Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2091/21.9BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:06/02/2022
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:CONTRATAÇÃO PÚBLICA
EXCLUSÃO DE PROPOSTA
EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO CONCURSAL
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
AJUSTE DIRETO
CUSTAS
Sumário:I - A exclusão da única proposta apresentada a concurso determina necessariamente a revogação da decisão de contratar, e assim a extinção do procedimento concursal, conforme decorre do disposto no artigo 80.º, n.º 1, do CCP.
II - Com esta extinção, desaparece o objeto da ação instaurada por interessado que não concorreu ao procedimento, que visa a declaração de ilegalidade de cláusula do caderno de encargos, ocorrendo impossibilidade superveniente da lide.
III - A adoção de ajuste direto nos termos que decorrem do disposto no artigo 24.º, n.º 1, al. b), e n.º 4, als. a) e b), do CCP, implica um novo procedimento, com nova decisão sobre a respetiva escolha e respetivas peças, apenas se impondo que o caderno de encargos não seja substancialmente alterado.
IV - Não sendo de imputar à atuação da entidade pública a impossibilidade superveniente da lide, numa situação em que nenhuma das partes tirou proveito do processo, impõe-se a responsabilização da autora pelo pagamento das custas, em conformidade com o disposto no artigo 536.º, n.º 3, do CPC.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO
C...... – T....., S.A., intentou ação de contencioso pré-contratual contra Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. na qual pede a declaração de ilegalidade da cláusula 19.ª do caderno de encargos do procedimento de concurso público internacional para a contratação de serviços de produção, impressão e emissão personalizada de cartões de pagamento pré-pagos.
Indicou como contrainteressados C...... – C....., S.A., I...... , S.A., S...... , S.A, e N...... , S.A.
Por sentença de 31/01/2022, o TAC de Lisboa julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, por falta de objeto.
Inconformada, a autora interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“A. A douta Sentença recorrida enferma de erro de julgamento no segmento decisório em que julgou a instância extinta por inutilidade superveniente da lide, uma vez que, ao contrário do que nela se sustentou, as decisões da Recorrida Pública de excluir a única proposta apresentada e de revogar a decisão de contratar, por não terem o efeito retroactivo inerente a uma anulação, deixaram incólume ao menos um efeito do concurso público em apreço e do Caderno de Encargos inicialmente impugnado, consistente na possibilidade jurídica, conferida pelo art. 24.º, 1, b) e 4, a) e b) CCP, de a Recorrida Pública, durante os seis meses subsequentes às decisões referidas, adjudicar o mesmo contrato por ajuste directo às concorrentes cuja proposta foi excluída, e apenas a essas, ora Recorridas Particulares, sem qualquer procedimento competitivo a que a Recorrente se possa apresentar, sendo que, em casos de mera revogação não retroactiva dos actos impugnados na pendência do processo impugnatório, o art. 65.º, 1 CPTA precisamente determina que «o processo prossegue em relação aos efeitos produzidos», e sendo em todo o caso claro que, tratando-se de um efeito jurídico real, imediato e desfavorável à Recorrente, esta carece da intervenção judicial, i.e. tem interesse processual na sua eliminação, não obstando a tal interesse a mera declaração da Recorrida Pública, efectuada extraprocedimentalmente no próprio processo contencioso, sem qualquer alcance autovinculante, de que não tenciona exercer a faculdade adjudicatória em questão.
B. A douta Sentença recorrida enferma de erro de julgamento no segmento decisório em que indeferiu a ampliação da instância à impugnação do acto administrativo pelo qual a Recorrida Pública determinou a exclusão da única proposta apresentada e a revogação da decisão de contratar, desde logo na medida em que tal segmento decisório foi baseado no erróneo julgamento de inutilidade superveniente da lide e no seu suposto fundamento da falta de interesse em agir da Recorrente, refutados na Conclusão A, mas também na medida em que se funda numa errada interpretação e aplicação do art. 63.º, 1 e 2, uma vez que, ao contrário do que se sustenta na douta Sentença recorrida, o n.º 1 referido deve ser interpretado como permitindo a ampliação da instância à impugnação de actos praticados no mesmo procedimento que o acto inicialmente impugnado na pendência do processo impugnatório independentemente de aquele procedimento se ter entretanto extinto, e que se verifica inquestionavelmente um dos pressupostos de aplicação do n.º 2 referido, que é a superveniência de acto administrativo (aquele que excluiu a única proposta apresentada e revogou a decisão de contratar) cuja validade depende da validade do acto inicialmente impugnado (a Cláusula 19.ª do Caderno de Encargos), como aliás se comprova da circunstância de a impugnação do acto primeiramente referido se ter exclusivamente baseado na sua invalidade consequente da invalidade do acto referido em último lugar.
C. A douta Sentença recorrida enferma de erro de julgamento no segmento decisório em que julgou improcedente o pedido de decretamento de medidas provisórias, uma vez que os fundamentos invocados para tal julgamento constituem, em exclusivo, resultados lógicos dos dois segmentos decisórios anteriormente abordados, designadamente a suposta impossibilidade superveniente da lide e do incidente de medidas provisórias, cuja improcedência forma as Conclusões A e B, para as quais se remete.
D. A douta Sentença recorrida enferma de violação de lei no segmento decisório em que condenou a Recorrente na totalidade das custas, quer pela acção, quer pelo incidente de medidas provisórias, não só porque os pressupostos de tal condenação deixam de se verificar em virtude da ora peticionada revogação dos três primeiros segmentos decisórios da douta Sentença recorrida, com os fundamentos que formam as Conclusões A, B e C, mas também porque, mesmo admitindo sem conceder que tinha ocorrido impossibilidade superveniente da lide e que portanto os três referidos segmentos decisórios seriam de manter, esta suposta impossibilidade, tal como configurada na própria douta Sentença recorrida, teria resultado do acto administrativo praticado pelo Conselho de Administração da Recorrida Pública que operou a exclusão da única proposta apresentada e a revogação da decisão de contratar, assim resultando de facto totalmente imputável à Recorrida Pública, pelo que seria aplicável o art. 536.º, 3 CPC, ex vi art. 1.º CPTA, nos termos do qual a responsabilidade total por custas, ao menos quanto à acção, seria da Recorrida Pública, sendo que, no limite, e ad absurdum, tal responsabilidade seria quando muito dividida por ambas as partes por força do art. 536.º, 1 CPC.
Nestes termos e nos melhores de Direito que os Venerandos Senhores Desembargadores doutamente suprirão, deve a douta Sentença recorrida ser revogada, devendo ainda, nos termos do art. 149.º, 3 CPTA, ser aquela douta Sentença substituída por Acórdão desse Venerando Tribunal que decida o mérito da causa e o incidente de decretamento de medidas provisórias nos termos peticionados pela ora Recorrente nos autos em que subiu o presente recurso. “
A recorrida não apresentou contra-alegações.

Perante as conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir dos erros da decisão recorrida:
- ao julgar a instância extinta por inutilidade superveniente da lide;
- ao indeferir a ampliação da instância à impugnação do ato de exclusão da única proposta apresentada e a revogação da decisão de contratar;
- ao julgar improcedente o pedido de decretamento de medidas provisórias;
- ao condenar a recorrente na totalidade das custas.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
*
II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
A - Por deliberação do Conselho Diretivo de 07/10/2021, exarado na informação n.º -IGFSS/#DGA-DAI-NCP/218362/2021, de 29/09/2021, a aqui ED INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. autorizou a abertura de um concurso público para a aquisição de serviços de produção, impressão e emissão personalizada de cartões de pagamento pré-pagos, pelo preço base 825.000,00 EUR, bem como procedeu à aprovação das respetivas peças procedimentais, Programa de Procedimento e o Caderno de Encargos, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos - cf. 1.ª parte do PA;
B) - O Concurso identificado na alínea antecedente foi publicitado através de Anúncio n.º 13008/2021, no Diário da República, 2.ª série, n.º 201, de 15 de outubro de 2021, e no Jornal Oficial da União Europeia, Série S, através do Anúncio n.º 2021/S 202- 527828, publicado a 18 de outubro de 2021 - cf. 1.ª parte do PA;
C) - Em 24-11-2021, os serviços da ED elaboraram a Informação n.º I-IGFSS/#DGA-DAI-NCP/283307/2021, relativa a uma “Proposta de não Adjudicação e Revogação da decisão de contratar – Concurso Público com publicidade internacional para a contratação de serviços produção, impressão e emissão personalizada de cartões de pagamento de cartões de pagamento – Cartões pré-pago”, com o seguinte teor:


“(texto integral no original; imagem)”




- cf. documento junto com a contestação da ED;
D) - Em 25-11-2021, o Conselho Diretivo da ED deliberou excluir a única proposta que foi apresentada no Concurso Público identificado em A), bem como revogar a decisão de contratar - cf. documento junto com a contestação da ED e documentos juntos e que integram a 3.ª parte do PA;
E) - A presente ação de contencioso pré- contratual deu entrada em juízo em 15- 11-2021 - cf. registo no SITAF.
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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, as questões a decidir cingem-se a saber se ocorrem erros da decisão recorrida:
- ao julgar a instância extinta por inutilidade superveniente da lide;
- ao indeferir a ampliação da instância à impugnação do ato de exclusão da única proposta apresentada e a revogação da decisão de contratar;
- ao julgar improcedente o pedido de decretamento de medidas provisórias;
- ao condenar a recorrente na totalidade das custas.

Consta da decisão recorrida a fundamentação que segue:
A autora veio instaurar a presente ação de contencioso pré-contratual na qual pede que a cláusula 19.ª do CE a que se refere o procedimento concursal identificado nas alíneas A) e B) do probatório seja declarada ilegal.
Sucede que, conforme se encontra provado, tendo sido excluída a única proposta apresentada a concurso pelo concorrente consórcio C...... , S.A. e S...... , S.A. foi revogada a decisão de contratar, nos termos do artigo 80.º, nº 1 do CCP, extinguindo-se, consequentemente, o procedimento concursal em apreço e as respetivas peças deste procedimento (aqui se incluindo naturalmente o Caderno de Encargos impugnado), que, como são peças de um determinado procedimento, esgotam-se nele e extinguem-se com ele.
Ora, sendo extinto o procedimento concursal e revogada a decisão de contratar, não existindo nova regulação sobre a situação, não subsistem quaisquer efeitos deste concurso.
Assim, é de concluir que a instância se tornou superveniente impossível, por falta de objecto, o que determina a extinção da instância, nos termos do artigo 277.º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA.
A argumentação aduzida pela Autora no seu requerimento de fls. 459 e seguintes [data de registo 22-12-2021 21:46:01] não é de molde a afastar esta conclusão.
A Autora alega que o seu interesse processual não fica satisfeito com um ato revogatório que extinguiu o procedimento concursal para o futuro, deixando intocados os seus efeitos já produzidos pelos atos jurídicos nele praticados, incluindo o caderno de encargos a que pertence a cláusula impugnada nos autos; tal interesse, pelo contrário, apenas fica satisfeito com a procedência da sua pretensão anulatória da mesma cláusula através de uma decisão com força de caso julgado que, retroativamente, a elimine da ordem jurídica, impedindo o seu aproveitamento num novo procedimento adjudicatório; e que apesar de poder à primeira vista parecer favorável à pretensão da Autora, o mesmo ato administrativo produz um efeito jurídico que é lesivo da sua esfera jurídica, consistente no espoletamento de uma permissão à ED para que adjudique às contrainteressadas que apresentaram a única proposta excluída um contrato substancialmente idêntico visado pelo concurso em apreço, por ajuste direto, ou seja, num procedimento em que a Autora não tem qualquer possibilidade de competir.
Isto porque, como a Autora salienta naquele seu requerimento, a prolação daquele ato administrativo implica, nos termos do artigo 24.º, 1, b) e 4, a) e b) CCP, que a Entidade Adjudicante passe a poder, durante os seis meses subsequentes, adjudicar o mesmo contrato por ajuste direto às concorrentes cuja proposta foi excluída, e apenas a essas, ora contrainteressadas.
Mas, como referido, esta argumentação não pode ser atendida de forma a evitar uma situação de impossibilidade superveniente da lide, que ocorre in casu com a prática do ato de revogação da decisão de contratar. A Autora não tem, de facto, interesse em agir.
Em primeiro lugar porque, como referido, o mencionado ato de revogação da decisão de contratar não define uma nova regulação da situação jurídica, antes se limita a concluir pela exclusão da única proposta apresentada a concurso pelo concorrente consórcio C...... , S.A. e S...... , S.A. e, nessa decorrência, a extrair a conclusão necessária de revogação da decisão de contratar, nos termos do artigo 80.º, nº 1 do CCP, o que determina a extinção do procedimento concursal.
Depois se é certo que o CCP, no seu artigo 24.º, permite a adoção de procedimento de ajuste direto quando em anterior concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação, todas as propostas apresentadas tenham sido excluídas, certo é também que está em causa um outro procedimento, ainda que de ajuste direto ao abrigo de critérios materiais, que implicará necessariamente uma nova decisão de escolha do procedimento, e a aprovação das respetivas peças, que não serão as mesmas, sendo que a possibilidade de recurso pela Entidade Adjudicante a este concreto tipo de procedimento não é imediata, pois o CCP faz depender a sua escolha “desde que o caderno de encargos não seja substancialmente alterado em relação ao daquele concurso”.
Por seu lado, o recurso a este procedimento de ajuste direto é absolutamente incerto e meramente eventual (art.º 24.º, n.º 4, al a)). Portanto, as vantagens que a Autora daqui poderia retirar são vantagens indiretas e meramente eventuais. Tanto mais quando, no caso, a Autora não apresentou sequer qualquer proposta a concurso.
E a escolha deste procedimento de ajuste direto tanto é incerto e eventual que instada pelo Tribunal “para vir aos autos informar de quaisquer superveniências resultantes da sua atuação, incluindo a eventual celebração de contrato ao abrigo do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do CCP, na decorrência da prática do ato de revogação da decisão de contratar, conforme requerido (artigo 8.º do CPTA)” (fls. 495), na senda, aliás, do que a Autora havia requerido no seu requerimento de fls. 459 e seguintes [data de registo 22-12-2021 21:46:01], a ED no seu requerimento de fls. 499 e seguintes [data de registo 14-01-2022 11:13:01], refere de forma expressa o seguinte:
“- Na sequência da revogação da decisão de contratar e da notificação respectiva não existem actuações supervenientes por parte do ora R., conexas com este procedimento.
- O IGFSS.IP, não celebrou nem nunca pretendeu vir a celebrar contrato ao abrigo do disposto no art.º 24.º n.º 1 da alínea b) do CCP.
- Ao invés, o IGFSS.IP, oportunamente, irá lançar novo procedimento concursal, para efeitos de contratação de serviços de produção, impressão e emissão personalizada de cartões de pagamento – cartões pré- pagos”.
Embora agora a Autora, dando o dito por não dito, venha dizer que tal declaração afinal não tem qualquer valor - o que não é verdade, pois a ED confessa que “não celebrou nem nunca pretendeu vir a celebrar contrato ao abrigo do disposto no art.º 24.º n.º 1 da alínea b) do CCP”, e essa declaração tem naturalmente relevo para o que estamos aqui a tratar - é destituído de sentido exigir aqui a prática de um ato administrativo de conteúdo negativo a emitir neste contexto pela Entidade Adjudicante, que de certa forma a autovincule, em definitivo, a não lançar esse novo procedimento de ajuste direto, que, aliás, a lei não obriga.
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Quanto ao pedido de modificação objetiva da instância o mesmo mostra-se infundado.
Através de articulado superveniente (de fls. 470 e seguintes, data de registo 04-01-2022 18:21:22), veio a Autora pedir a anulação do ato de 25-11-2021 “pelo qual se determinou a exclusão da única proposta apresentada e revogar a decisão de contratar no âmbito do Concurso Público com Publicidade Internacional para a Contratação de Serviços de Produção, Impressão e Emissão Personalizada de Cartões de Pagamento”, o que faz “em cumulação superveniente com o peticionado na petição inicial e mediante ampliação da instância, contra a Entidade Demandada e os Contrainteressados identificados na petição inicial, o que faz nos termos dos arts. 4.º, 1, a), 63.º, 1 e 2, 97.º, 1, c), 100.º, 1, 102.º, 1, 103.º, 2 e 3 do CPTA”.
Mais uma vez, falta-lhe aqui o interesse em agir, pois este ato, em si mesmo, desprovido de qualquer nova regulação sobre a situação jurídica, não constitui um ato lesivo para a sua esfera jurídica.
Em segundo lugar, ainda que assim não se entendesse, considerando que foi revogada a decisão de contratar que implica a extinção do procedimento concursal, não mais poderá ser decretada a anulação desse procedimento pelo Tribunal em resultado da (alegada) ilegalidade proveniente da cláusula 19.ª do Caderno de Encargos, pelo que, será de afastar a possibilidade de cumular a pretensão inicialmente peticionada, com qualquer outra, em virtude da sua impossibilidade jurídica.
É ainda de referir que o pedido de modificação da instância foi efetuado com base no disposto no artigo 63.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA. Ora, a invocação do referido preceito não tem qualquer fundamento, já que nele se prevê a hipótese de o ato impugnado se inserir em procedimento que prosseguiu na pendência do processo, o que, no caso concreto se não verifica, já que a única proposta apresentada a concurso foi excluída, a decisão de contratar foi revogada, e o procedimento concursal foi extinto.
Quanto à previsão do n.º 2 daquele preceito também não se verifica já que não houve celebração do contrato, nem se mostra terem sobrevindo quaisquer atos administrativos “cuja validade dependa da existência ou validade do ato impugnado, ou cujos efeitos se oponham à utilidade pretendida no processo”.
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Assim, tudo ponderado, é de indeferir a ampliação da instância requerida, e não havendo deste modo qualquer utilidade que a Autora possa extrair da presente lide, por falta de objeto, tem, pois, de concluir-se pela existência de uma situação de impossibilidade superveniente da lide, que conduz, necessariamente, à extinção da instância, ao abrigo do disposto no artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável por força do artigo 1.º do CPTA.
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A Autora veio deduzir incidente de adoção de medidas provisórias, alegando, em síntese, que:
- Pediu a declaração de ilegalidade e a anulação da Cláusula 19.ª das especificações técnicas do CE do procedimento de concurso público internacional n.º 1001/21/0000109, lançado pela ED cujo objecto é a contratação de serviços de produção, impressão e emissão personalizada de cartões de pagamento pré-pagos;
- Através de articulado superveniente, veio ampliar a instância à impugnação de ato administrativo, entretanto praticado, pelo qual a ED determinou a exclusão da única proposta apresentada e revogar a decisão de contratar no âmbito do concurso público acima identificado, com fundamento na sua ilegalidade consequente da ilegalidade da Cláusula 19.ª das especificações técnicas do CE do mesmo concurso;
- Tendo havido exclusão da única proposta apresentada, nos termos do artigo 24.º, 1, b) e 4, a) e b) do CCP, a ED passou a poder, durante os seis meses subsequentes, adjudicar um contrato substancialmente idêntico às concorrentes cuja proposta foi excluída por ajuste direto;
- Além de supervenientemente ilegal, o ato administrativo em questão produz efeitos lesivos da Autora, uma vez que, como se alegou e demonstrou no referido articulado superveniente, a prolação do ato administrativo em questão implica, nos termos do art. 24.º, 1, b) e 4, a) e b) do CCP, que a ED passe a poder, durante os seis meses subsequentes, adjudicar o mesmo contrato por ajuste direto às concorrentes cuja proposta foi excluída, e apenas a essas, contrainteressadas no presente processo;
- De acordo com as estatísticas oficiais publicadas pelo Ministério da Justiça, a duração média de um processo de contencioso pré-contratual urgente, como o presente, foi em 2020 de 7 meses e em 2019 e 2018 de 8 meses;
- Atento o cronograma e os prazos de execução constantes da proposta excluída (folhas 190 e 191 do processo instrutor severamente desordenado e truncado entregue pela Entidade Demandada), a ser-lhe adjudicado um contrato similar àquele posto a concurso, ao fim de apenas pouco mais de 4 meses de execução do contrato, ou seja, caso este lhe seja adjudicado e celebrado de imediato, até ao fim de Abril de 2022 estarão produzidos, personalizados e remetidos 240000 cartões, ou seja, praticamente metade dos 550000 cartões que correspondem à execução integral do contrato;
- Tendo em conta a duração plausível do procedimento pré-contratual dos presentes autos, é altamente provável que, a não serem decretadas as medidas provisórias que a final se requererão, o contrato cuja celebração é visada pelo procedimento acima referido já esteja não apenas celebrado, mas totalmente executado na data em que nele venha a transitar em julgado uma sentença anulatória da Cláusula 19.ª do CE impugnada;
- Tendo em conta o preço base do contrato, o prejuízo que a adjudicação do contrato a um concorrente causará à Autora pode chegar a € 825.000,00 EUR (Cláusula 4.ª do CE).
- A medida provisória requerida é, assim, necessária para assegurar a possibilidade de reposição da legalidade no plano dos factos, evitando que a Autora fique definitivamente afastada da possibilidade de, caso a ação principal seja julgada procedente, virem a concorrer à celebração de um contrato substancialmente equivalente àquele em que foram praticados os atos jurídicos impugnados nos autos;
- Está plenamente justificado o decretamento de medidas provisórias pelas quais se suspenda a eficácia do ato administrativo, impugnado nos autos, pelo qual a ED determinou a exclusão da única proposta apresentada e revogar a decisão de contratar no âmbito do concurso público acima identificado, na estrita medida em que ele habilita a ED passe a poder, durante os seis meses subsequentes, adjudicar um contrato substancialmente idêntico por ajuste direto às concorrentes cuja proposta foi excluída, e apenas a essas, contrainteressadas no presente processo, nos termos do artigo 24.º, 1, b) e 4, a) e b) do CCP, bem como suspenda a eficácia de qualquer contrato que entretanto possa ter sido celebrado nos termos anteriormente referidos.
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A fls. 510 e seguintes [data de registo 17-01-2022 20:11:50] a ED respondeu ao presente incidente.
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Estabelece o artigo 103.º-B do CPTA, sob a epígrafe “Adoção de medidas provisórias”, o seguinte: “1 - Nas ações de contencioso pré-contratual em que não se aplique ou tenha sido levantado o efeito suspensivo automático previsto no artigo anterior, o autor pode requerer ao juiz a adoção de medidas provisórias, destinadas a prevenir o risco de, no momento em que a sentença venha a ser proferida, se ter constituído uma situação de facto consumado ou já não ser possível retomar o procedimento pré-contratual para determinar quem nele seria escolhido como adjudicatário. // 2 - O requerimento de adoção de medidas provisórias é processado como um incidente da ação de contencioso pré-contratual, devendo a respetiva tramitação ser determinada pelo juiz, no respeito pelo contraditório e em função da complexidade e urgência do caso. // 3 - As medidas provisórias são recusadas quando os danos que resultariam da sua adoção se mostrem superiores aos que podem resultar da sua não adoção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de outras medidas”.
Ora, o regime de adoção das medidas provisórias a que se reporta o artigo 103.º-B, n.ºs 1 e 3, do CPTA, reclama a aplicação conjugada de dois critérios: o do periculum in mora e o da ponderação de interesses. O que significa que tais medidas serão tomadas quando se verifique (i) uma situação de facto consumado ou a impossibilidade da retoma do procedimento pré-contratual para determinar quem nele seria escolhido como adjudicatário; (ii) e se os danos que resultarem da adoção da medida não forem superiores aos que podem resultar da sua não adoção, sem que a lesão possa ser evitada e atenuada com a adoção de outras medidas.
De fora fica, portanto, o critério do fumus boni iuris [cf. Acórdãos do TCAS, de 06-12-2018, proferido no processo n.º 1007/18.7BELSB-S1; e de 19-10-2017, proferido no processo n.º 88/17.5BELLE-A, e mais recentemente, de 30-01-2020, proferido no processo n.º 664/19.1BEALM-S1, disponíveis em www.dgsi.pt]
Nas palavras de Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha “A primeira dessas situações ocorre quando os factos concretos alegados pelo requerente permitam perspetivar a impossibilidade da reposição da legalidade, no plano dos factos, no caso de o processo vir a ser julgado procedente. Será esse o caso, desde logo, quando exista a perspetiva de que, quando a sentença for proferida, as prestações contratuais que constituíam o objeto do contrato já se encontrarão integralmente realizadas ou o contrato já se encontrará próximo da sua integral execução. Nesse caso, os custos financeiros que resultam da retroação da anulação do contrato, em resultado da invalidade de atos procedimentais, traduzidos na restituição das contraprestações efetuadas pelo adjudicatário e nos encargos com o lançamento de um novo procedimento, tornam inviável a restauração natural. Mas também poderá ser essa a situação quando exista a perspetiva de que, quando a sentença for proferida, o contrato se encontrará apenas parcialmente executado, mas decorreriam consequências fortemente negativas para a satisfação das necessidades coletivas em caso de invalidação do contrato e paralisação das respetivas prestações contratuais.
(…) O n.º 1 do presente artigo caracteriza o periculum in mora, nos termos enunciados, como um requisito positivo cujo preenchimento é necessário para o efeito de justificar o recurso à tutela cautelar. Cabe ao requerente alegar que a medida provisória é necessária para evitar que ele fique definitivamente arredado da possibilidade de obter a adjudicação do contrato, quer através da constituição de uma situação de facto consumado, quer através da impossibilidade de retomar o procedimento. E só se for reconhecida a existência do risco de impossibilidade de reposição da legalidade, nos termos enunciados no n.º 1, é que cabe ao juiz, num segundo momento, averiguar se os danos que resultariam da adoção da medida provisória e que se projetam na esfera jurídica dos requeridos, são superiores aos danos que podem resultar para o requerente da não adoção da medida, nos termos do n.º 3.”.
No caso, o pedido de adoção de medidas provisórias mostra-se absolutamente infundado.
Em primeiro lugar, porque, já aqui o dissemos, tendo sido excluída a única proposta apresentada a concurso pelo concorrente consórcio C...... , S.A. e S...... , S.A. (que não é a Autora) foi revogada a decisão de contratar, nos termos do artigo 80.º, nº 1 do CCP, e, em consequência, o procedimento concursal foi extinto, bem como as respetivas peças deste procedimento, que, como são peças de um determinado procedimento, esgotam-se nele e extinguem-se com ele.
É, pois, desprovido de qualquer sentido suspender a eficácia de um ato relativamente a um procedimento concursal já extinto, que não irá prosseguir os seus termos, que unicamente visa a revogação da decisão de contratar, sobretudo num caso em que a Autora, ora Requerente deste incidente, nem sequer apresentou proposta a concurso; ou seja, em si mesmo, e sem que o mesmo venha acompanhado de uma nova regulação sobre a situação jurídica, este ato não é sequer lesivo para a sua esfera jurídica.
Em segundo lugar, a ampliação da instância desta ação de contencioso précontratual ao ato administrativo cuja eficácia a Requerente pretende ver suspensa já foi indeferida, com os fundamentos que aqui se dão por reproduzidos.
Depois, é manifesto que todos os pressupostos fácticos em que a Autora faz assentar este incidente depende da ocorrência de um evento que é francamente incerto e meramente eventual, i.e. o lançamento de um procedimento de ajuste direto ao abrigo do artigo 24.º, 1, b) e 4, a) e b) do CCP.
Sobretudo neste caso em que a ED já veio declarar que não foi celebrado nem nunca pretendeu vir a celebrar contrato ao abrigo do disposto no artigo 24.º n.º 1 da alínea b) do CCP.
Por tudo isto, e sem necessidade de considerandos adicionais, por se mostrar infundado, é de julgar improcedente, por não provado, o presente incidente de adoção de medidas provisórias ora requerido.
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As custas do processo serão da responsabilidade da Autora, como também as do incidente, que, neste último caso, fixo o valor da taxa de justiça em 1 UC (cf. artigo 536.º, n.º 3, 1.ª parte do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA, quanto à ação, cf. art.º 527.º do CPC e art.º 7.º, n.º 4 do RCP e tabela II anexa, quanto ao incidente).
Ao que contrapõe a recorrente, em síntese:
- a decisão de excluir a única proposta apresentada e de revogar a decisão de contratar não impedem que a recorrida, nos seis meses subsequentes, adjudique o contrato por ajuste direto a concorrente cuja proposta foi excluída, sem concurso, cf. art. 24.º, n.º 1, al. b), e 4, als. a) e b), do CCP, pelo que processo deve prosseguir nos termos do art. 65.º, n.º 1, do CPTA;
- nos termos do art. 63.º, n.os 1 e 2, é permitida a ampliação da instância à impugnação de atos praticados no mesmo procedimento, independentemente da sua extinção, dada a superveniência de ato cuja validade depende da validade do ato inicialmente impugnado;
- deve proceder o decretamento de medidas provisórias, como resultado lógico dos dois segmentos decisórios já abordados;
- incorre em erro a condenação da recorrente na totalidade das custas, ainda que admitindo a impossibilidade superveniente da lide, por resultar de ato da recorrida.
Vejamos então.
Conforme consta da matéria de facto dada como assente, o concurso público em causa foi aprovado por deliberação do Conselho Diretivo da recorrida de 07/10/2021 e publicado no DR de 15/10/2021, e no Jornal Oficial da União Europeia de 18/10/2021.
Já depois da instauração da presente ação em 15/11/2021, o Conselho Diretivo da recorrida excluiu a única proposta apresentada e revogou a decisão de contratar por deliberação datada de 25/11/2021.
Mais sabemos que a única proposta foi apresentada por consórcio constituído pelas contrainteressadas.
Disputa a recorrente que a extinção do procedimento concursal e revogação da decisão de contratar impliquem a impossibilidade superveniente da lide, por falta de objeto, por entender que aquelas decisões ancoram a possibilidade da entidade recorrida adjudicar o contrato por ajuste direto às contrainteressadas, em procedimento no qual não terá possibilidade de competir, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, al. b), e n.º 4, als. a) e b), do CCP.
Entendimento contrário teve o Tribunal a quo, assente em três premissas, que se afiguram irrefutáveis:
Em primeiro lugar, impõe o artigo 80.º, n.º 1, do CCP, que a exclusão da única proposta apresentada a concurso determina necessariamente a revogação da decisão de contratar, e assim a extinção do procedimento concursal.
Em segundo lugar, a adoção de procedimento de ajuste direto nos termos dos citados normativos do artigo 24.º do CCP implica, passe a redundância, um outro procedimento, com nova decisão sobre a respetiva escolha e respetivas peças, como se salienta na decisão recorrida, apenas impondo a al. a) do n.º 1 que o caderno de encargos não seja substancialmente alterado.
Em terceiro lugar, está ali prevista uma mera possibilidade de adoção deste procedimento, que, aliás, foi perentoriamente recusada pela entidade recorrida, a instância do tribunal.
A que acresce a circunstância de, à presente data, já ter decorrido o prazo de seis meses a contar da decisão de exclusão de todas as propostas apresentadas, sem que haja notícia da adoção de tal procedimento de ajuste direto.
De acordo com o previsto no artigo 277.º, al. e), do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide implicam a extinção da instância.
Nas duas situações a solução do litígio deixa de interessar, distinguindo-se na medida em que a impossibilidade superveniente da lide se verifica quando a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, enquanto na inutilidade superveniente da lide a pretensão do autor encontra satisfação fora do esquema da providencia pretendida, ou seja, além ocorre impossibilidade de atingir o resultado visado, aqui ele já foi atingido por outro meio (Lebre de Freitas João Rendinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, volume 1, 2008, pág. 555).
No caso, bem se vê, com a extinção do procedimento concursal cujas peças a recorrente impugnara, desapareceu o objeto do processo.
O que implica se dê resposta negativa à primeira questão suscitada pela recorrente.
E que por si acarreta resposta negativa às duas questões seguintes.
No que concerne à ampliação da instância, com pedido de anulação do ato de exclusão da única proposta apresentada e do ato de revogação da decisão de contratar, entendeu o Tribunal a quo que não estão em causa atos lesivos para a esfera jurídica da recorrente, e ainda que assim não se entendesse, a extinção do procedimento concursal impede a anulação deste por força da ilegalidade da cláusula do Caderno de Encargos.
O que vem disputado pela recorrente, defendendo que os n.os 1 e 2 do artigo 63.º do CPAT permitem a ampliação da instância à impugnação de atos praticados no mesmo procedimento, independentemente da sua extinção, dada a superveniência de ato cuja validade depende da validade do ato inicialmente impugnado.
Não se vê como assim possa ser.
Desde logo, como já se viu, porque o objeto inicial do processo desapareceu.
E são obviamente distintos os conceitos de alteração e ampliação da instância, pressupondo o primeiro uma efetiva transformação do que inicialmente constituíra o pedido e a causa de pedir, ao passo que o segundo pressupõe apenas tornar maiores estes elementos.
Ou seja, tornar maior o que já existe.
Conforme já se evidenciou, desapareceu o objeto do processo, o que naturalmente impede a ampliação da instância.
Implicando resposta negativa à segunda questão invocada pela recorrente.
No que concerne ao pedido de adoção de medidas provisórias, a própria recorrente reconhece que a sua procedência seria o corolário lógico da procedência das duas anteriores.
Vale isto por dizer que carece em absoluto de fundamento suspender a eficácia de ato de procedimento concursal extinto, que de todo o modo nunca poderia assentar numa mera possibilidade de adoção de procedimento futuro, possibilidade esta, como já se salientou, recusada pela entidade recorrida, sendo certo que já decorreu o prazo de seis meses legalmente previsto para o efeito.

Finalmente, vem a recorrente sustentar que a suposta impossibilidade da lide assentaria em facto imputável à recorrida, impondo o artigo 536.º, n.º 3, do CPC, a sua responsabilidade total quanto a custas, ou quando muito a sua divisão nos termos do respetivo n.º 1.
Dispõe como segue este artigo 536.º do CPC:
“1 - Quando a demanda do autor ou requerente ou a oposição do réu ou requerido eram fundadas no momento em que foram intentadas ou deduzidas e deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, as custas são repartidas entre aqueles em partes iguais.
2 - Considera-se que ocorreu uma alteração das circunstâncias não imputável às partes quando:
a) A pretensão do autor ou requerido ou oposição do réu ou requerente se houverem fundado em disposição legal entretanto alterada ou revogada;
b) Quando ocorra uma reversão de jurisprudência constante em que se haja fundado a pretensão do autor ou requerente ou oposição do réu ou requerido;
c) Quando ocorra, no decurso do processo, prescrição ou amnistia;
d) Quando, em processo de execução, o património que serviria de garantia aos credores se tiver dissipado por facto não imputável ao executado;
e) Quando se trate de ação tendente à satisfação de obrigações pecuniárias e venha a ocorrer a declaração de insolvência do réu ou executado, desde que, à data da propositura da ação, não fosse previsível para o autor a referida insolvência.
3 - Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.
4 - Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas.”
Como bem se vê, a regra geral nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, é a de que a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor, n.º 3, 1.ª parte.
Só assim não o será quando a impossibilidade ou inutilidade seja imputável ao réu, n.º 3, 2.ª parte, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas; ou nos casos em que ocorreu uma alteração das circunstâncias não imputável às partes nas situações previstas no n.º 2.
Logo por aqui, assente-se que nem a recorrente o invoca, nem se antevê vislumbre de verificação de uma das situações ali descritas.
E a imputação da impossibilidade à aqui recorrida carece em absoluto de sustento.
Como era sua prerrogativa, esta entidade deliberou a abertura do procedimento concursal, viu-se confrontada com a apresentação de uma única proposta, e concluiu pela sua exclusão. O que, como já visto, levou à extinção daquele procedimento.
Quanto ao citado n.º 3 do artigo 536.º, e seguindo de perto o itinerário doutrinal proposto no acórdão da Relação de Évora de 28/02/2019 (proc. n.º 1983/18.0T8EVR.E), assinalava J...... ser “previsível que em consequência da extinção da instância por superveniente impossibilidade ou inutilidade da lide, aconteça não ser possível estabelecer relação causal entre qualquer das partes e os encargos produzidos, em caso em que nenhuma delas tire proveito do processo”, sendo “forma de responsabilidade objetiva baseada no risco que corre qualquer autor de ver extinta a instância por aquele motivo” (Notas ao Código de Processo Civil, vol. II, 1971, pág. 330). Ideia de risco perfilhada por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre no sentido de onerar a parte ativa pelo pagamento das custas sempre haja uma indefinição causal (Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2017, pág. 447). Já Salvador da Costa salienta que este normativo se inspira no “princípio de que, não havendo sucumbência, não é legítimo onerar o réu ou o demandado com o pagamento das custas da ação, por ele não ter dado origem ao facto determinante da inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, o que constitui corolário do princípio da causalidade na sua formulação negativa” (Regulamento das Custas Processuais, Anotado, 2013, pág. 97). E Abrantes Geraldes que “o autor será responsável, a menos que a impossibilidade seja imputável ao réu” (Temas Judiciários, vol. I, 1998, pág. 237).
No caso vertente, como decorre do exposto, a decisão do procedimento concursal tem um óbvio reflexo na decisão do processo judicial, mas sem relação direta com o objeto do processo delineado pela autora / recorrente.
Aplicando tais ensinamentos, não sendo de imputar à atuação da entidade recorrida a impossibilidade superveniente da lide, numa situação em que nenhuma das partes tirou proveito do processo, impõe-se a responsabilização da autora pelo pagamento das custas.
Pelo que, mais uma vez, não merece qualquer censura a decisão recorrida.

Em suma, será de negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
*

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 2 de junho de 2022
(Pedro Nuno Figueiredo)

(Ana Cristina Lameira)

(Ricardo Ferreira Leite)