Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:141/23.6 BEFUN
Secção:CA
Data do Acordão:10/26/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
AVALIAÇÃO
PLANO DE FORMAÇÃO
Sumário:I – São características essenciais da tutela cautelar:
i - A sua instrumentalidade em relação a um processo principal (v. arts. 112°-1, 113°-1 e 123° CPTA);
ii A tutela cautelar só se justifica se for condição sine qua non da utilidade e da eficácia da decisão a proferir no processo principal;
iii A sumariedade da apreciação jurisdicional, i.e., o tribunal deve proceder a apreciações meramente perfunctórias;
iv - A provisoriedade das providências cautelares (v. art. 124° CPTA);
Os critérios de decisão para a adoção de providências cautelares vêm regulados no artigo 120.° do CPTA.
II – O Requerente, como lhe competia, não procedeu, como era seu ónus, à alegação de factos concretos que sustentassem um eventual prejuízo qualificado derivado da menção que lhe foi atribuída na sua avaliação.
A avaliação atribuída ao Requerente e a sua manutenção por ora, não consolida uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para os seus interesses, uma vez que, sendo caso disso, sempre será reversível.
Como resulta do referido art. 120.°, n.° 1, do CPTA, verifica-se periculum in mora quando haja fundado receio na constituição de uma situação de facto consumado, pressuposto cuja verificação se não alcança, nem reconhece.
III - Uma vez que se não vislumbra perfuntoriamente o preenchimento de qualquer dos pressupostos tendentes ao deferimento da Providencia Cautelar apresentada, sempre a Providência Cautelar teria de improceder.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, Subsecção Social, no âmbito de Reclamação para a Conferência:

I Relatório
J........., com os demais sinais nos autos, no âmbito da Providência Cautelar que apresentou contra o Secretaria Regional de Educação, Ciência e Tecnologia, em que requereu o decretamento deprovidência que suspenda provisoriamente a eficácia daquela avaliação, nomeadamente suspendendo-se a sujeição ao Plano de Formação, até à decisão da ação principal que irá intentar”, relativamente à avaliação relativa ao “ano letivo 2021/2022” em que obteve “a avaliação de 9,50 com a menção de Bom(a) na sua avaliação de desempenho (…) nos termos do Decreto Regional n.° 13/2018, de 15 de Novembro de 2018", inconformado com a decisão proferida no TAF do Funchal, de 14 de junho de 2023, que julgou “verificada a manifesta falta de fundamento da pretensão formulada na presente providência cautelar e, em consequência, rejeito liminarmente o presente requerimento cautelar”, veio, em 23 de junho de 2023, recorrer da decisão proferida, tendo concluído:
“1 - A data indicada na sentença recorrida para o termo do “plano de formação” a que o requerente irá ser sujeito, a ser de 31/08/2023, sofre de grave e inadmissível erro.
2 - Com efeito, tratando-se de aplicar o disposto no n.° 3 do art.° 23.° do Dec. Reg. Reg. n.° 13/2018/M que é expressamente invocado, esse “plano de formação” terá obrigatoriamente a data de um ano, pelo que terminaria em 31/08/2024 e não em 2023.
3 - Além disso, não faria qualquer sentido que a duração desse “plano de formação” se limitasse ao mês de Agosto/23, durante o período de férias escolares.
4 - Do exposto decorre que a decisão suspendenda sofre de insuperável lapso de escrita, numa questão que é essencial para o requerente, devendo por isso ser decretada a suspensão que foi requerida.
5 - A assim não se entender, teremos forçosamente de concluir que essa decisão viola frontalmente o disposto no aludido art.° 23.°, n.° 3, devendo a mesma ser suspensa, ao abrigo do disposto no n.° 1 do art.° 120.° do CPTA.
6 - E a igual conclusão se deve chegar devido à falsidade da ata em que se abona essa decisão e face à grosseira violação do princípio da proibição da “Reformatio in pejus”.
7 - Se, por hipótese, assim não for entendido, não poderá então ser mantido o entendimento de que não se verificam prejuízos para o requerente que exijam a imediata tutela do direito.
8 - Com efeito, não é exato que o requerente possa vir a ser integralmente ressarcido no caso de obter ganho de causa na ação principal.
9 - Pois, a mera reposição do valor da retribuição correspondente à atual carreira profissional, não compensa o requerente pelos prejuízos que sofrerá pela interrupção e paragem da mesma.
10 - Além de que a obrigatoriedade de frequência de um “plano de formação”, destinado à “repescagem” dos incapazes para o normal desenvolvimento da respetiva carreira, é patentemente vexatória.
11 - E será também totalmente desadequada para o nível de conhecimentos e prática que o requerente considera que lhe deva ser reconhecido.
12 - Não sendo demais recordar que a carreira docente constitui um processo altamente dinâmico, onde a aprendizagem e o aperfeiçoamento são constantes.
13 - Ora, ao ser desinserido dessa carreira, o requerente não poderá beneficiar dessa evolução, sendo que esta forçada paragem não pode ser facilmente ultrapassável.
14 - Nada garantindo que o requerente, a ser reposta a sua situação, ainda esteja dotado da mesma “força anímica” que atualmente dispõe, sendo indiscutivelmente desmotivadora a decisão cuja suspensão se requer.
15 - Para além disso, é também patente que o requerente ficará numa posição altamente desvalorizada aos olhos dos seus colegas.
16 - Nem sendo necessário tecer considerações sobre a importância que a classe docente atribui à respetiva carreira, certo é que uma interrupção na mesma não deixará de ser vista como desprestigiante para o requerente.
17 - Nenhum prejuízo para o interesse público advirá da requerida suspensão.
18 - É patente a desconformidade com o Direito da decisão suspendenda.
19 - A decisão recorrida fez errada interpretação do disposto no n.° 2 do art.° 120.° do CPTA, bem como do previsto na al. c) do n.° 1 dessa norma e ainda na al. a) da mesma.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se a providência adequada tal como foi requerido, como é de Justiça.”

A Recorrida/Secretaria Regional veio apresentar as suas Contra-alegações de recurso em 2 de agosto de 2023, sem conclusões, terminando, afirmando que “afigura-se-nos que nada explica ou justifica este recurso, pelo que deverá ser negado provimento ao mesmo e confirmada a douta decisão recorrida, como é de justiça!”

O Recurso Jurisdicional veio a ser admitido por Despacho de 29 de agosto de 2023.

O Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal, notificado em 1 de setembro de 2023, veio a emitir Parecer em 4 de setembro de 2023, no qual, a final, “pugna pela improcedência do recurso”.

Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.

II - Questões a apreciar
Importa decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cumprindo apreciar, essencialmente, as questões atinentes à fundamentação jurídica da decisão ora sob recurso, mormente saber se deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e, ordenando-se a providência tal como foi requerido, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte matéria de facto provada, para a apreciação da questão controvertida, cujo teor infra se reproduz:
“1) No não letivo de 2021/2022, a avaliação de desempenho do Requente, na qualidade de docente, correspondeu ao período de 01.09.2021 e 31.08.2022, com a classificação final de 9,50 (cf. documento n.° 2, junto ao requerimento inicial);
2) O Requente apresentou reclamação da avaliação, datada de 16.11.2022, dirigida ao Presidente do Conselho Executivo da Escola Básica e Secundária de Machico (cf. documento n.° 3, junto ao requerimento inicial);
3) Através do ofício n° 775, com data de 22.12.2022, foi comunicado ao Requerente que a "SADD deliberou manter a decisão inicial com a avaliação de 9,5 - Bom" (cf. documento n.° 4, junto ao requerimento inicial);
4) O Requerente apresentou recurso, com data de 21.12.2022, dirigido o Presidente da Comunidade Educativa da Escola Básica e Secundária de Machico, solicitando que lhe fosse atribuída a classificação de 10,00 (cf. documento n.° 5, junto ao requerimento inicial);
5) Na sequência do recurso interposto, foi elaborada uma ata da reunião ocorrida em 08.03.2023, na presença dos três árbitros nomeados, e com a ordem de trabalho "Elaboração da proposta de decisão do recurso de avaliação", da qual consta, em anexo, a reavaliação do Requerente pela Secção de Avaliação do Desempenho Docente, com a classificação final de 6,43 (cf. documento n.° 7, junto ao requerimento inicial);
6) Em 14.03.2023, realizou-se uma nova reunião na presença de dois árbitros, com a ordem de trabalho "Fundamentação, em ata, do voto de cada um dos árbitros na proposta de decisão do recurso da avaliação do desempenho", da qual consta "validou-se a votação da proposta de decisão do recurso da avaliação do desempenho docente do reclamante efetuada na reunião anterior: dois votos a favor da classificação da avaliação final proposta pela SADD (&,43 valores SIC) e um voto contra do primeiro árbitro" (cf. documento n.° 9, junto ao requerimento inicial);
7) Em 15.03.2023, a Presidente do Conselho da Comunidade Educativa homologou "o procedimento e a proposta de decisão do recurso de avaliação", o que foi comunicada ao Requerente através do ofício n.° 151, com data de 16.03.2023 (cf. documento n.° 10, junto ao requerimento inicial);
8) Através do ofício n.° 214, com data de 24.04.2023, foi comunicado ao Requerente o seguinte:
Assunto: Plano de Formação
Considerando que a avaliação de V. Exa, no ano letivo 2021/2022, resultou na atribuição da menção qualitativa de Regular, somos a enviar o Plano de Formação previsto no n°3. do artigo 23º, do Decreto Legislativo Regional n° 26/2012/M, de 8 de outubro, alterado pelo Decreto Regulamentar Regional n° 13/2018/M.
Informa-se que. cabe ao docente frequentar a formação apresentada em anexo e conclui-la com aproveitamento até ao dia 31 de agosto de 2023.
Findo o prazo previsto, deverá apresentar, à secção de avaliação de desempenho docente da Escola Básica e Secundária de Machico, os certificados das ações frequentadas e respetivas validações.
Com os melhores cumprimentos,
O Presidente da Secção de Avaliação do Desempenho Docente
(cf. fls. 12 do SITAF).

IV - Do Direito
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão recorrida:
“(…) De acordo com o artigo 116.° do CPTA, constituem fundamento de rejeição liminar do requerimento cautelar: a) A falta de qualquer dos requisitos indicados no n.° 3 do artigo 114.° que não seja suprida na sequência de notificação para o efeito; b) A manifesta ilegitimidade do requerente; c) A manifesta ilegitimidade da entidade requerida; d) A manifesta falta de fundamento da pretensão formulada; e) A manifesta desnecessidade da tutela cautelar; f) A manifesta ausência dos pressupostos processuais da ação principal.
É consabido que as providências cautelares antecipatórias visam obstar ao prejuízo decorrente da demora ou retardamento do decurso da ação na satisfação do direito invocado, através da antecipação, ainda que provisória, dos efeitos da decisão a proferir no processo principal.
De acordo com o artigo 120.°, n.°s 1 a 4, do CPTA, com a epígrafe "Critérios de decisão", são três os critérios cumulativos de que depende a adoção das providências cautelares: (i) fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora); (ii) seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (fumus boni iuris); e, por fim, (iii) a ponderação dos interesses em presença quanto aos danos que resultariam da concessão, ou não, da providência.
Note-se que a adoção da providência cautelar ora solicitada depende da verificação cumulativa dos requisitos, e que a falta de qualquer um deles prejudica o conhecimento dos restantes e é suficiente para fazer improceder a pretensão formulada no processo cautelar (cf. Acórdão do TCA Sul de 07.03.2019, Processo n.° 2571/17, disponível em www.dgsi.pt).
Atente-se, ainda, que prevê o artigo 114.°, n.° 3, alínea g) do CPTA, que cabe ao requerente especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido e oferecer prova sumária da sua existência.
Daí se retira que cabe ao requerente o ónus geral de alegação da matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência cautelar, e que permitem ao Tribunal concluir pela verificação na causa do requisito do perigo da demora na resolução judicial do litígio (cf. artigo 342.° do CC, Acórdão do TCA Norte de 08.02.2013, Processo n.° 02104 e STA de 30.10.2014, Processo n.° 0681/14).
Assim, o artigo 120.°, n.° 1, 1ª parte, do CPTA estabelece a necessidade do preenchimento do critério do periculum in mora, que constitui a verdadeira razão de ser da natureza urgente do processo cautelar e deve ser valorado em função da utilidade da sentença a proferir no processo principal.
Acontece que somente estará preenchido este requisito quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, quando a não concessão da providência conduza a uma constituição de facto irreversível, tornando impossível, no caso do processo principal vir a ser julgado favoravelmente, proceder à reconstituição no plano dos factos conforme a legalidade.
Também está preenchido nas situações de fundado receio de constituição de prejuízos de difícil reparação das posições substantivas quando, no plano dos factos, se a providência for recusada, se torne difícil a reintegração da situação atual hipotética que existiria se o ato impugnado não tivesse sido praticado, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente.
(…)
A ponderação de todos os interesses em presença deve pautar-se por um critério de proporcionalidade da decisão de concessão ou recusa da providência cautelar requerida.
Assim, uma vez verificados os requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris, o juiz deve realizar um juízo de prognose dos resultados concretos que poderão sobrevir da adoção da providência cautelar, devendo recusá-la quando os prejuízos da concessão sejam superiores aos que resultariam da não concessão, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências - cf. artigo 120.°, n.°s 2 a 5, do CPTA e José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Lições, 17.° edição, Almedina, 2019, p. 324.
No caso dos autos, o Requerente alude que a decisão proferida na avaliação de desempenho, é nula ou inexistente e que tem a consequência prevista no artigo 23.°, n.° 3, do Decreto Regulamentar Regional n.° 13/2018/M, de 15.11.
Donde decorre que a atribuição da menção de regular determina que "o período de tempo a que respeita só seja considerado para efeitos de progressão na carreira após a conclusão, com sucesso, de um plano de formação com a duração de um ano proposto pelo avaliador ou avaliadores e aprovado pelos órgãos (...)”.
Mais alegou o Requerente que o normal desenvolvimento da sua carreira ficará dependente de uma aprovação com sucesso no plano de formação e que a aprendizagem é desnecessária, vexatória e, talvez, com intuitos persecutórios (cf. artigos 16.° a 18.° do requerimento inicial).
Ora, no que concerne ao periculum in mora, entende o Tribunal que o Requerente não alegou qualquer facto ou circunstância subsumível ao artigo 120.°, n.° 1, 1.ª parte, do CPTA, que configure uma situação em que a demora do processo causará prejuízos de difícil reparação, ou mesmo uma situação de facto consumado.
Por um lado, como decorre de forma clara do aludido artigo 23.°, n.° 3, Decreto Regulamentar Regional n.° 13/2018/M, de 15.11, a atribuição da menção regular determina que o período do ciclo avaliativo a que respeita só será considerado, para efeitos de progressão na carreira, após a conclusão de um plano de formação, com sucesso.
Nesse conspecto, a mera paralisação no normal desenvolvimento da carreira invocada pelo Requerente não consiste num prejuízo de difícil reparação, visto que a sentença a proferir na ação principal, a ser julgada procedente, assegurará a reconstituição da situação hipotética atual.
Também resulta da factualidade provada que o plano de formação não terá uma duração de um ano e a sua conclusão ocorrerá em 31.08.2023 (cf. facto provado n.° 8).
Por outro lado, o ónus de alegação que impedia sobre o Requerente exigia a configuração de um dano qualificado, o que não se verifica no caso em apreço, dado que a execução de um plano de formação configura, em geral, um benefício para qualquer trabalhador e uma exigência à realização do interesse público.
Pelo que se conclui que, em causa, o interesse público terá uma maior preponderância na ponderação de interesses públicos e privados em presença.
No mais, sempre se dirá que não vem alegado o dano qualificado, visto que "prejuízo moral decorrente da execução de ato administrativo só pode fundamentar a suspensão da execução da respetiva eficácia de um ato quando atinja um grau de intensidade e objetividade que mereça a tutela do direito, de acordo com a doutrina que se extrai do art. 496.°, n.°1 do Código Civil" (cf. Acórdão de 17.06.86, (A.D. 300), apud Santos Botelho, Contencioso Administrativo, 2ª edição, Almedina, 1999, p. 379).
Em conclusão, não se encontram manifestamente verificados os pressupostos cumulativos da concessão da providência cautelar requerida, pelo que será de julgar manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada pelo Requerente.”

Correspondentemente, decidiu-se em 1ª Instância:
“Nos termos e com os fundamentos expostos, julgo verificada a manifesta falta de fundamento da pretensão formulada na presente providência cautelar e, em consequência, rejeito liminarmente o presente requerimento cautelar.”

Vejamos:
Refira-se, desde já, que o decidido em 1ª Instância, é para manter.

No caso dos autos a decisão recorrida concluiu pela rejeição liminar do requerimento cautelar, por ter sido entendido que não se encontravam verificados os pressupostos cumulativos da concessão da providência cautelar requerida.

O recorrente limita-se conclusivamente a afirmar que "o decisão recorrida fez errada interpretação do disposto no n.° 2 do art.° 120.° do CPTA, bem como do previsto na al. c) do n.° 1 dessa norma e ainda na al. a) da mesma".

Como é sabido são 3 as características essenciais da tutela cautelar:
i - A sua instrumentalidade em relação a um processo principal (v. arts. 112°-1, 113°-1 e 123° CPTA);
ii A tutela cautelar só se justifica se for condição sine qua non da utilidade e da eficácia da decisão a proferir no processo principal;
iii A sumariedade da apreciação jurisdicional, i.e., o tribunal deve proceder a apreciações meramente perfunctórias;
iv - A provisoriedade das providências cautelares (v. art. 124° CPTA);
Os critérios de decisão para a adoção de providências cautelares vêm regulados no artigo 120.° do CPTA.

Correspondentemente, a decisão recorrida concluiu que não se encontram verificados os pressupostos cumulativos da concessão da providência cautelar requerida, pelo que julgou manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada pelo Requerente.

Com efeito, nos termos das disposições conjugadas do art. 120.°, n.° 1 e n.° 2 do CPTA, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o Requerente visa assegurar no processo principal, e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente, e desde que, neste caso, sejam devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, de modo a que os danos que resultariam da sua concessão não se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.

Ademais, os processos cautelares têm uma função instrumental, destinando-se a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, cabendo por isso antes de mais aferir se ocorre periculum in mora para os interesses que o Requerente visa assegurar no processo principal, uma vez que, após as alterações operadas no CPTA pelo D.L. n.° 214-G/2015, de 02/10, a verificação daquele requisito constitui uma condição necessária para a adoção da providência cautelar requerida.

De facto, para o decretamento da tutela cautelar, tem o Tribunal de descortinar indícios de que essa intervenção preventiva é necessária para impedir a consumação de situações lesivas, que, de outro modo, resultariam com a demora do processo principal.

Este requisito dá-se por verificado sempre que os factos provados demonstrem a existência de fundado receio na verificação de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa acautelar no processo principal, apenas valendo o critério da impossibilidade de reintegração da esfera jurídica do requerente ou da maior ou menor dificuldade em concretizar essa reintegração, no caso do prejuízo de difícil reparação (cfr. ac. deste TCAS de 16.06.2011, Proc. 07361/11).

No caso dos autos o Requerente singelamente refere como prejuízos de difícil reparação, o facto de que a atribuição da menção de regular determinaria que "o período de tempo a que respeita só seja considerado para efeitos de progressão na carreira após a conclusão, com sucesso, de um plano de formação com a duração de um ano proposto pelo avaliador ou avaliadores e aprovado pelos órgãos (...)".

Mais refere que o normal desenvolvimento da sua carreira ficará dependente de uma aprovação com sucesso no plano de formação e que a aprendizagem é desnecessária, vexatória e, talvez, com intuitos persecutórios.

Dos autos não resulta evidenciado perigo qualificado que decorra da delonga processual.

Como refere José Carlos Vieira de Andrade o “juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica" (in “A Justiça Administrativa (Lições)", 11- ed., pág. 305).

No caso dos autos não se vislumbra nem reconhece qualquer especial gravidade, nem a necessária irreversibilidade da invocada lesão.

Em bom rigor, o Requerente, como lhe competia, não procedeu, como era seu ónus, à alegação de factos concretos que sustentassem um eventual prejuízo qualificado derivado da menção que lhe foi atribuída na sua avaliação.

A avaliação atribuída ao Requerente e a sua manutenção por ora, não consolida uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para os seus interesses, uma vez que, sendo caso disso, sempre será reversível.

Como resulta do referido art. 120.°, n.° 1, do CPTA, verifica-se periculum in mora quando haja fundado receio na constituição de uma situação de facto consumado, pressuposto cuja verificação se não alcança, nem reconhece.

Com efeito, estar-se-á em presença duma situação de facto consumado quando se revele de todo em todo impossível a reintegração específica da esfera jurídica do Requerente, tendo por referência a situação jurídica e de facto para ele existente no momento da respetiva lesão.

No caso dos autos a execução de uma eventual decisão judicial anulatória determinará tão-só a prática pela Secretaria Regional da Educação Ciência e Tecnologia, dos atos e operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada.

O Requerente peticiona ao Tribunal a suspensão da eficácia da avaliação e a suspensão da sujeição ao Plano de Formação, até à decisão da ação principal que intentou ou irá intentar, visando a presente providência simplesmente suster os efeitos da avaliação atribuída ao Requerente, sendo que vindo porventura a ser anulada a avaliação que lhe foi atribuída, a reintegração da situação sempre se mostraria simples e sem sequelas reputacionais para o aqui Requerente.

Acompanha-se, pois, o entendimento perfunctório de 1ª instância no sentido de inexistir periculum in mora, tanto bastando para a improcedência da Providência.

Por outro lado, as providências requeridas só poderiam ser adotadas se se entendesse que os danos causados pela sua concessão não seriam superiores àqueles decorrentes da sua recusa. Está em causa o princípio da proporcionalidade, em sentido estrito ou da proibição do excesso, consagrado no artigo 120.°, n.° 2 do CPTA.

Nos termos do art. 120°, n.°2 do CPTA, a ponderação entre os interesses públicos e privados resolve-se pela comparação do peso relativo dos interesses em presença, comparação a fazer à luz do circunstancialismo fáctico do caso concreto, cumprindo assegurar que, entre dois prejuízos, a decisão cautelar seja aquela que objetivamente provoque prejuízos em menor grau.

"(…) A justa comparação dos interesses em jogo exige que o tribunal proceda, em cada caso, à ponderação equilibrada dos interesses, contrabalançando os eventuais riscos que a concessão da providência pode envolver com a magnitude dos danos que a sua recusa possa trazer" (cfr. Aroso de Almeida/Carlos Cadilha, in Comentário ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos, 2° edição revista, pág. 710).

O recurso à cláusula de salvaguarda do n° 2 do artigo 120° do CPTA, onde se faz apelo ao critério de ponderação dos interesses em jogo na providência, para decretar ou recusar a providência, apontam no sentido de não prevalecer o interesse privado, tanto mais que a controvertida formação que o Requerente terá que frequentar não poderá ser tida como uma atividade perniciosa e lesiva da sua imagem, mas antes uma mais valia para o seu desempenho funcional.

Em face de tudo quanto supra se discorreu entendeu-se singularmente em 26 de setembro de 2023 que a decisão adotada em 1ª Instância não merecia censura, por se mostrar liminarmente patente não estar preenchido qualquer dos cumulativos pressupostos que poderiam determinar a procedência da Providência Cautelar em análise.

Em 3 de outubro de 2023 veio o Autor Reclamar para a Conferência, insistindo nos alegados vícios de que padecerá o ato cuja suspensão requer e não em quaisquer irregularidades constantes da decisão de 1ª Instância de que recorre, ao que acresce que suporta o seu entendimento na versão do Artº 120º do CPTA já revogada, ao afirmar que “as providências cautelares são adotadas a) quando seja evidente a procedência da pretensão… por estar em causa ato manifestamente ilegal…» (Redação revogada pelo DL n.° 214-G/2015, de 02/10).

Aqui chegados, improcede a Reclamação apresentada, confirmando-se o sentido da decisão recorrida, uma vez que se não vislumbra perfuntoriamente o preenchimento de qualquer dos pressupostos tendentes ao deferimento da Providencia Cautelar apresentada, os quais sempre seriam de preenchimento cumulativo.

V - DECISÃO
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, subsecção social, em indeferir a reclamação para a conferência, mantendo a decisão sumária do relator de negar provimento ao Recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 26 de outubro de 2023


Frederico de Frias Macedo Branco

Carlos Araújo

Pedro Figueiredo