Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:551/16.5BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/19/2023
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:TAXA DE SEGURANÇA ALIMENTAR MAIS.
Sumário:A taxa de segurança alimentar mais é uma contribuição financeira.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
I- Relatório
C……………… H………………., S.A. veio deduzir Impugnação Judicial contra o acto de liquidação da “Taxa de Segurança Alimentar Mais” (TSAM), emitido pela Direcção –Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), constante da Factura única nº 2015F/…………….., do ano de 2015, no valor global de €413.318,85, peticionando a sua anulação bem como o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios.
No decurso da presente acção, a sociedade Impugnante apresentou, em 07.07.2017, requerimento a solicitar a redução do pedido inicial, em virtude da anulação parcial da liquidação impugnada, reflectida na nota de crédito emitida pela DGAV, com o n.º 2017/000129 e no montante de €30.378,73, referente à Factura n.º 2015F/……….
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, em despacho pré-sentencial deferiu o pedido de redução e na sentença que se lhe seguiu, julgou a impugnação improcedente, absolvendo a Fazenda Pública dos pedidos formulados. Actos jurisdicionais insertos a fls.486 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf) com data de 01 de Novembro de 2020.
Inconformada com a sentença, a sociedade impugnante interpôs recurso jurisdicional, apresentando na sua alegação, incorporada a fls. 530 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), as conclusões seguintes:
(QUANTO À INCONSTITUCIONALIDADE)
A. Ao contrário do que resulta da Sentença recorrida, podemos actualmente concluir que a TSAM não pode ser qualificada dogmaticamente como uma contribuição financeira: os sujeitos passivos do tributo não são beneficiários nem causadores efectivos da actividade estadual a cujo financiamento o tributo se destina, pelo que, mesmo se da letra da lei se pudesse extrair em abstracto que aqueles sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários da actividade em causa, sempre se tem de concluir, actualmente, que tal presunção se encontra ilidida
B. Considerando apenas a razão de ser da medida, tal como se encontra formalmente inscrita na lei – constituir receita de um Fundo dedicado ao financiamento de políticas de protecção da segurança alimentar e da saúde do consumidor, verificamos que o Estado já exige às empresas sujeitas à TSAM o cumprimento de todas as obrigações de cuidado que considera indispensáveis, obrigações essas que, no caso da Recorrente, são objecto de cumprimento integral e escrupuloso, por si custeado – e, para além disso, acrescentado de controlos que a Recorrente promove por sua iniciativa. Quer isto dizer que o risco de saúde pública que se pretende neutralizar já é perfeitamente controlado nos termos que o próprio Estado entende ser necessário exigir à Recorrente (e empresas congéneres).
C. Uma vez que já exigia às empresas de distribuição tudo o que lhes era exigível, o Estado resolveu criar um tributo adicional (que até “mais” no nome) para, sobre a capa da participação daquelas no esforço público de garantia da qualidade e segurança alimentares, constituir um fundo de financiamento paralelo do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações (“SIRCA”), financiamento esse que está legalmente proibido por outra via que não um outro tributo próprio – a taxa do SIRCA.
D. Portanto, à luz do que hoje se sabe acerca da forma como a TSAM funciona – desde logo, aquilo que serve sobretudo para financiar –, temos de concluir que ela não foi criada para que os respectivos sujeitos passivos sejam dela efectivos beneficiários ou por serem efectivos causadores da actividade estadual financiada.
E. Assim, a única conclusão possível é a de que a TSAM é um imposto (um imposto especial sobre o rendimento das empresas de grande distribuição, conforme defendido pelo Prof. Casalta Nabais no seu Parecer junto aos autos): ela constitui o financiamento de uma actividade do Estado vocacionada para a satisfação de necessidades públicas, assente mais na dimensão de solidariedade própria da figura dos impostos do que em qualquer vínculo de correspectividade específica, característico das taxas, ou presumida, típica das contribuições financeiras, os quais, como se disse, não são neste caso suficientemente discerníveis.
F. Sendo um imposto, dúvidas não restam de que, antes de mais, a TSAM é organicamente inconstitucional porque viola o princípio da legalidade tributária. De facto, em desrespeito pelo estipulado na alínea i) do artigo 165º da Constituição, o tributo não foi aprovado por lei parlamentar ou por decreto-lei autorizado (e, nessa medida, ao abrigo da primeira parte do referido n.º 3 do artigo 103º da Constituição, inexigível).
G. Mais: no caso vertente a violação do princípio da legalidade revela-se até com um elevadíssimo grau de intensidade, na medida em que não só o tributo foi criado por decreto-lei não autorizado como uma boa parte dos seus elementos essenciais se encontra vertida apenas em portarias (quer a Portaria n.º 215/2012 quer a Portaria n.º 200/2013).
H. A inconstitucionalidade da TSAM verifica-se também for via material, em face da violação do princípio da capacidade contributiva (concretização do princípio da Igualdade – artigo 13º da Constituição).
I. Assim é, em primeiro lugar, porque a sua base de incidência subjectiva não atinge todos os contribuintes que com a receita da contribuição criada pelo Governo o Estado alegadamente se propõe beneficiar.
J. Desde logo, se, de acordo com o Governo, interessa que todos os agentes económicos do sector alimentar contribuam para o financiamento da actividade de segurança alimentar, que a todos beneficia, e se a TSAM, em concreto, foi criada para incluir nesse esforço (todos) os operadores do sub-sector da distribuição, então não existe qualquer justificação para que dela estejam isentos os estabelecimentos com uma área inferior a 2000m2 ou pertencentes a microempresas desde que não pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias, ou a um grupo, que disponham, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000m2. Não é legítimo tamanho afunilamento da base subjectiva: só é possível configurar uma participação equitativa neste concreto encargo público se todos os operadores da cadeia do sector alimentar – e não só os distribuidores retalhistas de grande dimensão – forem enquadrados nessa obrigação de participação.
K. Por outro lado, para além da discriminação inexplicada entre os operadores da distribuição retalhista e os restantes, o regime da TSAM viola ainda o princípio da capacidade contributiva, na dimensão da escolha da base de incidência subjectiva, quando estatui que aquela se aplica apenas a algumas empresas de comércio alimentar a retalho: por exemplo, a natureza proporcional do tributo não implica que uma empresa com área de venda acumulada de 5500m2, um supermercado de média dimensão ou um pequeno talho não possam a ele estar também sujeitos.
L. Assim sendo, para cabal cumprimento dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, exigir-se-ia que o imposto (ou a contribuição) em questão dispusesse de uma base tributável subjectiva bem mais ampla do que a que foi estatuída.
M. No seu Parecer, o Prof. Casalta Nabais é bastante claro quanto a este aspecto, criticando as discriminações presentes nas regras de incidência da TSAM, em termos tais que elas significam mesmo que o que o legislador quis foi, tão-só, a pura arrecadação de receita, tendo em conta a especial capacidade contributiva dos grandes operadores do sector da distribuição, e nunca, verdadeiramente, a criação de um tributo pensado exclusivamente como a contraprestação de um serviço público.
N. Por outro lado, na sua pretensão de capturar a capacidade contributiva dos sujeitos passivos a que dirigiu a TSAM, o Governo escolheu como base de incidência do tributo a capacidade instalada dos operadores em causa, isto é, a medida em que os estabelecimentos de cada um deles, em função das respectivas áreas, podem gerar vendas de bens alimentares. A intenção que prevaleceu foi, pois, a de criar um imposto sobre o rendimento, exigível consoante o lucro de cada um dos operadores do sector da distribuição abrangidos.
O. Não se trata, contudo, de um imposto apurado através de uma aproximação directa ao lucro real das empresas, mas sim mediante uma aproximação indirecta ou presumida: a área de venda é, na lógica do legislador, um dado suficiente para a aferição da susceptibilidade de gerar lucros. Trata-se de uma aproximação ou presunção fantasiosa, puramente conjecturada do rendimento real, que facilmente conduzirá a resultados arbitrários: é que o facto de uma empresa dispor de capacidade de gerar um rendimento não significa que o gere efectivamente, nem muito menos que gere um rendimento líquido (um lucro) – conforme é exigido que ocorra para se poder falar de uma tributação conforme ao princípio da capacidade contributiva.
P. Do que vem dito resulta que a TSAM tem um efeito de sobreposição ao IRC que é inaceitável, até porque potencia também, em benefício do Estado, um efeito de “fraude” à tributação em sede do referido imposto: o Estado pode apurar uma colecta sobre lucros ainda que nenhuma capacidade contributiva se revele efectivamente nessa forma.
Q. Finalmente, ao constituir um mecanismo de tributação de lucros (apurados de forma presuntiva), que funciona paralela e simultaneamente com o IRC, acaba por representar a consagração sistemática da dupla tributação jurídica: os sujeitos passivos da TSAM serão tributados duas vezes sobre o mesmo rendimento (os lucros), em IRC e neste novo imposto ou contribuição especial.
(QUANTO À ILEGALIDADE)
R. Conforme resulta da jurisprudência dos tribunais superiores, o facto de a DGAV ter considerado os elementos de que dispunha, por recurso à DGAE, e não os que lhe haviam sido comunicados pela Recorrente, impunha que se tivesse concedido a esta última o direito de audição prévia sobre a liquidação.
S. Não tendo isso sucedido, o acto de liquidação viola o artigo 60º da LGT.»

Termina, pedindo que o recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as consequências legais, designadamente a anulação da Sentença recorrida.
X
Não há registo de contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.



X
II- Fundamentação
1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
a) Em 31-12-2011, a Impugnante, «C.................. H.................., S.A.», é uma sociedade do setor da distribuição, que detém e gere os estabelecimentos de comércio alimentar abertos ao público e em funcionamento em 16-06-2012, os quais, àquela data, se localizavam nas moradas e possuíam as áreas de venda, a seguir descritos:
«Texto no original»

(facto não controvertido e provado pelo documento n.º 8, junto à petição inicial);
b) No dia 13-08-2015, a DGAV emitiu a fatura n.º 2015F/………., em nome da Impugnante, no valor de €413.318,85, com o descritivo «Taxa de Segurança Alimentar Mais –Ano de 2015 (Decreto-Lei n.º 119/2012, Portarias n.º 215/2012, n.º 200/2013 e n.º 233/2015)» (provado pelo documento n.º 1, junto à petição inicial);
c) Através do ofício n.º 018352, de 13-08-2015, do Ministério da Agricultura e do Mar, a Impugnante foi notificada do teor do documento identificado na alínea anterior, podendo no mesmo ler-se nomeadamente o seguinte: «(…)
Assunto: TAXA DE SEGURANÇA ALIMENTAR MAIS 2013
Como é do conhecimento de V.Ex.ª, o Decreto-Lei n.° 119/2012, de 15 de Junho, criou, a Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM), a qual constitui uma contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar, para os estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, conforme referido no n.° 1 do artigo 9.° do mencionado diploma.
Nos termos do n.° 3 do artigo 5.° da Portaria n.° 215/2012, de 17 de Julho, cabe a esta Direção-Geral notificar o sujeito passivo, do montante da taxa a pagar.
Tendo aquela taxa sido fixada em 7€, através da Portaria n.º 233/2015, importa, agora proceder à respetiva liquidação. Para proceder à liquidação, importa em primeiro lugar determinar a área do estabelecimento. Para o efeito, esta Direção-Geral, ao abrigo das disposições conjugadas do n.° 2 do artigo 5.° e do n.° 2 do artigo 9.°, ambos da Portaria n.º215/2012, de 17 de Julho, dispõe da lista que lhe é disponibilizada anualmente pela Direção Geral das Actividades Económicas.
Assim, fica V.Ex.ª notificado(a) que, o montante devido pela TSAM de 2015 é de €413.318,85 (Quatrocentos e treze mil, trezentos e dezoito euros e oitenta e cinco cêntimos), conforme factura n.° 453 /F em anexo, sendo este o resultado da aplicação daquela taxa fixada no artigo 1.º da Portaria n.° 233/2015, de 7 de Agosto, à área de venda do estabelecimento, atento o previsto nas disposições conjugadas do n.° 1 do artigo 2.° da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho e do artigo l.° da Portaria n.° 200/2013, de 31 de maio, sendo os cálculos para a determinação do valor da liquidação da TSAM os seguintes:
Somatório da Área Bruta de 90.696,00 estabelecimentos X Coeficiente de ponderação aplicado a cada uma das áreas dos 15 estabelecimentos (n.º 1 do art.º 1.º da Portaria n.º 200/2013 de 31 de maio) = Somatório da Área Ponderada de 59.045,55 estabelecimentos (n.º 1 do art.º 1.º da Portaria n.º 200/2013 de 31 de maio).
e
Somatório da Área Ponderada de 59.045,55 estabelecimentos (n.º 1 do art.º 1.º da Portaria n.º 200/2013 de 31 de maio) X Valor da TSAM para 2015 (art.º da Portaria n.º= 7 €) - Montante da TSAM para o ano de 2015.
Dado que só agora se encontram reunidas as condições para proceder à liquidação da taxa em apreço, excecionalmente, a TSAM será objeto de um único apuramento na medida em que, em resultado da recente publicação da Portaria, o prazo para pagamento de ambas as prestações é o mesmo.
O pagamento da taxa respeitante a 2015, em virtude de não se encontrarem ainda reunidas as condições previstas no n.°1 do artigo 6.°, poderá ser efetuado, de acordo com o disposto no n.°4 do artigo 10.° da Portaria n.°215/2012, de 17 de Julho, através de multibanco ou cheque, devendo aquele ser realizado no prazo de 60 dias úteis, a contar da presente notificação, conforme resulta das disposições conjugadas do n.°3 do artigo 5.° e n.°2 do artigo 6.° do mesmo diploma.
Alerta-se que, nos termos do n.°1 do artigo 7.° da referida portaria, a falta de pagamento da taxa no prazo estabelecido constitui o devedor em mora, sendo devidos juros legais desde a data do vencimento.
Por último, informa-se que a presente notificação poderá ser objeto de impugnação nos termos dos artigos 99.° e seguintes do Código do Procedimento e do Processo Tributário, no prazo de 90 dias a contar do termo do prazo para o respetivo pagamento. // (…)» (provado pelo documento n.º 1, junto à petição inicial);
d)No dia 14-09-2015, a Impugnante e outra sociedade do grupo S............... enviaram à DGAV um requerimento, formulado ao abrigo do art.º 37.º do CPPT, a solicitar, com referência ao ato de liquidação identificado na alínea b) do probatório, informação detalhada que serviu de base ao apuramento dos valores liquidados, ou seja, a lista dos estabelecimentos considerados e a área relevada por referência a cada um deles e, bem assim, a base legal utilizada para exigir aos sujeitos passivos o pagamento, de uma só vez, da TSAM de 2015 (provado pelo documento n.º 2, junto à petição inicial);
e) Através do ofício n.º 024979, de 19-10-2015, do «Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais», a Impugnante foi notificada, em data que não se consegue determinar com exatidão, mas que terá sido, no máximo, em 22-10-2015, no sentido de que a fatura identificada na alínea b) do probatório podia ser paga no prazo de 60 dias úteis, a contar da notificação do referido ofício (provado pelo documento n.º 3 e, no que se refere à data da notificação, pela informação constante do documento n.º 5 e da mensagem de correio eletrónico da Impugnante de 03-12-2015, constante do documento n.º 2, todos juntos à petição inicial);
f) Em 30-03-2017, o «Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais» emitiu à Impugnante a nota de crédito n.º 2017F/……., no valor de €30.378,73, com o descritivo «Nota de crédito (isento de IVA) relativa à diferença do valor pago de 382.940,12 € e o valor de 413.318,85€ da fatura n.º 453 de 13/08/2015» (provado pelo documento n.º 1 junto ao requerimento da Impugnante de 07-07-2017);
g) No mesmo dia 30-03-2017, o «Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais» emitiu à Impugnante o recibo n.º 2017F/………., no valor final de pagamento de €382.940,12, (provado pelo documento n.º 2 junto ao requerimento da Impugnante de 07-07-2017).”
X
“Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.”
X
“A decisão da matéria de facto assentou na análise dos documentos constantes dos autos, conforme referido a propósito de cada alínea da matéria de facto provada.”
X
2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes:
i) Erro de julgamento quanto à interpretação do direito aplicável, porquanto o tributo em apreço corresponde a imposto sobre a distribuição alimentar, donde o respectivo regime jurídico enferma de inconstitucionalidade orgânica [conclusões A) a G)]
ii) Erro de julgamento quanto ao direito aplicável, porquanto o tributo em causa colide com o princípio da igualdade e da capacidade contributiva, mostrando-se o seu regime jurídico inquinado do vicio de inconstitucionalidade material [conclusões H) a N)].
iii) Erro de julgamento quanto ao direito aplicável, porquanto o tributo em apreço, na medida em que constitui um mecanismo de tributação dos lucros, incorre na preterição da proibição de dupla tributação, em relação ao IRC [conclusões P) e Q)].
iv) Erro de julgamento porquanto não se valorou devidamente a preterição do direito de audição, já que o facto de a DGAV ter considerado os elementos de que dispunha, por recurso à DGAE, e não os que lhe haviam sido comunicados pela Recorrente, impunha que se tivesse concedido a esta última o direito de audição prévia sobre a liquidação [conclusões R) e S)].

2.2.2. Para julgar improcedente a presente impugnação da liquidação de “Taxa de Segurança Alimentar Mais” do ano de 2015, a sentença recorrida considerou como questões solvendas as seguintes:
a) A TSAM padece de inconstitucionalidade orgânica, por violação da alínea i), do n.º 1 do artigo 165.º e n.º 3 do artigo 103, ambos da CRP.
b) A TSAM, em especial, o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, os art.ºs 2.º, 3.º e 4.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho e o art.º 1.º da Portaria n.º 260/2013, de 31 de Maio, padecem de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade tributária, concretizando nos subprincípios da capacidade contributiva e da equivalência e no princípio da proporcionalidade.
c) É ilegal o acto de liquidação, porquanto se exige, num só acto, o pagamento das duas prestações em que segundo a lei, se deve dividir o pagamento anual da TSAM, em violação do n.º 2 do artigo 6.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho.
d) É ilegal o acto de liquidação, na medida em que o destino que se encontra a ser dado à receita da TSAM viola o Direito da União Europeia, por constituir auxílio de Estado ilegal».
Esteando-se, no essencial, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015, de 20/10/2015, a sentença julgou improcedentes todas as questões colocadas.

Antes de entramos na apreciação do objecto do recurso, cumpre proceder ao enquadramento seguinte.
2.2.3. Enquadramento.
A taxa de segurança alimentar mais [TSAM] foi instituída através do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho. A título de «contrapartida da garantia da segurança e qualidade alimentar é devido o pagamento, pelos estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, de uma taxa anual, cujo valor é fixado entre €5 e €8 por metro quadrado de área de venda do estabelecimento, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da agricultura», de acordo com o artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 119/2012, citado. Refere-se no preâmbulo do diploma citado que, em aplicação das regras sobre segurança alimentar, encontram-se instituídas «diversas taxas destinadas a suportar financeiramente os actos de verificação e controlo, tendo como referenciais os custos e as despesas relativas a pessoal, designadamente, as remunerações, instalações, instrumentos, equipamento, formação, deslocações e despesas conexas, incluindo as relativas à colheita e envio de amostras e análises laboratoriais». Aí se esclarece que se quer «estender a todos os operadores da cadeia alimentar a responsabilidade pelo referido financiamento, através de uma contribuição financeira obrigatória que assegure a equitativa repartição dos custos dos programas de controlo, na medida em que todos são destes beneficiários». Mais se refere que se pretende aplicar o princípio do «utilizador-pagador», uma vez que «a contribuição é exigida a todos aqueles que usufruem dos serviços ou sistemas, à qual corresponderá a atribuição de um dístico comprovativo». É ainda mencionado que, «no sentido de assegurar elevada qualidade e segurança alimentar ao consumidor», se procura reforçar as boas práticas ao longo da cadeia alimentar, constituindo «um fundo financeiro que assegure o pagamento das compensações que possam ser exigidas no âmbito da defesa da saúde animal e da garantia da segurança dos produtos de origem animal e vegetal».
A TSAM é «devida pelos titulares de estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, de acordo com a área de venda do estabelecimento» - artigo 2.º/1, da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Junho. Constitui estabelecimento «o local no qual se exerce uma actividade de comércio alimentar a retalho, incluindo os estabelecimentos de comércio misto» - artigo 2.º/2, a) da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Junho. A TSAM «incide sobre todos os estabelecimentos de comércio nos quais a actividade de comércio alimentar represente uma porção significativa do volume de vendas»(1). A área de venda do estabelecimento é «toda a área destinada a venda, onde os compradores têm acesso ou os produtos se encontram expostos ou são preparados para entrega imediata» - artigo 2.º/2, b) da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Junho. A mesma, para efeitos de apuramento da taxa, é fixada através de coeficientes de ponderação, estabelecidos no artigo 1.º/1, da Portaria n.º 200/2013, de 31 de Maio. De acordo com o artigo 9.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 119/2012, estão isentos do pagamento da taxa os estabelecimentos com uma área de venda inferior a 2000 m2 ou pertencentes a micro-empresas se n]ão pertencerem a uma empresa que utilize um ou mais insígnias e que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000m2» e se não estiverem «integrados num grupo que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2».
A propósito das taxas de regulação económica, como a que está em causa nos autos, afirma-se que os tributos em apreço «não constituindo verdadeiras taxas também não são impostos, e por isso podem ser designadas de contribuições especiais» (2). É destacado que, as taxas em questão não encontram um enquadramento legislativo que guie a sua criação que «a prática da criação de taxas de regulação não tem seguido uma linha orientadora», mas, para não violarem os princípios constitucionais, devem respeitar os seguintes critérios materiais: i) os contribuintes devem constituir um grupo homogéneo; ii) a contraprestação deve ser suportada pelo grupo de destinatários/beneficiários dos serviços; iii) deve existir uma utilidade do grupo; e o montante em causa deve passar no teste da proporcionalidade (3).

Importa ainda referir que na apreciação do objecto do recurso seguimos de perto os Acórdãos proferidos por este TCAS sobre a matéria em exame, cuja orientação se reitera (P. 1131/14.5BELRS, de 11/04/2019, P. 2573/14.1BESNT, de 17/10/2019, P. 2782/14.3BELRS, de 21/05/2020).

2.2.4. No que respeita ao fundamento do recurso referido em i), a recorrente invoca que a criação do tributo ofende o princípio da legalidade fiscal, bem como a reserva de lei parlamentar, pelo que o diploma que a institui enferma de inconstitucionalidade orgânica, sustenta.
A este propósito, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2105, de 20.10.2015 consignou-se o seguinte.
«A questão que por fim se coloca é a de saber se uma contribuição financeira como aquela que se encontra prevista no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, pode ser criada por diploma do Governo sem autorização legislativa. (…) // [A] alteração introduzida na redação da alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º, da Constituição (anterior alínea i), do n.º 1, do artigo 168.º), pela Revisão Constitucional de 1997, veio obrigar a uma reformulação dos pressupostos da discussão sobre a existência de uma reserva de lei formal em matéria de contribuições cobradas para a cobertura das despesas de pessoas coletivas públicas não territoriais. // Onde anteriormente o artigo 168.º, n.º 1, i), da Constituição dizia que “é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: (…) i) Criação de impostos e sistema fiscal (…)”, passou a cons­tar que “é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: (…) i) Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas (…). // Para efeitos de submissão dos diversos tipos de tributo ao princípio da reserva de lei formal a nova redação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, autonomizou a categoria das “contribuições financeiras”, ao lado dos impostos e das taxas, como já acima se referiu. // O artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, passou a fazer depender da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, a «criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor do Estado». Configuram-se assim dois tipos de reserva parlamentar: um relativo aos impostos, que abrange todos os seus elementos essenciais, incluindo a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (artigo 103.º), outro restrito ao regime geral, que é aplicável às taxas e às contribuições financeiras, e relativamente às quais apenas se exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais e, portanto, sobre um conjunto de diretrizes orientadoras da disciplina desses tributos que possa corresponder a um regime comum. // Com esta alteração deixou de fazer qualquer sentido equiparar a figura das contribuições financeiras aos impostos para efeitos de considerá-las sujeitas à reserva da lei parlamentar, passando o regime destas a estar equiparado aos das taxas. // O princípio da legalidade, relativamente às contribuições financeiras, tal como o das taxas, apenas exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais comuns às diferentes contribuições financeiras, não necessitando de uma intervenção ou autorização parlamentar para a sua criação individualizada, enquanto que, relativamente a cada imposto, continua a exigir-se essa intervenção qualificada, a qual deve determinar a sua incidência, a sua taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. // Aquele regime geral das contribuições financeiras, cuja definição compete à Assembleia da República, deve conter os seus princípios estruturantes, bem como as regras elementares respeitantes aos seus elementos essenciais comuns, sendo certo que é difícil imaginar que se consigam subordinar a um mesmo quadro normativo figuras tão diferentes quanto aquelas que se podem abrigar neste novo conceito intermédio. Daí que se preveja, pelo menos, a necessidade de elaborar diferentes regimes gerais para cada um dos tipos destas múltiplas figuras tributárias (…). // Sucede, porém, que perto de atingirmos duas décadas após esta alteração do texto constitucional, ainda não foi aprovado qualquer regime geral das contribuições financeiras, facto a que não serão alheias as mencionadas dificuldades de estabelecer um regime unificado, assim como uma crescente intervenção do direito comunitário neste domínio (…). // Esta inércia legislativa tem suscitado algumas dúvidas sobre a validade das contribuições financeiras entretanto criadas por ato legislativo do Governo sem a existência do enquadramento geral previsto no artigo 165.º, n.º 1, i), da Constituição. (…) // O Tribunal Constitucional até este momento, nos casos que foram sujeitos à sua apreciação, não sentiu necessidade de tomar uma posição decisiva nesta polémica, uma vez que sempre descortinou na criação dos tributos sujeitos à sua fiscalização uma intervenção parlamentar suficiente, o que esvaziou o problema da eventual existência de uma reserva integral da Assembleia da República nesta matéria até à aprovação de um regime geral das contribuições financeiras. (…) // A opção constitucional por uma reserva parlamentar diferenciada entre impostos, por um lado, e taxas e contribuições por outro lado, teve em consideração a ausência de qualquer bilateralidade de prestações nos primeiros, não tendo o legislador constitucional relevado como fator merecedor de uma distinção em matéria competencial o facto de nas contribuições financeiras essa bilateralidade se apresentar muitas vezes como potencial e/ou difusa. // Se a jurisprudência constitucional anteriormente à Revisão de 1997, perante a ausência de previsão na Constituição dos tributos parafiscais, por cautela, preferiu equiparar as contribuições financeiras aos impostos, relevando aquela característica, outra foi a opção do legislador constituinte de 1997 que entendeu preferível tratar do mesmo modo as contribuições financeiras e as taxas, diferenciando estes dois tributos dos impostos, em matéria de reserva parlamentar. // Não sendo a existência de um regime geral pressuposto necessário da criação de taxas, nem de contribuições financeiras, não tem qualquer suporte no texto constitucional, na ausência daquele regime, estender-se a competência reservada da Assembleia da República ao ato de aprovação de contribuições financeiras individualizadas, criando-se assim uma reserva integral de regime onde esta não existe. (…) // O Tribunal Constitucional logo extraiu estas conclusões relativamente à aprovação de taxas individualizadas por ato legislativo do Governo não autorizado, sem que a Assembleia houvesse aprovado um regime geral das taxas (Acórdãos n.º 38/2000 e 333/2001), não havendo razões para que, relativamente à criação de contribuições financeiras, se estabeleça uma solução diversa, efetuando uma distinção onde o texto constitucional não distingue».
Em face do exposto, ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece censura, devendo manter-se na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.5. No que respeita ao fundamento do recurso referido em ii), a recorrente afirma que a taxa de segurança alimentar mais viola o princípio da igualdade e da capacidade contributiva, ao dispensar da tributação os estabelecimentos com uma área inferior a 2000 m2 ou pertencentes as microempresas. A este propósito, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2105, de 20.10.2015, consignou-se o seguinte.

«A Recorrida começa por questionar a constitucionalidade material do critério de incidência subjetiva, na medida em que o tributo atinge apenas os titulares de estabelecimentos de comércio alimentar a retalho e não todos os restantes operadores da cadeia alimentar, e também porque se aplica apenas a algumas das empresas de comércio alimentar por efeito da isenção que é estabelecida, ainda que sob determinadas condições, para as microempresas e para os estabelecimentos de comércio alimentar com áreas de venda ao público inferiores a 2.000 m2. // O n.º 1, do artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho diz que “como contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar é devido o pagamento, pelos estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, de uma taxa anual, cujo valor é fixado entre € 5 e € 8 por metro quadrado de área de venda do estabelecimento, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da agricultura”, esclarecendo o n.º 3 do mesmo artigo que se entende por «estabelecimento de comércio alimentar» “o local no qual se exerce uma atividade de comércio alimentar a retalho, incluindo os estabelecimentos de comércio misto, tal como definidos na alínea l) do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 21/2009, de 19 de janeiro”, ou seja aqueles “no qual se exercem, em simultâneo, atividades de comércio alimentar e não alimentar”, não assumindo este último ramo uma percentagem igual ou superior a 90% no volume total das vendas realizadas. São, pois, os proprietários destes estabelecimentos os devedores da “taxa de segurança alimentar mais”. // No caso, e como já se deixou entrever, a contribuição em causa é receita do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, o qual tem uma intervenção transversal em todas as fases da cadeia alimentar, financiando os custos dos programas e ações oficiais de controlo de segurança e qualidade alimentar desenvolvidos por diversas entidades públicas, no quadro geral de proteção da cadeia alimentar e da saúde dos consumidores, pelo que o conjunto de prestações administrativas que lhe cabe financiar, como já acima dissemos, acaba por se projetar positivamente na fiabilidade dos produtos colocados no mercado e na atividade económica dos distribuidores finais que veem dessa forma complementado o próprio sistema interno de controlo dos produtos que comercializam. // E, conforme foi enunciado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, a criação da “taxa de segurança alimentar mais” pretendeu dar concretização ao princípio da responsabilidade partilhada na garantia da segurança alimentar entre os diversos operadores económicos, tendo em linha de conta que se encontram já instituídas taxas destinadas a suportar financeiramente atos de verificação e controlo que incidem sobre produtores pecuários e os estabelecimentos que laboram produtos de origem animal, e outras taxas, que são cobradas a produtores, distribuidores e comerciantes, para verificação da conformidade dos alimentos para animais, de medicamentos veterinários ou de produtos fitofarmacêuticos. E, nesse contexto, a ideia central da criação dessa nova contribuição financeira foi a de estender a um grupo de operadores da cadeia alimentar que não estavam onerados por aquelas taxas, a participação na responsabilidade pelo financiamento dos custos dos controlos oficiais da qualidade dos alimentos. (…) // Somando-se as receitas da contribuição financeira em causa às receitas de tributos que incidem sobre outros grupos de operadores económicos no ramo alimentar diversos daquele que integra os sujeitos passivos desta contribuição como meio de financiamento indireto dos custos dos programas e ações oficiais que beneficiam todos estes grupos de sujeitos, não faz sentido dizer-se que a seleção dos operadores da distribuição retalhista constitui uma discriminação inexplicada, relativamente aos restantes intervenientes económicos do ramo alimentar, uma vez que a sua seleção visou precisamente faze-los participar no financiamento de atividades onde os outros já participam através do pagamento de diferentes tributos. // Não parece, nesta perspetiva, que a incidência do tributo sobre um grupo delimitado de pessoas, com especiais responsabilidades na concretização do objetivo da qualidade e segurança alimentar e que partilham com outros operadores sobre os quais recaem outros tributos, o aproveitamento presumível do benefício resultante das atividades estaduais no domínio em causa, na base de uma responsabilidade de grupo, ponha em causa o princípio da equivalência, enquanto reflexo de uma ideia de igualdade. // E se poderão ainda existir grupos de operadores económicos neste ramo que não estão abrangidos por qualquer tributo que integre as receitas do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, tal circunstância não conduz à conclusão que a contribuição sob análise seja geradora de desigualdades injustificadas, atenta a existência de uma pluralidade de diversificadas fontes tributárias financiadoras das atividades de que todos beneficiam direta ou indiretamente. // Por outro lado, o invocado estreitamento da base de incidência subjetiva por efeito da implementação do sistema de isenções, que implica que o tributo apenas recaia sobre os proprietários de estabelecimentos de maior dimensão, não demonstra só por si que se pretenda tributar apenas em função da especial capacidade contributiva de determinados operadores do setor da distribuição. // Na verdade, nos termos do n.º 2, do artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º119/2012, de 15 de junho “estão isentos do pagamento da taxa a que se refere o número anterior os estabelecimentos com uma área de venda inferior a 2000 m2 ou pertencentes a microempresas desde que: // a) Não pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias e que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2; // b) Não estejam integrados num grupo que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2.” // E, nos termos do artigo 3.º, n.º 4 e 5, da Portaria n.º 205/2012, de 17 de junho: // - relativamente às situações previstas na alínea a), do n.º 2, do artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, “considera-se como pertencendo a outra as empresas que, embora juridicamente distintas, constituem uma unidade económica ou mantenham entre si laços de interdependência decorrentes, nomeadamente: // a) De uma participação maioritária no capital; // b) Da detenção de mais de metade dos votos atribuídos pela detenção de participações sociais; // c) Da possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou de fiscalização; // d) Do poder de gerir os respetivos negócios. // - e no que respeita às situações previstas da alínea b), do n.º 2, do artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho,“considera–se «grupo» o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, mantêm entre si laços de interdependência ou subordinação decorrentes da utilização da mesma insígnia ou de direitos ou poderes, nos termos previstos na alínea o) do artigo 4.º do Decreto -Lei n.º 21/2009, de 19 de janeiro. // Ora, as microempresas que se dedicam ao comércio alimentar (as que empregam menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros, segundo o artigo 2.º, n.º 3, do Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro) e, bem assim, as empresas com estabelecimentos de comércio alimentar cuja área de venda seja inferior a 2.000 m2 (desde que não tenham uma área acumulada de implantação nacional igual ou superior a 6000m2), são aquelas que, pela sua dimensão, menos beneficiam dos financiamentos do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar, não sendo equiparáveis, na perspetiva do impacto global que a sua intervenção pode ter no domínio da segurança alimentar e saúde do consumidor final, às empresas que detêm grandes superfícies comerciais e nelas se dedicam à distribuição massificada de produtos alimentares, em grande número e diversidade. Daí que, tendo em atenção a finalidade compensatória da “taxa de segurança alimentar mais”, não é contrária à ideia constitucional de igualdade a opção de restringir a sua base de incidência subjetiva, sujeitando ao seu pagamento apenas aqueles que se presume serem os principais beneficiários dos custos públicos suportados com a atividade administrativa destinada a garantir a segurança alimentar. Não é a sua capacidade contributiva que determina a sujeição a esta contribuição, mas sim o maior grau do benefício que podem usufruir. // Daí que não se possa afirmar que a exclusão destes operadores do âmbito de incidência subjetiva da “taxa de segurança alimentar mais” se traduza numa diferenciação manifestamente arbitrária».
Em face do exposto, ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece censura, devendo manter-se na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.6. No que respeita ao fundamento do recurso referido em iii), a recorrente sustenta que a taxa de segurança alimentar mais constitui uma de forma de tributação sobreposta ao IRC em relação a lucros presumidos, o que viola o princípio da proibição da dupla tributação.
A este propósito, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2105, de 20.10.2015, consignou-se o seguinte:
«No que respeita ao método de cálculo para a determinação do montante da taxa, o artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, estipula que o seu valor será fixado por portaria dos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e da agricultura entre € 5 e € 8 por metro quadrado da área de venda do estabelecimento, ou seja, segundo o disposto no artigo 2.º, b), da Portaria n.º 215/2012 de 17 de julho, toda a área destinada à venda, onde os compradores têm acesso ou os produtos se encontram expostos ou são preparados para entrega imediata, tendo o artigo 1.º da Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio, vindo clarificar a aplicação deste critério do seguinte modo:
“1- Para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 2º da Portaria nº 215/2012, de 17 de julho, entende-se por «área de venda do estabelecimento» toda a área de comércio alimentar apurada de acordo com os seguintes coeficientes de ponderação:
i) A área de venda do estabelecimento inferior a 1750 m2 está sujeita a um coeficiente de ponderação de 90%;
ii) A área de venda do estabelecimento igual ou superior a 1750 m2 e inferior a 5000 m2 está sujeita a um coeficiente de ponderação de 75%;
iii) A área de venda igual ou superior a 5000 m2 está sujeita a um coeficiente de ponderação de 60%.
2 - Para efeitos de aplicação da Portaria nº 215/2012, de 17 de julho, é considerado «estabelecimento autónomo» o estabelecimento alojado ou compreendido no interior de um outro estabelecimento de comércio, independentemente de ambos usarem a mesma insígnia ou nome de estabelecimento ou serem explorados pelo mesmo titular, ou de terem sido objeto de licenciamento específico, no qual se prestam serviços ou vendem produtos distintos dos que são transacionados no estabelecimento de comércio que o aloja, dotado de caixas de saída próprias ou de barreiras físicas análogas destinadas a delimitar a área de venda, e em que as transações nele efetuadas são exclusivamente registadas e pagas no seu interior ou nas respetivas caixas de saída próprias, onde não podem ser registadas ou pagas transações efetuadas no estabelecimento de comércio que os aloja.
3- A área de venda dos estabelecimentos autónomos só releva se estes forem estabelecimentos de comércio alimentar ou misto, caso em que o respetivo volume total de vendas e a sua área não têm qualquer repercussão nos estabelecimentos que os alojam, para os efeitos da presente portaria”
Deste quadro normativo resulta que a “taxa de segurança alimentar mais” é uma compensação financeira anual que incide sobre a área de venda do estabelecimento, entendendo-se como tal «toda a área de comércio alimentar», apurada de acordo com determinados coeficientes de ponderação, e o seu valor é fixado, por portaria, entre € 5 e € 8 por metro quadrado da área de venda alimentar do estabelecimento, o que revela ter sido opção do legislador graduar a tributação em função do maior ou menor volume de produtos alimentares comercializados, indiciado pela dimensão da área do estabelecimento destinada a essa finalidade, uma vez que o valor do benefício resultante da adoção das diversas ações públicas visando garantir a qualidade e segurança alimentar para os operadores da distribuição retalhista variará em função do volume dos produtos comercializados no estabelecimento em causa.
Assim, no que respeita ao método de cálculo para a determinação da incidência objetiva da contribuição financeira e da sua base tributável, é possível descortinar que o critério adotado tem uma relação objetiva com a finalidade compensatória que está presente na estruturação do tributo em causa. O grau do benefício obtido com as atividades financiadas pela entidade da qual constitui uma das receitas a contribuição sub iudicio, está relacionado com o volume de produtos alimentares comercializados, constituindo um indício aproximado suficientemente credível deste a área dos estabelecimentos afeta à sua comercialização.
Não se ignora que era possível definir outros critérios cuja aplicação tivesse como resultado uma maior aproximação ao real benefício obtido pelos sujeitos passivos desta contribuição, mas ao Tribunal Constitucional apenas compete verificar se o critério escolhido não respeita os parâmetros constitucionais no domínio das contribuições financeiras.
Ora, conforme acima se explicou, o critério adotado pelo legislador para definir a base objetiva de incidência da “taxa de segurança alimentar mais”, cumpre a exigência de que os tributos comutativos sejam diferenciados em função dos benefícios a compensar, de modo a que não se encontrem sujeitos ao mesmo encargo tributário contribuintes que, por virtude da sua maior ou menor intervenção no mercado, aproveitam benefícios manifestamente diferentes.
Por estas razões é de concluir, no que se refere à questão de inconstitucionalidade material, pela improcedência da alegada violação do princípio da equivalência quanto às normas constantes dos artigos 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, e 3.º e 4.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de julho».

Em face do exposto, a invocada dupla tributação em face do IRC não se comprova, dado que a base tributável e o método de apuramento da TSAM são diferentes da base tributável e método de apuramento de um imposto sobre o rendimento, como sucede com o IRC.
Por conseguinte, ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece censura, devendo manter-se na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.7. No que respeita ao fundamento do recurso referido em iv), cumpre referir o seguinte.
Compulsados os autos, verifica-se que a invocação da preterição de audição prévia, no caso, corresponde a questão nova, não antes suscitada. Pelo que o presente recurso de apelo ou reexame não é o meio adequado para o fazer.
Motivo porque se rejeita a presente arguição.


Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta – Ana Cristina Carvalho)

(2.ª Adjunta – Patrícia Manuel Pires)




(1) Diogo Barros Pereira, O sector da Distribuição e Taxa de Segurança Alimentar, Coord. Sérgio Vasques, Taxas e Contribuições Sectoriais, Almedina, 2013, pp. 165/190.
(2) Ana Paula Dourado, Direito Fiscal, Lições, 2ª Edição, 2017, p. 59.
(3) Ana Paula Dourado, Direito Fiscal, Lições, 2ª Edição, 2017, p. 59.