Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:402/11.7 BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:11/02/2023
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:IRC
MÉTODOS INDIRECTOS
ERRO NA QUANTIFICAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
II - Estando demonstrada a legalidade do recurso a métodos indiretos na determinação da matéria coletável, cabe ao contribuinte demonstrar concretamente o erro ou o excesso de quantificação.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO TRIBUTÁRIA COMUM DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem a Fazenda Pública interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por I.........., Lda., contra a liquidação de IRC do ano de 2007 no montante de € 22.767,94.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“ Através do presente recurso, a Fazenda Pública visa reagir contra a douta decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou procedente a presente impugnação deduzida contra o ato tributário consubstanciado na liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 2007, no montante de 22.767,94 €, tendo, em consequência, decidido anular o mesmo.
 A discordância da Fazenda Pública abrange apenas o segmento da douta decisão sob recurso que apreciou a questão relativa à quantificação da matéria tributável, e concluiu pela existência de erro de quantificação da matéria tributável com recurso a métodos indiretos, tendo, em consequência, anulado o ato tributário impugnado.
 Pese embora o respeito, que é muito, pela douta decisão recorrida, a Fazenda Púbica não se pode conformar com a mesma, por entender que enferma de erro de julgamento, que resulta, não só da incorreta valoração da factualidade controvertida e da prova produzida, como também da errónea interpretação e aplicação da lei.
 O Tribunal “ a quo” considerou que o critério utilizado pela AT para quantificar os proveitos omitidos - consumo de uma unidade de aspirador de saliva equivale à prestação de um serviço médico dentário - desacompanhado de qualquer fator de correção, se revelava inadequado a obter uma efetiva aproximação à verdadeira situação tributária do sujeito passivo, verificando-se, assim, um erro na quantificação da matéria tributável do qual resulta um claro excesso de tributação.
 Salvo o devido respeito, o Tribunal “ a quo” contrariamente ao que se verificou na análise que efetuou da questão relativa à aplicação dos métodos indiretos para determinação da matéria tributável da impugnante, na apreciação que efetuou relativa ao critério utilizado pela AT para quantificação da matéria tributável, não valorou a globalidade da prova que foi produzida nos presentes autos pelas partes intervenientes, designadamente pela AT, tendo fundamentado a sua decisão, de forma quase exclusiva, na prova testemunhal, consubstanciada no depoimento da testemunha M.........., mãe da sócia gerente da impugnante, que à data dos factos exercia as funções de assistente junto da impugnante.
 Sucede que ao atuar desta forma, centralizando a valoração da prova no depoimento da testemunha M.......... (mãe da impugnante) e desvalorizando todo o restante acervo probatório constante dos autos, com especial destaque para as provas constantes do PA e que o Tribunal “a quo” partiu de erróneos pressupostos de facto que conduziram a uma inevitável errónea aplicação da lei.
 Por outro lado, a douta decisão recorrida encerra em si própria, incongruências, porquanto, embora tenha levado ao probatório um vasto conjunto de factos que serviram de fundamentação ao sentido da decisão que julgou improcedente o vicio de fundamentação da aplicação dos métodos indiretos para determinação da matéria tributável invocado pela impugnante – vide alínea H do probatório - acabou por fazer letra morta desses mesmos factos no segmento da decisão que apreciou a questão da aplicação do critério de quantificação.
 Na alínea H do probatório, o Tribunal “a quo” transcreveu o ponto IV e V do relatório de inspeção, relativos à fundamentação do recurso a métodos indiretos para determinação da matéria tributável e à fundamentação do critério de quantificação da matéria tributável da impugnante, respetivamente.
 Tendo presente a factualidade que consta da alínea H do probatório da douta decisão sob recurso, vislumbra-se que a fundamentação que é invocada pelo Tribunal “ a quo” para considerar o critério utilizado pela AT como sendo inadequado e concluir pelo excesso de tributação, desvalorizou factos e evidências probatórias que a serem levadas em consideração, como efetivamente se impunha, em prol do principio da verdade material e da realização da justiça, teriam permitido a prolação de uma decisão de sentido distinto daquele que ora se sindica.
 Dispõe o n.º3 do art.º74.º da LGT, «Em caso de determinação da matéria tributável or
métodos indiretos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação».
 A sentença deu por assente a verificação dos pressupostos do recurso a métodos indiretos.
 Considerando o critério legal de repartição do ónus da prova, era sob a impugnante que recaia o ónus de demonstrar o excesso de quantificação.
 Como se salienta no Ac. do STA, de 16/11/2011, proferido no proc.º0247/11, «De acordo com as regras de distribuição do ónus da prova, para pôr em causa a quantificação da matéria tributável a que a AT chegou com recurso a métodos indiretos não basta ao sujeito passivo suscitar dúvidas quanto ao resultado obtido, antes se lhe impondo que demonstre a inadequação ou errada aplicação dos critérios de quantificação utilizados (cfr. art. 74.º, n.º 3, da LGT)».
 Por outro lado e como se escreveu no Ac. daquele alto tribunal de 17/03/2010, tirado no proc.º01211/09, «Persistindo a situação de "non liquet" quanto ao excesso na quantificação a que chegou a Administração tributária, a dúvida terá de ser decidida em desfavor da recorrente, que não logrou provar a existência de tal excesso, nem se afigura
evidente para este Tribunal que o alegado excesso na quantificação resulte das regras
da experiência comum ou que seja manifesto, notório ou ostensivo».
 Temos assim, que a prova do erro ou excesso de quantificação tem de ser positiva e
concludente.
 Uma vez demonstrada a fundamentação do critério de quantificação utilizado pela AT (art.º77º, n.º4 da LGT), a prova do erro ou excesso ou da manifesta inadequação do critério de quantificação à realidade do contribuinte, que ao impugnante incumbe fazer, tem de ser ajuizada por referência àquela existente fundamentação.
 Os factos que a impugnante logrou demonstrar e estão vertidos nas alíneas O), P) e Q) da matéria assente não constituem, por si só, base factual bastante para se poder concluir pelo erro, excesso ou inadequação do critério utilizado pela AT na quantificação, tanto mais que a impugnante nunca logrou apresentar provas credíveis e inequívocas que demonstrassem, com um elevado grau de certeza e segurança, quantos aspiradores é que efetivamente utilizou/consumiu no desenvolvimento da sua atividade nos anos que foram fiscalizados, com especial destaque para o exercício de 2007, aqui em causa.
 Por outro lado, a impugnante nunca apresentou qualquer outro critério porventura mais ajustado à sua realidade e ainda que o fizesse, não é fundamento para se concluir pela inadequação do critério escolhido pela AT na medida em que represente também ele um esforço de aproximação à realidade, não se podendo perder de vista que a situação real apenas se pode apreender com base nos dados da contabilidade, que o próprio contribuinte tratou de descredibilizar.
 A impugnante, não se desincumbiu do ónus que sobre si impendia de demonstrar, mediante prova positiva e concludente, a existência de erro grosseiro ou manifesto excesso ou a manifesta e evidente inadequação do método de quantificação escolhido pela AT.
 Da factualidade constante da alínea H do probatório, resulta inequivocamente demonstrado que o critério de quantificação da matéria tributável que foi adotado pela AT resultou diretamente dos registos contabilísticos da impugnante, mais concretamente da análise das contas 316 – Compras de Matérias Primas e 62215 – Ferramentas e Utensílios de Desgaste Rápido, tais como agulhas, aspiradores de saliva, luvas, papel articulação, pontas de papel, anestesiante - vide alínea H) do probatório da douta decisão sob recurso.
 Tais registos evidenciam de forma clara e sem qualquer margem para dúvidas, as compras efetuadas, declaradas e registadas pela própria impugnante na sua contabilidade, demonstrando de forma inequívoca que mesma adquiriu em janeiro de 2007, 1000 aspiradores de saliva e em 18 de abril de 2007, 2000 aspiradores de saliva, perfazendo o total de 3000 aspiradores de saliva- vide alínea H) do probatório da douta decisão sob recurso.
 Para além de tal factualidade constar de forma expressa da alínea H do probatório, realça-se ainda o facto de a mesma nunca ter sido objeto de litígio nos presentes autos, pois a impugnante nunca impugnou tal factualidade, o que seria de todo absurdo uma vez que as aquisições em causa foram por ela declaradas e registadas na sua contabilidade.
 Tal como consta da alínea H) do probatório da decisão sob recurso, a AT considerou que os aspiradores de saliva eram materiais utilizados durante as consultas cujos consumos têm uma relação direta com o nível de atividade desenvolvida pela impugnante, uma vez que se tratam de materiais de uso especifico da atividade de médico dentista, tendo a impugnante corroborado a existência desta relação direta em sede de auto de declarações, elaborado no decurso do procedimento inspetivo - vide alínea H do probatório da douta decisão sob recurso.
 As declarações prestadas pela impugnante, viriam a ser corroboradas pela testemunha por si arrolada, M.......... (mãe da impugnante que à data dos factos também exercia as funções de assistente na clinica da impugnante) tendo permitido ao Tribunal “a quo” levar ao probatório os factos constantes das alíneas O) e P) – vide alíneas O) e P) do probatório da douta decisão sob recurso.
 Ora, contrariamente ao que a douta decisão sob recurso faz transparecer, a AT na escolha do critério de quantificação da matéria tributável, teve em consideração o teor das declarações prestadas pela impugnante no decurso do procedimento inspetivo, pois estas declarações permitiram à AT validar o raciocínio que foi delineando na sequência da análise dos registos contabilístico da impugnante e respetivos documentos de suporte, permitindo-lhe concluir pela existência de uma relação direta entre o consumo de aspiradores de saliva e a atividade desenvolvida pela impugnante.
 Temos assim, que no que se reporta à prova da existência de uma relação direta entre o consumo de aspiradores de saliva e a atividade desenvolvida pela impugnante, a análise conjunta dos factos constantes das alíneas H), O) e P) do probatório da douta decisão sob recurso, permite concluir com elevado grau de certeza e segurança que existe uma clara e inequívoca relação direta entre o consumo de aspiradores e a atividade desenvolvida pela impugnante.
 A jurisprudência dos nossos tribunais superiores, tem vindo a entender de forma uniforme, que do ponto de vista do erro na quantificação, as insuficiências no método são sempre substanciais, isto é, devem evidenciar um excesso de quantificação. Dito de outro modo:
não é pelo facto de no método de quantificação não se levar em conta este ou aquele item que fica demonstrado o erro na quantificação, a não ser que resulte daí ipso facto que os resultados apurados sejam excessivos. Importa, por isso, que o sujeito passivo venha ao processo demonstrar a interferência sensível destes fatores no resultado da quantificação.
 Não bastará, assim, alegar o desajustamento do critério de quantificação adotado ou que o caminho percorrido pela AT é deficitário e incongruente, sendo o resultado apurado a final errado, importando que se demonstre que a AT podia ter ido mais longe e reduzido, por alguma forma, a margem de erro que estas formas de avaliação sempre comportam. Isto porque, sabendo-se as dificuldades objetivas que sempre são encontradas pela AT nesta quantificação, há necessidade, tão-só, de uma aproximação feita através de elementos possíveis e prováveis, ou seja, aceita-se um juízo de probabilidade em substituição do convencimento sobre a respetiva realidade, - neste sentido entre muitos outros, vide Acórdão do TCA Norte de 07.07.2016, no âmbito do processo 01324/15.6BEVIS.
 Todavia, pese embora as evidências probatórias existentes no âmbito dos presentes autos demonstrem de forma inequívoca, que a impugnante não logrou demonstrar a existência de um eventual excesso de quantificação da matéria tributável, o Tribunal “ a quo” olvidando o disposto no nº 3 do artigo 73º e nº 4 do artigo 77º da LGT, entendeu que a AT “ para justificar o critério de quantificação apelou à circunstância de serem desconhecidos os stocks de aspiradores no inicio de 2007, ou seja, a AT procurou fundamentar o seu critério de quantificação em consumos de aspiradores de saliva não demonstrados, o que se revela de todo inapropriado, sendo de evidenciar que se a AT suspeitava que a impugnante consumiu mais aspiradores do que os considerados com base nos inventários solicitados à impugnante, então teria que comprovar tais consumos com base no inventário inicial do exercício de 2007, o qual não foi solicitado à impugnante”.
 Sucede que este entendimento que foi preconizado pelo Tribunal “ a quo”, que lhe permitiu concluir pela inadequação do critério de quantificação e subsequente excesso de quantificação da matéria tributável, radica numa deficitária análise e valoração da prova produzida e que o próprio Tribunal “a quo” fez constar do probatório, nomeadamente, no que se reporta à factualidade constante alínea H do probatório da decisão sob recurso.
 Com efeito, tal como resulta da factualidade constante da alínea H) do probatório da douta decisão sob recurso, o critério de quantificação que foi escolhido pela AT foi obtido a partir da análise dos registos contabilísticos da impugnante, mais concretamente da análise das contas 316 – Compras de Matérias Primas e 62215 – Ferramentas e Utensílios de Desgaste Rápido, tais como agulhas, aspiradores de saliva, luvas, papel articulação, pontas de papel, anestesiante - vide alínea H) do probatório da douta decisão sob recurso.
 Tais registos refletiam de forma clara e inequívoca, que a impugnante adquiriu em janeiro de 2007, 1000 aspiradores de saliva e em 18 de abril de 2007, 2000 aspiradores de saliva, perfazendo o total de 3000 aspiradores de saliva- vide alínea H) do probatório da douta decisão sob recurso.
 Face à factualidade vertida na alínea H) do probatório, no caso em apreço, a AT para
proceder à escolha do critério de quantificação não se socorreu dos inventários da impugnante, uma vez que na sequência da análise dos mesmos foi possível concluir que os mesmos apresentavam incongruências.
 Face à descredibilização dos inventários da impugnante, a questão relativa ao inventário inicial do exercício de 2007, uma vez que o inventário final deste exercício não correspondia à realidade, revela-se do ponto de vista probatório absolutamente inócua, porquanto, insuscetível de produzir os efeitos que o Tribunal “a quo” lhe tenta imputar.
 Por outro lado, ainda que por hipótese se admitisse que o inventário final do exercício de 2007 fosse inexistente ou se encontrasse a zeros, ainda assim, tal facto não teria qualquer impacto no critério adotado pela AT e na quantificação da matéria tributável.
 Com efeito, o Tribunal “a quo” mercê da incorreta apreciação dos factos que considerou provados - designadamente na alínea H) do probatório – não teve em consideração um conjunto de factos que fez constar da alinha H) do probatório, os quais, a serem analisados na sua globalidade, permitiram ao Tribunal “ a quo” decidir em sentido distinto daquele que ora se recorre.
 Desde logo, consta da alínea H) do probatório da douta decisão sob recurso, que no dia 5/01/2007, a impugnante adquiriu 1000 aspiradores de saliva e posteriormente em 18/04/2007, adquiriu 2000 aspiradores de saliva, num total de 3000 aspiradores no exercício de 2007 – vide alínea H) do probatório.
 Por outro lado, consta também da alínea H) do probatório da douta decisão sob recurso, que no inventário de 31/12/2007, a impugnante declarou a existência de 4 embalagens com a descrição “Proal Aspiradores de Saliva Opacus 100 U, de onde resulta que do inventário faziam parte 400 aspiradores de saliva – vide alínea H) do probatório da douta sentença sob recurso.
 Consta também da alínea H) do probatório da douta decisão sob recurso, que dos inventários à data de 31/12/2008 e 31/12/2009, não constava nenhum aspirador de saliva e que nos exercícios de 2008 e 2009, a impugnante não adquiriu qualquer aspirador.
 Embora a AT tenha considerado que os 3000 aspiradores adquiridos pela impugnante no exercício de 2007, corresponderiam a 3000 consultas, uma vez que a atividade foi desenvolvida de forma normal e continua nos exercícios em análise, optou por dividir o
número de consultas supra determinado de 3000 de forma igual pelos exercícios em análise, de onde resulta que o número de consultas efetuadas em cada exercício foi de 1000, não tendo, no entanto, efetuado qualquer imputação e correção ao exercício de 2009, pelo que, a AT, apesar de ter partido da premissa que os 3000 aspiradores de saliva correspondiam a 3000 consultas, apenas considerou 2000 consultas, uma vez que
imputou 1000 consultas ao exercício de 2007 e 1000 consultas ao exercício de 2008, não tendo imputado qualquer valor ao exercício de 2009 – uma vez que considerou que neste exercício o número declarado de consultas foi de 1060, ou seja, ligeiramente acima do número de 1000, bem como pelo facto de no exercício de 2009, os resultados declarados pela impugnante e consequentemente os rácios serem superiores à média do sector.
 Ora, conforme resulta da factualidade que o Tribunal “a quo” fez constar do probatório, com especial enfoque para a alínea H), resultou provado que a impugnante em 31.12.2007, declarou no seu inventário que possuía 400 aspiradores de saliva.
 Neste contexto, tendo em consideração que a impugnante em 5.01.2007 e em 18.04.2007, registou na sua contabilidade faturas que refletiam a aquisição de 1000 e 2000 aspiradores de saliva, respetivamente, num total de 3000, se em 31.12.2007, declarou no seu inventário final que possuía 400 aspiradores de saliva, tal significa que a impugnante reconhece de forma expressa, que no exercício de 2007 utilizou/consumiu no desenvolvimento da sua atividade um total de 2600 aspiradores de saliva (3000 -400 = 2600) que corresponderiam a 2600 consultas.
 Considerando que a AT imputou ao exercício de 2007 e ao exercício de 2008 - não fez qualquer imputação ao exercício de 2009 e não corrigiu este exercício – 1000 aspiradores de saliva, num total de 2000, a que corresponderiam 2000 consultas, tendo a impugnante declarado que utilizou 2600 aspiradores a que corresponderiam 2600 consultas, então necessariamente teríamos de concluir que o critério de quantificação que a AT considerou para os exercícios de 2007 e 2008 , 2000 consultas encontra-se muito abaixo das 2600 consultas que a impugnante terá realizado, o que demonstra, de forma muito clara que no caso em apreço, a quantificação da matéria tributável terá ficado muito abaixo da real situação tributária da impugnante.
 Mas mais se diga, se no final do exercício de 2007, a impugnante declarou que possuía 400 unidades de aspiradores de saliva, não tendo declarado quaisquer compras nos exercícios de 2008 e 2009, então como é que é seria possível à impugnante desenvolver a sua atividade nesses exercícios com apenas 400 aspiradores de saliva?
 Note-se que tal como decorre da factualidade constante da alínea H) do probatório, no exercício de 2009 a impugnante declarou que realizou 1060 consultas, tendo os resultados declarados pela impugnante e consequentemente os rácios sido superiores à média do sector.
 A impugnante conseguiu desenvolver a sua atividade – que tal como decorre da alínea H) do probatório foi exercida de forma normal e continua – em 2008 e 2009 com apenas 400 aspiradores de saliva?
 Tendo a impugnante declarado que em 2009, efetuou 1060 consultas, como é que se
compreende que não tenha declarado quaisquer compras nos exercícios de 2008 e 2009?
 A prova que foi produzida nos presentes autos e que foi levada ao probatório, com especial destaque para a alínea H) demonstra à saciedade que a contabilidade da impugnante não merecia credibilidade, facto que justificou o recurso à aplicação de métodos indiretos e justificou o critério de quantificação que foi adotado pela AT.
 Por tudo o que ficou dito, impõe-se concluir que o critério adotado pela AT para a quantificação da matéria tributável não é ilegal nem se mostra inadequado, não se tendo demonstrado que conduza a resultados excessivos – muito pelo contrário a factualidade que resultou provada na alínea H) do probatório permite concluir que a quantificação ficou abaixo dos valores que são expressamente declarados pela impugnante na sua contabilidade.
 Por outro lado, contrariamente ao entendimento que foi preconizado pelo Tribunal “a
quo” cabia à impugnante alegar e provar que ocorreu excesso na quantificação da matéria tributável, o que não foi efetuado.
 Acresce referir que, tendo em consideração a factualidade que consta do probatório, especialmente a constante da alínea H) nem sequer se vislumbra como possível que o eventual excesso na quantificação resulte das regras da experiência comum ou seja manifesto, notório ou ostensivo em face dos factos alegados pela impugnante.
 Face à prova que foi produzida nos presentes autos e que foi levada ao probatório, com especial destaque para a alínea H), impõe-se concluir que o critério de quantificação da matéria tributável que foi adotado pela AT, face à descredibilização da contabilidade da impugnante, revela-se no contexto da atividade desenvolvida pela mesma, como sendo o mais adequado a obter uma aproximação à verdadeira situação tributária da impugnante, não se podendo perder de vista que a situação real apenas se pode apreender com base nos dados da contabilidade, que a própria impugnante tratou de descredibilizar.
 Nestes termos, face à globalidade da prova produzida nos presentes autos, com especial relevo para a constante na alínea H) do probatório, impõe-se concluir que no caso em, apreço a AT cumpriu o ónus probatório que lhe é imposto pelo nº 3 do artigo 74º da LGT, não tendo a impugnante logrado demonstrar o excesso de quantificação, pelo que, o Tribunal “ a quo” ao decidir em sentido diferente incorreu em erro de julgamento não podendo manter-se na ordem jurídica, pelo que se impõe a sua revogação e substituição por outra, que mantenha na ordem jurídica o ato tributário impugnado.
Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” e substituída por outra, que mantenha na ordem jurídica o ato tributário impugnado.”.
* *
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Exmº. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento relativamente à existência de erro na quantificação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos, por incorrecta valoração da factualidade e da prova produzida bem como errónea interpretação e aplicação da lei.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a decisão, considera-se provada a seguinte factualidade constante dos autos:

A) A Impugnante é uma sociedade por quotas cujo objeto de atividade consiste na «prestação de serviços de medicina dentária, prótese, ortodontia e implantologia», correspondente ao CAE 86230 [cf. fls. 46 do processo administrativo apenso].

B) Com início em 23/08/2010, e em cumprimento da Ordem de Serviço n.º ……27, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças da Guarda realizaram uma ação de inspeção tributária externa à Impugnante, de âmbito parcial, com incidência ao IRS e IVA dos exercícios de 2007, 2008 e 2009 [cf. fls. 3 e 4 do PA apenso].

C) Em 01/09/2010, no âmbito do procedimento de inspeção, a representante legal da Impugnante foi presencialmente notificada para apresentar elementos contabilísticos, entre os quais «os documentos justificativos do apuramento do custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas dos exercícios de 2007, 2008 e 2009, nomeadamente através da apresentação dos inventários de existências à data de 31 de Dezembro de cada um dos exercícios indicados» [cf. fls. 64 e 65 do PA apenso].

D) Em 13/09/2010 a Impugnante remeteu ao Serviços de Inspeção Tributária os elementos solicitados na notificação de 01/09/2010 [cf. fls. 66 a 76 do PA apenso].

E) Em 27/09/2010 foi elaborado o projeto de relatório de inspeção tributária, cujo teor aqui se dá como reproduzido, notificado à Impugnante, para efeitos do exercício do direito de audição, através de ofício recebido em 03/11/2010 [cf. fls. 7 a 34 do PA apenso].

F) Do anexo 3 do processo de evidência de trabalho da inspeção tributária consta uma listagem das faturas emitidas pela Impugnante no ano de 2007, cujo teor aqui se dá como reproduzido, do qual resulta que o valor das faturas emitidas pelos atos médicos realizados oscila entre os 30,00€ e os 1.800,00€ [cf. fls. 120 a 132 do PA apenso].

G) Em 24/11/2010 foi elaborado o relatório final de inspeção tributária, cujo teor aqui se dá como reproduzido, de cujas conclusões resultaram, além do mais, correções à matéria tributável em sede de IRS do ano de 2007, no montante de 22.445,00€, com recurso a métodos indiretos [cf. fls. 317 a 340 do PA apenso].

H) Do relatório final de inspeção tributária pode ler-se, além do mais, o seguinte:
«(…)
IV – MOTIVO E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
Analisando os valores declarados pelo sujeito passivo relativos ao volume de negócios e resultado líquido do exercício, verifica-se que os valores apurados são os seguintes:

Importa referir que nos exercícios de 2007 e 2008, os resultados líquidos apurados
seriam negativos, caso o sujeito passivo não tivesse obtido um apoio financeiro por parte do Instituto de Emprego e Formação Profissional de Seia no âmbito do programa de “Estágios Profissionais”, no montante de 1.353,22 € no exercício de 2007 e de 2.731,57 € no exercício de 2008.
O horário de funcionamento da clínica é o seguinte:
· Segunda a Sexta-feira (das 09.30 às 12.30 – 14.30 às 20.00 horas)
· Sábados (das 09.00 às 12.00 – 14.00 às 17.00 horas)
Este horário manteve-se igual nos exercícios em análise, conforme resulta dos avisos publicitários publicados no jornal “notícias de Gouveia”, a que dizem respeito os documentos internos contabilizados na conta 62233 – Publicidade e Propaganda.
Sendo a actividade desenvolvida de forma normal e contínua nos exercícios em análise, não se justifica a variação verificada no volume de negócios e resultados apurados entre o exercício de 2009 e os exercícios de 2007 e 2008.
Aliás, do dossier fiscal do exercício de 2009 do sujeito passivo em análise, faz parte o documento que se junta e constitui o Anexo 2, relativo a uma análise comparativa de custos e proveitos, do qual é possível concluir que no exercício de 2009 se verifica uma diminuição dos custos totais face ao ano anterior no montante de 9.691,99 € (41.842,75 € - 51.534,74 €), enquanto que os proveitos aumentam 8.092,97 € (60.734,55 € - 51.534,74 €).
A mesma situação se verifica, comparando o rácio da rentabilidade do pessoal apurado a partir dos valores declarados pelo sujeito passivo, com a média dos valores a nível distrital dos sujeitos passivos do mesmo sector de actividade:


Observações: O valor da média distrital para o exercício de 2009 ainda não é conhecido, sendo os valores acima indicados obtidos a partir da seguinte fórmula:
Rentabilidade Pessoal = Volume de Negócios x100;
Custos com Pessoal
Verifica-se assim, que os rácios apresentados pelo sujeito passivo estão bastante abaixo dos valores verificados para o seu sector de actividade, bem como se verifica uma variação muito significativa dos valores declarados pelo sujeito passivo nos exercícios em análise.
Esta variação do rácio referente à rentabilidade do pessoal, resulta da diferença não justificada de que no exercício de 2009, o valor declarado de proveitos aumenta quanto diminuíram os custos com o pessoal mesmo considerando as subcontratações efectuadas de outros médicos dentistas.
Conforme já mencionado ponto III.1.2, no decurso da acção inspectiva foi apurado que no exercício de 2008, a sociedade contabilizou na conta 2681110 – Directriz Contabilística n.º 8, vários movimentos referentes a regularizações de anos anteriores.
Segundo informações prestadas pelo Técnico Oficial de Contas, C......... (…) estas regularizações foram efectuadas no exercício de 2008 na sequência do facto de ter assumido a execução da contabilidade apenas a partir desse exercício e em cumprimento da sugestão apresentada pelo ROC Euclides G.........(…) o qual realizou, a pedido da sociedade, uma avaliação do estado da organização da contabilidade tendo apresentado algumas orientações no sentido que as regras de controlo interno fossem reforçadas, conforme reconhecido pelo sujeito passivo na resposta enviada a esta Direcção de Finanças na sequência da notificação efectuada em 01/09/2010.
Da análise do extracto da referida conta 2681110 - Directriz Contabilística n.º 8, verifica-se que foram efectuadas várias regularizações relativas ao exercício de 2007, conforme consta do documento interno com o n.º 01.0075, sem que se conheça o que deu origem a estas regularizações.
Verifica-se também que foram contabilizados nesta conta depósitos bancários efectuados no ano de 2008, no montante de 10.680,00 €, conforme documentos internos com o n.º 0100077, 01.0078, 01.0084, 01.0085, 01.0087, 02.0067, 02.0068 e 02.0069, sendo que os mesmos se encontram documentados com o respectivo extracto bancário, no qual foi aposto a seguinte menção: “referente a 2007”, no entanto também não se encontra justificado qual a origem dos meios financeiros depositados, sendo de referir que à data de 31/12/2007 o balancete contabilístico e respectivo extracto da conta caixa apenas apresentava um saldo de 3.571.22 €, ou seja, bastante inferior aos depósitos supra identificados, bem como não se encontrava contabilizada qualquer dívida de clientes.
Importa também referir que o ponto 3 da referida Directriz Contabilística n.º 8/92
dispõe que “consideram-se erros fundamentais aqueles que forem detectados no período corrente e sejam de tal magnitude que as demonstrações financeiras de um ou mais períodos anteriores deixem de ser consideradas como credíveis à data da sua emissão”.
Assim, face ao que acima foi disposto, fica demonstrado que a contabilidade do sujeito passivo referente aos exercícios de 2007 e 2008, não reflecte de forma verdadeira e apropriada a situação financeira e os resultados da empresa, conforme resulta das regularizações efectuadas pelo próprio sujeito passivo.
Para além desta situação, no decurso da acção inspectiva, foi ainda possível apurar que os documentos justificativos do apuramento do custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas dos exercícios de 2007, 2008 e 2009, nomeadamente os inventários de existências à data de 31 de Dezembro de cada um dos exercícios indicados, não se encontravam arquivados juntos aos documentos de suporte da contabilidade, pelo que procedemos à notificação da sociedade em análise para apresentar os referidos inventários, os quais foram posteriormente remetidos por carta, conforme documento a que foi atribuída a entrada nº 8145 de 14/09/2010 desta Direcção de Finanças.
Procedemos também à identificação e recolha das quantidades de materiais adquiridos para uso específico da actividade desenvolvida, contabilizados nas contas 316 – Compras de Matérias Primas e 62215 – Ferramentas e Utensílios de Desgaste Rápido, tais como agulhas, massas (amalgama), aspiradores de saliva, luvas, papel articulação, pontas de papel, anestesiante.
De entre os materiais adquiridos e consumidos no decurso dos exercícios em análise, optamos por analisar os dados referentes a agulhas e aspiradores, uma vez que se tratam de materiais utilizados durante as consultas e cujos consumos têm uma relação directa com o nível de actividade desenvolvida.
Relativamente a estes materiais, foram apuradas as aquisições abaixo indicadas, sendo de salientar que não foi feita qualquer aquisição de agulhas ou aspiradores de saliva nos exercícios de 2008 e 2009, apesar de a actividade ter sido desenvolvida de forma normal e contínua conforme demonstram os recibos emitidos e contabilizados nesses exercícios, bem como os avisos publicitários publicados no jornal de “Notícias de Gouveia”.
 Aquisições de Agulhas
“(texto integral no original; imagem)”
 Aquisições de Aspiradores de Saliva
“(texto integral no original; imagem)”
Analisando os inventários de existências apresentados pelo sujeito passivo na sequência da notificação efectuada no decurso da acção inspectiva, apuramos o seguinte:
 Agulhas
 Do inventário à data de 31/12/2007, não consta nenhuma agulha;
 Tendo em conta que, conforme consta dos quadros inseridos na página anterior, não foi adquirida qualquer agulha nos exercícios de 2008 e 2009, não se encontra
justificado que nos inventários à data de 31/12/2008 e de 31/12/2009, constem em
cada um deles 4 embalagens de 100 unidades cada com a descrição Aghijas cono
plástico 30 g corta”
 Aspiradores de Saliva
 No inventário à data de 31/12/2007, constam 4 embalagens com a descrição “Proal Aspiradores de Saliva Opacus 100U”, de onde resultam que do inventário fazem parte 400 aspiradores de saliva;
 Dos inventários à data de 31/12/2008 e 31/12/2009, não consta nenhum aspirador de saliva;
 Conforme consta dos quadros inseridos na página anterior, não foi adquirido qualquer aspirador de saliva nos exercícios de 2008 e 2009,
Em suma, verifica-se que os inventários apresentados pelo sujeito passivo e consequentemente o apuramento do custo das matérias consumidas, não se encontra correcto, uma vez que nos inventários à data de 31/12/2008 e 31/12/2009 constam 4 embalagens de 100 unidades cada com a descrição “Agujas cono plástico 30 g corta” quando tais bens não constavam do inventário à data de 31/12/2007 e não foi contabilizada qualquer aquisição destes bens nos exercícios de 2008 e 2009.
Bem como tendo o sujeito passivo exercido a sua actividade de forma normal e contínua ao longo dos exercícios em análise, emitindo 681 recibos em 2008 e 1060 recibos no ano de 2009, quando não adquiriu nestes anos nenhum aspirador de saliva, e apenas considerou possuir 4 embalagens com a descrição “Proal Aspiradores de Saliva Opacus 100U” no inventário à data de 31/12/2007, apesar de tratar de uma ferramenta indispensável para o exercício da actividade, conforme aliás indica a sócia I.M........, contribuinte fiscal n.º ..........34, no documento referente ao Autos de Declarações que constitui o Anexo 1.
Conforme já mencionado anteriormente, de entre os materiais adquiridos e consumidos no decurso dos exercícios em análise, optamos por analisar os dados referentes a agulhas e aspiradores de saliva, uma vez que se tratam de materiais utilizados durante as consultas cujos consumos têm uma relação directa com o nível de actividade desenvolvida.
Uma vez que se tratam de materiais de uso específico da actividade de médico dentista, ouvimos em Auto de Declarações, a sócia I.M........, contribuinte fiscal (…), conforme documento que constitui o Anexo 1, no qual a mesma declarou o seguinte:
As agulhas são utilizadas na maior parte das vezes em anestesias e eventualmente no doseamento de alguns produtos. Existem consultas em que não se utiliza agulhas, tais como destartarização, mas também existem consultas/tratamentos em que utiliza mais do que uma agulha.
Os aspiradores de saliva são utilizados em quase todos os actos médicos, com algumas excepções, tais como extracções simples. Em caso de infecções ou acompanhamentos posteriores a uma intervenção é feita uma consulta onde utiliza aspiradores mas não são cobrados honorários”.
Resulta destas declarações da sócia I.M........, contribuinte fiscal (…), que sendo os aspiradores de saliva utilizados em quase todos os actos médicos e tendo nos exercícios em análise adquirido 3000 aspiradores, o número de consultas efectuadas seria no mínimo nesse valor de 3000, uma vez que também não se conhece qual o stock de aspiradores no início de 2007, bem como existem situações em que não são utilizados os aspiradores de saliva.
Este número de consultas efectuadas de 3000, é bastante inferior ao declarado pelo sujeito passivo que apenas emitiu 617 facturas e recibos no exercício de 2007, 681 no exercício de 2008 e 1060 no exercício de 2009, ou seja, 2358 no total que é bastante inferior ao número de consulta supra determinado de 3000, apurado a partir da utilização destas agulhas e aspiradores de saliva.
Quanto aos documentos de facturação emitidos a sócia I.M…….
, conforme Auto de Declarações supra mencionado e que constitui o Anexo 1, declarou o seguinte:
É emitida uma factura/recibo após a execução da prestação de serviços quando o cliente paga de imediato. É emitida uma factura para prestações de serviços a crédito. No exercício de 2007 este procedimento nem sempre foi executado nos moldes do ano de 2008 e 2009, sendo que a alteração foi efectuada de acordo com as orientações do TOC e do ROC”.
Em face das situações supra relatadas, e na impossibilidade de quantificação directa e exacta da matéria tributável nos exercícios em análise, torna-se necessário recorrer à avaliação por métodos indirectos prevista nos art. 87.º, 88.º e 90.º da LGT – Lei Geral Tributária, por remissão do art 52.º do CIRC.
De acordo com o disposto na alínea a) do art. 88.º da LGT verifica-se a impossibilidade de quantificar de forma exacta e directa a matéria tributável, quando os elementos da contabilidade são insuficientes para apurar valores. É o que acontece no caso em apreço, face às situações identificadas em que o sujeito passivo efectuou regularizações na contabilidade no exercício de 2008, referentes a operações que não constavam da contabilidade do exercício de 2007, depósitos bancários efectuadas no exercício de 2008, sem que esteja reflectida na contabilidade a origem dos meios financeiros depositados, os inventários apresentados não reflectem de forma correcta as existências na posse da sociedade, a divergência apurada entre o número de consultas obtido a partir do consumo de matérias-primas directas (agulhas e aspiradores de saliva) e o número declarado de consultas efectuadas, bem como a divergência não justificada dos rácios do sujeito passivo face aos valores do sector de actividade e a diferença apresentada nos exercícios em análise.
V – CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
Provou-se a impossibilidade de quantificação direta e exata da matéria tributável, e tendo que se recorrer à avaliação por métodos indiretos prevista nos art. 87.º, 88.º e 90.º da LGT – Lei Geral Tributária, por remissão do art. 52.º do CIRC, há então que definir um critério para apurar o respectivo lucro tributável.
Conforme já mencionado no capítulo anterior, de entre os materiais adquiridos e consumidos no decurso dos exercícios em análise, optamos por analisar os dados referentes a agulhas e aspiradores de saliva, uma vez que se tratam de materiais utilizados durante as consultas e cujos consumos têm uma relação directa com o nível de actividade desenvolvida.
Conforme também já indicado no capítulo anterior, foi determinado que tendo nos
exercícios em análise adquirido 2500 agulhas e 3000 aspiradores, o número de consulta efetuadas seria no mínimo de 3000, o que é bastante superior ao declarado pelo sujeito passivo que apenas emitiu 617 facturas e recibos no exercício de 2007, 681 no exercícios de 2008 e 1060 no exercício de 2009, ou seja, 2358 no total e que é bastante inferior ao número de consultas supra determinado de 3000, apurado a partir da utilização destas agulhas e aspiradores de saliva, considerando que a cada recibo corresponde uma consulta efectuada, conforme aliás resulta das declarações da sócia I.M........, contribuinte fiscal (…), a que diz respeito o Auto de Declarações que constitui o Anexo 1, no qual se declarou o seguinte:
É emitida uma factura/recibo após a execução da prestação de serviços quando o cliente paga de imediato. É emitida uma factura para prestação de serviços a crédito.”
Uma vez que a actividade foi desenvolvida de forma normal e continua nos exercícios em análise, optamos por dividir o número de consultas supra determinado de 3000 de forma igual pelos exercícios em análise, de onde resulta que o número de consultas efetuadas em cada exercício foi de 1000.
Tendo em conta que no exercício de 2009, o número declarado de consultas foi de 1060, ou seja, ligeiramente acima do número de 1000 supra determinado. Bem como pelo facto de nesse exercício de 2009, os resultados declarados pelo sujeito passivo e consequentemente os rácios serem superiores à média do sector, optamos por não efetuar qualquer correcção a este exercício, para além da constante do capítulo III, sendo que as correcções a propor para os exercícios de 2007 e 2008 são as seguintes:
 EXERCÍCIO DE 2007
V.1. – Correcções em sede de IRC – Imposto sobre o Rendimento Pessoas Colectivas
Conforme mecionado no ponto anterior, o número determinado de consultas efetuadas neste exercício foi de 1000, sendo o número declarado de consultas efetuadas apenas de 617, pelo que se verifica uma omissão de 383 consultas, ou seja, 383 = 1000-617.
Para valorizar as consultas realizadas e não declaradas, vamos considerar o valor médio das consultas declaradas pelo sujeito passivo, no entanto, uma vez que não foram detectadas divergências relativas às próteses dentárias adquiridas a terceiros e posteriormente transmitidas aos clientes da sociedade em análise, no apuramento do valor médio de cada consulta, optamos por excluir do valor total do volume de negócios declarado pelo sujeito passivo, o valor referente à venda de mercadorias, ou seja, as próteses, resultando o valores abaixo indicados:


Então o valor total das prestações de serviços por parte do sujeito passivo, correspondente a 1000 consultas efetuadas foi de 58.600,00 €, ou seja, Prestações de Serviços = 1000 * 58,60 €.
Assim está em causa uma omissão de proveitos obtidos e apurados por avaliação indirecta nos termos dos art.º 87.º, 88.º e 90..º da LGT, no valor de 22.445,00 € no exercício de 2007, correspondentes à diferença entre o valor calculado da prestação de serviços e o valor declarado pelo sujeito passivo, ou seja, 22.445,00 € = 58.600,00 € - 36.155,00 €.
Uma vez que se trata de proveitos omitidos, a matéria coletável da sociedade irá aumentar nesse mesmo montante e sendo à sociedade em análise aplicável um regime especial de tributação designado de transparência fiscal, consignado no art.º 6.º do CIRC, caraterizado pela imputação aos sócios da matéria coletável determinada nos termos do CIRC, integrando o seu rendimento tributável para efeitos de IRS, o valor supra indicado de 22.445,00 €, irá ser integralmente imputado à sua sócia I.M........, contribuinte fiscal (…)
nos termos do art.º 20.º do CIRS.
Apuramento da matéria coletável da sociedade

(…)» [cf. fls. 317 a 340 do PA apenso].

I) Sob o relatório de inspeção recaiu parecer concordante e despacho de sancionamento [cf. fls. 317 do PA apenso].

J) A Impugnante foi notificada do relatório de inspeção tributária através de ofício recebido em 09/12/2010 [cf. fls. 314 a 316 do PA apenso].

K) Em 11/01/2011 a Impugnante apresentou pedido de revisão da matéria tributável fixada com recurso a métodos indiretos, com os fundamentos constantes de fls. 346 a 350 do PA apenso, cujo teor aqui se dá como reproduzido.

L) Em 21/01/2012, no âmbito do procedimento de revisão da matéria, realizou-se a reunião entre os peritos designados pela Impugnante e pela Administração Tributária, não tendo não tendo sido possível o acordo entre ambos, foi elaborada a respetiva ata, cujo teor aqui se dá como reproduzido [cf. fls. 307 a 310 do PA apenso].

M) Por despacho do Diretor de Finanças da Guarda, de 25/02/2011, cujo teor aqui se dá como reproduzido, foi mantida a fixação da matéria tributável com recurso a
métodos indiretos, com agravamento à coleta de 5% [cf. fls. 311 e 312 do PA apenso].

N) Em 16/0303/2011 foi emitida à Impugnante a liquidação de IRC n.º ……..30, relativa ao exercício de 2007, com correções à matéria coletável no
montante de 22.767,94€, sem valor a pagar [cf. fls. 18 dos presentes autos].

O) Nos atos médicos que se prolongam por várias consultas, tais como o tratamento de abscessos, desvitalizações, extração de dente do siso, e colocação de próteses dentárias, é utilizado um aspirador por sessão [cf. depoimento da testemunha M..........].

P) Nos atos médicos que se prolongam por várias consultas é emitida uma só fatura [cf. depoimento da testemunha M.......... e fls. 120 a 131 do PA apenso].

Q) No ano de 2007 a Impugnante participou numa operação de rastreio gratuito [cf. depoimento da testemunha M..........].
*
Com interesse para a decisão não se provou que:
1) A Impugnante tivesse utilizado 289 aspiradores no âmbito da operação de rastreio realizada durante o ano de 2007.
*
Motivação: A convicção do tribunal quanto aos factos provados assentou na análise crítica dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo apenso, bem como no depoimento da testemunha inquirida, conforme discriminado em cada uma das alíneas do probatório.
Em especial quanto aos factos provados descritos em O), P) e Q), o tribunal valorou positivamente o depoimento da testemunha M.........., mãe da sócia gerente da Impugnante, que revelou conhecimento direto dos factos por ser assistente da clínica dentária à data dos factos, tendo respondido às perguntas que lhes foram colocadas com convicção, sem contradições ou incongruências, pelo que o respetivo depoimento mereceu credibilidade. Relativamente ao facto provado descrito em Q), o depoimento da referida testemunha foi ainda concatenado com o teor documento a que se reporta a alínea F) dos factos provados.
Quanto ao facto não provado descrito em 1), não foi junto qualquer documento de registo ou comunicação de participantes na iniciativa e o depoimento da testemunha inquirida, nesta parte, foi vago e impreciso.”.
* * *

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco foi julgada procedente a impugnação judicial apresentada pela Recorrida com referência ao IRC de 2007, tendo aquele tribunal considerado que, pese embora se encontrassem demonstrados os requisitos legais para a aplicação de métodos indirectos, contudo, ocorreu excesso na quantificação da matéria colectável, tendo anulado a referida liquidação.

Para o efeito foi fundamentada a decisão nos seguintes termos:

“(…) No caso dos autos, como vimos, um dos motivos que levou a AT a concluir pela aplicação dos métodos indiretos foi a divergência entre o número de consultas faturadas nos exercícios de 2007, 2008 e 2009 e o consumo de matérias primas utilizadas.

Efetivamente, conforme decorre do relatório de inspeção, a AT verificou que a Impugnante, nos exercícios de 2007, 2008 e 2009, adquiriu e consumiu 3000 aspiradores de saliva, tendo emitido 2358 faturas de prestações de serviços médicos dentários.

Consta do relatório de inspeção que, em sede de esclarecimentos à inspeção tributária, a sócia gerente da Impugnante declarou o seguinte: «…os aspiradores de saliva são utilizados em quase todos os actos médicos, com algumas excepções, tais como extracções simples. Em caso de infecções ou acompanhamentos posteriores a uma intervenção é feita uma consulta onde utiliza aspiradores mas não são cobrados honorários».

Com base nas citadas declarações ponderou-se o seguinte no relatório de inspeção: «sendo os aspiradores de saliva utilizados em quase todos os actos médicos e tendo nos exercícios em análise adquirido 3000 aspiradores, o número de consultas efetuadas seria no mínimo nesse valor de 3000, uma vez que não se conhece o stock de aspiradores no início de 2007, bem como existem situações em que não são utilizados os aspiradores de saliva».

O critério utilizado pela AT para quantificar a matéria tributável com recurso a métodos indiretos foi assim o de estabelecer uma relação direta entre o consumo dos aspiradores de saliva e a prestação de serviços médicos dentários, assente na seguinte premissa: uma unidade de aspirador de saliva consumido corresponde à prestação de um serviço médico dentário.

Com base em tal premissa, a AT concluiu que a Impugnante realizou 3000 consultas nos exercícios de 2007, 2008 e 2009, e por considerar que a atividade foi desenvolvida de forma normal e contínua em todos os exercícios, optou por dividir o número de consultas de forma igual por todos os exercícios, assim resultando a obtenção de um número presumido de 1000 consultas no exercício de 2007.

Tendo verificado que no exercício de 2007 foram emitidas 617 faturas de consultas, a AT concluiu que não foram faturadas 383 consultas, tendo procedido a uma correção à matéria tributável no valor de 22.445,00€, obtido mediante a aplicação de um valor médio de consulta apurado de 58,60€ (com exclusão das consultas de próteses dentárias).

Posto isto, a questão que se coloca é a de saber se o critério de quantificação utilizado pela AT é adequado à obtenção de uma efetiva aproximação à verdadeira situação tributária do sujeito passivo.

Desde logo, importa salientar que das declarações prestadas pela sócia gerente da Impugnante não resulta que o consumo de um aspirador de saliva corresponda à realização de uma consulta, posto que de tais declarações apenas decorre que em consultas excecionais não são utilizados aspiradores e noutras consultas são utilizados mais do que um aspirador.

Disso mesmo parece ter dado conta a AT, que para justificar o critério de quantificação apelou à circunstância de serem desconhecidos os stocks de aspiradores no início de 2007, ou seja, a AT procurou fundamentar o seu critério de quantificação em consumos de aspiradores de saliva não demonstrados, o que se revela de todo inapropriado, sendo de evidenciar que se a AT suspeitava que a Impugnante consumiu mais aspiradores do que os considerados com base nos inventários solicitados à Impugnante, então, teria que comprovar tais consumos com base no inventário inicial do exercício de 2007, o qual não foi solicitado à Impugnante [cf. alínea C) do probatório].

Ora, resultando provado nos autos que os atos médicos que se prolongam por várias consultas, tais como o tratamento de abscessos, extração de dente do siso, desvitalizações e colocação de próteses dentárias é utilizado um aspirador por sessão, sendo emitida uma só fatura [cf. alíneas O) e P) do probatório], então, o critério utilizado pela AT para quantificar os proveitos omitidos - consumo de uma unidade de aspirador de saliva equivalente à prestação de um serviço médico dentário - desacompanhado de qualquer fator de correção, revela-se inadequado a obter uma efetiva aproximação à verdadeira situação tributária do sujeito passivo, verificando-se, assim, um erro na quantificação da matéria tributável do qual resulta um claro excesso de tributação.

Pelo exposto, concluímos pela procedência da impugnação com fundamento em erro de quantificação da matéria tributável com recurso a métodos indiretos, devendo, como tal, ser anulada a liquidação impugnada.”.

Dissente do assim decidido, vem a Fazenda Publica recorrer da sentença, concretizando que o recurso abrange apenas a questão relativa à existência de erro na quantificação da matéria tributável, alegando para o efeito que, não foi valorada a globalidade da prova produzida designadamente pela AT, tendo o tribunal a quo fundamentado a sua decisão, de forma quase exclusiva, na prova testemunhal, consubstanciada no depoimento da testemunha M.........., mãe da sócia gerente da impugnante, que à data dos factos exercia as funções de assistente junto da impugnante, desvalorizando todo o restante acervo probatório constante dos autos, com especial destaque para as provas constantes do PA, que a serem levadas em consideração, como efetivamente se impunha, em prol do principio da verdade material e da realização da justiça, teriam permitido a prolação de uma decisão de sentido distinto daquele que foi proferida.

Vejamos então.

Resulta da alínea H) dos factos assentes que os serviços da administração tributária consideraram estar perante uma situação de impossibilidade de quantificação directa e exacta da matéria tributável no exercício em questão, sendo necessário recorrer à avaliação por métodos indirectos prevista nos art.s 87.º, 88.º e 90.º da LGT – Lei Geral Tributária, por remissão do art 52.º do CIRC.

Consideraram para o efeito que “De acordo com o disposto na alínea a) do art. 88.º da LGT verifica-se a impossibilidade de quantificar de forma exacta e directa a matéria tributável, quando os elementos da contabilidade são insuficientes para apurar valores. É o que acontece no caso em apreço, face às situações identificadas em que o sujeito passivo efectuou regularizações na contabilidade no exercício de 2008, referentes a operações que não constavam da contabilidade do exercício de 2007, depósitos bancários efectuadas no exercício de 2008, sem que esteja reflectida na contabilidade a origem dos meios financeiros depositados, os inventários apresentados não reflectem de forma correcta as existências na posse da sociedade, a divergência apurada entre o número de consultas obtido a partir do consumo de matérias-primas directas (agulhas e aspiradores de saliva) e o número declarado de consultas efectuadas, bem como a divergência não justificada dos rácios do sujeito passivo face aos valores do sector de actividade e a diferença apresentada nos exercícios em análise.”

Na sentença ora recorrida o tribunal a quo considerou estarem verificados os pressupostos para o recurso a métodos indirectos.

A questão controvertida no presente recurso prende-se com o erro/excesso na quantificação da matéria colectável defendendo a Recorrente que a impugnante não logrou demonstrar esse excesso, não apresentando provas credíveis e inequívocas que demonstrassem, com um elevado grau de certeza e segurança, quantos aspiradores é que efetivamente utilizou/consumiu no desenvolvimento da sua actividade nos anos que foram fiscalizados, com especial destaque para o exercício de 2007, contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo.

Ora, em situação idêntica à dos presentes autos e onde, aliás, figuravam as mesmas partes, mas referente ao IRC do exercício de 2008, foi proferido Acórdão por este Tribunal Central Administrativo Sul em 13/09/2023 no processo 406/11.0BECTB, cuja fundamentação sufragamos, razão pela qual limitar-nos-emos a reproduzir, com as necessárias adaptações, o que aí ficou dito, tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr.artigo 8.º, n.º 3, do C.Civil), e no qual se afirma de forma clara que: “(…) Como já referimos, qualquer critério utilizado para a quantificação da matéria coletável por recurso a métodos indiretos é uma aproximação à realidade e não um retrato exato da mesma. São métodos presuntivos e não métodos diretos.

Como tal, não acompanhamos a argumentação do Tribunal a quo, quando põe o acento tónico na inexistência de relação direta entre aspiradores e consultas, por poderem ser usados mais do que um numas consultas e noutras poder não ser usado nenhum. Essa afirmação, desprovida de uma concreta quantificação que possa abalar o critério seguido pela AT, não tem a relevância que lhe é extraída, porquanto, voltamos a sublinhar, o que está em causa é uma aproximação à realidade e não um retrato exato da realidade.

Por outro lado, quanto ao número de aspiradores, o que a AT considerou foi que nos três exercícios foram adquiridos 3000 aspiradores (todos adquiridos em 2007, não tendo nenhum sido adquirido em 2008 e 2009) – identificando as respetivas faturas de aquisição.

A análise dos inventários permitiu concluir pela sua falta de adesão à realidade, na medida em que, por referência a 31.12.2007, estavam apenas registados 400 aspiradores e, por referência a 31.12.2008 e 31.12.2009, nenhum, sendo que em todos os exercícios a Impugnante esteve em laboração. Ou seja, foi cabalmente afastada, e isso nunca foi posto em causa, a veracidade da contabilidade, designadamente quanto aos inventários. A necessidade de aferir o inventário inicial em 2007, referida pelo Tribunal a quo, não tem o efeito pelo mesmo extraído, porquanto, quando muito, poder-se-ia concluir que havia mais aspiradores de saliva do que aqueles que foram considerados pela AT na correção que efetuou.

Ou seja, nesta parte também não acompanhamos o Tribunal a quo, na medida em que, concluindo-se pelas francas deficiências da contabilidade da Recorrida, designadamente quanto aos inventários, e verificando-se que a mesma exerceu a sua atividade de forma normal e contínua nos três exercícios em análise, a consideração das compras efetuadas no triénio, ainda que concentradas num só exercício, revela-se adequada. Aliás, como refere a Recorrente, nesta parte a Impugnante, designadamente na sua petição inicial, nada disse, centrando toda a sua argumentação em outros prismas.

Quanto ao demais, o que sucede é que estamos perante factos claramente genéricos e não mensurados: é afirmado que há atos médicos que se prolongam por várias consultas em que é emitida uma só fatura e em que são usados vários aspiradores, mas não é minimamente mensurado o peso relativo dessas situações; é afirmado que a Impugnante participou num rastreio gratuito, mas a sua mensuração resultou não provada. Ou seja, nada de mensurável ficou provado.

Finalmente, no que respeita à extrapolação no sentido de que 15% das consultas implicam a utilização de mais do que um aspirador, não há suporte factual para tal afirmação – mesmo que se considerasse o facto R), que, como referido em II.D., se eliminou da matéria de facto provada. O Tribunal a quo fez, nesta parte, uma extrapolação para a qual não tem suporte factual.

Uma palavra final para sublinhar que, sendo as regras da experiência necessariamente relevantes para qualquer decisão proferida, não se pode olvidar as concretas exigências probatórias a cargo do administrado em situações como a dos autos.

A AT, de forma que, como referimos, nos parece objetiva, determinou um critério e fixou a matéria coletável com base no mesmo. O erro ou o excesso dessa fixação tinha de ser demonstrado de forma objetiva e inequívoca. E tal não sucedeu.

Ou seja, em termos de prova, a Recorrida não logrou, como lhe era exigível, demonstrar concretamente o erro/excesso de quantificação, pelo que essa ausência de prova, nos termos já referidos, reverte contra si.” (fim de citação)

Em face do exposto e sem necessidade de mais considerações, entendemos que a Recorrida, em sede de impugnação judicial, não logrou provar o erro/excesso de quantificação da matéria colectável, ónus probatório que impendia sobre si, pelo que julgamos procedente o recurso na medida que não se mostra provado o erro ou excesso de quantificação da matéria colectável. A sentença que assim não entendeu deve ser revogada e em, consequência a impugnação judicial deve ser julgada improcedente, mantendo-se a liquidação de IRC do ano de 2007.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação improcedente mantendo o acto impugnado.

Custas pela Recorrida em ambas as instâncias.

Lisboa, 2 de Novembro de 2023

Luisa Soares
Jorge Alexandre Trindade Cardoso Cortês
Susana Barreto