemunha S…, a qual relatou de forma pormenorizada as actividades concretamente realizadas no contexto da participação no procedimento em crise nos autos). As testemunhas da Autora relataram ainda de forma credível e coincidente que o respectivo trabalho diário é registado em sistema interno em uso na empresa, ao que acresce que, pese embora não conseguissem concretizar o número de horas despendido com o concurso aqui em causa, confirmaram a credibilidade dos números que lhes foram transmitidos como constando do registo diário. Motivo pelo qual concluiu o Tribunal pela credibilidade da matéria a que se reporta o ponto 14 do probatório, conjugando o teor dos documentos ali identificados com os depoimentos das testemunhas da Autora. Quanto ao demais, da prova testemunhal produzida nos autos nada mais resultou de relevante para a apreciação do pedido indemnizatório deduzido pela Autora. III.2. DIREITO (…) Na situação sub judice, a aqui Autora apresentou candidatura e, posteriormente, proposta no âmbito do procedimento de contratação por concurso limitado por prévia qualificação aberto pela Entidade Demandada em 12.07.2021, com a designação Implementação de novo Sistema de Informação para a Ordem dos Advogados – CLPQ200/AO/2021. Mais se verifica que, ainda na pendência daquele procedimento, a Autora viria a intentar a presente acção com vista à declaração de ilegalidade de disposições contidas no Programa do Procedimento e no Convite, com a consequente anulação da decisão de aprovação das peças do procedimento, tendo depois ampliado a instância à impugnação do acto de adjudicação que entretanto foi proferido. Constata-se ainda que, em 17.01.2022, este Tribunal apreciou parcialmente o mérito da causa, tendo concluído pela verificação das invalidades apontadas pela Autora às peças do procedimento, concretamente atento o teor das alíneas a), b), c) e d) dos n.ºs 1 e 2 do Artigo IX do Convite, bem como nas alíneas a), b), c) e d) dos n.ºs 1 e 2 do Artigo XXIII do Programa do Procedimento, disposições que se considerou violarem o disposto nos artigos 75.º, n.ºs 1 e 3 e 139.º, n.º 4 do Código dos Contratos Públicos, bem como os princípios da legalidade e da concorrência previstos no artigo 1.º-A do mesmo diploma. Tais circunstâncias geraram, portanto, a invalidade do acto de adjudicação que procedeu à aplicação dessas mesmas regras procedimentais. Consequentemente, o Tribunal julgou procedente o pedido de anulação do acto de adjudicação proferido no âmbito do concurso limitado por prévia qualificação aqui em análise, mais condenando a Entidade Demandada a aprovar novas peças do procedimento, sem reincidir nas ilegalidades detectadas e praticar todos os demais actos subsequentes legalmente previstos para a tramitação do procedimento pré-contratual em causa – julgado condenatório ao qual, diga-se, a Entidade Demandada já deu cumprimento, conforme decorre da factualidade apurada nos autos (cf. pontos 17 e 18 do probatório). Ora, numa primeira aproximação ao que resulta dos autos, temos que, de facto, se verifica objetivamente a ilicitude do acto de adjudicação impugnado, dada a ilegalidade de várias disposições contidas nas peças procedimentais. Ademais, é inegável que a violação de princípios e normas procedimentais, como as desrespeitadas pelo procedimento subjacente aos autos, é susceptível de redundar na ofensa de direitos e interesses legalmente protegidos dos lesados, porquanto integra no seu âmbito de protecção não só a garantia do cumprimento dos princípios estruturantes da contratação pública, como, mais concretamente, os próprios interesses dos concorrentes na adjudicação das suas propostas. Pese embora tal princípio, certo é que in casu, na decorrência da anulação do acto impugnado pela Autora, a Entidade Demandada já retomou o procedimento, refazendo as peças procedimentais na sequência do julgado anulatório e condenatório emitido por este Tribunal, pelo que devem retirar-se as devidas consequências de tal facto. Ora, compulsada a petição inicial apresentada pela Autora, esta pretende ser ressarcida pelo interesse contratual negativo (dano de confiança), correspondente aos danos que não teria sofrido caso a Entidade Demandada houvesse agido em conformidade com as regras e princípios regentes da contratação pública, ou seja, pelos prejuízos que suportou e que não teria suportado, não fossem as ilegalidades apontadas ao acto de adjudicação impugnado e às peças procedimentais (o que abrange, concretamente, atenta a sua alegação, os custos suportados com a elaboração da sua proposta). O ressarcimento pelo interesse contratual negativo visa colocar o lesado na situação em que estaria não fosse a ilegalidade detectada e se não tivesse participado no procedimento concursal em crise, pelo que, não obstante tal interesse incluir, em tese, os danos/custos decorrentes da apresentação e elaboração de proposta, certo é que pressupõem que tais despesas tenham sido inúteis/infrutíferas. Pois bem, no caso dos autos, temos que a Autora, após ter sido retomado o procedimento concursal, expurgado das ilegalidades de que padecia e que originariamente despoletou os danos que alega, apresentou nova candidatura no âmbito desse mesmo concurso, pelo que, como refere Esperança Mealha (ob. cit., pág. 108), “a repetição do ato, com a consequente reposição da legalidade, pode traduzir uma violação transitória de direitos ou interesses, cuja correção, com efeitos ex tunc, diminui ou mesmo elimina a possibilidade de gerar danos indemnizáveis”. Daqui resulta que, com a anulação do acto de adjudicação judicialmente determinada e, bem assim, com a aprovação de novas peças do procedimento e a retoma do mesmo, a Autora viu-se na mesma posição em que estaria não fossem as ilegalidades detectadas no concurso originário, tendo inclusivamente já apresentado candidatura no âmbito do novo concurso. Como refere a mesma autora a que nos vimos referindo (ob. cit., pág. 117), “a natureza urgente do processo de contencioso pré-contratual (artigos 101.º e 102.º), bem como a possibilidade de lhe associar pedidos cautelares, especificamente destinados a corrigir a ilegalidade ou a impedir que sejam causados outros danos aos interesses em presença (132.º), destina-se a procurar uma solução do litígio em tempo útil, preferencialmente e antes de concluído o procedimento adjudicatório e, no limite, antes de executado o contrato. O que significa que, em geral, a utilização destes recursos é a forma adequada de repor a legalidade e simultaneamente reintegrar a esfera jurídica do lesado. Sem prejuízo, haverá casos em que, ainda que se tivesse logrado eliminar os efeitos ilegais do ato, subsistiriam danos só reparáveis por via da indemnização (…)” – realce nosso. No caso dos autos, não só foi judicialmente determinada a anulação do acto de adjudicação e a repetição do concurso limitado por prévia qualificação, como foram já retiradas consequências de tal julgado pela Entidade Demandada, através da repetição do procedimento e, com isso, sendo retomada a legalidade. A esta luz, não se vislumbram prejuízos que subsistam após a retoma do procedimento e que apenas sejam reparáveis através de indemnização. Com efeito, “(…), a problemática em sede da responsabilidade civil pré-contratual do ressarcimento do interesse contratual positivo ou do interesse negativo apenas se coloca nos casos em que apesar do uso dos meios contenciosos o lesado não logrou obter ou assegurar a reconstituição da situação jurídica violada mercê da atribuição ao mesmo, mediante renovação do acto, „… da posição vantajosa a que este aspirava com a sua apresentação ao concurso …‟, cingindo-se assim tão-só „… às situações em que, não tendo havido lugar à reintegração da ordem jurídica violada ou ao pagamento de indemnização por inexecução, tenha vindo a ser intentada acção autónoma de indemnização com base em responsabilidade civil pré-contratual(…)‟” – realce nosso do acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA) Norte de 04.11.2011, proferido no Proc. n.º 00213/06.1BELLE, disponível em www.dgsi.pt. Por todos os motivos expostos e relembrando que, nas palavras de Esperança Mealha, não basta a existência de uma ilegalidade objectiva, pois exige-se também a ilicitude desse facto, ou seja, que dessa actuação anti-jurídica resulta a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos, concluímos que admitir que a Autora pudesse ser ressarcida pelos danos por si alegados redundaria num eventual enriquecimento injustificado, porquanto a eliminação com efeitos ex tunc das ilegalidades assacadas ao procedimento coloca a Autora na situação actual hipotética que, na verdade, coincide com a situação actual real (dada a repetição do procedimento). Conceder-lhe a indemnização pretendida significaria, na verdade, uma duplicação de efeitos – não só pela reposição da legalidade, como pelo pagamento de uma quantia indemnizatória com vista, justamente, a colocar a Autora na situação em que estaria não fosse a ilegalidade praticada, sendo de sublinhar que a reconstituição do procedimento expurgado das ilegalidades assacadas (situação actual hipotética) implica que sempre a Autora teria de suportar os custos correspondentes à elaboração da respectiva proposta. E nem se vislumbra, como pretende a Autora, que existam quaisquer danos temporários que cumpra ressarcir, na medida em que os prejuízos cujo ressarcimento vem peticionado são unicamente os correspondentes ao custo suportado com a elaboração da proposta, os quais não têm a virtualidade de produzir efeitos danosos de modo prolongado e/ou temporário. Cumpre ainda salientar que a posição aqui sustentada encontra-se suportada pelo decidido pelo TCA Sul em situação semelhante à que nos ocupa (cf. acórdão de 21.04.2022, proferido no âmbito do Proc. n.º 1020/20.4BELRA, disponível em www.dgsi.pt), no qual se concluiu o seguinte: “VI - A julgada ilegalidade das normas concursais e do acto que determinou a exclusão da proposta da Recorrente e a não adjudicação do procedimento, poderia fundamentar, verificados os pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual, a peticionada indemnização se o Recorrido não tivesse cumprido com o julgado; VII - Ao retomar o procedimento na fase inicial, com novas regras, o Recorrido repôs a legalidade, reconstituindo a situação legal hipotética que existiria se as normas ilegais e o acto anulado não tivessem existido na ordem jurídica, o mesmo é dizer que a respectiva anulação operou retroactivamente [com efeitos ex tunc], colocando a Recorrente na posição em que deveria ter estado se não fossem as ilegalidades apuradas, destruindo inclusive a situação de ilegalidade temporária ocorrida” – realce nosso. Mais a mais, urge salientar que, em sede de petição inicial, a Autora se limitou a alegar e concretizar o dano resultante do custo da retribuição dos colaboradores da Autora correspondente ao tempo despendido com a preparação e elaboração da proposta apresentada no procedimento de concurso público em causa nos autos, o qual computou no valor global de 3.571,16 EUR e peticionou a final (cf. artigos 96.º e 99.º a petição). Significa isto que, em bom rigor, a Autora não peticionou no seu articulado inicial danos inerentes ao custo com a elaboração da sua candidatura, motivo pelo qual se assumem como irrelevantes as considerações apresentadas posteriormente, no respectivo requerimento de 21.11.2022, quanto à impossibilidade de aproveitamento do trabalho realizado para efeitos de preparação e elaboração da sua candidatura – abstendo-se o Tribunal, por isso, de efectuar qualquer análise sobre esse aspecto. Por outro lado, não se vislumbram diferenças substanciais no critério de adjudicação e inerentes elementos que deverão constituir as propostas que impliquem a impossibilidade de aproveitamento do trabalho desenvolvido no ano de 2021 para efeitos de apresentação da proposta. De resto, julgamos ainda que a pretensão da Autora soçobra igualmente por não verificação do requisito do nexo de causalidade. Com efeito, em primeiro lugar, cumpre referir que, ao contrário do requisito da culpa, o nexo de causalidade não configura um pressuposto de verificação objetiva, dependendo de alegação e prova, não constituindo, de igual forma, um qualquer facto notório, pese embora se possa estabelecer um nexo de causalidade por força do funcionamento das presunções judiciais através dos factos conhecidos e provados nos autos (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30 de setembro de 2014, proferido no processo n.º 1415/07.9TCLRS.L1-1). Compulsada a petição inicial, o que se constata é que da mesma não resulta qualquer alegação factual ou jurídica sobre o pressuposto do nexo de causalidade. Todavia, ainda que o Tribunal lançasse mão da figura das presunções judiciais, a conclusão seria sempre a mesma, porquanto não resulta dos autos que os danos alegados pela Autora são causa das ilegalidades de que padecem os actos impugnados na presente acção e as peças procedimentais. Com efeito, resulta da factualidade apurada nos autos que a Autora intentou a presente acção já após a prolação de relatório preliminar da fase de apresentação das propostas do procedimento em discussão, sendo que em momento anterior à apresentação da sua proposta já estaria ciente das ilegalidades que viria a imputar às peças do procedimento. Veja-se, a este propósito, o pedido de esclarecimentos apresentado em 17.09.2021, momento no qual a Autora já salientava que “depois de o Programa de Procedimento ter exigido, em fase de qualificação, a apresentação de 3 declarações para que a OA garantisse que só se qualificavam empresas com a experiência necessária e adequada, os concorrentes têm de voltar a entregar, desta vez 10 declarações, para que possa ser avaliada, novamente, a sua experiência?”, assim revelando ter presente já nesse momento a invalidade inerente à avaliação da sua experiência para efeitos de aplicação do critério de adjudicação (cf. pontos 5 e 6 do probatório). Ora, no ordenamento jurídico português, no seio tanto da doutrina como da jurisprudência nacionais, vigora enquanto tese maioritária a tese da causalidade adequada, a qual, contudo, se encontra formulada em duas vertentes, correspondendo a primeira à vertente positiva, nos termos da qual só serão indemnizáveis os danos que se traduzam em consequências típicas do facto. No entanto, não foi esta formulação que vingou, mas antes a sua formulação negativa, a qual encontra consagração no artigo 563.º do CC, segundo o qual só existe obrigação de indemnizar em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, ou seja, «consagra este preceito a teoria da “causalidade adequada” ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”, sendo essencial que o “facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”[3]. Ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, que “a fórmula usada no artigo 563º deve, assim, interpretar-se no sentido de que não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz adequada desse efeito” – (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de março de 2019, proferido no processo n.º 2411/10.4TBVIS.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt). Nesta medida, apenas serão indemnizáveis os danos que se encontrem numa relação estreita de dependência e causalidade com o facto ilícito que os originou, na medida em que sem aquele facto não se teriam produzido e, aquele mesmo facto configura em abstrato a causa adequada da sua produção, ou seja, exige-se um nexo naturalístico e, bem assim, um nexo de adequação. Assim, para que se tenha por verificado o requisito do nexo de causalidade não basta a existência de um nexo naturalístico, ou seja, que os danos se traduzam numa consequência normal ou típica de determinado facto, mas, ainda que se mostrem como uma causa adequada daqueles danos, que haja, por conseguinte, um nexo de adequação, atentas as regras da experiência comum, apenas podendo ser desconsiderado o facto gerador do dano caso aquele se mostre desadequado à sua produção ou se apenas o tiver produzido por força de circunstâncias anormais ou imprevisíveis. Conforme se disse, a Autora revelou, ainda antes da apresentação da sua proposta, ter detectado pelo menos uma das ilegalidades posteriormente imputadas às peças do procedimento, o que significa que, pese embora tal invalidade, optou por apresentar proposta, aceitando assumir os riscos que tal opção implicaria. A esta luz e sempre sem prejuízo de nada vir alegado na petição inicial quanto ao nexo causal, não se pode afirmar que os danos alegados na petição pela Autora – os quais se circunscrevem apenas aos custos com a elaboração da proposta – decorrem de forma directa das ilegalidades de que padeciam as peças procedimentais, por se vislumbrar que a causa directa de tais danos foi a própria acção da Autora ao apresentar proposta, quando podia, antes mesmo de o fazer, ter colocado em crise a validade das estipulações procedimentais. Portanto, considerando que os danos cujo ressarcimento a Autora peticiona na petição inicial são os relativos aos custos com a elaboração da proposta – nada ali vindo alegado quanto a pretensos danos com a elaboração da candidatura ou à perda de oportunidade de concorrer a outros procedimentos, os quais, por não terem natureza superveniente, deveriam ter sido necessariamente peticionados no articulado inicial, o que a Autora não fez –, a mesma podia e devia ter-se abstido de apresentar proposta perante as invalidades das peças do procedimento que já havia detectado. Por todo o exposto, conclui-se que, pese embora o acto de adjudicação impugnado neste processo seja objectivamente ilícito, o facto de, em cumprimento do julgado anulatório, a Entidade Demandada ter já retomado o procedimento concursal, aprovando novas peças e com isso repondo a legalidade (assim proporcionando à Autora a possibilidade de apresentação de proposta a este renovado procedimento e, simultaneamente, reintegrando a sua esfera jurídica), ocorreu a eliminação dos efeitos ilegais e ilícitos do acto anulado – tendo a Autora, de resto, já apresentado candidatura no âmbito do procedimento ora em curso. Mais a mais, falha também o pressuposto do nexo de causalidade, de cuja verificação dependia igualmente a responsabilidade da Entidade Demandada que aqui a Autora pretende efectivar, motivos pelos quais improcede necessariamente o pedido indemnizatório deduzido. IV. DECISÃO Termos em que, pelos fundamentos expostos, julgo totalmente improcedente o pedido de condenação da Entidade Demandada no pagamento de indemnização, absolvendo a mesma de tal pedido.» Escrutinando a tramitação seguida nos presentes autos após terem sido remetidos ao Tribunal a quo, verifica-se que, efetivamente, a Recorrente foi notificada do despacho prolatado em 09/11/2022, que ordenava a notificação das partes para exercerem o respetivo direito ao contraditório no que concerne à factualidade visada no Acórdão de 06/10/2022 deste Tribunal de Apelação. E a Recorrente respondeu, apresentando requerimento em 21/11/2021 onde debate a factualidade em questão e realiza o respetivo enquadramento jurídico, culminando com a apresentação de prova documental e requerendo a produção de prova testemunhal. Sendo assim, em face desta tramitação, não remanesce dúvida de que a Recorrente teve oportunidade de expressar a sua posição relativamente ao factos a que se referiam o aludido ponto 15 do probatório da sentença proferida em 09/05/2022, e que concernem à aprovação de novas peças do procedimento, bem como ao prosseguimento da tramitação concursal e apresentação de propostas, incluindo a da Recorrente. Mais teve a Recorrente a oportunidade de expressar a sua argumentação em prol da indiferença da nova factualidade para efeitos de atribuição de indemnização decorrente dos prejuízos sofridos com a apresentação da proposta inicial, antes da reformulação das peças do procedimento. Sucede que a Recorrente clama que o cabal exercício do seu direito ao contraditório apenas seria garantido com a produção da prova testemunhal nos termos descritos no referido requerimento de 21/11/2021. E que tal necessidade decorre diretamente do citado Acórdão que este Tribunal de Apelação prolatou em 06/10/2022. Mas a verdade é que não tem razão. É que, não só o sobredito Aresto não impõe a produção de prova testemunhal, como até nem sequer impõe a produção de algum meio de prova específico. Depois, a factualidade a que respeita, e concretiza, o pedido indemnizatório, e que se encontra invocada nos pontos 93, 95, 96, 97, 98, 99, 100 e 101 da petição inicial, foi objeto de prova requerida pela Recorrente- declarações de parte e prova testemunhal- e foi dada, grosso modo, como provada, como decorre do exame dos pontos 11 a 15 do probatório da sentença proferida pelo Tribunal a quo em 09/05/2022, bem como dos pontos 13 a 15 do probatório da sentença agora sob recurso. Acresce que, o exercício do contraditório por banda da Recorrente não pode ter como fito introduzir nos autos factualidade nova relativamente a um pedido indemnizatório que foi formulado logo na petição inicial, e relativamente ao qual não ocorre qualquer alteração superveniente, pois que o dano sofrido pela Recorrente mantém-se o mesmo, e que é o prejuízo derivado do custo com a elaboração da primeira proposta apresentada ao procedimento concursal. Realmente, contrariamente ao que sustenta a Recorrente, o exercício do contraditório imposto por este Tribunal de Apelação não tem a ver com a impossibilidade de aproveitamento da primeira proposta, mas sim com a apresentação de novas peças do procedimento, expurgadas das ilegalidades identificadas, e com a subsequente apresentação de proposta por banda da Recorrente. A eventual diferença de propostas estará patenteada e acessível pela mera comparação de propostas. E, mesmo assim, tal só demonstrará, em termos fácticos e quando muito, que a Recorrente apresentou duas propostas diferentes no mesmo procedimento concursal. Pelo que, face ao pedido indemnizatório que vem formulado na petição inicial, não se descortina qualquer motivo ou necessidade para repetir a instrução já realizada nos autos quanto à matéria factual que suporta essa pretensão indemnizatória, uma vez que, tal matéria encontra-se já demonstrada. Ademais, a subsistência de diferença entre as primitivas peças do procedimento e as elaboradas na sequência da sentença proferida pelo Tribunal a quo em 17/01/2022, bem como de diferença de propostas, e à circunstância de a segunda proposta apresentada pela Recorrente ser eventualmente diferente da primeira, configura essencialmente um juízo conclusivo, que se suporta, em termos probatórios, no exame dos elementos documentais já juntos aos autos pela Recorrente e pela Recorrida. Sendo que, a extração de efeitos jurídicos daquela diferenciação de propostas é já questão materializadora da aplicação do direito, e que não é apta, nem carece, de qualquer atividade probatória. Deste modo, ponderando a fundamentação do Acórdão de 06/10/2022 deste Tribunal de Apelação, bem como a tramitação processual realizada nos autos após tal Acórdão, não se descortina qualquer coartação do direito de defesa da Recorrente. Aliás, o que dimana da sua impetração é, sim, a discordância com o julgamento do Tribunal a quo no que tange aos pressupostos da responsabilidade pré-contratual, mormente, quanto à apreciação da ilicitude e do nexo de causalidade, matéria em que aquele Tribunal valoriza a reposição concursal da legalidade, dai extraindo efeitos excludentes de responsabilidade civil da Recorrida. Contudo, esta discordância materializa a imputação de erro de julgamento, nada tendo a ver com a violação de caso jugado, nem com nulidade da sentença. Destarte, atento o exposto, é mister concluir que a sentença agora recorrida, proferida pelo Tribunal a quo em 26/01/2023, não viola o caso julgado derivado do Acórdão promanado por este Tribunal Central Administrativo Sul em 06/10/2022. V. DECISÃO Pelo exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos deste Tribunal Central Administrativo Sul em: I- Admitir o recurso quanto à invocação de violação do caso julgado, rejeitando-o quanto ao mais; II- Negar provimento ao recurso; e III- Confirmar a sentença recorrida. Custas a cargo da Recorrente. Lisboa, 26 de outubro de 2023,
____________________________ Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro- Relatora ____________________________ Catarina Gonçalves Jarmela ____________________________ Jorge Pelicano |