Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1477/21.6 BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:10/26/2023
Relator:PAULA FERREIRINHA LOUREIRO
Descritores:ADMISSIBILIDADE ESPECIAL RECURSO
PRETENSÃO INDEMNIZATÓRIA
VIOLAÇÃO CASO JULGADO
AMPLITUDE DO DIREITO AO CONTRADITÓRIO.
Sumário:I- Em face do valor do pedido sobre o qual recaiu a sentença agora impetrada- inferior ao valor da alçada da 1.ª instância-, o recurso não é admissível, por aplicação do disposto nos art.ºs 31.º, n.ºs 1 e 2, 32.º, n.ºs 1 e 7 e 142.º, n.º 1, todos do CPTA.
II- Sucede, porém, que a legislação processual comporta diversas exceções aos limites inerentes ao valor da causa e da sucumbência para efeitos de admissão de recurso, concretamente, as elencadas diretamente no n.º 3 do art.º 142.º do CPTA, bem como as previstas no art.º 629.º, n.º 2 do CPC, atenta a remissão explícita do dito art.º 142.º, n.º 3 para a legislação processual civil.
III- E, escrutinada a peça recursória da Recorrente, é forçoso concluir que a questão da violação do caso julgado foi invocada de modo claro e adequado, o que quer dizer que, indubitavelmente, o caso presente enxerta-se, precisamente, na situação de admissibilidade especial do recurso, prevista nos art.ºs 142.º, n.º 3 do CPTA e 629.º, n.º 2, al. a) do CPC. Pelo que, o recurso deve ser admitido.
IV- Estando em causa uma situação de excecional admissibilidade do recurso, a amplitude do julgamento por banda do Tribunal ad quem está limitada e restringe-se ao escrutínio do fundamento da admissibilidade excecional do recurso, que, in casu, é a violação do caso julgado, nada mais devendo ser apreciado e julgado nesta sede.
V- O exercício do direito ao contraditório determinado pelo Acórdão de 06/10/2022 deste Tribunal de Apelação tem como objeto, somente, os factos consubstanciados na «aprovação de novas peças procedimentais e à abertura de novo concurso limitado por prévia qualificação, tendo como objeto a celebração de contrato para Implementação de Novo Sistema de Informação para a Ordem dos Advogados», e respetivo enquadramento jurídico para efeitos da pretensão indemnizatória da Recorrente.
VI- Assim, delineado o objeto do exercício ao direito do contraditório da Recorrente que foi determinado pelo Acórdão proferido por este Tribunal de Apelação em 06/10/2022, verifica-se que, após a baixa dos autos ao Tribunal a quo, a Recorrente foi, efetivamente, notificada do despacho prolatado em 09/11/2022, que ordenava a notificação das partes para exercerem o respetivo direito ao contraditório no que concerne à factualidade visada no Acórdão de 06/10/2022 deste Tribunal de Apelação, e apresentou requerimento em 21/11/2021 onde debate a factualidade em questão e realiza o respetivo enquadramento jurídico, culminando com a apresentação de prova documental e requerendo a produção de prova testemunhal.
VII- Pelo que, em face do teor do Acórdão prolatado por este Tribunal de Apelação em 06/10/2022 e desta tramitação, não remanesce dúvida de que a Recorrente exerceu o respetivo direito ao contraditório.
VIII- Ademais, o sobredito Aresto não impõe a produção de prova testemunhal, como até nem sequer impõe a produção de algum meio de prova específico, nem o exercício do contraditório por banda da Recorrente pode ter como fito introduzir nos autos factualidade nova relativamente a um pedido indemnizatório que foi formulado logo na petição inicial, e relativamente ao qual não ocorre qualquer alteração superveniente, pois que o dano sofrido pela Recorrente mantém-se o mesmo, e que é o prejuízo derivado do custo com a elaboração da primeira proposta apresentada ao procedimento concursal.
IX- Por conseguinte, face ao pedido indemnizatório que vem formulado na petição inicial, não se descortina qualquer motivo ou necessidade para repetir a instrução já realizada nos autos quanto à matéria factual que suporta essa pretensão indemnizatória, uma vez que, tal matéria encontra-se já demonstrada.
X- Destarte, a sentença agora recorrida, proferida pelo Tribunal a quo em 26/01/2023, não viola o caso julgado derivado do Acórdão promanado por este Tribunal Central Administrativo Sul em 06/10/2022.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de CONTRATOS PÚBLICOS
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A… – Ambiente e Sistemas de Informação Geográfica, SA (Recorrente) vem recorrer da sentença proferida em 26/01/2023 pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Leiria, que, na presente ação urgente de contencioso pré-contratual proposta contra a Ordem dos Advogados (Recorrida), julgou improcedente o pedido de condenação da Recorrida no pagamento de indemnização no valor de 3.571,16 Euros- destinado a ressarcir a Recorrente do prejuízo correspondente ao custo da retribuição dos colaboradores da autora com o tempo despendido com a preparação e elaboração da proposta- e, consequentemente, absolveu a Recorrida deste pedido.

A Recorrente recorre da descrita decisão, culminando o seu recurso com as seguintes conclusões:
«Conclusões
A. A Recorrente discordando da sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou improcedente o pedido indemnizatório por si peticionado, vem dela agora interpor recurso.
B. A sentença do Tribunal a quo comporta erros de julgamento graves que determina, sem mais, a sua nulidade, nos termos dos artigos 195.º/2 e 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA.
C. Efetivamente, e apesar do Tribunal a quo ter notificado as partes para exercer o contraditório, apesar da Autora, aqui Recorrente, ter solicitado a produção de prova testemunhal relativamente aos factos supervenientes trazidos ao processo, o Tribunal a quo indeferiu “a produção de nova prova testemunhal, conforme requerido pela Autora na respectiva resposta de 21.11.2022”.
D. O mesmo é dizer que o Tribunal a quo em audiência no passado dia 27.04.2022 permitiu que as testemunhas da Entidade Demandada, aqui Recorrida, prestassem depoimento relativamente aos factos supervenientes invocados; mas veio, posteriormente, em despacho proferido a 02.12.2022, indeferir a produção de prova testemunhal por parte da Autora, aqui Recorrente.
E. Isso significa que o Tribunal a quo não só não cumpriu com o Acórdão proferido por este Douto Tribunal Central de 07.10.2022, como ainda violou o princípio do contraditório e o princípio da igualdade de armas entre as partes.
F. O que claramente atenta contra a garantia de uma tutela jurisdicional efetiva que deve ser assegurada à Recorrente, enquanto direito fundamental, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) bem como com o princípio da igualdade, também previsto no artigo 13.º da CRP.
G. Efetivamente, o Tribunal a quo, por sua própria decisão, só teve em consideração o depoimento das testemunhas da Entidade Demandada sobre os factos supervenientes alegados no processo; e subtraiu à Autora, aqui Recorrente, a possibilidade de as suas testemunhas também prestarem um depoimento completo sobre essa matéria.
H. Ainda para mais, importa referir, que esse depoimento não seria descabido de sentido – veja-se que as testemunhas da Autora, aqui Recorrente, tiveram intervenção direta nos dois procedimentos pré-contratuais em causa (o anulado e o “repetido”) e, por isso, poderiam certamente explicar o trabalho que desenvolveram em cada um dos procedimentos e de que maneira o trabalho feito no 1.º procedimento foi aproveitado (ou não, na verdade) no novo procedimento.
I. Assim, o Tribunal olvidou-se de ouvir as testemunhas com intervenção direta nesse processo; tendo apenas permitido à Entidade Demandada, aqui Recorrida, que as suas testemunhas pudessem depor sobre essa matéria.
J. E, por isso mesmo, foi aqui também violado o princípio da igualdade de armas, previsto no artigo 4.º do CPTA e 6.º do CPC.
K. A violação destes princípios justifica a nulidade da sentença, nos termos do artigo 195.º/2 do CPC.
L. Veja-se ainda: o Acórdão proferido em 07.10.2022 por este Douto Tribunal Central veio determinar que os autos baixassem à primeira instância precisamente para a Autora, aqui Recorrente, ter a oportunidade de “face aos factos supervenientes conhecidos durante a audiência final, alegar a impossibilidade de aproveitar o trabalho desenvolvido em 2021, para o procedimento que culminou com a anulação do ato de adjudicação, e, consequentemente, a necessidade de refazer as respetivas candidaturas e propostas para efeitos de participação do novo procedimento em curso”
M. E foi precisamente isso que a Recorrente fez (na medida do que lhe foi permitido pelo Tribunal a quo, pois, como também já se disse, esse tribunal impediu a Recorrente de apresentar prova testemunhal).
N. E, exercido esse contraditório, o que decide o Tribunal a quo fazer? Abster-se de analisar os danos invocados pela Recorrente.
O. E, apresenta um motivo justificativo para o fazer: a Recorrente não invocou esses danos na petição inicial!
P. Pergunta-se: tinha a Autora o dever de prever que a Entidade Demandada ia efetivamente ser condenada a anular o procedimento e a lançar um novo? E o dever de alegar, logo nessa altura, os eventuais danos que daí pudessem subsistir mesmo sem saber do desfecho de mérito da ação e em que moldes ia ser repetido o procedimento? A resposta só pode ser negativa, porquanto outro entendimento seria simplesmente desrazoável e demasiado oneroso para qualquer parte em qualquer processo.
Q. E precisamente por estarem em causa factos supervenientes, é que foi dada a oportunidade por este Tribunal Central Administrativo de ser exercido, a posteriori, o contraditório pelas partes.
R. Precisamente por isso, é que este Douto Tribunal Central permitiu que a Autora, aqui Recorrente, viesse nesta fase do processo justificar a necessidade que teve de refazer a sua candidatura e eventualmente a sua proposta.
S. Contudo, e apesar de ter demonstrado no seu requerimento assim como nas alegações escritas os danos gerados com a anulação do procedimento, à luz do determinado no Acórdão de 07.10.2022, o Tribunal simplesmente entendeu e afirmou diretamente que não os iria apreciar! E efetivamente não apreciou.
T. Ora, in casu, ao não apreciar os danos alegados pela Autora, aqui Recorrente, relativamente à sua candidatura, mormente o facto de não ter conseguido aproveitar os documentos produzidos no 1.º procedimento e de ter tido necessidade de os refazer para o 2.º procedimento, o Tribunal a quo absteve-se de apreciar os fundamentos convocados pela Recorrente, na enunciação da causa de pedir e, também, na verdade e em parte, o próprio pedido indemnizatório peticionado.
U. O que, salvo melhor opinião, incumpre claramente com o Acórdão proferido por este Douto Tribunal Central a 07.10.2022 e fere, na verdade, a sentença do vício de nulidade, nos termos da alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC: “1 -É nula a sentença quando: O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.
V. Por fim, acresce ainda referir que o Tribunal a quo entendeu, em despacho proferido a 02.12.2022, indeferir a produção de prova testemunhal porque, e cita-se, “bastará a análise dos elementos documentais juntos aos autos – não se devendo perder de vista a natureza eminentemente documental da prova das incidências de concursos como o presente”.
W. Contudo, e mais uma vez de forma contraditória com o que havia determinado em dezembro, acabou por se imiscuir da análise dos documentos apresentados pela aqui Recorrente, conforme ficou supra demonstrado
X. Por fim, diga-se ainda, que contrariamente ao que o Tribunal a quo concluiu, encontram-se verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º do RRCEE.
Y. Essa norma ao remeter para o direito da União Europeia implica que sejam respeitadas quer as normas quer a jurisprudência europeia. Ora, a jurisprudência do TJUE entende que, para verificação dos pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual do Estado, no âmbito da função administrativa e da contratação pública, têm de se preencher os seguintes requisitos: i) a norma do Direito da UE violada tenha por objeto conferir direitos aos particulares; ii) a violação dessa norma estar suficientemente caracterizada; e iii) existir nexo de causalidade direto entre a violação da norma e o dano sofrido pelos particulares.
Z. No fundo, a jurisprudência europeia acaba por abranger os tradicionais requisitos de responsabilidade civil, com exceção da culpa: i) a violação de normas corresponde à prática de factos ilícitos; ao que acrescem ii) os danos e iii) o nexo de causalidade entre as ilegalidades detetadas e esses danos.
AA. Quanto ao pressuposto da ilicitude, no caso em concreto, e no âmbito da responsabilidade pré-contratual, o facto ilícito irá então assentar numa violação de uma norma que pode “ser decorrente de princípios gerais aplicáveis no Direito da UE, como a transparência e a igualdade de tratamento, dos Tratados da UE ou do Direito da UE Derivado, constante das Diretivas da contratação pública, ou do regime nacional de transposição, constante do Código dos Contratos Públicos, bem como dos documentos administrativos conformadores do procedimento pré-contratual (o programa de concurso ou o caderno de encargos). Essencial é que essa norma tenha por objeto conferir direitos aos requerentes da indemnização”.
BB. Em suma: não há dúvidas de que, in casu, foram violadas normas que conferiam direitos à Autora, mormente os de poder concorrer em situação de concorrência leal, transparente, com efetiva possibilidade de adjudicação, por estarem previstos fatores de avaliação proporcionais, que lhe permitissem concorrer ao procedimento em condições de igualdade para com os restantes operadores económicos.
CC. Quanto ao requisito da culpa, no fundo e com a evolução da jurisprudência europeia, o TJUE veio afirmar e aceitar que a culpa está ínsita na ilegalidade cometida, havendo, então, no caso de responsabilidade decorrente da Diretiva Recursos, um total afastamento dos elementos subjetivos e objetivos que pudessem interessar para a verificação desse requisito.
DD. Verifica-se ainda um nexo de causalidade entre as ilegalidades presentes no procedimento e os danos sofridos pela Recorrente.
EE. Nos autos, os eventos lesivos que levaram à causa dos danos identificados na Petição Inicial, são as ilegalidades praticadas pela Entidade Demandada. É, por consequência, da anulação da decisão de revogar o procedimento e da declaração de ilegalidade das peças procedimentais que a Recorrente despendeu tempo, em vão, com a elaboração da sua proposta.
FF. Na verdade, e atendendo à teoria da causalidade adequada, aplicada pelo Tribunal a quo, pode dizer-se que:
a. o comportamento da Entidade Demandada não só foi causa do dano, como esta, de antemão, podia ter concebido que as práticas daqueles atos iriam produzir danos na esfera jurídica de terceiros – recorde-se, quanto a este ponto, que a Recorrente alertou em sede de audiência prévia a Entidade Demandada para as ilegalidades constantes do procedimento e, que, ainda assim, esta decidiu perpetrá-las; e, por outro prisma, que
b. as ilegalidades detetadas não se mostraram de todo em todo indiferentes para a verificação dos danos produzidos, muito menos podem ser consideradas anómalas, extraordinárias ou imprevisíveis da realidade conduziu ao resultado lesivo.
GG. No mais, nunca poderia vingar a tese de que os danos da Autora, aqui Recorrente, decorrem da apresentação da proposta e não da ilegalidade das peças.
HH. Consequentemente, a Autora nunca poderá ser prejudicada por ilegalidades praticadas por terceiros, não se podendo dizer que, apesar da existência de um ato que excluiu ilegalmente a sua proposta, os custos com a sua elaboração devam ser imputados à própria Recorrente – quando esta sim, é completamente alheia às ilegalidades cometidas pela Demandada.
II. Ademais, isso colocava os princípios que a tutela jurisdicional efetiva sempre deve assegurar, nomeadamente os princípios da efetividade e da equivalência– restringindo-a de tal forma que, nos poderíamos perguntar, afinal, qual seria a sua utilidade.
JJ. O Tribunal a quo vem ainda tentar justificar a não verificação dos requisitos da ilicitude e do nexo de causalidade tendo por base o facto de a Entidade Demandada ter sido condenada a repetir o ato e a aprovar novas peças procedimentais, expurgadas das referidas ilegalidades.
KK. O Tribunal a quo chegou a esse entendimento confundindo aquilo que são as pretensões à reposição da conformidade com aquilo que são as obrigações de indemnizar.
LL. Ora, assim sendo, é irrelevante se o ato de exclusão foi anulado, assim como o ato de não adjudicação ou as próprias peças procedimentais – essas consequências reportam-se ao pedido de tutela primária (de anulação de atos ou documentos conformadores) e não de tutela secundária (de remoção dos danos causados).
MM. E veja-se ainda que, ainda que se possa relevar o facto de já existir um novo procedimento, sempre se verificou uma situação de ilegalidade temporária, pelo que os danos sofridos pela Recorrente, durante esse período de tempo, sempre lhe devem ser ressarcidos.
NN. Precisamente por essa reposição da legalidade, não ter eliminado os danos produzidos temporariamente pelos atos ilícitos praticados pela Entidade Demandada, mais concretamente o tempo que os trabalhadores despenderam naquela proposta (e não noutras).
OO. In casu, a reconstituição natural não é possível verificar-se, pois não é possível repetir-se o tempo despendido pelos trabalhadores da Autora com este procedimento.
PP. O dano a indemnizar consiste nos custos em que a Autora incorreu para participar no procedimento em causa nos autos, o qual, por força da atuação ilícita da entidade demandada, veio culminar com a decisão de exclusão da sua proposta e de não adjudicação.
QQ. Por outro lado, o lançamento de um novo procedimento em nada altera as horas já perdidas pela equipa na elaboração da proposta no primeiro procedimento. De facto, os trabalhadores ao estarem alocados à elaboração dessa proposta, e a tentar criar uma proposta ganhadora, deixaram de concorrer a outros procedimentos. Acresce que, apesar de ter sido lançado um novo procedimento, esse procedimento era diferente do anterior (nem que seja pela remoção das ilegalidades) e sempre justificou nomeadamente a execução das mesmos tarefas inerentes a qualquer procedimento de elaboração de propostas: levantamento de oportunidades, descarregamento das peças procedimentais, elaboração de reuniões com vista, mormente, a decidir pela apresentação (ou não) da proposta, preparação da documentação exigida, recolha de assinaturas, realização de contactos, elaboração de memória descritiva, estudo dos critérios/requisitos exigidos. O que significa, no fundo, que se a Autora não for ressarcida pelos danos em que incorreu com a primeira proposta apresentado, terá elaborado essas mesmas tarefas supra elencadas em dobro – e, apenas, pelo facto das mesmas terem sido consideradas ilegais. Ou seja, se as peças do primeiro procedimento, outrora impugnado, não fossem ilegais, a Autora apenas teria feito o levamento das oportunidades, o descarregamento das peças, a realização de reuniões, a preparação da documentação, a recolha de assinaturas, o estudo dos critérios, a realização de contactos ou a elaboração da memória uma única vez. Contudo, e atentas as ilegalidades verificadas no primeiro procedimento, a Autora viu-se agora obrigada a repetir tudo outra vez, o que significa, na prática, que a Autora viu-se obrigada a disponibilizar os seus recursos, em dois momentos diferentes, para a elaboração da proposta a apresentar nestes procedimentos.
RR. No fundo e ao contrário do que o Tribunal concluiu, o tempo despendido com a elaboração da candidatura e proposta apresentadas no concurso já anulado, foi infrutífero e, na verdade, inútil.
SS. E, na verdade, na fase de candidatura, a Recorrente pôde aproveitar muito poucos documentos (certidão registo comercial, IES, alguns CV’s) ou seja, teve necessidade de voltar a fazer a maior parte deles, conforme ficou patente no exercício comparativo feito nestas alegações.
TT. E o mesmo sucede em relação à proposta a apresentar.
UU. Por fim, diga-se que uma interpretação como a seguida pelo Tribunal a quo levará a que a norma do artigo 7.º/2 do RRCEE seja letra morta. Não obstante, a existência desta norma leva a que se tenha necessariamente de considerar, ao contrário do que foi feito em 1.ª instância, que as ilegalidades, ainda que possam vir a ser sanadas posteriormente, geram danos na esfera jurídica de interessados, danos esses que poderão subsistir mesmo após a sanação da ilicitude e que terão de ser ressarcidos ao abrigo do artigo 7.º/2 do RRCEE.
VV. Esse dano corresponde a um montante de €3.571,16 (três mil quinhentos e setenta e um euros e dezasseis cêntimos), calculado com base nas remunerações mensais dos funcionários e no número de horas adstritas à elaboração de proposta no procedimento anulado.
WW. Em suma, encontrando-se verificados os pressupostos da responsabilidade pré-contratual, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º do RRCEE, deve a Entidade Demandada ser condenada ao pagamento dos montantes peticionados.
Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência:
a) Nos termos da alínea do artigo 195.º do CPC ser declarada nula a sentença proferida pelo Tribunal a quo por violação do princípio do contraditório e do princípio da igualdade de armas/das partes;
b) Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC ser declarada nula a sentença por omissão de pronúncia; ou, caso assim não se entenda,
c) Serem considerarem verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, previstos no artigo 7.º/2 do RRCEE, nomeadamente a ilicitude e o nexo de causalidade, condenando-se, assim, a Entidade Demandada ao pagamento de uma indemnização à Recorrente no valor €3.571,16 (três mil quinhentos e setenta e um euros e dezasseis cêntimos), correspondente aos danos sofridos com a anulação do procedimento pré-contratual em causa nos autos.»

A Recorrida apresentou as suas contra-alegações, que findaram com as seguintes conclusões:
«A. Chegados a este ponto, estamos em condições de proceder à descrição conclusiva das razões fundadoras do exercício discursivo de contra - alegação, cfr. o disposto nos n.º 3 do art.º 144º do CPTA e n.º s 1 e 2 do art.º 639º do CPC ex vi n.º 3 do art.º 140º do CPTA, o que se passará a fazer em seguida,
B. Tendo sido notificada em 27.01.2023 da Sentença que considerou improcedente in totum o pedido indemnizatório que ficou vertido na petição inicial que encetou os presentes autos, veio a Autora nos autos, inconformada com o decisório, interpor recurso da referida decisão por alegações de recurso apresentadas em 17.02.2023.
C. Fê-lo, no entanto, sem ser capaz, inclusive, de assacar uma única irregularidade à Sentença prolatada nos autos e cuja a validade e força persuasiva, salvo melhor opinião que não se discerne, não sai abalada pelo teor das alegações de recurso em causa, optando por fazer versar o seu recurso invocando nulidades manifestamente improcedente e sobre matéria excluída da apreciação do Tribunal recorrido, na medida em que alheias ao objecto processual nos termos em que a própria Autora o conformou na presente causa.
Desde logo,
D. A Autora, nas conclusões B) a K) inclusive, pretende ver apreciada uma pretensa nulidade processual, decorrente da rejeição de repetição da produção de prova por depoimento testemunhal, nos termos em que resultou do Despacho de 01.12.2022 e a fls. 1639 dos autos prolatado pelo Tribunal recorrido,
E. No entanto, e nos termos em que resultou claramente demonstrado do corpo das presentes contra-alegações, pretendendo a Recorrente sindicar o indeferimento em causa, sempre estaria obrigada à interposição de recurso de apelação autónoma, cfr. n.º 5 do art.º 142.º do CPTA e al. d) do n.º 2 do art.º 644.º do CPTA,
F. Pelo que, não o tendo feito dentro do prazo processualmente devido – 15 (quinze) dias -, nos termos em que resulta do disposto no n.º 1 do art.º 147.º do CPTA, o direito a sindicar pelo recurso o referido indeferimento de produção de prova testemunhal extinguiu-se em virtude do efeito preclusivo resultante do transcurso do referido prazo.
G. Por outro lado, sempre se dirá que, invocando a Recorrente o regime da nulidade processual constante do CPC, sempre se concluirá que, também neste caso, a invocação apenas em sede de recurso da decisão final da causa dever-se-á ter como manifestamente extemporânea, nos termos em que resulta do n.º 1 do art.º 199.º do CPC ex vi art.º 1.º CPTA.
H. Ainda assim, e apreciando materialmente a susceptibilidade de invocação da referida nulidade processual, impõe-se, ao contrário do que pretende a Recorrente, um juízo de inadmissibilidade da referida invocação,
I. Na medida em que, resulta de forma clara e enxuta do raciocínio lógico elaborado pelo Tribunal na Sentença ora colocada em crise, que, da produção da prova testemunhal requerida pela Autora nunca poderia resultar a alteração do sentido decisório tomado em primeira instância,
J. Pelo que, e no uso do poder-dever constante do n.º 3 do art.º 90.º do CPTA que expressamente refere,
«No âmbito da instrução, o juiz ou relator ordena as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, podendo indeferir, por despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova, quando o considere claramente desnecessário.»
(negrito e sublinhado nossos)
K. Sempre estaria o aplicador do direito vinculado à obrigação de omitir a prática de actos processuais inúteis, nos termos em que resulta do princípio da limitação dos actos, cfr. art.º 130.º do CPC ex vi art.º 1.º do CPTA.
L. Sendo certo que, não resulta daqui que tenha sido violado qualquer direito ao contraditório e ao princípio de igualdade de armas, na medida em que, não só a Autora, ora Recorrente, exerceu o seu direito por requerimento apresentado em 21.11.2022 e a fls. 1212 e ss. dos autos, como juntou aos autos diversa e prolixa prova documental.
Veja-se que,
M. Nas suas alegações de recurso, a Autora veio, mais uma vez, intentar proceder à alteração do seu pedido e causa de pedir conforme deduzido na petição inicial, esboçando a invocação de um dano que se ateria à perda da oportunidade de concorrer a demais procedimentos concursais, uma invocação a destempo de um dano por perda de chance, sendo certo que a Recorrente nunca chega a enunciar de forma concretizada e circunstanciada quanto ao tempo, espaço e modo tal invocação.
N. Ainda no âmbito deste exercício de invocação inovatória, veio ainda a Recorrente invocar que o procedimento entretanto lançado em cumprimento e execução da decisão proferida nos presentes autos – que conheceu da ilegalidade dos critérios de avaliação – é diferente do anteriormente lançado, nem que seja em virtude das ilegalidades de que, entretanto, se encontra expurgado,
O. Tendo ainda pretendido aduzir todo um conjunto de matéria factual nova que justificaria a ocorrência de um dano na sua esfera jurídica (v.g. execução das mesmas tarefas inerentes a qualquer procedimento de elaboração de propostas: levantamento de oportunidades, descarregamento das peças procedimentais, elaboração de reuniões com vista, decisão pela apresentação (ou não) da proposta, preparação da documentação exigida, recolha de assinaturas, realização de contactos, elaboração de memória descritiva, estudo dos critérios/requisitos exigidos).
P. Na verdade, com este exercício, a Autora pretendeu proceder à alteração do objecto processual que ela própria delimitou no exercício de alegação constante da petição inicial, em clara violação do princípio da estabilidade da instância, nos termos do disposto no art.º 260.º do CPC ex vi art.º 1.º do CPTA,
«Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.»
(negrito e sublinhado nossos)
Q. Mas também, assim procedendo a Recorrente, dá como prejudicada, desde logo e ab initio, a possibilidade do recurso interposto, na medida em que versa exclusivamente sobre matéria nova, ser apreciado pelo Tribunal ad quem.
R. Pois, estando o recurso vocacionado para um exercício de reponderação do que já havia sido apreciado pelo Tribunal a quo e devendo, por isso mesmo, a Recorrente ater-se às razões pelas quais entende que a Sentença prolatada, e da qual recorre, padece de algum vício.
S. Deverá, por isso, o Tribunal ad quem, e salvo melhor opinião que não se discerne, eximir-se de pronunciar-se sobre a inovatória invocação.
Sempre se refira que,
T. É o próprio Tribunal recorrido que acentua, na Sentença ora recorrida e não menos do que amiudadamente, a natureza inovatória, em relação ao que ficou vertido na petição inicial apresentada pela Recorrente, do que resulta oportunisticamente invocado pela Autora,
«A esta luz e sempre sem prejuízo de nada vir alegado na petição inicial quanto ao nexo causal, não se pode afirmar que os danos alegados na petição pela Autora – os quais se circunscrevem apenas aos custos com a elaboração da proposta – decorrem de forma directa das ilegalidades de que padeciam as peças procedimentais, por se vislumbrar que a causa directa de tais danos foi a própria acção da Autora ao apresentar proposta, quando podia, antes mesmo de o fazer, ter colocado em crise a validade das estipulações procedimentais. Portanto, considerando que os danos cujo ressarcimento a Autora peticiona na petição inicial são os relativos aos custos com a elaboração da proposta – nada ali vindo alegado quanto a pretensos danos com a elaboração da candidatura ou à perda de oportunidade de concorrer a outros procedimentos, os quais, por não terem natureza superveniente, deveriam ter sido necessariamente peticionados no articulado inicial, o que a Autora não fez –, a mesma podia e devia ter-se abstido de apresentar proposta perante as invalidades das peças do procedimento que já havia detectado.»
(negrito e sublinhado)
U. Ora, a Recorrente limita-se a insistir pela apreciação da referida matéria inovatória – em relação à forma como a própria enformou a causa do litígio na sua petição inicial -, fazendo perpassar a ideia de que se encontra instituída no direito de ir conformando, a seu bel prazer, o objecto processual, tentando ir de encontro aos elementos constitutivos do direito que o regime da responsabilidade aquiliana prevê.
V. No entanto, tal possibilidade de reapreciação considerando os referidos elementos, de facto e de direito, inovatoriamente invocados e aduzidos encontra-se manifestamente fora do do âmbito do poder funcional do Tribunal de recurso, aliás, assim decorre do disposto nos art.ºs 627.º, 635.º, 636.º, 639.º, 640.º, 662.º, 663.º do CPC, ex vi n.º 3 do art.º 140.º do CPTA e 149.º do CPTA.
W. Deverá o Tribunal ad quem, e salvo melhor opinião que não se discerne, eximir-se de pronunciar-se sobre a inovatória invocação, designadamente, aquela delimitada pelo exercício conclusivo da Autora e Recorrente.
Diga-se, ainda, que,
X. A Recorrente mantém interesse em apresentar proposta nos autos do procedimento pré-contratual lançado em cumprimento da Sentença proferida pelo TAF de Leiria nos presentes autos e que reconheceu da ilegalidade de alguns dos factores de avaliação previstos, tendo inclusivamente apresentado candidatura neste novo e repetido procedimento.
Y. Na verdade, a Recorrente apresenta candidatura no novo procedimento précontratual em razão da tutela reconstitutiva que lhe foi garantida pela Sentença proferida pelo Tribunal recorrido e pelo consequente cumprimento por parte da Recorrida.
Z. No entanto, pretende ainda fazer valer uma tutela em razão do interesse negativo, apesar do seu interesse positivo se mostrar eficazmente tutelado, decorrente de uma tutela indemnizatória substancialmente distinta da que invocou na petição inicial e que, apenas agora e depois de conhecida prévia Sentença em na qual o Tribunal considerou o pedido indemnizatório improcedente in totum, afeiçoou e pretendeu concretizar.
AA. Ou seja, e para o que interessa aos autos, a Recorrente viu ser-lhe concedida a tutela do direito que invocava – a possibilidade de se apresentar ao procedimento concursal em causa sem que este contivesse as invocadas ilegalidades de que o critério de adjudicação padecia - por meio da reconstituição natural.
BB. Ora, é de apreciação palmar a improcedência do peticionado, pois, uma e outra tutela têm natureza auto excludente, sendo certo que a reconstituição in natura confere um grau de tutela qualitativamente superior àquele que resulta da tutela substitutiva por equivalente pecuniário, o que impede a sua cumulação, dado que visam tutelar o mesmo direito conforme invocado e conformado pela Recorrente.
CC. Por outro lado, pretendendo a Recorrente demonstrar que “o lançamento de um novo procedimento não implica o reaproveitamento das candidaturas ou propostas anteriormente feitas nem a desnecessidade de refazer candidaturas ou propostas.” -tal asserção não se mostra dotada de qualquer utilidade para a boa decisão da causa, mas antes de um juízo de feição conclusiva impossível de reproduzir qualquer realidade material.
DD. Sendo certo que a sua admissão, atenta a natureza tautológica do raciocínio que o mesmo espelha e a base probatória em que a Recorrente baseia tal invocação, sempre encerraria a necessidade de se concluir um juízo no sentido contrário, ou seja, uma fórmula igualmente conclusiva no sentido exactamente contrário do género “o lançamento de um novo procedimento pode implicar o reaproveitamento das candidaturas ou propostas anteriormente feitas nem a desnecessidade de refazer candidaturas ou propostas.”, é, aliás, este o raciocínio que se retira do depoimento testemunhal já produzido pela Recorrente.
EE. Por fim, na apreciação da prova produzida por depoimento testemunhal, sempre imperará a regra da livre apreciação por parte do aplicador do direito, sendo certo que o prudente juízo enunciado no n.º 5 do art.º 607.º do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º do CPC, sempre implica o recurso às regras de experiência comum, prudência e bom senso.
FF. Ora, estas sempre levariam a concluir pelo aproveitamento em grande parte, senão na totalidade, do trabalho elaborado no procedimento contratual entretanto repetido e em causa nos presentes autos, aquando da apresentação de proposta no procedimento entretanto lançado.
GG. Assim, sempre deverá ser improcedente, por manifestamente carecida de qualquer utilidade, tal como de sustentação probatória, a interpretação propugnada pela Autora que pretende por verificado o aventado dano.
Sempre caberá denotar que,
HH. O exercício a que a Recorrente se propõe no artigo 122., 123. e 127. das alegações de recurso apresentadas, onde procede à comparação dos requisitos de qualificação das candidaturas, dos documentos das candidaturas e dos documentos referentes às propostas previstos no procedimento pré-contratual em causa nos presentes autos e os que constam do procedimento pré-contratual entretanto lançado em cumprimento da Sentença proferida em 17.01.2022, acaba por produzir, de facto, o efeito contrário,
II. Pois revela um nível de exigência, no que à qualificação das candidaturas diz respeito, sensivelmente menos apertado no procedimento pré-contratual entretanto lançado e ao qual a Recorrente já se apresentou como candidata,
JJ. Ao passo que, por outro lado, revela que o objecto contratual e os seus termos e condições mostram-se praticamente idênticos,
KK. Sendo certo que a indemnização que a Recorrente invoca radica nos custos de preparação, elaboração e apresentação de proposta e, para esse efeito, os elementos a ter em conta serão sempre os mesmos de que necessitou apresentar a sua proposta no procedimento pré-contratual em causa nos presentes autos.
Acresce que,
LL. A Sentença ora recorrida mostra-se como laborando numa correcta apreciação do thema decidendum, sustentada quanto aos factos e ao direito invocado, mostrando-se, como tal, insusceptível de qualquer censura.
MM. Na medida em que, e atentando na nulidade invocada pela Recorrente, não terá o Tribunal recorrido emitido pronúncia sobre os danos que para esta terão decorrido da anulação do procedimento pré-contratual em apreço.
NN. No entanto, não só se deverá ter em conta que o dever de pronúncia do Tribunal cessa quando este se tenha pronunciado sobre outras questões que prejudiquem o conhecimento das demais, cfr. n.º 2 do art.º 608.º do CPC ex vi art.º 1.º do CPTA.
OO. Como, para todos os efeitos, o Tribunal pronunciou-se expressamente sobre a questão referida pela Recorrente, apenas não o fez no sentido em que esta pretendia, veja-se, como exemplo, o seguinte,
«Ora, compulsada a petição inicial apresentada pela Autora, esta pretende ser ressarcida pelo interesse contratual negativo (dano de confiança), correspondente aos danos que não teria sofrido caso a Entidade Demandada houvesse agido em conformidade com as regras e princípios regentes da contratação pública, ou seja, pelos prejuízos que suportou e que não teria suportado, não fossem as ilegalidades apontadas ao acto de adjudicação impugnado e às peças procedimentais (o que abrange, concretamente, atenta a sua alegação, os custos suportados com a elaboração da sua proposta).
O ressarcimento pelo interesse contratual negativo visa colocar o lesado na situação em que estaria não fosse a ilegalidade detectada e se não tivesse participado no procedimento concursal em crise, pelo que, não obstante tal interesse incluir, em tese, os danos/custos decorrentes da apresentação e elaboração de proposta, certo é que pressupõem que tais despesas tenham sido inúteis/infrutíferas.
Pois bem, no caso dos autos, temos que a Autora, após ter sido retomado o procedimento concursal, expurgado das ilegalidades de que padecia e que originariamente despoletou os danos que alega, apresentou nova candidatura no âmbito desse mesmo concurso, pelo que, como refere Esperança Mealha (ob. cit., pág. 108), “a repetição do ato, com a consequente reposição da legalidade, pode traduzir uma violação transitória de direitos ou interesses, cuja correção, com efeitos ex tunc, diminui ou mesmo elimina a possibilidade de gerar danos indemnizáveis”.
Daqui resulta que, com a anulação do acto de adjudicação judicialmente determinada e, bem assim, com a aprovação de novas peças do procedimento e a retoma do mesmo, a Autora viu-se na mesma posição em que estaria não fossem as ilegalidades detectadas no concurso originário, tendo inclusivamente já apresentado candidatura no âmbito do novo concurso.
[…]
No caso dos autos, não só foi judicialmente determinada a anulação do acto de adjudicação e a repetição do concurso limitado por prévia qualificação, como foram já retiradas consequências de tal julgado pela Entidade Demandada, através da repetição do procedimento e, com isso, sendo retomada a legalidade. A esta luz, não se vislumbram prejuízos que subsistam após a retoma do procedimento e que apenas sejam reparáveis através de indemnização.
Com efeito, “(…), a problemática em sede da responsabilidade civil pré-contratual do ressarcimento do interesse contratual positivo ou do interesse negativo apenas se coloca nos casos em que apesar do uso dos meios contenciosos o lesado não logrou obter ou assegurar a reconstituição da situação jurídica violada mercê da atribuição ao mesmo, mediante renovação do acto, „… da posição vantajosa a que este aspirava com a sua apresentação ao concurso …‟, cingindo-se assim tão-só „… às situações em que, não tendo havido lugar à reintegração da ordem jurídica violada ou ao pagamento de indemnização por inexecução, tenha vindo a ser intentada acção autónoma de indemnização com base em responsabilidade civil pré-contratual (…)‟” – realce nosso do acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA) Norte de 04.11.2011, proferido no Proc. n.º 00213/06.1BELLE, disponível em www.dgsi.pt.
Por todos os motivos expostos e relembrando que, nas palavras de Esperança Mealha, não basta a existência de uma ilegalidade objectiva, pois exige-se também a ilicitude desse facto, ou seja, que dessa actuação anti-jurídica resulta a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos, concluímos que admitir que a Autora pudesse ser ressarcida pelos danos por si alegados redundaria num eventual enriquecimento injustificado, porquanto a eliminação com efeitos ex tunc das ilegalidades assacadas ao procedimento coloca a Autora na situação actual hipotética que, na verdade, coincide com a situação actual real (dada a repetição do procedimento).
Conceder-lhe a indemnização pretendida significaria, na verdade, uma duplicação de efeitos – não só pela reposição da legalidade, como pelo pagamento de uma quantia indemnizatória com vista, justamente, a colocar a Autora na situação em que estaria não fosse a ilegalidade praticada, sendo de sublinhar que a reconstituição do procedimento expurgado das ilegalidades assacadas (situação actual hipotética) implica que sempre a Autora teria de suportar os custos correspondentes à elaboração da respectiva proposta.
E nem se vislumbra, como pretende a Autora, que existam quaisquer danos temporários que cumpra ressarcir, na medida em que os prejuízos cujo ressarcimento vem peticionado são unicamente os correspondentes ao custo suportado com a elaboração da proposta, os quais não têm a virtualidade de produzir efeitos danosos de modo prolongado e/ou temporário.
Cumpre ainda salientar que a posição aqui sustentada encontra-se suportada pelo decidido pelo TCA Sul em situação semelhante à que nos ocupa (cf. acórdão de 21.04.2022, proferido no âmbito do Proc. n.º 1020/20.4BELRA, disponível em www.dgsi.pt), no qual se concluiu o seguinte:
“VI - A julgada ilegalidade das normas concursais e do acto que determinou a exclusão da proposta da Recorrente e a não adjudicação do procedimento, poderia fundamentar, verificados os pressupostos da responsabilidade civil précontratual, a peticionada indemnização se o Recorrido não tivesse cumprido com o julgado;
VII - Ao retomar o procedimento na fase inicial, com novas regras, o Recorrido repôs a legalidade, reconstituindo a situação legal hipotética que existiria se as normas ilegais e o acto anulado não tivessem existido na ordem jurídica, o mesmo é dizer que a respectiva anulação operou retroactivamente [com efeitos ex tunc], colocando a Recorrente na posição em que deveria ter estado se não fossem as ilegalidades apuradas, destruindo inclusive a situação de ilegalidade temporária ocorrida” – realce nosso.
Mais a mais, urge salientar que, em sede de petição inicial, a Autora se limitou a alegar e concretizar o dano resultante do custo da retribuição dos colaboradores da Autora correspondente ao tempo despendido com a preparação e elaboração da proposta apresentada no procedimento de concurso público em causa nos autos, o qual computou no valor global de 3.571,16 EUR e peticionou a final (cf. artigos 96.º e 99.º da petição).
Significa isto que, em bom rigor, a Autora não peticionou no seu articulado inicial danos inerentes ao custo com a elaboração da sua candidatura, motivo pelo qual se assumem como irrelevantes as considerações apresentadas posteriormente, no respectivo requerimento de 21.11.2022, quanto à impossibilidade de aproveitamento do trabalho realizado para efeitos de preparação e elaboração da sua candidatura – abstendo-se o Tribunal, por isso, de efectuar qualquer análise sobre esse aspecto.
Por outro lado, não se vislumbram diferenças substanciais no critério de adjudicação e inerentes elementos que deverão constituir as propostas que impliquem a impossibilidade de aproveitamento do trabalho desenvolvido no ano de 2021 para efeitos de apresentação da proposta.»
(negrito e sublinhado nossos)
PP. Na verdade, o Tribunal recorrido não só se pronunciou sobre os enunciados danos, como se pronunciou bastamente e sob diversos pontos de vista, designadamente, tendo em linha de conta a disciplina processual, não havendo, por isso mesmo, qualquer omissão de pronúncia que se possa ter por prevalecente.
QQ. Não padecendo a Sentença ora colocada em causa de qualquer nulidade por omissão de pronúncia nos termos em que a Recorrente a invoca, não procedendo a invocada invalidade.
Acresce que,
RR. Cabendo à Autora, no exercício que encetou os presentes autos, demonstrar o preenchimento dos pressupostos de que depende a responsabilidade civil extracontratual, sempre se terá que concluir que não logrou fazê-lo.
SS. Desde logo, porque, pretendendo a Recorrente obter uma quantia indemnizatória decorrente de acto ou omissão ilícita, facilmente se depreende que tendo a Recorrida dado cumprimento ao decisório proferido – nos exactos termos em que a Recorrente peticionou – a ilegalidade invocada sanou-se com a garantia da tutela peticionada e com a tutela reconstitutiva que a abertura do novo procedimento pré-contratual, expurgado das ilegalidades invocadas garantiu.
TT. Neste sentido, bem andou o Tribunal recorrido quando afirma de forma clara e escorreita, com sustentação sólida tanto quanto à factualidade como ao direito, sendo certo que o invocado pela Recorrente não se mostra de molde a infirmar o que fica dito,
«Pois bem, no caso dos autos, temos que a Autora, após ter sido retomado o procedimento concursal, expurgado das ilegalidades de que padecia e que originariamente despoletou os danos que alega, apresentou nova candidatura no âmbito desse mesmo concurso, pelo que, como refere Esperança Mealha (ob. cit., pág. 108), “a repetição do ato, com a consequente reposição da legalidade, pode traduzir uma violação transitória de direitos ou interesses, cuja correção, com efeitos ex tunc, diminui ou mesmo elimina a possibilidade de gerar danos indemnizáveis”.
Daqui resulta que, com a anulação do acto de adjudicação judicialmente determinada e, bem assim, com a aprovação de novas peças do procedimento e a retoma do mesmo, a Autora viu-se na mesma posição em que estaria não fossem as ilegalidades detectadas no concurso originário, tendo inclusivamente já apresentado candidatura no âmbito do novo concurso.»
(negrito e sublinhado nossos)
UU. Neste sentido, e aprofundando o ajuizado, sempre caberá referir que não cabe no âmbito do quadro jurídico tido como violado pelo Tribunal - que visa tutelar a contratação em espaço pró-concorrencial, dotado de critérios de avaliação das propostas que se tenham como dotados de imparcialidade e igualdade, nos termos legalmente estatuídos - a possibilidade de, garantido o interesse primário e positivo da Recorrente por pronúncia do Tribunal e consequente cumprimento da mesma, tutelar pretensos danos – nunca invocados nos autos diga-se – atinentes ao espaço de demora da reposição da legalidade – para o qual, aliás, concorreu o comportamento da Recorrente conforme infra se demonstrará.
VV. Pelo que, atenta a retomada legalidade, sempre se encontrará por preencher o referido requisito da ilicitude, o que, tendo em conta a natureza cumulativa dos pressupostos da responsabilidade aquiliana, sempre se terá que ter como inviabilizando a pretensão indemnizatória da Recorrente.
Ainda assim,
WW. Sempre se diga que, desde logo e nos termos invocados conforme o que consta da petição inicial, o dano mostra-se contraditório com o interesse positivo invocado como fundamento da ilicitude, o sentido em que, após a garantia do interesse positivo, não deverá prevalecer.
XX. Ora, tendo a Recorrente elaborado um pedido indemnizatório, a partir dum raciocínio de perda da possibilidade de apresentação de uma proposta que fosse avaliada em condições de legalidade, igualdade e concorrência, a partir da pretensa carga horária alocada pela Recorrente aos seus funcionários com o intuito de preparação e elaboração da proposta apresentada por cada um dos seus trabalhadores, atendendo no valor hora da retribuição por cada um destes recebida,
YY. O exercício de demonstração e prova do dano, bem como o raciocínio que subjaz à determinação do seu quantum, facilmente se intui que, desde logo, não se apresenta como susceptível de tutelar o interesse positivo anteriormente referido, na medida em que pretende representar a perda e não a possibilidade de se apresentar a concurso com critérios avaliativos que se tivessem por legais, conforme bem dá nota o Tribunal recorrido,
«Ora, compulsada a petição inicial apresentada pela Autora, esta pretende ser ressarcida pelo interesse contratual negativo (dano de confiança), correspondente aos danos que não teria sofrido caso a Entidade Demandada houvesse agido em conformidade com as regras e princípios regentes da contratação pública, ou seja, pelos prejuízos que suportou e que não teria suportado, não fossem as ilegalidades apontadas ao acto de adjudicação impugnado e às peças procedimentais (o que abrange, concretamente, os custos suportados com a elaboração da sua proposta).
Visa, assim, o ressarcimento pelo interesse contratual negativo colocar o lesado na situação em que estaria não fosse a ilegalidade detectada e se não tivesse participado no procedimento concursal em crise, pelo que, não obstante tal interesse incluir, em tese, os danos/custos decorrentes da apresentação e elaboração de proposta, certo é que pressupõem que tais despesas tenham sido inúteis/infrutíferas.»
(negrito e sublinhado nossos)
ZZ. Assim, tendo a Recorrida dado cumprimento efectivo à Sentença proferida e, assim, dado tutela efectiva ao interesse primário da Recorrente, sempre se dirá que não subsiste qualquer dano que tenha sido invocado e que possa considerar-se como carecido de tutela à luz do cumprimento da Sentença, como de facto não subsiste e nem sequer o exercício de invocação manifestamente inadmissível que a Recorrente labora nas suas alegações de recurso - aduzindo causa de pedir e pedido novos, apenas apresentados nesta sede recursiva – infirma tal entendimento.
AAA. Devendo, pois, também nesta sede o Tribunal ad quem apreciar como improcedente a pretensão de preenchimento do pressuposto atinente à efectiva produção de danos na esfera jurídica da Recorrente.
Por outro lado,
BBB. Atendendo, ainda, na abertura da possibilidade de a Autora apresentar candidatura e proposta em sede de procedimento pré-contratual lançado em cumprimento da decisão proferida nos presentes autos por Sentença de 17.01.2022, e assim tutelando pela forma primária o interesse contratual positivo, não se mostra que o dano invocado se possa ter como adequadamente originado pelo facto a que a Recorrente pretende imputá-lo, atenta a reposição da legalidade entretanto já ocorrida. 6 Cfr. p. 29 da Sentença ora colocada em crise.
CCC. Ora, atendendo na legalidade reposta e no aproveitamento efectivo, em sentido positivo, desta pela Recorrente, o dano invocado por esta mostra-se, na realidade e não constando qualquer invocação de perda de chance como efectivamente caraterizada – seja na petição inicial ou na motivação de recurso -, como conformando despesas de actividade da própria Recorrente, i.e., não constando como regularmente invocada qualquer perda de rentabilidade em razão do tempo despendido pelos trabalhadores da Recorrente com a preparação, elaboração e apresentação da proposta, os custos com o pagamento dos seus vencimentos tratar-se-iam de custos correntes de actividade da Recorrente, ainda que os trabalhadores em causa nada tivessem para fazer.
DDD. Sendo certo que, nunca a Recorrente sequer invocou quais os outros procedimentos pré-contratuais nos quais estaria a investir o tempo dos seus trabalhadores e qual a probabilidade desse tempo investido ter efeito reprodutivo, i.e., produzir quaisquer dividendos para a Recorrente, pelo que sempre se teria que concluir que não existe qualquer relação de causalidade adequada que se possa estabelecer entre o facto em causa - a ilicitude entretanto sanada com efeitos rectroactivos – e o dano conforme invocado.
EEE. Daí que, analisando a correcta fundamentação da Sentença proferida em primeira instância e quanto a este aspecto em específico, se denote que aí ficou dito,
«Mais a mais, urge salientar que, em sede de petição inicial, a Autora se limitou a alegar e concretizar o dano resultante do custo da retribuição dos colaboradores da Autora correspondente ao tempo despendido com a preparação e elaboração da proposta apresentada no procedimento de concurso público em causa nos autos, o qual computou no valor global de 3.571,16 EUR e peticionou a final (cf. artigos 96.º e 99.º da petição). Significa isto que, em bom rigor, a Autora não peticionou no seu articulado inicial danos inerentes ao custo com a elaboração da sua candidatura, motivo pelo qual se assumem como irrelevantes as considerações apresentadas posteriormente, no respectivo requerimento de 21.11.2022, quanto à impossibilidade de aproveitamento do trabalho realizado para efeitos de preparação e elaboração da sua candidatura – abstendo-se o Tribunal, por isso, de efectuar qualquer análise sobre esse aspecto.
Por outro lado, não se vislumbram diferenças substanciais no critério de adjudicação e inerentes elementos que deverão constituir as propostas que impliquem a impossibilidade de aproveitamento do trabalho desenvolvido no ano de 2021 para efeitos de apresentação da proposta.
De resto, julgamos ainda que a pretensão da Autora soçobra igualmente por não verificação do requisito do nexo de causalidade.
Com efeito, em primeiro lugar, cumpre referir que, ao contrário do requisito da culpa, o nexo de causalidade não configura um pressuposto de verificação objetiva, dependendo de alegação e prova, não constituindo, de igual forma, um qualquer facto notório, pese embora se possa estabelecer um nexo de causalidade por força do funcionamento das presunções judiciais através dos factos conhecidos e provados nos autos (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30 de setembro de 2014, proferido no processo n.º 1415/07.9TCLRS.L1-1).
Compulsada a petição inicial, o que se constata é que da mesma não resulta qualquer alegação factual ou jurídica sobre o pressuposto do nexo de causalidade.
Todavia, ainda que o Tribunal lançasse mão da figura das presunções judiciais, a conclusão seria sempre a mesma, porquanto não resulta dos autos que os danos alegados pela Autora são causa das ilegalidades de que padecem os actos impugnados na presente acção e as peças procedimentais.»
(negro e sublinhado nossos)
FFF. Pelo que, e em qualquer caso, sempre prevalecerá a manifesta inexistência de qualquer relação de causalidade adequada e juridicamente relevante entre o dano invocado e o facto ao qual a Recorrente pretende imputar o dano.
Em qualquer caso,
GGG. Interessa, em qualquer apreciação a produzir nos autos, relevar que (i) a intenção da Autora e Recorrente nos presentes autos foi, precisamente, sindicar a legalidade do critério de adjudicação constante do programa do concurso e que, para todos os efeitos, (ii) a Recorrente teve conhecimento deste referido critério de adjudicação desde 15.07.2021 – data da sua publicação em Diário da República - , e, assim, (iii) a Recorrente teve oportunidade de sindicar este critério de adjudicação desde esta data (15.07.2021), nos termos em que o meio processual referente à acção de contencioso pré-contratual o permite no disposto no art.º 103.º do CPTA,
HHH. Pois, nos termos do expressamente disposto no n.º 2 do art.º 103.º do CPTA, o pedido de declaração de ilegalidade pode ser deduzido por quem tenha interesse em participar no procedimento em causa,
III. Ou seja, não é pressuposto qualificado de legitimidade activa da iniciativa processual tendente à invocação da ilegalidade dos documentos conformadores do procedimento pré-contratual a participação, seja pela apresentação de candidatura ou pela apresentação de proposta, a efectiva participação do operador económico no procedimento pré-contratual, bastando-se o regime legal com a existência de interesse nessa participação.
JJJ. Donde se conclui que, de forma palmar diga-se, para intentar a iniciativa processual que originou os presentes autos, nunca a Autora e Recorrente necessitaria de ter efectivamente participado no procedimento pré-contratual, fosse apresentando candidatura ou, ulteriormente, apresentando proposta.
KKK. Daqui sempre decorrerá que, os danos invocados, que conforme já ficou demonstrado não se tratam de danos e nem sequer são tuteláveis ao abrigo da norma violada e cujo o cumprimento já ficou garantido, sempre terão sido única e exclusivamente gerados pelo comportamento da Autora e Recorrente, pois esta nunca necessitou de incorrer nas despesas que invoca preencherem o conceito de dano para, nos termos disposto no n.º 2 do art.º 103.º do CPTA, sindicar as peças conformadoras do procedimento pré-contratual em causa nos presentes autos.
LLL. Na verdade, logo em 15.07.2021, e analisando o critério de adjudicação feito constar do programa do concurso aprovado e publicado em Diário da República, encontrava-se a Recorrente em condições de sindicar a legalidade do referido critério.
MMM. Conclui-se, pois, com relativa facilidade que qualquer despesa que a Autora tenha tido com a preparação e elaboração de proposta nos autos do procedimento concursal em apreço sob a égide da ilegalidade do critério de adjudicação de que o mesmo enfermava, sempre lhe será imputável, na medida em que, não actuou usando os meios processuais da forma mais adequada a tutelar o seu interesse, i.e., a possibilidade de apresentar proposta em concurso cujo critério de adjudicação não se mostre como enfermando de ilegalidade.
NNN. Ou seja, ao invés de sindicar, desde logo, a legalidade do critério de adjudicação, o que sempre poderia secundar com uma iniciativa de natureza incidental peticionando a adopção de medidas provisórias tendo em vista garantir o tempo da pendência processual e obstar ao facto consumado, nos termos do disposto no art.º 103.º-B do CPTA, bem como, não incorrendo nos aventados danos que invoca, atento o facto da legitimidade para este efeito se bastar com a declaração de interesse,
OOO. A Recorrente preferiu incorrer nas despesas por si enumeradas, eventualmente pretendendo a adjudicação do contrato à luz do referido critério de adjudicação enfermado de ilegalidade.
PPP. Não se apresenta como aceitável e tutelável à luz do direito invocado pela Recorrente que esta (i) não reagindo de forma a atempadamente tutelar a ilegalidade do critério de adjudicação, decide, subsequentemente e após o conhecimento da referida ilegalidade, (ii) apresentar candidatura e, ulteriormente proposta nos autos do procedimento pré-contratual para (iii) apenas perante o relatório preliminar e a eminência de perder a adjudicação do contrato, vir sindicar o critério de adjudicação e deduzir pedido indemnizatório com fundamento nas despesas em que incorreu na preparação e apresentação da proposta, quando, nos termos do quadro legal que tutela o interesse que a Recorrente pretendeu fazer valer, não tinha necessidade de apresentar candidatura e/ou proposta para sindicar o referido critério de adjudicação.
QQQ. Tal actuação mostra-se, aliás, como incorrendo em manifesta violação do princípio da boa fé e dos bons costumes, na medida em que a Recorrente pretende abusivamente invocar e um direito indemnizatório que, nos termos em que esta o conforma, extravasa exuberantemente o fim social e económico do quadro legal invocado para esse mesmo efeito, cfr. art.º 334.º do CCiv..
RRR. Ou seja, à luz do quadro normativo que tutela a ilegalidade dos documentos conformadores do procedimento pré-contratual, a Recorrente não precisava de apresentar candidatura e/ou proposta, pelo que, tendo-o feito, as despesas inerentes a tal facto devem-se única e exclusivamente ao seu comportamento, i.e., o pretenso dano invocado resulta apenas do comportamento da Recorrente.
SSS. É isto, aliás, que o Tribunal recorrido acentua e faz denotar quando se exprime nos seguintes termos,
«Com efeito, resulta da factualidade apurada nos autos que a Autora intentou a presente acção já após a prolação de relatório preliminar da fase de apresentação das propostas do procedimento em discussão, sendo que em momento anterior à apresentação da sua proposta já estaria ciente das ilegalidades que viria a imputar às peças do procedimento.
Veja-se, a este propósito, o pedido de esclarecimentos apresentado em 17.09.2021, momento no qual a Autora já salientava que “depois de o Programa de Procedimento ter exigido, em fase de qualificação, a apresentação de 3 declarações para que a OA garantisse que só se qualificavam empresas com a experiência necessária e adequada, os concorrentes têm de voltar a entregar, desta vez 10 declarações, para que possa ser avaliada, novamente, a sua experiência?”, assim revelando ter presente já nesse momento a invalidade inerente à avaliação da sua experiência para efeitos de aplicação do critério de adjudicação (cf. pontos 5 e 6 do probatório).»
(negrito e sublinhado nossos)
TTT. Ora, salta, por isso, à evidência o cabimento da situação exposta no art.º 4.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro do Regime da Responsabilidade Civil Extrcontratual do Estado e das Pessoas Colectivas de Direito Público que refere,
Quando o comportamento culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos causados, designadamente por não ter utilizado a via processual adequada à eliminação do acto jurídico lesivo, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
(negrito e sublinhado nossos)
UUU. Ou seja, tendo em conta o comportamento manifestamente culposo da Autora à luz dos dispositivos que se vem de referir – uma vez que não usou em tempo o meio processual adequado a sindicar os documentos conformadores do procedimento em referência -, bem como o facto da Recorrida ter diligenciado, desde logo e confrontada com a Sentença que apreciou o critério de adjudicação como ilegal, pela reposição da legalidade, conforme é facto de conhecimento geral, sempre estaria excluída liminarmente a possibilidade de à Recorrente ser reconhecido qualquer direito indemnizatório.
VVV. E ainda que assim não fosse, o que apenas se cogita por mero dever de patrocínio sem, no entanto, conceder, tal dano nunca poderia equivaler ao cálculo, em razão vencimento auferido pelos trabalhadores que a Recorrente afectou à preparação e elaboração da proposta em causa, tendo em conta a implausibilidade, que as regras da experiência comum não admitem, do trabalho elaborado a propósito do procedimento pré-contratual em causa nos presentes autos não ser aproveitado no procedimento pré-contratual entretanto já lançado, que tem o mesmo exacto objecto daquele que esteve em causa nos presentes autos.
WWW.Pelo supra exposto, e no que, em particular, diz respeito à conduta da Ré O.A., não se mostram, de facto, preenchidos os pressupostos de que depende a responsabilidade civil extracontratual, o que, para todos os efeitos legais, sempre deverá redundar na improcedência in totum das alegações de recurso por manifestamente carecidas de sustentação de facto ou de direito.
Em suma,
XXX. E atentando-se na correcção do decisório, que não resulta como verdadeiramente sindicado pela Autora e ora Recorrente, sempre se deverá ter como absolutamente improcedente in totum a iniciativa recursiva em apreço.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Ex.ªs certamente suprirão, deverá o recurso interposto ser considerado como improcedente in totum, por não provado, Com o que se fará a tão costumada…. JUSTIÇA.»


*
Por despacho promanado em 13/03/2023, o Tribunal a quo admitiu o presente recurso.

Subidos os autos a este Tribunal, por despacho proferido em 14/07/2023, foi ordenada a notificação das partes e do Digno Magistrado do Ministério Público para emitir pronúncia quanto à possível rejeição do recurso, em virtude de o valor da ação ser bem inferior ao valor da alçada do Tribunal recorrido.

Tendo as partes sido notificadas, ambas emitiram pronúncia.
A Recorrente pugna pela admissão do recurso, fundamentando a sua posição na ocorrência de violação do caso julgado.
Por seu turno, a Recorrida defende a rejeição do vertente recurso por o mesmo não cumprir o requisito descrito no art.º 142.º, n.º 1 do CPTA, atinente ao valor do processo, bem como por não ocorrer violação do caso julgado.

O Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu parecer.
Vejamos, então, se o recurso merece, ou não, a respetiva admissão.


II. DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
Com relevo para apreciação da arguida questão interessa salientar que a Recorrente, autora na vertente ação de contencioso pré-contratual, veio peticionar a declaração de ilegalidade de algumas das disposições do Programa do Concurso e do Convite, bem como a condenação da agora Recorrida a aprovar novas peças do procedimento concursal e a retomar o mesmo procedimento. Finalmente, a Recorrente veio peticionar, também, a condenação da Recorrida a pagar-lhe uma indemnização no montante de 3.571,16 Euros, acrescidos de juros devidos desde o trânsito em julgado da decisão a ser proferida nestes autos até efetivo pagamento.
Citada, a Recorrida contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Após, a Recorrente apresentou articulado ampliativo da instância, no qual peticionou, também, a anulação do ato de adjudicação entretanto praticado.
E, a seguir, a mesma Recorrente apresentou resposta à matéria excetiva invocada pela Recorrida.
E, finalmente, a Recorrida respondeu à pretensão ampliativa formulada pela Recorrida.
Depois de várias vicissitudes processuais, foi admitida a ampliação da instância por despacho de 17/01/2022, bem como proferido despacho a diferir a instrução atinente ao pedido indemnizatório.
E, na mesma data de 17/01/2022, foi proferido saneador sentença, que julgou improcedente a matéria excetiva arguida e anulou o ato de adjudicação, condenando ainda a Recorrida a aprovar novas peças do procedimento e a praticar os demais atos procedimentais subsequentes.
Não tendo as partes interposto recurso jurisdicional, aquela decisão de mérito transitou em julgado.
Assim, em despacho emitido em 11/02/2022, foi determinada a abertura da instrução para apuramento dos prejuízos invocados pela Recorrente, e ordenada a notificação das partes para procederem à alteração dos respetivos requerimentos probatórios.
A Recorrente apresentou requerimento reiterando pretender ouvir quatro testemunhas quanto ao invocado nos pontos 88.º, 93.º e 95.º a 101.º da petição, bem como declarações de parte aos pontos 93.º e 95.º a 101.º da petição.
A Recorrida também apresentou requerimento, mantendo a pretensão de produzir a prova já anteriormente requerida, ou seja, ouvir uma testemunha.
Por despacho prolatado em 23/02/2022, foi integralmente admitida a produção de todos os meios de prova requeridos por ambas as partes.
Em 27/04/2022, foi produzida a prova requerida pelas partes, concretamente, ouvidas as declarações de parte por banda da Recorrente, três das testemunhas arroladas pela Recorrente e a testemunha arrolada pela Recorrida. E, a final, as partes produziram oralmente as suas alegações.
Em 09/05/2022 foi proferida sentença, que julgou totalmente improcedente o pedido indemnizatório formulado pela Recorrente.
Inconformada, a ora Recorrente apresentou recurso, e a Recorrida ofereceu contra-alegações.
Este Tribunal Central Administrativo Sul proferiu Acórdão em 06/10/2022, nos termos do qual o Coletivo decidiu: «acordam conceder provimento ao recurso e, em consequência, anulam a sentença recorrida e ordenam a baixa do processo ao Tribunal de 1ª. Instância para a efetivação do princípio do contraditório e dos termos processuais subsequentes».
Remetidos os autos à Instância a quo, foi proferido despacho em 09/11/2022, que ordenou a notificação das partes para «exercerem o respectivo direito ao contraditório quanto à factualidade relativa à repetição do procedimento pré-contratual em discussão nos presentes autos- resultante do depoimento prestado em sede de audiência final pela testemunha J…. e, bem assim, dos documentos entretanto juntos aos autos pela Autora em 02/06/2022».
Em 21/11/2022, a Recorrente apresentou requerimento, que conclui peticionando o que se segue:
«a. Serem admitidos os dois documentos juntos pela Autora, em exercício do presente contraditório e nos termos do disposto no artigo 3.º/3 e do artigo 417.º do CPC;
b. Ser determinada a produção de nova prova testemunhal, restrita aos factos supervenientes trazidos ao presente processo, para garantia do exercício do direito ao contraditório, na sua plenitude, previsto no artigo 3.º/3 do CPC, e para respeito pelo princípio da igualdade de armas previsto no artigo 4.º do CPC; e
c. Por se encontrarem verificados os pressupostos da responsabilidade pré-contratual, previstos no n.º 2 do artigo 7.º do RRCEE, deve a Entidade Demandada ser condenada ao pagamento dos montantes peticionados, a título de responsabilidade civil extracontratual.»
A Recorrida, na mesma data, também apresentou o seu requerimento.
Em 01/12/2022, o Tribunal a quo proferiu despacho com, além do mais, o seguinte teor:
«Admito os documentos juntos aos autos pela Autora em 21.11.2022, por se mostrarem os mesmos relevantes para o cabal esclarecimento dos termos em que está a ser levada a cabo a repetição do procedimento concursal em análise, em execução da sentença proferida nestes autos em 17.01.2022 (sendo que os documentos juntos pela Autora em 02.06.2022 já foram admitidos pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão datado de 06.10.2022).
Por outro lado, considerando:
- que em sede de audiência final, realizada em 27.04.2022, já teve a Autora oportunidade de produzir prova testemunhal quanto aos danos alegados em sede de petição inicial;
- e que, bem assim, para a emissão de um juízo quanto aos termos da retoma do procedimento concursal aqui em causa bastará a análise dos elementos documentais juntos aos autos – não se devendo perder de vista a natureza eminentemente documental da prova das incidências de concursos como o presente,
Indefiro a produção de nova prova testemunhal, conforme requerido pela Autora na respectiva resposta de 21.11.2022.
(…)
Dada a produção de prova (documental) já após a realização de audiência final e não incumbindo ora designar nova data para o efeito, atendendo ao despacho supra proferido, incumbe dar ainda cumprimento ao disposto no artigo 91.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aqui analogicamente aplicável.
Por conseguinte, notifique as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas pelo prazo simultâneo de 20 dias (cf. ainda o artigo 102.º, n.º 5, alínea a) do CPTA).»
A Recorrente e a Recorrida apresentaram alegações finais escritas.
E, em 26/01/2023, foi proferida nova sentença, que também julgou o pedido indemnizatório formulado pela ora Recorrente totalmente improcedente.
Inconformada, a Recorrente veio apresentar novo recurso jurisdicional. E a Recorrida contra-alegou.
Espraiado o périplo processual que os autos percorreram até ao momento presente, importa averiguar se o presente recurso jurisdicional interposto pela Recorrente pode ser admitido.
Ora, diga-se já que, em face do valor do pedido sobre o qual recaiu a sentença agora impetrada, o recurso não é admissível.
Com efeito, o vertente recurso vem atacar a sentença prolatada em 26/01/2023, nos termos do qual, apenas e só, foi julgado totalmente improcedente o pedido indemnizatório formulado pela Recorrente. Refira-se, também, que o pedido indemnizatório respeita ao ressarcimento de danos que a Recorrente alega ter sofrido, e que totalizam a quantia global de 3.571,16 Euros.
O que significa, inapelavelmente, que, por aplicação do disposto nos art.ºs 31.º, n.ºs 1 e 2, 32.º, n.ºs 1 e 7 e 142.º, n.º 1, todos do CPTA, o recurso não se apresenta admissível uma vez que o valor do pedido a que respeita a decisão judicial impetrada é de 3.571, 16 Euros, ou seja, é inferior ao valor da alçada do Tribunal Administrativo de Círculo (5.000,00 Euros) que proferiu a decisão a quo.
Sucede, porém, que a legislação processual comporta diversas exceções aos limites inerentes ao valor da causa e da sucumbência para efeitos de admissão de recurso, concretamente, as elencadas diretamente no n.º 3 do art.º 142.º do CPTA, bem como as previstas no art.º 629.º, n.º 2 do CPC, atenta a remissão explícita do dito art.º 142.º, n.º 3 para a legislação processual civil (neste sentido, veja-se MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Tomo II, 4.ª edição, março 2020, Almedina, pp. 1089 a 1091).
No caso que agora se aprecia, a Recorrente vem, precisamente, sustentar a admissibilidade do seu recurso, invocando para tanto que no mesmo foi alegada a violação do caso julgado. Ou seja, que a sentença agora impetrada desrespeita o julgado estabelecido neste litígio pelo Acórdão promanado por este Tribunal de Apelação em 06/10/2022, e nos termos do qual o Coletivo decidiu: «acordam conceder provimento ao recurso e, em consequência, anulam a sentença recorrida e ordenam a baixa do processo ao Tribunal de 1ª. Instância para a efetivação do princípio do contraditório e dos termos processuais subsequentes».
Realmente, e como explica ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, junho 2018, Almedina, p.49), «independentemente do valor do processo ou do valor da sucumbência, é sempre admissível recurso nos diversos graus de jurisdição quando vise a impugnação de decisões relativamente às quais seja invocada pelo recorrente a ofensa do caso julgado formal ou material (arts. 620.º e 621.º)».
Por conseguinte, «a admissibilidade especial do recurso esta condicionada aos seguintes pressupostos: (i) existência de uma decisão judicial a que seja imputada a ofensa do caso julgado (formal ou material); (ii) indiferença do valor da causa ou da sucumbência, bastando, portanto, que seja imputada à decisão recorrida a ofensa do caso julgado; e (iii) a invocação expressa ou ao menos implícita deste fundamento especial de recorribilidade no requerimento de interposição de recurso, facultando ao juiz os elementos que lhe permitam pronunciar-se de imediato sobre a sua admissibilidade» (ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, junho 2018, Almedina, p.51).
Sendo assim, importa averiguar se a Recorrente invocou adequadamente, no seu recurso, a questão da violação do caso julgado por parte da sentença que vem atacar.
E, escrutinada a peça recursória da Recorrente, é forçoso concluir que a questão da violação do caso julgado foi invocada de modo claro e adequado, como decorre das conclusões C, D, E, F, G, H, I, L, M, N, O, P, Q, R, S. T, U, V e W do recurso.
O que quer dizer que, indubitavelmente, o caso presente enxerta-se, precisamente, na situação de admissibilidade especial do recurso, prevista nos art.ºs 142.º, n.º 3 do CPTA e 629.º, n.º 2, al. a) do CPC.
Destarte, não resta outra alternativa que não a de admitir o recurso da Recorrente.


III. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
No seu recurso, a Recorrente vem impetrar a sentença recorrida imputando-lhe nulidade processual, por violação dos princípios do contraditório e da igualdade de armas, nulidade decorrente da violação do caso julgado formado com a prolação, nestes autos, do anterior Acórdão deste Tribunal de 07/10/2022 e erro de julgamento, por incorreta aplicação ao caso versado do regime de responsabilidade pré-contratual.
É certo que, examinado o petitório final da peça recursória, não se encontra formulado expressamente o pedido de declaração de nulidade da sentença por violação do caso julgado. No entanto, esta pretensão está claramente plasmada no elenco conclusivo, especificamente, na conclusão U, que se mostra ainda mais compreensível quanto à sua intencionalidade quanto conjugada com as conclusões C, D, E, F, G, H, I, L, M, N, O, P, Q, R, S. T, V e W do mesmo recurso.
Pelo que, não resta qualquer dúvida de que este Tribunal de Apelação terá de enfrentar a sobredita questão da violação do caso julgado.
É, contudo, de realçar que, não obstante a Recorrente ter içado diversas outras questões no sentido de demonstrar o desacerto da decisão recorrida, o conhecimento das mesmas já está vedado ao Tribunal.
Realmente, estando em causa uma situação de excecional admissibilidade do recurso, a amplitude do julgamento por banda do Tribunal ad quem está limitada e restringe-se ao escrutínio do fundamento da admissibilidade excecional do recurso, que, in casu, é a violação do caso julgado.
Inexiste, efetivamente, qualquer dúvida no tocante à restrição operada quanto ao objeto do recurso, destacando-se, a este propósito, as palavras de ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES (idem, p. 51), «a norma que amplia a recorribilidade apenas pode servir para confrontar o Tribunal Superior com a discussão da alegada ofensa do caso julgado, excluindo-se outras questões cuja impugnação fica submetida às regras gerais.» No mesmo sentido se pronunciam, aliás- e ainda que ao abrigo da versão anterior do CPC-, JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ARMINDO RIBEIRO MENDES (Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, setembro 2003, Coimbra Editora, p. 11), bem como LOPES DO REGO (Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, junho 2004, p. 569).
E ainda mais clara é a Jurisprudência, que é longa e uniforme no sentido assinalado, como decorre, ilustrativamente, do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 06/05/2021, no processo 542/14.0T2STC-B.E1.S1, em que afirma perentoriamente que «tratando-se de recurso admitido ao abrigo da al. a) do nº 2 do art. 629º do CPC, por invocada ofensa do caso julgado, fica o respectivo objecto limitado a essa questão, que, excepcionalmente, permite o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, não sendo de conhecer de nulidades que não digam respeito a tal objecto». E do Acórdão proferido pela mesma Instância em 23/04/2020, no processo 405/06.3TBMNC-C.G1.S1: «I. Tendo o recurso sido interposto ao abrigo do fundamento especial previsto no artigo 629.º, n.º 2, al. a), do CPC (a ofensa do caso julgado), o objecto do recurso terá se se circunscrever à questão de saber se ocorre a alegada ofensa do caso julgado.»
Quer tudo isto significar, portanto e revertendo ao caso posto, que o objeto do presente recurso circunscreve-se à questão de saber se ocorre a alegada ofensa do caso julgado, nada mais devendo ser apreciado e julgado nesta sede.


IV. APRECIAÇÃO DO RECURSO QUANTO À VIOLAÇÃO DO CASO JULGADO
A Recorrente imputa à sentença agora recorrida- a proferida em 26/01/2023- a violação do caso julgado, fundamentando-a no desrespeito do estipulado no Acórdão proferido por este Tribunal Central Administrativo Sul, prolatado neste processo em 06/102022.
Com efeito, e como se explicou anteriormente, a Recorrente, autora na vertente ação de contencioso pré-contratual, veio peticionar a declaração de ilegalidade de algumas das disposições do Programa do Concurso e do Convite, bem como a condenação da agora Recorrida a aprovar novas peças do procedimento concursal e a retomar o mesmo procedimento. Ademais, a Recorrente peticionou também a anulação do ato de adjudicação e, finalmente, peticionou a condenação da Recorrida a pagar-lhe uma indemnização no montante de 3.571,16 Euros, acrescidos de juros devidos desde o trânsito em julgado da decisão a ser proferida nestes autos até efetivo pagamento.
Em despacho de 17/01/2022, o Tribunal a quo determinou o diferimento da instrução atinente ao pedido indemnizatório. E, por saneador sentença emanado também em 17/01/2022, foi anulado o ato de adjudicação, condenada a Recorrida a aprovar novas peças do procedimento e a praticar os demais atos procedimentais subsequentes.
Não tendo as partes interposto recurso jurisdicional, aquela decisão de mérito transitou em julgado.
Por conseguinte, devendo os atos prosseguir para apreciação do mérito do pedido indemnizatório, foi ordenada e produzida a prova por declarações de parte, testemunhal e documental requerida pelas partes, nos termos requeridos pelas mesmas. Especificamente, a Recorrente requereu a audição de quatro testemunhas quanto ao invocado nos pontos 88.º, 93.º e 95.º a 101.º da petição, bem como declarações de parte aos pontos 93.º e 95.º a 101.º da petição. E a Recorrida requereu a audição de uma testemunha.
Em 27/04/2022, foi produzida a prova requerida pelas partes, concretamente, ouvidas as declarações de parte por banda da Recorrente, três das testemunhas arroladas pela Recorrente e a testemunha arrolada pela Recorrida. E, a final, as partes produziram oralmente as suas alegações.
Em 09/05/2022 foi proferida sentença, que julgou totalmente improcedente o pedido indemnizatório formulado pela Recorrente.
Inconformada, a ora Recorrente apresentou recurso, tendo este Tribunal Central Administrativo Sul proferido Acórdão em 06/10/2022, nos termos do qual conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a baixa do processo ao Tribunal de 1ª. Instância para a efetivação do princípio do contraditório e dos termos processuais subsequentes.
A fundamentação do decidido neste Aresto, na parte que releva em termos de facto e de direito foi a que se transcreve em seguida:
«(…)
11) Para efeitos de participação no procedimento a que se referem os pontos anteriores, estiveram envolvidos na elaboração da proposta da Autora os seus colaboradores E.., S… C…, S…e R…– depoimentos das testemunhas S.., E…e Sara F….;
12) O número de horas despendido por cada um dos colaboradores da Autora com a elaboração da proposta foi registado pelos mesmos em sistema de registo de tarefas diárias em uso naquela empresa, deste se extraindo o registo de 85 horas por E…, 70 horas por S…, 20 horas por C…, 45 horas por S… e 10 horas por R….– depoimentos das testemunhas S…, E… e S… bem como documento junto aos autos pela Autora em 22.02.2022, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido;
13) O salário base mensal e isenção de horário de cada um dos colaboradores da Autora eram, entre Julho e Setembro de 2021, os seguintes: E…– 1.600,00 EUR; S…– 1.550,00 EUR; C…– 2.750,00 EUR; S…– 900,00 EUR; e R…– 900,00 EUR – docs. n.ºs 10 a 24 juntos com a petição inicial, para os quais se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidos;
14) Por decisão proferida nestes autos em 17.01.2022 foi julgada “procedente a presente ação (sem prejuízo do diferimento da apreciação do pedido relativo a pagamento da quantia de 3.571,16 EUR, a título de custos com a elaboração da proposta, nos termos do artigo 90.º, n.º 4 do CPTA) e, em consequência, anulo o ato de adjudicação impugnado e condeno a Entidade Demandada a, no prazo de 60 dias, aprovar novas peças do procedimento, sem reincidir nas ilegalidades detetadas e praticar todos os demais atos subsequentes legalmente previstos para a tramitação do procedimento précontratual em causa” – fls. 517-554 do suporte eletrónico dos autos, para as quais se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidas;
15) Na sequência da decisão a que se refere o ponto anterior, a Entidade Demandada procedeu à aprovação de novas peças procedimentais e à abertura de novo concurso limitado por prévia qualificação, tendo como objeto a celebração de contrato para Implementação de Novo Sistema de Informação para a Ordem dos Advogados – depoimento da testemunha J….
*
Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.
*
Motivação:
A decisão da matéria de facto relevante para a decisão da causa efetuou-se com base na posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, bem como na análise crítica e conjugada dos documentos constantes dos autos, concretamente os juntos pelas partes e o processo administrativo junto aos autos, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, os quais dada a sua natureza e qualidade mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.
No que concerne à prova testemunhal produzida nos autos, de salientar que a mesma se assumiu como relevante para prova dos factos constantes dos pontos 11 e 12 do probatório, para o que contribuíram os depoimentos das testemunhas S… , E… e S…, todas elas trabalhadoras da Autora que tiveram intervenção direta na elaboração dos documentos necessários à participação desta no procedimento aqui em discussão – de onde lhes advém o conhecimento direto dos factos relativamente aos quais prestaram depoimento.
As testemunhas identificadas prestaram depoimentos de forma espontânea e convincente, mais a mais corroborando-se mutuamente, tendo as mesmas identificado os colaboradores da Autora que tiveram intervenção na elaboração da candidatura e da proposta.
Mais lograram descrever as tarefas que foram realizadas para esse efeito (salientando-se neste aspeto o depoimento da testemunha S…, a qual relatou de forma pormenorizada as atividades concretamente realizadas no contexto da participação no procedimento em crise nos autos).
As testemunhas da Autora relataram ainda de forma credível e coincidente que o respetivo trabalho diário é registado em sistema interno em uso na empresa, ao que acresce que, pese embora não conseguissem concretizar o número de horas despendido com a elaboração dos documentos para concurso, confirmaram a credibilidade dos números que lhes foram transmitidos como constando do registo diário. Motivo pelo qual concluiu o Tribunal pela credibilidade da matéria a que se reporta o ponto 12 do probatório, conjugando o teor dos documentos ali identificados com os depoimentos das testemunhas da Autora.
Por fim, quanto à matéria constante do ponto 15 do probatório, a respetiva fixação decorreu da circunstância de tais factos terem decorrido da instrução da causa, concretamente atento o teor do depoimento da testemunha da Entidade Demandada J…, em conjugação com o facto de estar em causa matéria do conhecimento geral.
Com efeito, a testemunha identificada tem conhecimento direto da matéria relativamente à qual prestou depoimento, em virtude do exercício de funções como chefe de serviços do departamento de planeamento e controlo orçamental da Ordem dos Advogados, tendo esclarecido o Tribunal que, na sequência da decisão já proferida nestes autos, a Entidade Demandada procedeu à correção das peças referentes ao procedimento em discussão, tendo iniciado novo procedimento, o qual se encontra em curso.
Tal matéria constitui, de resto, facto de conhecimento público, dada a publicitação do procedimento em causa em www.dre.pt, concretamente na 2.ª série do Diário da República de 08.04.2022, o que igualmente contribuiu para a convicção do Tribunal quanto a este ponto».

De Direito
Documentos juntos com as alegações de recurso.
A autora, ora recorrente, juntamente com as alegações de recurso, apresentou as peças procedimentais do novo concurso e a sua candidatura ao mesmo (documentos nº 1 e nº 2).
Avança como justificação para este momento de apresentação dos documentos o facto de o tribunal recorrido ter considerado factos supervenientes na sentença e a recorrente ter apresentado a sua candidatura ao novo procedimento após a prolação da sentença recorrida.
Para a apreciação e decisão da presente questão prévia importa atentar no art 651º do CPC, que dispõe que: As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Ou seja, a regra é a de que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância (v.g. quando a decisão proferida não era de todo expectável, tendo-se ancorado em factos supervenientes não alegados, pese embora essenciais, que julgou provados e ditaram um resultado com que a parte, justificadamente, não contava).
Ora os documentos juntos aos autos pretendem fazer prova da retoma do procedimento concursal, das novas peças do procedimento e da nova proposta apresentada pela recorrente.
Os documentos juntos pela recorrente são documentos supervenientes e inexistentes à data da entrada em juízo da presente ação e motivados pelo julgamento proferido em 1ª instância. Como dispõe o art 651º, nº 1 do CPC, a apresentação revelou-se necessária por virtude do julgamento proferido e aqui impugnado.
Pelo exposto, decidindo, acorda-se em admitir os documentos juntos com as alegações de recurso.

Nulidade da sentença – excesso de pronúncia – art 615º, nº 1, al d), 2ª parte do CPC - violação do princípio do contraditório previsto no art 3º, nº 3 do CPC.
A recorrente aponta nulidade à sentença recorrida por o tribunal ter conhecido, em audiência final, factos essenciais não alegados previamente pela entidade demandada e serviu-se desses factos, para julgar improcedente o pedido de indemnização, sem ouvir a autora.
O tribunal, alega a recorrente, concluiu que a entidade demandada havia sanado as ilegalidades praticadas no procedimento pré-contratual, mesmo sem constar da presente ação judicial os documentos respeitantes ao novo concurso público lançado pela Ordem dos Advogados. E mais concluiu que, com a reposição da legalidade do procedimento pré-contratual, deixavam de existir danos na esfera jurídica da autora reparáveis através de indemnização. Assim incorre a sentença em apreço em excesso de pronúncia ou, se assim não for entendido, em violação do princípio do contraditório previsto no art 3º, nº 3 do CPC.
Dispõe o artigo 615º nº 1 alínea d) do CPC que é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A nulidade da sentença por excesso de pronúncia está diretamente relacionada com o disposto no artigo 608º, nº 2, segunda parte e artigo 609º, nº 1 do CPC, de acordo com os quais, respetivamente, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo a sentença condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
O limite à condenação na sentença, assim previsto no CPC, surge como corolário do princípio do dispositivo (cfr. artigos 5º nº 1 do CPC novo, correspondente ao artigo 264º nº 1 e 664º, 2ª parte, do CPC antigo) e visa impedir que o Tribunal se pronuncie para além daquilo que lhe foi pedido pelas partes quer em termos quantitativos quer qualitativos. De modo que limitado pelos pedidos das partes, seja em termos de ação, seja em termos de defesa, o juiz não pode, na sentença, deles extravasar, não podendo pronunciar-se sobre mais do que o que foi pedido ou sobre coisa diversas daquela que foi pedida.
Assim, o objeto da sentença deve coincidir com o objeto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido (cfr Miguel Teixeira de Sousa, em «Estudos sobre o Novo Processo Civil», Lex, Lisboa, 1997, pág. 222 e segs, José Lebre de Freitas, «Código de Processo Civil Anotado», 2º Vol. Coimbra Editora, pág. 648).
Na situação presente, a questão trazida a Tribunal e que foi conhecida na sentença recorrida consistiu em saber se se verificavam os pressupostos de responsabilidade civil extracontratual, por ilícito pré-contratual, invocados pela autora e se esta devia ser indemnizada a esse título pelos danos negativos ou por lesão da confiança alegados.
O que demandou pronúncia judicial sobre a aplicação ao caso do disposto no art 7º, nº 2 da Lei nº 67/2007, de 31.12, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 31/2008, de 17.7.
Concluindo o tribunal recorrido que, pese embora o ato de adjudicação impugnado neste processo seja objetivamente ilícito, o facto de, em cumprimento do julgado anulatório, a Entidade Demandada ter já retomado o procedimento concursal, aprovando novas peças e com isso repondo a legalidade (assim proporcionando à Autora a possibilidade de apresentação de proposta a este renovado procedimento e, simultaneamente, reintegrando a sua esfera jurídica), ocorreu a eliminação dos efeitos ilegais e ilícitos do ato anulado.
Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, falhando um dos pressupostos legais dos quais depende a responsabilidade da Entidade Demandada que aqui a Autora pretende efetivar, improcede necessariamente o pedido indemnizatório deduzido.
Considerando o objeto da ação e o objeto da sentença, sumariamente identificados, de facto, em nosso juízo, o tribunal decidiu a pretensão material da autora.
Com efeito, lida atentamente a decisão judicial impugnada, proferida a 9.5.2022, temos que na mesma foi conhecida e julgada improcedente a pretensão da autora, de ser ressarcida pelo interesse contratual negativo (dano de confiança), na decorrência da anulação do ato de adjudicação do procedimento de contratação por concurso limitado por prévia qualificação, com a designação Implementação de novo Sistema de Informação para a Ordem dos Advogados CLPQ200/2021.
Antes, por saneador sentença, de 17.1.2022, o Tribunal de 1ª instância apreciou parcialmente o mérito da causa, tendo concluído pela verificação das invalidades apontadas pela autora às peças do procedimento, a saber, o teor das alíneas a), b), c) e d) dos n.ºs 1 e 2 do Artigo IX do Convite, bem como das alíneas a), b), c) e d) dos n.ºs 1 e 2 do Artigo XXIII do Programa do Procedimento, por violarem o disposto nos artigos 75º, nº 1 e 3 e 139º, nº 4 do CCP, e os princípios da legalidade e da concorrência previstos no artigo 1.º-A do mesmo diploma. Tais circunstâncias geraram a invalidade do ato de adjudicação que procedeu à aplicação dessas mesmas regras procedimentais.
Após o trânsito em julgado da decisão de 17.1.2022, o processo prosseguiu para conhecimento do pedido indemnizatório, com sujeição prévia a instrução.
A sentença agora em apreço conheceu, como dissemos, a pretensão indemnizatória formulada pela autora, de condenação da demandada no pagamento de €: 3.571,16, correspondente ao custo da retribuição dos colaboradores da autora com o tempo despendido com a prestação e elaboração da proposta, e julgou-a improcedente, por falhar o pressuposto da ilicitude, mas fê-lo com fundamento em factos supervenientes referidos no depoimento da testemunha da entidade demandada Joana Mafalda Portela e, como motiva o Tribunal, publicados em Diário da República, 2ª série, de 8.4.2022, (Anúncio de procedimento n.º 4454/2022).
A ponderação de factos essenciais, colhidos durante a instrução da causa, que não foram alegados pelas partes, maxime, pela parte a quem aproveitam, em articulado superveniente, não obsta a que o juiz deles possa conhecer, desde que tenham sido submetidos ao regime de contraditório e de prova durante a discussão da causa. Note-se que este entendimento não viola o princípio do dispositivo, enquanto trave mestra do processo civil e também do processo administrativo. Tal apenas pode não acontecer nos casos em que as partes não tiveram possibilidade de se pronunciar sobre os factos ou, tendo-o tido, se pronunciaram no sentido do seu não aproveitamento.
In casu,
A sentença recorrida deu efetivação ao disposto no art 611º, nº 1 do CPC, nos termos do qual: sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
Assim, julgou provado o facto, nº 15, com o seguinte teor:
«Na sequência da decisão a que se refere o ponto anterior [17.1.2022], a Entidade Demandada procedeu à aprovação de novas peças procedimentais e à abertura de novo concurso limitado por prévia qualificação, tendo como objeto a celebração de contrato para Implementação de Novo Sistema de Informação para a Ordem dos Advogados» – depoimento da testemunha Joana Mafalda Portela.
Mas fê-lo sem que os factos provados no nº 15 do probatório, supervenientes à propositura da ação, tivessem sido alegados e documentados nos autos pelas partes, até ao encerramento da discussão, nos termos do disposto no art 86º, nº 1 ex vi art 102º, nº 1 do CPTA e, subsidiariamente, do art 588º do CPC.
Compulsada a ata de audiência final, realizada a 27.4.2022, da mesma não se extrai que o tribunal recorrido tenha notificado a entidade demandada para cumprir o disposto no art 8º, nº 3 e 4 do CPTA, de molde a juntar aos autos os documentos respeitantes ao procedimento lançado em execução do julgado anulatório (de 17.1.2022) – como sejam as peças procedimentais, o anúncio de abertura do concurso, as candidaturas entretanto apresentadas. Também não foi ditado para a ata qualquer requerimento das partes.
Do mesmo modo, da tramitação do processo não se retira que a autora tenha sido notificada para exercer o prévio contraditório quanto aos factos supervenientes. Antes resulta da audição da gravação da audiência final que a autora fez notar e insistiu que a testemunha J… estava a ser inquirida sobre factos supervenientes não alegados pela demandada.
Ainda assim, como argumenta a recorrente, a decisão recorrida levou os factos ao probatório, no nº 15, e serviu-se desses factos para julgar o pedido indemnizatório da autora improcedente.
Lê-se na sentença recorrida:
… numa primeira aproximação ao que resulta dos autos, temos que, de facto, se verifica objetivamente a ilicitude do ato impugnado, dada a ilegalidade de várias disposições contidas nas peças procedimentais. Ademais, é inegável que a violação de princípios e normas procedimentais, como as desrespeitadas pelo procedimento subjacente aos autos, é suscetível de redundar na ofensa de direitos e interesses legalmente protegidos dos lesados, porquanto integra no seu âmbito de proteção não só a garantia do cumprimento dos princípios estruturantes da contratação pública, como, mais concretamente, os próprios interesses dos concorrentes na adjudicação das suas propostas.
Pese embora tal princípio, certo é que in casu, na decorrência da anulação do ato impugnado pela Autora, a Entidade Demandada já retomou o procedimento, refazendo as peças procedimentais na sequência do julgado condenatório emitido por este Tribunal, pelo que devem retirar-se as devidas consequências de tal facto.
Ora, compulsada a petição inicial apresentada pela Autora, esta pretende ser ressarcida pelo interesse contratual negativo (dano de confiança), correspondente aos danos que não teria sofrido caso a Entidade Demandada houvesse agido em conformidade com as regras e princípios regentes da contratação pública, ou seja, pelos prejuízos que suportou e que não teria suportado, não fossem as ilegalidades apontadas ao ato de adjudicação impugnado e às peças procedimentais (o que abrange, concretamente, os custos suportados com a elaboração da sua proposta).
Visa, assim, o ressarcimento pelo interesse contratual negativo colocar o lesado na situação em que estaria não fosse a ilegalidade detetada e se não tivesse participado no procedimento concursal em crise, pelo que, não obstante tal interesse incluir, em tese, os danos/custos decorrentes da apresentação e elaboração de proposta, certo é que pressupõem que tais despesas tenham sido inúteis/infrutíferas.
não se vislumbram, nem foram alegados, prejuízos que subsistam após a retoma do procedimento e que apenas sejam reparáveis através de indemnização.
… À semelhança da situação sobre a qual versava o citado aresto [ac do TCAS, de 21.4.2022, processo nº 1020/20] também no caso em apreço nada vem alegado pela Autora quanto à impossibilidade de aproveitamento do trabalho desenvolvido no ano de 2021 para efeitos do procedimento que aqui nos ocupa, nada se tendo igualmente apurado quanto à (des)necessidade de refazer as respetivas candidatura e proposta para efeitos de participação do novo procedimento já em curso [sublinhado nosso].
O tribunal recorrido, como evidencia a passagem que transcrevemos, considerou como factos determinantes da sentença a aprovação das novas peças procedimentais e a abertura de novo concurso limitado por prévia qualificação, julgando-os como factos extintivos do direito invocado pela autora.
O tribunal julgou improcedente o pedido indemnizatório da autora com base em factos não alegados no processo, nem provados por documento (nomeadamente, as novas peças do procedimento – Convite e Programa do Procedimento – sem reincidirem nas ilegalidades que fundamentaram a anulação), e sobre os quais a autora não foi ouvida, mas carecia de se defender, como, contraditoriamente, acaba por assumir o tribunal recorrido. Pois só assim se percebe que na sentença se tenha afirmado que nem foram alegados prejuízos que subsistam após a retoma do procedimento e que apenas sejam reparáveis através de indemnização e, ainda, no caso em apreço nada vem alegado pela Autora quanto à impossibilidade de aproveitamento do trabalho desenvolvido no ano de 2021 para efeitos do procedimento que aqui nos ocupa, nada se tendo igualmente apurado quanto à (des)necessidade de refazer as respetivas candidatura e proposta para efeitos de participação do novo procedimento já em curso. O tribunal decidiu neste sentido mas não deu oportunidade à autora de, face aos factos supervenientes conhecidos durante a audiência final, alegar a impossibilidade de aproveitar o trabalho desenvolvido em 2021, para o procedimento que culminou com a anulação do ato de adjudicação, e, consequentemente, a necessidade de refazer as respetivas candidaturas e propostas para efeitos de participação do novo procedimento em curso.
Ora, a retoma do procedimento pré-contratual, no curso da presente ação, releva para o conhecimento do mérito do pedido indemnizatório, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
No entanto, nos termos do art 86º, nº 1 do CPTA, a apresentação de articulado superveniente é uma faculdade da parte a quem aproveita, que aqui seria a entidade demandada.
Sucede que nem a entidade demandada, ora recorrida, nem a autora, ora recorrente, deduziram novos articulados além da petição inicial e da contestação na ação.
Os factos levados ao nº 15 do probatório resultaram da instrução e da discussão da causa, do depoimento da testemunha J... Porém, a entidade demandada nada requereu no sentido de tais factos serem considerados no processo, nem documentou a respetiva prática. Nem o tribunal assegurou efetivamente o direito ao contraditório da autora, que não se dá por verificado com as contra-instâncias da testemunha da demandada, J…, e com as alegações orais dos mandatários das partes no final da audiência de julgamento.
Nestas circunstâncias, face à fundamentação da sentença, a repetição do procedimento pré-contratual não podia ter sido atendida pelo tribunal a quo sem antes ser dada a oportunidade à autora de se pronunciar sobre a nova realidade fáctica ocorrida no curso da ação e que ditou o seu desfecho, julgando o pedido indemnizatório improcedente.
A autora instaurou a presente ação em 21.10.2021.
A entidade demandada contestou a ação a 22.11.2021.
Os factos alegados na petição inicial e na contestação, lidos ambos os articulados, obviamente, nada referem sobre a repetição do procedimento após o trânsito em julgado da sentença anulatória e condenatória de 17.1.2022.
Consequentemente, não tendo as partes alegado factos relativos à execução do caso julgado, porque inexistentes em 21.10.2021 e em 22.11.2021, não se concebe como podia a autora alegar e exercer o contraditório sobre matéria fáctica não alegada nem documentada no processo e conhecida em audiência final.
Assim sendo, a situação dos autos é bem diversa da que foi julgada pelo TCAS no recente acórdão proferido, a 21.4.2022, no processo nº 1020/20.4BELRA, relatado pela ora 1ª Adjunta, Exma. Sra. Desembargadora Dra Lina Costa, sendo Adjunta, tal como neste, a Exma. Sra. Desembargadora Dra Catarina Vasconcelos. Nesse acórdão os factos supervenientes foram levados ao processo e nele documentados pela entidade demandada, antes da audiência final, e o Tribunal a quo concedeu prazo à autora para se pronunciar sobre a alegação superveniente. O que de todo ocorreu na presente ação, em que os factos supervenientes foram trazidos ao processo no dia 27.4.2022, pelo depoimento de uma testemunha, no decurso de audiência final.
Razão pela qual a sentença em apreço constituiu uma surpresa quanto aos fundamentos e ao resultado, isto é, foi proferida sem que à autora tivesse sido dada possibilidade de se pronunciar sobre aqueles factos e respetivo enquadramento jurídico, em violação do princípio do contraditório.
O princípio do contraditório é um elemento basilar do processo, essencial para a garantia da igualdade das partes. A obediência à audiência contraditória só pode ser preterida em casos excecionais, em que manifestamente se torna desnecessária a sua verificação. Fora desses casos, cumpre ao juiz garantir o contraditório das partes e só pode decidir após o cumprimento do direito ao contraditório (cfr art 3º, nº 3 do CPC).
A inobservância do contraditório, sobre factos determinantes para a decisão da causa, gera nulidade da sentença.
Entretanto, só após a garantia do exercício de tal direito pode o processo prosseguir os seus normais termos, com a instrução que se considerar ainda devida e subsequente decisão.
Pelo exposto, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se procedente o recurso quanto à invocada nulidade, ficando prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos da apelação (cfr art 608, nº 2 do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA.

Decisão
Nestes termos, os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso e, em consequência, anulam a sentença recorrida e ordenam a baixa do processo ao Tribunal de 1ª. Instância para a efetivação do princípio do contraditório e dos termos processuais subsequentes.»

Examinado detalhadamente o Aresto transcrito, proferido nestes autos por este Tribunal de Apelação em 06/10/2022, verifica-se que, em suma, após acolher a factualidade considerada como provada no Tribunal a quo- e, com relevo para o que interessa agora, os factos atinentes aos prejuízos clamados pela Recorrente-, este Tribunal admitiu a junção de documentos apresentados pela Recorrente com as alegações de recurso, documentos esses atinentes às peças procedimentais do novo concurso e a sua candidatura ao mesmo, por serem documentos supervenientes, referentes até a factos supervenientes ao momento da propositura da ação.
Em seguida, o Aresto debruçou-se sobre a violação do princípio do contraditório e o excesso de pronúncia.
Estava em causa, de acordo com a Recorrente, a circunstância de a então sentença recorrida ter considerado que a entidade demandada havia sanado as ilegalidades no procedimento, já no decurso destes autos, sem que, contudo, tivessem sido alegados factos ou carreados documentos atinentes a tal. E fê-lo sem, sequer, permitir o contraditório, conduzindo ao probatório, no ponto 15, facto derivado unicamente do depoimento da testemunha arrolada pela Recorrida, sem que tal matéria tenha sido, antecipadamente, debatida pela Recorrente. Aliás, essa factualidade veio a fundar a decisão de improcedência do pedido indemnizatório, por o Tribunal a quo ter entendido que, tendo sido reposta a legalidade através da elaboração de novas peças do procedimento e de apresentação de novas propostas, a Recorrente viu reintegrada a sua esfera jurídica por ter tido a oportunidade de apresentar nova proposta ao procedimento concursal.
Ora, este Tribunal de Apelação reconheceu assistir razão à Recorrente, pois concluiu que a decisão de improcedência do pedido indemnizatório derivou da falta de um pressuposto da responsabilidade, asserção essa que se ancorou nos factos supervenientes referidos no depoimento da testemunha Joana Portela, arrolada pela Recorrida, concretamente, os factos que foram conduzidos ao ponto 15 do probatório reunido.
Mais entendeu este Tribunal de Apelação que aqueles factos constantes do ponto 15 do probatório, eram supervenientes à propositura da ação, e não foram alegados nem documentados pelas partes até ao encerramento da discussão, razão pela qual, a Recorrente nunca pôde, quanto aos mesmos, exercer o seu direito ao contraditório. Daí que, este Tribunal de Apelação tenha alcançado a conclusão de que o Tribunal a quo julgou improcedente o pedido indemnizatório com base em factos não alegados no processo, nem provados por documento, e sobre os quais a Recorrente não foi ouvida, mas carecia de se defender: «O tribunal decidiu neste sentido mas não deu oportunidade à autora de, face aos factos supervenientes conhecidos durante a audiência final, alegar a impossibilidade de aproveitar o trabalho desenvolvido em 2021, para o procedimento que culminou com a anulação do ato de adjudicação, e, consequentemente, a necessidade de refazer as respetivas candidaturas e propostas para efeitos de participação do novo procedimento em curso.»
Estabeleceu este Tribunal de Apelação que, «só após a garantia do exercício de tal direito pode o processo prosseguir os seus normais termos, com a instrução que se considerar ainda devida e subsequente decisão».
Nesse seguimento, em sede de dispositivo, este Tribunal de Apelação anulou a sentença recorrida e determinou a baixa dos autos ao Tribunal a quo “para efetivação do princípio do contraditório e dos termos processuais subsequentes”.
Ora, a análise do Acórdão proferido em 06/10/2022- e que a Recorrente invoca não ter sido cumprido nos seus termos conduzindo à violação do aí julgado- permite assentar, sem qualquer dificuldade, que o seu cumprimento concretizar-se-á com o exercício, por banda da Recorrente, do seu direito ao contraditório. E o objeto deste contraditório corresponde, naturalmente, aos factos, e inerentes implicações jurídicas, sobre os quais anteriormente não teve oportunidade para debater, e que, como especifica o Acórdão, são os factos conduzidos aos ponto 15 do probatório.
A factualidade que foi conduzida ao dito ponto 15 é a seguinte:
15) Na sequência da decisão a que se refere o ponto anterior [refere-se à sentença que anulou o ato de adjudicação, determinou a aprovação de novas peças do procedimento e o prosseguimento subsequente da tramitação do procedimento pré-contratual], a Entidade Demandada procedeu à aprovação de novas peças procedimentais e à abertura de novo concurso limitado por prévia qualificação, tendo como objeto a celebração de contrato para Implementação de Novo Sistema de Informação para a Ordem dos Advogados – depoimento da testemunha Joana Mafalda Portela.
O que quer dizer que, o exercício do direito ao contraditório determinado pelo Acórdão de 06/10/2022 deste Tribunal de Apelação tem como objeto, somente, os factos consubstanciados na «aprovação de novas peças procedimentais e à abertura de novo concurso limitado por prévia qualificação, tendo como objeto a celebração de contrato para Implementação de Novo Sistema de Informação para a Ordem dos Advogados», e respetivo enquadramento jurídico para efeitos da pretensão indemnizatória da Recorrente.
Assim, delineado o objeto do exercício ao direito do contraditório da Recorrente que foi determinado pelo Acórdão proferido por este Tribunal de Apelação em 06/10/2022, importa apurar em seguida se o Tribunal a quo procedeu adequadamente, assegurando o efetivo exercício do direito da Recorrente.
Como se expendeu em momento anterior, remetidos os autos à Instância a quo, foi proferido despacho em 09/11/2022, que ordenou a notificação das partes para «exercerem o respectivo direito ao contraditório quanto à factualidade relativa à repetição do procedimento pré-contratual em discussão nos presentes autos- resultante do depoimento prestado em sede de audiência final pela testemunha J… e, bem assim, dos documentos entretanto juntos aos autos pela Autora em 02/06/2022».
Em 21/11/2022, a Recorrente apresentou requerimento, que conclui peticionando o que se segue:
«a. Serem admitidos os dois documentos juntos pela Autora, em exercício do presente contraditório e nos termos do disposto no artigo 3.º/3 e do artigo 417.º do CPC;
b. Ser determinada a produção de nova prova testemunhal, restrita aos factos supervenientes trazidos ao presente processo, para garantia do exercício do direito ao contraditório, na sua plenitude, previsto no artigo 3.º/3 do CPC, e para respeito pelo princípio da igualdade de armas previsto no artigo 4.º do CPC; e
c. Por se encontrarem verificados os pressupostos da responsabilidade pré-contratual, previstos no n.º 2 do artigo 7.º do RRCEE, deve a Entidade Demandada ser condenada ao pagamento dos montantes peticionados, a título de responsabilidade civil extracontratual.»
A Recorrida, na mesma data, também apresentou o seu requerimento.
Em 01/12/2022, o Tribunal a quo proferiu despacho com, além do mais, o seguinte teor:
«Admito os documentos juntos aos autos pela Autora em 21.11.2022, por se mostrarem os mesmos relevantes para o cabal esclarecimento dos termos em que está a ser levada a cabo a repetição do procedimento concursal em análise, em execução da sentença proferida nestes autos em 17.01.2022 (sendo que os documentos juntos pela Autora em 02.06.2022 já foram admitidos pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão datado de 06.10.2022).
Por outro lado, considerando:
- que em sede de audiência final, realizada em 27.04.2022, já teve a Autora oportunidade de produzir prova testemunhal quanto aos danos alegados em sede de petição inicial;
- e que, bem assim, para a emissão de um juízo quanto aos termos da retoma do procedimento concursal aqui em causa bastará a análise dos elementos documentais juntos aos autos – não se devendo perder de vista a natureza eminentemente documental da prova das incidências de concursos como o presente,
Indefiro a produção de nova prova testemunhal, conforme requerido pela Autora na respectiva resposta de 21.11.2022.
(…)
Dada a produção de prova (documental) já após a realização de audiência final e não incumbindo ora designar nova data para o efeito, atendendo ao despacho supra proferido, incumbe dar ainda cumprimento ao disposto no artigo 91.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aqui analogicamente aplicável.
Por conseguinte, notifique as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas pelo prazo simultâneo de 20 dias (cf. ainda o artigo 102.º, n.º 5, alínea a) do CPTA).»
A Recorrente e a Recorrida apresentaram alegações finais escritas.
E, em 26/01/2023, foi proferida nova sentença, que também julgou o pedido indemnizatório formulado pela ora Recorrente totalmente improcedente.
E inconformada, a Recorrente vem, de novo, impetrar esta decisão, assacando-lhe a violação do caso julgado.
A fundamentação de facto e de direito da, na parte que releva, da sentença recorrida é a seguinte:
«13) Para efeitos de participação no procedimento a que se referem os pontos anteriores, estiveram envolvidos na elaboração da proposta da Autora os seus colaboradores Elisabete Rodrigues, Sandra Loureiro, C…, S…e R…– depoimentos das testemunhas S…, E…e S…;
14) O número de horas despendido por cada um dos colaboradores da Autora com a elaboração da proposta foi registado pelos mesmos em sistema de registo de tarefas diárias em uso naquela empresa, deste se extraindo o registo, para esse efeito, de 31 horas por E…, 22 horas por S…, 16 horas por C…, 19 horas por S…e 3 horas por R…– depoimentos das testemunhas S…, E… e S…, bem como documento junto aos autos pela Autora em 22.02.2022, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido;
15) Os salários base mensais e isenção de horário de cada um dos colaboradores da Autora eram, entre Julho e Setembro de 2021, os seguintes: E…– 1.600,00 EUR; S…– 1.550,00 EUR; C….– 2.750,00 EUR; S…– 900,00 EUR; e R….– 900,00 EUR – docs. n.ºs 10 a 24 juntos com a petição inicial, para os quais se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidos;
16) Por decisão proferida nestes autos em 17.01.2022 foi julgada “procedente a presente acção (sem prejuízo do diferimento da apreciação do pedido relativo a pagamento da quantia de 3.571,16 EUR, a título de custos com a elaboração da proposta, nos termos do artigo 90.º, n.º 4 do CPTA) e, em consequência, anulo o acto de adjudicação impugnado e condeno a Entidade Demandada a, no prazo de 60 dias, aprovar novas peças do procedimento, sem reincidir nas ilegalidades detectadas e praticar todos os demais actos subsequentes legalmente previstos para a tramitação do procedimento pré-contratual em causa”fls. 517-554 do suporte electrónico dos autos, para as quais se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidas;
17) Na sequência da decisão a que se refere o ponto anterior, por despacho do Bastonário da Ordem dos Advogados de 31.03.2022 foi determinada a abertura de novo concurso limitado por prévia qualificação, tendo como objecto a celebração de contrato para Implementação de Novo Sistema de Informação para a Ordem dos Advogados e ao qual foi atribuída a referência CLPQ108/OA/2022doc. n.º 1 junto aos autos em 02.06.2022, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido;
18) Do teor do programa do procedimento a que se refere o ponto anterior extrai-se, para além do mais, o seguinte:
“(…) I - Identificação do Procedimento
O presente procedimento tem por objeto a aquisição e implementação de novo sistema de informação para a Ordem dos Advogados, nos termos e com as condições definidas no Caderno de Encargos.
(…)
IV - Decisão de Contratar
A decisão de contratar foi adotada pelo Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados, através de despacho de 31 de março de 2022, ao abrigo do disposto nos artigos 36.º n.º 1 e 38.º do CCP, e artigo 40.º, nº 1, alínea f) do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro.
(…)
XXII - Critério de Adjudicação
1. A adjudicação é efetuada segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa, na modalidade da melhor relação qualidade-preço, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 74.º do CCP, composto pelos seguintes fatores:
a) Valor de custo de implementação do projeto (preço global);
b) Valor de manutenção corretiva e preventiva através de blocos de 100 horas vinculativo por 24 meses (preço unitário por bloco);
c) Prazo de execução do projeto, em dias, contados até go live, e em cumprimento do disposto nas especificações técnicas do Caderno de Encargos.
d) Experiência da equipa a afetar ao projeto, que tem de ser composta por 1 consultor contratado com certificação comprovada em metodologia de gestão de projetos e com, pelo menos, 10 anos de experiência, e outros 5 consultores com, pelo menos 3 anos de experiência, todos com a experiência comprovada de ter participado no desenvolvimento e implementação de 5 sistemas de informação com as características definidas na alínea a) do n.º 1 do ponto XI do presente Programa.
2. A classificação final de cada proposta será obtida pela seguinte fórmula, em que se pode verificar a ponderação de cada fator:
a) Valor de custo de implementação do projeto:

PP(i) = P(i)x54%
Ppi é o preço de implementação do projeto proposto
PBase é o preço base previsto no Caderno de Encargos para a implementação do projeto
PP(i) é a pontuação do concorrente neste critério
b) Valor de manutenção corretiva e preventiva através de blocos de 100 horas vinculativo por 24 meses (preço unitário por bloco). Este suporte pode ser prestado, total ou parcialmente, nas instalações do Conselho Geral da Ordem dos Advogados:

Bhp(i) é o preço do bloco de 100 horas proposto
BhMáx é o preço máximo definido no Caderno de Encargos para o bloco de 100h
BH(i) é a pontuação do concorrente neste critério
c) Prazo de execução do projeto

PE(i) = Pe(i) x 20%
Pep(i) é o prazo de execução proposto
PeMáx é o prazo de execução máximo previsto no Caderno de Encargos
PE(i) é a pontuação do concorrente neste critério
d) Equipa a afetar ao projeto:
Gestor (G) – pontuação atribuída de 0 a 1 – experiência entre 10 anos (= 0) e 35 anos (=1) – 0,04 pontos por cada ano completo de experiência a partir da experiencia mínima (10 anos)
Consultores (C) – pontuação atribuída de 0 a 1 – experiência entre 3 anos (=0) e 35 anos (=1) – 0,031250 por cada ano completo de experiência a partir da experiência mínima (3 anos)
G = pontos atribuídos ao gestor x 6
C = pontos atribuídos a cada consultor x 3
EQ(i) = G1 + C1 + C2 + C3 + C4 + C5
EQ(i) é a pontuação do concorrente neste critério
Classificação Final = PP(i) + BH(i) + PE(i) + EQ(i)
A proposta vencedora é a que apresenta o valor superior.
A pontuação será arredondada até à 6.ª casa decimal
(…)” doc. n.º 1 junto aos autos em 02.06.2022, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido;
19) A Autora apresentou candidatura no âmbito do procedimento a que se refere o ponto 17) –doc. n.º 2 junto aos autos em 02.06.2022, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido.
*
Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.
*
Motivação:
A decisão da matéria de facto relevante para a decisão da causa efectuou-se com base na posição assumida pelas partes nos respectivos articulados, bem como na análise crítica e conjugada dos documentos constantes dos autos, concretamente os juntos pelas partes e o processo administrativo junto aos autos, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, os quais dada a sua natureza e qualidade mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.
No que concerne à prova testemunhal produzida nos autos, de salientar que a mesma se assumiu como relevante para prova dos factos constantes dos pontos 13 e 14 do probatório, para o que contribuíram os depoimentos das testemunhas S…, E….e S…, todas elas trabalhadoras da Autora que tiveram intervenção directa na elaboração da proposta para efeitos do procedimento aqui em discussão – de onde lhes advém o conhecimento directo dos factos relativamente aos quais prestaram depoimento.
As testemunhas identificadas prestaram depoimentos de forma espontânea e convincente, mais a mais corroborando-se mutuamente, tendo as mesmas identificado os colaboradores da Autora que tiveram intervenção na elaboração da proposta.
Mais lograram descrever as tarefas que foram realizadas para esse efeito (salientando-se neste aspecto o depoimento da testemunha S…, a qual relatou de forma pormenorizada as actividades concretamente realizadas no contexto da participação no procedimento em crise nos autos).
As testemunhas da Autora relataram ainda de forma credível e coincidente que o respectivo trabalho diário é registado em sistema interno em uso na empresa, ao que acresce que, pese embora não conseguissem concretizar o número de horas despendido com o concurso aqui em causa, confirmaram a credibilidade dos números que lhes foram transmitidos como constando do registo diário. Motivo pelo qual concluiu o Tribunal pela credibilidade da matéria a que se reporta o ponto 14 do probatório, conjugando o teor dos documentos ali identificados com os depoimentos das testemunhas da Autora.
Quanto ao demais, da prova testemunhal produzida nos autos nada mais resultou de relevante para a apreciação do pedido indemnizatório deduzido pela Autora.
III.2. DIREITO
(…)
Na situação sub judice, a aqui Autora apresentou candidatura e, posteriormente, proposta no âmbito do procedimento de contratação por concurso limitado por prévia qualificação aberto pela Entidade Demandada em 12.07.2021, com a designação Implementação de novo Sistema de Informação para a Ordem dos Advogados – CLPQ200/AO/2021.
Mais se verifica que, ainda na pendência daquele procedimento, a Autora viria a intentar a presente acção com vista à declaração de ilegalidade de disposições contidas no Programa do Procedimento e no Convite, com a consequente anulação da decisão de aprovação das peças do procedimento, tendo depois ampliado a instância à impugnação do acto de adjudicação que entretanto foi proferido.
Constata-se ainda que, em 17.01.2022, este Tribunal apreciou parcialmente o mérito da causa, tendo concluído pela verificação das invalidades apontadas pela Autora às peças do procedimento, concretamente atento o teor das alíneas a), b), c) e d) dos n.ºs 1 e 2 do Artigo IX do Convite, bem como nas alíneas a), b), c) e d) dos n.ºs 1 e 2 do Artigo XXIII do Programa do Procedimento, disposições que se considerou violarem o disposto nos artigos 75.º, n.ºs 1 e 3 e 139.º, n.º 4 do Código dos Contratos Públicos, bem como os princípios da legalidade e da concorrência previstos no artigo 1.º-A do mesmo diploma. Tais circunstâncias geraram, portanto, a invalidade do acto de adjudicação que procedeu à aplicação dessas mesmas regras procedimentais.
Consequentemente, o Tribunal julgou procedente o pedido de anulação do acto de adjudicação proferido no âmbito do concurso limitado por prévia qualificação aqui em análise, mais condenando a Entidade Demandada a aprovar novas peças do procedimento, sem reincidir nas ilegalidades detectadas e praticar todos os demais actos subsequentes legalmente previstos para a tramitação do procedimento pré-contratual em causa – julgado condenatório ao qual, diga-se, a Entidade Demandada já deu cumprimento, conforme decorre da factualidade apurada nos autos (cf. pontos 17 e 18 do probatório).
Ora, numa primeira aproximação ao que resulta dos autos, temos que, de facto, se verifica objetivamente a ilicitude do acto de adjudicação impugnado, dada a ilegalidade de várias disposições contidas nas peças procedimentais.
Ademais, é inegável que a violação de princípios e normas procedimentais, como as desrespeitadas pelo procedimento subjacente aos autos, é susceptível de redundar na ofensa de direitos e interesses legalmente protegidos dos lesados, porquanto integra no seu âmbito de protecção não só a garantia do cumprimento dos princípios estruturantes da contratação pública, como, mais concretamente, os próprios interesses dos concorrentes na adjudicação das suas propostas.
Pese embora tal princípio, certo é que in casu, na decorrência da anulação do acto impugnado pela Autora, a Entidade Demandada já retomou o procedimento, refazendo as peças procedimentais na sequência do julgado anulatório e condenatório emitido por este Tribunal, pelo que devem retirar-se as devidas consequências de tal facto.
Ora, compulsada a petição inicial apresentada pela Autora, esta pretende ser ressarcida pelo interesse contratual negativo (dano de confiança), correspondente aos danos que não teria sofrido caso a Entidade Demandada houvesse agido em conformidade com as regras e princípios regentes da contratação pública, ou seja, pelos prejuízos que suportou e que não teria suportado, não fossem as ilegalidades apontadas ao acto de adjudicação impugnado e às peças procedimentais (o que abrange, concretamente, atenta a sua alegação, os custos suportados com a elaboração da sua proposta).
O ressarcimento pelo interesse contratual negativo visa colocar o lesado na situação em que estaria não fosse a ilegalidade detectada e se não tivesse participado no procedimento concursal em crise, pelo que, não obstante tal interesse incluir, em tese, os danos/custos decorrentes da apresentação e elaboração de proposta, certo é que pressupõem que tais despesas tenham sido inúteis/infrutíferas.
Pois bem, no caso dos autos, temos que a Autora, após ter sido retomado o procedimento concursal, expurgado das ilegalidades de que padecia e que originariamente despoletou os danos que alega, apresentou nova candidatura no âmbito desse mesmo concurso, pelo que, como refere Esperança Mealha (ob. cit., pág. 108), “a repetição do ato, com a consequente reposição da legalidade, pode traduzir uma violação transitória de direitos ou interesses, cuja correção, com efeitos ex tunc, diminui ou mesmo elimina a possibilidade de gerar danos indemnizáveis”.
Daqui resulta que, com a anulação do acto de adjudicação judicialmente determinada e, bem assim, com a aprovação de novas peças do procedimento e a retoma do mesmo, a Autora viu-se na mesma posição em que estaria não fossem as ilegalidades detectadas no concurso originário, tendo inclusivamente já apresentado candidatura no âmbito do novo concurso.
Como refere a mesma autora a que nos vimos referindo (ob. cit., pág. 117), “a natureza urgente do processo de contencioso pré-contratual (artigos 101.º e 102.º), bem como a possibilidade de lhe associar pedidos cautelares, especificamente destinados a corrigir a ilegalidade ou a impedir que sejam causados outros danos aos interesses em presença (132.º), destina-se a procurar uma solução do litígio em tempo útil, preferencialmente e antes de concluído o procedimento adjudicatório e, no limite, antes de executado o contrato. O que significa que, em geral, a utilização destes recursos é a forma adequada de repor a legalidade e simultaneamente reintegrar a esfera jurídica do lesado. Sem prejuízo, haverá casos em que, ainda que se tivesse logrado eliminar os efeitos ilegais do ato, subsistiriam danos só reparáveis por via da indemnização (…)” – realce nosso.
No caso dos autos, não só foi judicialmente determinada a anulação do acto de adjudicação e a repetição do concurso limitado por prévia qualificação, como foram já retiradas consequências de tal julgado pela Entidade Demandada, através da repetição do procedimento e, com isso, sendo retomada a legalidade.
A esta luz, não se vislumbram prejuízos que subsistam após a retoma do procedimento e que apenas sejam reparáveis através de indemnização.
Com efeito, “(…), a problemática em sede da responsabilidade civil pré-contratual do ressarcimento do interesse contratual positivo ou do interesse negativo apenas se coloca nos casos em que apesar do uso dos meios contenciosos o lesado não logrou obter ou assegurar a reconstituição da situação jurídica violada mercê da atribuição ao mesmo, mediante renovação do acto, „… da posição vantajosa a que este aspirava com a sua apresentação ao concurso …‟, cingindo-se assim tão-só „… às situações em que, não tendo havido lugar à reintegração da ordem jurídica violada ou ao pagamento de indemnização por inexecução, tenha vindo a ser intentada acção autónoma de indemnização com base em responsabilidade civil pré-contratual(…)‟” – realce nosso do acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA) Norte de 04.11.2011, proferido no Proc. n.º 00213/06.1BELLE, disponível em www.dgsi.pt.
Por todos os motivos expostos e relembrando que, nas palavras de Esperança Mealha, não basta a existência de uma ilegalidade objectiva, pois exige-se também a ilicitude desse facto, ou seja, que dessa actuação anti-jurídica resulta a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos, concluímos que admitir que a Autora pudesse ser ressarcida pelos danos por si alegados redundaria num eventual enriquecimento injustificado, porquanto a eliminação com efeitos ex tunc das ilegalidades assacadas ao procedimento coloca a Autora na situação actual hipotética que, na verdade, coincide com a situação actual real (dada a repetição do procedimento).
Conceder-lhe a indemnização pretendida significaria, na verdade, uma duplicação de efeitos – não só pela reposição da legalidade, como pelo pagamento de uma quantia indemnizatória com vista, justamente, a colocar a Autora na situação em que estaria não fosse a ilegalidade praticada, sendo de sublinhar que a reconstituição do procedimento expurgado das ilegalidades assacadas (situação actual hipotética) implica que sempre a Autora teria de suportar os custos correspondentes à elaboração da respectiva proposta.
E nem se vislumbra, como pretende a Autora, que existam quaisquer danos temporários que cumpra ressarcir, na medida em que os prejuízos cujo ressarcimento vem peticionado são unicamente os correspondentes ao custo suportado com a elaboração da proposta, os quais não têm a virtualidade de produzir efeitos danosos de modo prolongado e/ou temporário.
Cumpre ainda salientar que a posição aqui sustentada encontra-se suportada pelo decidido pelo TCA Sul em situação semelhante à que nos ocupa (cf. acórdão de 21.04.2022, proferido no âmbito do Proc. n.º 1020/20.4BELRA, disponível em www.dgsi.pt), no qual se concluiu o seguinte:
“VI - A julgada ilegalidade das normas concursais e do acto que determinou a exclusão da proposta da Recorrente e a não adjudicação do procedimento, poderia fundamentar, verificados os pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual, a peticionada indemnização se o Recorrido não tivesse cumprido com o julgado;
VII - Ao retomar o procedimento na fase inicial, com novas regras, o Recorrido repôs a legalidade, reconstituindo a situação legal hipotética que existiria se as normas ilegais e o acto anulado não tivessem existido na ordem jurídica, o mesmo é dizer que a respectiva anulação operou retroactivamente [com efeitos ex tunc], colocando a Recorrente na posição em que deveria ter estado se não fossem as ilegalidades apuradas, destruindo inclusive a situação de ilegalidade temporária ocorrida” – realce nosso.
Mais a mais, urge salientar que, em sede de petição inicial, a Autora se limitou a alegar e concretizar o dano resultante do custo da retribuição dos colaboradores da Autora correspondente ao tempo despendido com a preparação e elaboração da proposta apresentada no procedimento de concurso público em causa nos autos, o qual computou no valor global de 3.571,16 EUR e peticionou a final (cf. artigos 96.º e 99.º a petição).
Significa isto que, em bom rigor, a Autora não peticionou no seu articulado inicial danos inerentes ao custo com a elaboração da sua candidatura, motivo pelo qual se assumem como irrelevantes as considerações apresentadas posteriormente, no respectivo requerimento de 21.11.2022, quanto à impossibilidade de aproveitamento do trabalho realizado para efeitos de preparação e elaboração da sua candidatura – abstendo-se o Tribunal, por isso, de efectuar qualquer análise sobre esse aspecto.
Por outro lado, não se vislumbram diferenças substanciais no critério de adjudicação e inerentes elementos que deverão constituir as propostas que impliquem a impossibilidade de aproveitamento do trabalho desenvolvido no ano de 2021 para efeitos de apresentação da proposta.
De resto, julgamos ainda que a pretensão da Autora soçobra igualmente por não verificação do requisito do nexo de causalidade.
Com efeito, em primeiro lugar, cumpre referir que, ao contrário do requisito da culpa, o nexo de causalidade não configura um pressuposto de verificação objetiva, dependendo de alegação e prova, não constituindo, de igual forma, um qualquer facto notório, pese embora se possa estabelecer um nexo de causalidade por força do funcionamento das presunções judiciais através dos factos conhecidos e provados nos autos (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30 de setembro de 2014, proferido no processo n.º 1415/07.9TCLRS.L1-1).
Compulsada a petição inicial, o que se constata é que da mesma não resulta qualquer alegação factual ou jurídica sobre o pressuposto do nexo de causalidade.
Todavia, ainda que o Tribunal lançasse mão da figura das presunções judiciais, a conclusão seria sempre a mesma, porquanto não resulta dos autos que os danos alegados pela Autora são causa das ilegalidades de que padecem os actos impugnados na presente acção e as peças procedimentais.
Com efeito, resulta da factualidade apurada nos autos que a Autora intentou a presente acção já após a prolação de relatório preliminar da fase de apresentação das propostas do procedimento em discussão, sendo que em momento anterior à apresentação da sua proposta já estaria ciente das ilegalidades que viria a imputar às peças do procedimento.
Veja-se, a este propósito, o pedido de esclarecimentos apresentado em 17.09.2021, momento no qual a Autora já salientava que “depois de o Programa de Procedimento ter exigido, em fase de qualificação, a apresentação de 3 declarações para que a OA garantisse que só se qualificavam empresas com a experiência necessária e adequada, os concorrentes têm de voltar a entregar, desta vez 10 declarações, para que possa ser avaliada, novamente, a sua experiência?”, assim revelando ter presente já nesse momento a invalidade inerente à avaliação da sua experiência para efeitos de aplicação do critério de adjudicação (cf. pontos 5 e 6 do probatório).
Ora, no ordenamento jurídico português, no seio tanto da doutrina como da jurisprudência nacionais, vigora enquanto tese maioritária a tese da causalidade adequada, a qual, contudo, se encontra formulada em duas vertentes, correspondendo a primeira à vertente positiva, nos termos da qual só serão indemnizáveis os danos que se traduzam em consequências típicas do facto.
No entanto, não foi esta formulação que vingou, mas antes a sua formulação negativa, a qual encontra consagração no artigo 563.º do CC, segundo o qual só existe obrigação de indemnizar em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, ou seja, «consagra este preceito a teoria da “causalidade adequada” ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”, sendo essencial que o “facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”[3]. Ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, que “a fórmula usada no artigo 563º deve, assim, interpretar-se no sentido de que não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz adequada desse efeito” – (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de março de 2019, proferido no processo n.º 2411/10.4TBVIS.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Nesta medida, apenas serão indemnizáveis os danos que se encontrem numa relação estreita de dependência e causalidade com o facto ilícito que os originou, na medida em que sem aquele facto não se teriam produzido e, aquele mesmo facto configura em abstrato a causa adequada da sua produção, ou seja, exige-se um nexo naturalístico e, bem assim, um nexo de adequação. Assim, para que se tenha por verificado o requisito do nexo de causalidade não basta a existência de um nexo naturalístico, ou seja, que os danos se traduzam numa consequência normal ou típica de determinado facto, mas, ainda que se mostrem como uma causa adequada daqueles danos, que haja, por conseguinte, um nexo de adequação, atentas as regras da experiência comum, apenas podendo ser desconsiderado o facto gerador do dano caso aquele se mostre desadequado à sua produção ou se apenas o tiver produzido por força de circunstâncias anormais ou imprevisíveis.
Conforme se disse, a Autora revelou, ainda antes da apresentação da sua proposta, ter detectado pelo menos uma das ilegalidades posteriormente imputadas às peças do procedimento, o que significa que, pese embora tal invalidade, optou por apresentar proposta, aceitando assumir os riscos que tal opção implicaria.
A esta luz e sempre sem prejuízo de nada vir alegado na petição inicial quanto ao nexo causal, não se pode afirmar que os danos alegados na petição pela Autora – os quais se circunscrevem apenas aos custos com a elaboração da proposta – decorrem de forma directa das ilegalidades de que padeciam as peças procedimentais, por se vislumbrar que a causa directa de tais danos foi a própria acção da Autora ao apresentar proposta, quando podia, antes mesmo de o fazer, ter colocado em crise a validade das estipulações procedimentais.
Portanto, considerando que os danos cujo ressarcimento a Autora peticiona na petição inicial são os relativos aos custos com a elaboração da proposta – nada ali vindo alegado quanto a pretensos danos com a elaboração da candidatura ou à perda de oportunidade de concorrer a outros procedimentos, os quais, por não terem natureza superveniente, deveriam ter sido necessariamente peticionados no articulado inicial, o que a Autora não fez –, a mesma podia e devia ter-se abstido de apresentar proposta perante as invalidades das peças do procedimento que já havia detectado.
Por todo o exposto, conclui-se que, pese embora o acto de adjudicação impugnado neste processo seja objectivamente ilícito, o facto de, em cumprimento do julgado anulatório, a Entidade Demandada ter já retomado o procedimento concursal, aprovando novas peças e com isso repondo a legalidade (assim proporcionando à Autora a possibilidade de apresentação de proposta a este renovado procedimento e, simultaneamente, reintegrando a sua esfera jurídica), ocorreu a eliminação dos efeitos ilegais e ilícitos do acto anulado – tendo a Autora, de resto, já apresentado candidatura no âmbito do procedimento ora em curso.
Mais a mais, falha também o pressuposto do nexo de causalidade, de cuja verificação dependia igualmente a responsabilidade da Entidade Demandada que aqui a Autora pretende efectivar, motivos pelos quais improcede necessariamente o pedido indemnizatório deduzido.
IV. DECISÃO
Termos em que, pelos fundamentos expostos, julgo totalmente improcedente o pedido de condenação da Entidade Demandada no pagamento de indemnização, absolvendo a mesma de tal pedido.»

Escrutinando a tramitação seguida nos presentes autos após terem sido remetidos ao Tribunal a quo, verifica-se que, efetivamente, a Recorrente foi notificada do despacho prolatado em 09/11/2022, que ordenava a notificação das partes para exercerem o respetivo direito ao contraditório no que concerne à factualidade visada no Acórdão de 06/10/2022 deste Tribunal de Apelação.
E a Recorrente respondeu, apresentando requerimento em 21/11/2021 onde debate a factualidade em questão e realiza o respetivo enquadramento jurídico, culminando com a apresentação de prova documental e requerendo a produção de prova testemunhal.
Sendo assim, em face desta tramitação, não remanesce dúvida de que a Recorrente teve oportunidade de expressar a sua posição relativamente ao factos a que se referiam o aludido ponto 15 do probatório da sentença proferida em 09/05/2022, e que concernem à aprovação de novas peças do procedimento, bem como ao prosseguimento da tramitação concursal e apresentação de propostas, incluindo a da Recorrente. Mais teve a Recorrente a oportunidade de expressar a sua argumentação em prol da indiferença da nova factualidade para efeitos de atribuição de indemnização decorrente dos prejuízos sofridos com a apresentação da proposta inicial, antes da reformulação das peças do procedimento.
Sucede que a Recorrente clama que o cabal exercício do seu direito ao contraditório apenas seria garantido com a produção da prova testemunhal nos termos descritos no referido requerimento de 21/11/2021. E que tal necessidade decorre diretamente do citado Acórdão que este Tribunal de Apelação prolatou em 06/10/2022.
Mas a verdade é que não tem razão.
É que, não só o sobredito Aresto não impõe a produção de prova testemunhal, como até nem sequer impõe a produção de algum meio de prova específico.
Depois, a factualidade a que respeita, e concretiza, o pedido indemnizatório, e que se encontra invocada nos pontos 93, 95, 96, 97, 98, 99, 100 e 101 da petição inicial, foi objeto de prova requerida pela Recorrente- declarações de parte e prova testemunhal- e foi dada, grosso modo, como provada, como decorre do exame dos pontos 11 a 15 do probatório da sentença proferida pelo Tribunal a quo em 09/05/2022, bem como dos pontos 13 a 15 do probatório da sentença agora sob recurso.
Acresce que, o exercício do contraditório por banda da Recorrente não pode ter como fito introduzir nos autos factualidade nova relativamente a um pedido indemnizatório que foi formulado logo na petição inicial, e relativamente ao qual não ocorre qualquer alteração superveniente, pois que o dano sofrido pela Recorrente mantém-se o mesmo, e que é o prejuízo derivado do custo com a elaboração da primeira proposta apresentada ao procedimento concursal.
Realmente, contrariamente ao que sustenta a Recorrente, o exercício do contraditório imposto por este Tribunal de Apelação não tem a ver com a impossibilidade de aproveitamento da primeira proposta, mas sim com a apresentação de novas peças do procedimento, expurgadas das ilegalidades identificadas, e com a subsequente apresentação de proposta por banda da Recorrente. A eventual diferença de propostas estará patenteada e acessível pela mera comparação de propostas. E, mesmo assim, tal só demonstrará, em termos fácticos e quando muito, que a Recorrente apresentou duas propostas diferentes no mesmo procedimento concursal.
Pelo que, face ao pedido indemnizatório que vem formulado na petição inicial, não se descortina qualquer motivo ou necessidade para repetir a instrução já realizada nos autos quanto à matéria factual que suporta essa pretensão indemnizatória, uma vez que, tal matéria encontra-se já demonstrada.
Ademais, a subsistência de diferença entre as primitivas peças do procedimento e as elaboradas na sequência da sentença proferida pelo Tribunal a quo em 17/01/2022, bem como de diferença de propostas, e à circunstância de a segunda proposta apresentada pela Recorrente ser eventualmente diferente da primeira, configura essencialmente um juízo conclusivo, que se suporta, em termos probatórios, no exame dos elementos documentais já juntos aos autos pela Recorrente e pela Recorrida. Sendo que, a extração de efeitos jurídicos daquela diferenciação de propostas é já questão materializadora da aplicação do direito, e que não é apta, nem carece, de qualquer atividade probatória.
Deste modo, ponderando a fundamentação do Acórdão de 06/10/2022 deste Tribunal de Apelação, bem como a tramitação processual realizada nos autos após tal Acórdão, não se descortina qualquer coartação do direito de defesa da Recorrente.
Aliás, o que dimana da sua impetração é, sim, a discordância com o julgamento do Tribunal a quo no que tange aos pressupostos da responsabilidade pré-contratual, mormente, quanto à apreciação da ilicitude e do nexo de causalidade, matéria em que aquele Tribunal valoriza a reposição concursal da legalidade, dai extraindo efeitos excludentes de responsabilidade civil da Recorrida.
Contudo, esta discordância materializa a imputação de erro de julgamento, nada tendo a ver com a violação de caso jugado, nem com nulidade da sentença.

Destarte, atento o exposto, é mister concluir que a sentença agora recorrida, proferida pelo Tribunal a quo em 26/01/2023, não viola o caso julgado derivado do Acórdão promanado por este Tribunal Central Administrativo Sul em 06/10/2022.


V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
I- Admitir o recurso quanto à invocação de violação do caso julgado, rejeitando-o quanto ao mais;
II- Negar provimento ao recurso; e
III- Confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 26 de outubro de 2023,

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Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro- Relatora

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Catarina Gonçalves Jarmela

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Jorge Pelicano