Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:30/16.0 BEFUN-S1
Secção:CA
Data do Acordão:10/26/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:IRREGULARIDADE DE MANDATO
REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA
FALTA DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA
Sumário:I – A falta de personalidade judiciária, fora do caso regulado pelo art. 8°. do C.P. Civil, tal como a ilegitimidade singular, ativa ou passiva, constituem exceções dilatórias insupríveis. Porém, das situações de verdadeira falta de personalidade judiciária devem distinguir-se aquelas em que a falta desse pressuposto é aparente, como sucede nos casos de errada identificação dos sujeitos processuais, onde se mostra "inteiramente apropriada a prolação de um despacho de convite ao aperfeiçoamento, com base na irregularidade da petição inicial, no que respeita a um dos seus requisitos legais correspondente à identificação (correta) das partes, nos termos do art. 508°, n°2, conjugado com o art. 467°., n° 1, al. a)", ambos do C.P. Civil dos atuais art.s 590.° e 552.°].
II - Se é certo que a Secretaria Regional não poderá considerar-se como sendo um “órgão” do Governo Regional, tanto assim que é o próprio artigo 10°, n° 2 do CPTA a autonomizar a Secretaria Regional e a sua organização em relação ao Governo Regional, a verdade é que a flexibilização introduzida por artigos como o 7° do CPTA, por força do princípio pro actione ou in dubio pro habilitate instantiae dita que a solução para a questão da representatividade e mandato.
III – Efetivamente, para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.
IV – Assim sendo, mostra-se adequado considerar inexistir qualquer irregularidade no mandato conferido na procuração assinada pelo Presidente do Governo Regional da Madeira, nada obstando ao prosseguimento nos autos contra o Governo Regional da Madeira.
V - Do artigo 83º nº 4 do CPTA não resulta que a falta de contestação, ou a falta de impugnação especificada, implique a confissão da factualidade alegada na petição inicial da ação; o que dele decorre é que a alegação factual feita fica sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, apreciando o tribunal livremente essa conduta para efeitos probatórios.
VI - Numa ação em que esteja em causa a impugnação de atos administrativos a falta de contestação ou a falta na contestação de impugnação especificada, não acarreta necessariamente a confissão dos factos articulados, mas o tribunal aprecia livremente essa conduta para efeitos probatórios.
VII - De acordo com artigo 574º do CPC, o ónus de impugnação consiste na necessidade de o réu tomar posição definida perante os factos articulados na petição inicial, sob pena de os mesmos poderem ser admitidos por acordo.
Numa ação em que esteja em causa a impugnação de atos administrativos a falta de contestação ou a falta na contestação de impugnação especificada, não acarreta necessariamente a confissão dos factos articulados, mas o tribunal aprecia livremente essa conduta para efeitos probatórios (83º, n.º 4, do CPTA aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro).
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, Subsecção Social, no âmbito de Reclamação para a Conferência:

I Relatório
S........, Recorrente nos presentes autos, em que é Recorrido/a GOVERNO REGIONAL DA MADEIRA/SECRETARIA REGIONAL DE EDUCAÇÃO DA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA, vem recorrer do despacho saneador proferido pelo TAF do Funchal, datado de 20 de setembro de 2020, e que, perante questão suscitada pela Recorrente na réplica, considerou inexistir qualquer irregularidade no mandato conferido na procuração assinada pelo Presidente do Governo Regional da Madeira e nada obstar ao prosseguimento nos autos contra o Governo Regional da Madeira, do qual a Secretaria Regional da Educação é um órgão.
A Recorrente formulou as seguintes conclusões:
“a. a presente ação administrativa foi intentada contra a Secretaria Regional da Educação (SER), ora recorrida;
b. esta Entidade Demandada é um departamento do XII Governo Regional da Região Autónoma da Madeira a que estão conferidas as atribuições nos domínios expressamente elencados no art. 4°/ als. a) a i) do Decreto Regulamentar Regional n. ° 13/2017/M, de 7 de novembro;
c. nos processos que se reportem à ação ou omissão de órgãos integrados num departamento do Governo Regional da RAM tem legitimidade passiva a correspondente Secretaria Regional. - cfr. 10°/2 do CPTA;
d. os órgãos autores dos atos impugnados e da omissão administrativa de que cuidam estes autos integram-se na dita SRE, entidade que, como se disse, foi a demandada;
e. apesar de devidamente citada a SRE (cfr. fls. 35 a 38 dos autos) quem contestou foi a Região Autónoma da Madeira e a única procuração nos autos é a outorgada pelo Presidente do Governo Regional da RAM;
f. A ED SRE não contestou nem juntou nos autos procuração do respetivo Secretário Regional. - cfr. art. 4°/2 - al. a) do DRR n° 20/2015/M, de 11.11;
g. Em face da revelia da indicada ED, ora recorrida, impunha-se que o Tribunal a quo observasse o regime dos arts. 567°/l e 2 do CPC, ex vi art. 1° do CPTA, seja para declarar aquela, seja para determinar o desentranhamento da contestação que nos autos está;
h. Ao invés do decidido, ocorre nos autos vícios que invalida a normal e regularidade da tramitação processual, em violação do disposto nos arts. 567°/1 e 2 do CPC, ex vi art. 1° do CPTA;
l. Em consequência, o mandato/procuração que nos autos está, no cotejo dos arts. 10°/2 e 11°/1 do CPTA, é, pelo menos, ineficaz relativamente à ED SRE, ora recorrida, pois provem de quem não a representa em juízo e nestes autos;
m. Ao contrário do decidido, ocorrem questões quanto a tal mandato, seja quanto à sua falta, ineficácia ou irregularidade, pelo que o Tribunal a quo infringiu o disposto no art. 48° do CPC, ex vi art. 1° do CPTA;
n. A ED SRE, ora recorrida, não se encontra encontrar devidamente representada nestes autos em face da completa falta de procuração outorgada pelo seu representante legal, o Secretário Regional, e violando o Tribunal a quo o disposto no art. 11°/1 do CPTA.
o. Em consequência, os despachos recorridos são ilegais, por infringirem as normas invocadas, devendo ser revogados, com as legais consequências.

O Recorrido, notificado para os termos do recurso, não apresentou contra- alegações.

Notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.° 146.° do CPTA, o Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu pronúncia.

II. Delimitação do objeto do recurso (artigos 144.°, n.° 2, e 146.°, n.° 1, do CPTA, 635.°, n.°4 e 639.°, n.°s 1, 2 e 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 140.°do CPTA):
A questão suscitada prende-se com apurar se o despacho saneador em crise incorreu em erro de julgamento, ao ter considerado inexistir qualquer irregularidade no mandato conferido na procuração assinada pelo Presidente do Governo Regional da Madeira e nada obstar ao prosseguimento nos autos contra o Governo Regional da Madeira, do qual a Secretaria Regional da Educação é um órgão.

III. Direito
Conforme se adiantou acima, a questão suscitada prende-se com apurar se o despacho saneador em crise incorreu em erro de julgamento, ao ter considerado inexistir qualquer irregularidade no mandato conferido na procuração assinada pelo Presidente do Governo Regional da Madeira e nada obstar ao prosseguimento nos autos contra o Governo Regional da Madeira, do qual a Secretaria Regional da Educação é um órgão.

Vejamos.
No despacho em crise lançou-se mão da seguinte argumentação:
Na Réplica a Autora veio invocar que a procuração junta aos Autos pela Entidade Demandada não se mostra assinada pela Secretaria Regional de Educação, mas sim pelo Presidente da Região Autónoma da Madeira, pelo que ocorre uma irregularidade de mandato.

De acordo com o disposto no artigo 1.° do Decreto Regulamentar Regional n.° 2/2015/M a Secretaria da Educação faz parte da estrutura do Governo Regional da Madeira.

Nos presentes autos a ação foi intentada contra a Secretaria Regional de Educação da Região Autónoma da Madeira, porém, a pessoa coletiva de direito público na qual esta Secretaria se encontrar integrada é o Governo Regional da Madeira.

Com efeito, verificando-se que a Secretaria Regional da Educação é um órgão do Governo Regional da Madeira e encontrando-se junto aos autos procuração assinada pelo Presidente do Governo Regional da Madeira, não há qualquer irregularidade no mandato conferido.

Face ao exposto cabe concluir que nada obsta ao prosseguimento dos autos.

A Recorrente, contudo, em sede de alegações, limita-se a insistir que a ação administrativa foi intentada contra a Secretaria Regional da Educação (SER) e que esta é um departamento do XII Governo Regional da Região Autónoma da Madeira e que nos processos que se reportem à ação ou omissão de órgãos integrados num departamento do Governo Regional da RAM tem legitimidade passiva a correspondente Secretaria Regional.

Uma vez que a SRE não contestou nem juntou nos autos procuração do respetivo Secretário Regional existirá revelia e impunha-se que o Tribunal a quo observasse o regime dos arts. 567°/1 e 2 do CPC, ex vi art. 1° do CPTA.

Pretende a Recorrente que existem questão em relação ao mandato, seja quanto à sua falta, ineficácia ou irregularidade, que foram escamoteadas pelo tribunal a quo, que assim inobservou o disposto no art. 48° do CPC, ex vi art. 1° do CPTA;

Mas não assiste razão à Recorrente, não nas consequências que pretende retirar da subscrição da contestação pelo Governo Regional da Madeira (irregularidade do mandato, nos termos do art° 48° do CPC e consequente efetivação do regime da revelia, nos termos do art° 567° do CPC, aplicáveis, ambos, ex vi do art° 1° do CPTA.

Mas vejamos melhor porquê.
Nos termos do art° 10° do CPTA, na versão aplicável aos presentes autos:
“1 - Cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor.
2 - Nos processos intentados contra entidades públicas, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público, salvo nos processos contra o Estado ou as Regiões Autónomas que se reportem à ação ou omissão de órgãos integrados nos respetivos ministérios ou secretarias regionais, em que parte demandada é o ministério ou ministérios, ou a secretaria ou secretarias regionais, a cujos órgãos sejam imputáveis os atos praticados ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.
3 - Os processos que tenham por objeto atos ou omissões de entidade administrativa independente, destituída de personalidade jurídica, são intentados contra o Estado ou a outra pessoa coletiva de direito público a que essa entidade pertença.
4 - O disposto nos n.ºs 2 e 3 não obsta a que se considere regularmente proposta a ação quando na petição tenha sido indicado como parte demandada um órgão pertencente à pessoa coletiva de direito público, ao ministério ou à secretaria regional que devem ser demandados.
5 - Quando, na situação prevista no número anterior, a citação for feita no órgão indicado na petição, considera-se citada a pessoa coletiva, o ministério ou a secretaria regional a que o órgão pertence.
6 - Havendo cumulação de pedidos, deduzidos contra diferentes pessoas coletivas ou Ministérios, devem ser demandados as pessoas coletivas ou os Ministérios contra quem sejam dirigidas as pretensões formuladas.
7 - Quando o pedido principal deva ser deduzido contra um Ministério, este também tem legitimidade passiva em relação aos pedidos que com aquele sejam cumulados.
8 - Nos processos respeitantes a litígios entre órgãos da mesma pessoa coletiva, a ação é proposta contra o órgão cuja conduta deu origem ao litígio.
9 - Podem ser demandados particulares ou concessionários, no âmbito de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares.
10 - Sem prejuízo da aplicação subsidiária, quando tal se justifique, do disposto na lei processual civil em matéria de intervenção de terceiros, quando a satisfação de uma ou mais pretensões deduzidas contra uma entidade pública exija a colaboração de outra ou outras entidades, cabe à entidade demandada promover a respetiva intervenção no processo.”

Conforme resulta do n° 2 preceito acima transcrito, efetivamente, resulta da lei que nos processos intentados contra as Regiões Autónomas que se reportem à ação ou omissão de órgãos integrados nos respetivos ministérios ou secretarias regionais, quando a parte demandada seja, como sucede aqui, a secretaria regional, a cujos órgãos sejam imputáveis os atos praticados ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos, será esta a demandada.

Contudo, o n° 4 do preceito acima, refere, igualmente que o disposto no n° 2 não obsta a que se considere regularmente proposta a ação quando na petição tenha sido indicado como parte demandada um órgão pertencente à pessoa coletiva de direito público, ao ministério ou à secretaria regional que devem ser demandados.

O n° 5 precisa, ainda que, quando, na situação prevista no número anterior, a citação for feita no órgão indicado na petição, considera-se citada a pessoa coletiva, o ministério ou a secretaria regional a que o órgão pertence.

Sem prejuízo de nos preceitos do CPTA, acima transcritos, se perspetivar a questão da regularidade da interposição da ação do ponto de vista do autor, cumpre, in casu, lançar mão da mesma bondade em relação a um qualquer “erro/imprecisão” para situações em que é demandada, como sucede aqui, por exemplo, uma secretaria regional e quem contesta é o Governo Regional.

Sobre a questão da regularidade da interposição da ação, embora perspetivando-a do ponto de vista do autor, o vertido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no Processo n° 112/13.0BEPDL, datado de 16-12-2021, refere que “(...) [a]ssim, e apesar de não ter sido citada a Região Autónoma dos Açores apresentou-se a contestar o Governo Regional, tendo sido junta procuração emitida por V..., na qualidade de Presidente do Governo, ao abrigo do art. 5.°, n.° 1 e 4, do Decreto Regulamentar Regional 24/2012/A, de 27.11. - cfr. fls. 40 da contestação junta a fls. 226 e ss., ref. SITAF.

Acresce que, na ação em apreço e face à defesa apresentada pelo Governo Regional dos Açores, não se vislumbra que haja interesses autónomos e diferenciados deste e da Região Autónoma, sendo certo que a representação de qualquer um caberia sempre, nos termos legais, ao Presidente do Governo Regional, que, de facto, interveio nos autos.

Nestas circunstâncias, muito particulares, mas que, em nosso entender, devem ser atendidas, numa ação de responsabilidade contratual, por incumprimento, em que deveria ter sido citada a Região Autónoma dos Açores, mas cuja vontade não pode deixar de se manifestar através dos seus órgãos, tem de se considerar sanado o erro em que ocorreu a A., ora Recorrente, ao não ter intentado a presente ação contra a Região, mas sim contra o Governo Regional, tendo sido este citado, contestada a ação, torna-se irrelevante o facto de não ter sido regularmente citada a Região Autónoma.

Além do mais, no caso em apreço foram, face ao exposto, asseguradas as funções da citação, tal como decorrem do art. 219.°, n°1, do CPC, considerando-se esta como sendo o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender, pois que a Região Autónoma veio ao processo através da contestação do Governo Regional, que seria sempre a quem competiria contestar.

Na verdade, se o ofício de notificação tivesse sido dirigido à Região Autónoma dos Açores, como devia, quem teria vindo defender os interesses da Região Autónoma em juízo, seria, pois, o Governo Regional, com procuração emitida pelo Presidente do Governo Regional dos Açores, tal como, efetivamente, sucedeu no caso em apreço.

Esperança Mealha, assinala, divergindo, que o regime estabelecido no CPTA, de identificação da entidade pública demandada, é assumidamente um regime de tolerância em relação ao erro, tolerância essa que parece desaparecer nas ações de responsabilidade extracontratual e, de facto, em nosso entender, e na senda da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo supra citada e transcrita, o erro na identificação da entidade demanda, nas ações sobre contratos ou sobre responsabilidade, não pode ter-se como inevitável, ou seja, não pode ser uma consequência necessária, sendo o caso em apreço um bom exemplo disso, a insusceptibilidade de correção ou sanação do erro na identificação da entidade pública demandada, designadamente, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts 88°n.°2, e 89°n.° 1, alínea d) do CPTA.

De resto, a posição que se subscreve é aquela que resulta do acórdão deste tribunal de recurso, de 22.04.2010, no P. 5901/10, onde se disse que «(...) A falta de personalidade judiciária, fora do caso regulado pelo art. 8°. do C.P. Civil factualmente o art. 14.°], tal como a ilegitimidade singular, ativa ou passiva, constituem exceções dilatórias insupríveis (cfr. António Abrantes Gera/dês in 'Temas da Reforma do Processo Civil", Vo lI, 2a. ed., 1998,pág. 258). Porém, como nota este autor (ob. cit., Vol. ll,pág. 66, nota 104 e pág. 67), das situações de verdadeira falta de personalidade judiciária devem distinguir-se aquelas em que a falta desse pressuposto é aparente, como sucede nos casos de errada identificação dos sujeitos processuais, onde se mostra "inteiramente apropriada a prolação de um despacho de convite ao aperfeiçoamento, com base na irregularidade da petição inicial, no que respeita a um dos seus requisitos legais correspondente à identificação (correta) das partes, nos termos do art. 508°, n°2, conjugado com o art. 467°., n° 1, al. a)", ambos do C.P. Civil dos atuais art.s 590.° e 552.°].
Efetivamente, seria excessivamente formalista e contrário ao princípio "pro actione", consagrado no art. 7°. do CPTA de acordo com o qual o Tribunal deva interpretar as normas processuais num sentido que favoreça a emissão de uma pronúncia sobre o mérito das pretensões formuladas, proferir uma decisão de absolvição da instância quando a falha da petição inicial se traduz unicamente na errada identificação do sujeito processual. Ora, no caso em apreço, a única irregularidade que a petição inicial apresenta consiste numa errada identificação do R, o qual, de acordo com os factos nela alegados, deveria ser a pessoa coletiva Estado e não um dos seus órgãos".»

Neste sentido também, e numa situação com inteira similitude com o caso dos autos, também a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, sintetizada, de resto, no trecho do acórdão de 21.06.2001, Rec. 47402, que, por elucidativo, se transcreve: «Todavia, embora seja formalmente incorreto propor a ação de responsabilidade contra a Câmara, essa irregularidade, que emana do concurso de uma antiga personalização dos corpos administrativos com uma confusão, amplamente disseminada na linguagem corrente, do ente com o seu órgão de maior visibilidade social, política e administrativa, e que se materializa num erro muito difundido e quase pacificamente tolerado na prática judiciária, não afeta a compreensão de que é sobre o município, enquanto centro autónomo de direitos e obrigações e titular de património, que se quer fazer recair a condenação, não altera a citação na pessoa do representante legal do município para este efeito [em qualquer caso, o presidente da Câmara, na dupla qualidade de presidente do órgão colegial executivo e representante do município: artigo 53.°, n.° 1, alínea a), do Decreto-Lei 100/84] e a consequente formação da vontade relativa à defesa dos interesses municipais, nem o regular desenvolvimento do contraditório.»

Se bem que a Secretaria Regional não poderá considerar-se como sendo um “órgão” do Governo Regional, tanto assim que é o próprio artigo 10°, n° 2 a autonomizar a Secretaria Regional e a sua organização em relação ao Governo Regional, a verdade é que a flexibilização introduzida por artigos como o 7° do CPTA, por força do princípio pro actione ou in dubio pro habilitate instantiae dita que a solução para a questão que ora nos é trazida à apreciação seja diferente daquela que preconiza a Recorrente (irregularidade do mandato, nos termos do art° 48° do CPC e consequente efetivação do regime da revelia, nos termos do art° 567° do CPC, aplicáveis, ambos, ex vi do art° 1° do CPTA.

O mencionado preceito, sob a epígrafe “Promoção do acesso à justiça” dispõe que para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.

Por sua vez, diz o art° 7°-A do CPTA, sob a epígrafe “dever de gestão processual” que:
“1 - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
2 - O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando-as a praticá-lo.
3 - Das decisões referidas no n.° 1 não é admissível recurso, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.”

Sobre o princípio pro actione, diz VIEIRA DE ANDRADE que “[t]rata-se de um corolário normativo ou de uma concretização do princípio constitucional do acesso efetivo à justiça (administrativa), que aponta para uma interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo” (cfr. Justiça Administrativa, 11a ed., Almedina, Coimbra, 2011, p. 436).

Por sua vez, para MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/CARLOS CADILHA “(...) o princípio pro actione, que decorre do disposto no art. 7° (...) impõe que, em situações duvidosas, a interpretação das normas seja efetuada no sentido de promover a emissão de uma decisão de mérito” (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3a ed., Almedina, Coimbra, 2010, p. 393 e, em especial sobre o referido princípio, pp. 63/64).

Note-se que um dos princípios nucleares da reforma de 2002/2004 foi a consagração do princípio da tutela judicial efetiva, que tem expressão em várias soluções com vista a evitar “até ao limite do suportável, decisões formais injustificadas”.

Inelutavelmente, neste caso, não seria tolerável que se fizessem extrair consequências como as que a Recorrente pretende fazer extrair (irregularidade do mandato, nos termos do art° 48° do CPC e consequente efetivação do regime da revelia, nos termos do art° 567° do CPC, aplicáveis, ambos, ex vi do art° 1° do CPTA) do facto de a contestação ser subscrita pelo Governo Regional da Madeira, com procuração outorgada pelo respetivo Presidente do Governo Regional.

Neste caso temos uma contestação subscrita por assessor jurídico com procuração outorgada pelo Presidente do Governo Regional da Madeira, ainda que com papel timbrado de cujo cabeçalho consta a seguinte inscrição:
REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA Governo Regional
SECRETARIA REGIONAL DE EDUCAÇÃO GABINETE DO SECRETÁRIO

Do acima exposto não se nos afigura processualmente aceitável extrair do sucedido as consequências que a Recorrente pretende extrair (irregularidade do mandato, nos termos do art° 48° do CPC e consequente efetivação do regime da revelia, nos termos do art° 567° do CPC, aplicáveis, ambos, ex vi do art° 1° do CPTA).

No limite, deveria o Tribunal a quo ter notificado a Secretaria Regional da Educação para que o respetivo Secretário Regional outorgasse procuração em nome do assessor jurídico que subscreveu a contestação junta aos autos.

Mas, entendemos que nem isso se imporia, in casu.
Neste caso, além do acima exposto, teríamos de convocar um princípio básico no que respeita à sanação da falta de poderes de representação, o princípio “a maiori adminus”, segundo o qual, “quem pode o mais, pode o menos”.

Admitir-se-á, assim, que o Presidente do Governo Regional outorgue uma procuração quando seja demandada uma Secretaria Regional, não se admitindo, contudo o oposto, se por hipótese fosse demandado o Governo Regional e quem subscrevesse a procuração fosse um Secretário Regional.

Para ajudar a elucidar/perspetivar a questão, cumpre convocar o Decreto Regulamentar Regional n.° 2/2015/M, relativo à “Organização e funcionamento do XII Governo Regional da Madeira” e onde, no art° 1°, se estabelece a “Estrutura do Governo Regional da Madeira”, estando, à cabeça, na alínea a), a Presidência do Governo e, na alínea f), a Secretaria Regional de Educação.

Por sua vez, segundo o artigo 17.° deste mesmo diploma, com a epígrafe “Precedências”, “[a] ordem de precedências dos membros do Governo Regional da Madeira, bem como para efeitos de eventual substituição do seu Presidente, é a do artigo 1.° deste diploma.”

Assim sendo, julgou-se singularmente improcedente a argumentação da Recorrente e, consequentemente, o presente recurso, confirmando-se a decisão da primeira instância, ao ter considerado inexistir qualquer irregularidade no mandato conferido na procuração assinada pelo Presidente do Governo Regional da Madeira, nada obstando ao prosseguimento nos autos contra o Governo Regional da Madeira.

Correspondentemente, entendeu-se singularmente, em 10 de fevereiro de 2023 que “face ao exposto, decide-se negar provimento ao recurso interposto e confirmar o decidido pelo TAF do Funchal.”

Desta decisão singular veio a Autora em 22 de fevereiro de 2023 reclamar para a Conferência, “nomeadamente, por a mesma não ter apreciado a revelia operante da recorrida (por falta de contestação) invocada nas Conclusões a) a h) da apelação).

Cumpre assim, em conferência apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente na reclamação apresentada, apreciando se a decisão sumária do relator, que negou provimento ao recurso interposto, se deve manter ou ser alterada.

Sumariou-se no Acórdão do TCAN nº 699/08.0BEBRG, de 28-06-2019 que “Do normativo contido no artigo 83º nº 4 do CPTA não resulta que a falta de contestação, ou a falta de impugnação especificada, implique a confissão (tácita) da factualidade alegada na petição inicial da ação; o que dele decorre é que a alegação factual feita fica sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, apreciando o tribunal livremente essa conduta para efeitos probatórios.”

Do mesmo modo, se sumariou no Acórdão do TCAN nº 179/11.6BEMDL, de 18-11-2016, no qual o aqui relator interveio como Adjunto, que “Numa ação em que esteja em causa a impugnação de atos administrativos a falta de contestação ou a falta na contestação de impugnação especificada, não acarreta necessariamente a confissão dos factos articulados, mas o tribunal aprecia livremente essa conduta para efeitos probatórios.”

Sumariou ainda no Acórdão do TCAN nº 428/11.0BEVIS, de 21-04-2016, no qual, igualmente, o aqui Relator interveio como Adjunto, que “De acordo com artigo 574º do CPC, o ónus de impugnação consiste na necessidade de o réu tomar posição definida perante os factos articulados na petição inicial, sob pena de os mesmos poderem ser admitidos por acordo.
Numa ação em que esteja em causa a impugnação de atos administrativos a falta de contestação ou a falta na contestação de impugnação especificada, não acarreta necessariamente a confissão dos factos articulados, mas o tribunal aprecia livremente essa conduta para efeitos probatórios (83º, n.º 4, do CPTA aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro).

Aqui chegados, atenta a questão suscitada em sede de Reclamação para a Conferência, diga-se que improcede, igualmente, o suscitado, uma vez que no Contencioso Administrativo, a ausência, nomeadamente, da apresentação de contestação não tem a virtualidade de determinar a confissão dos factos alegados, em face do que o Tribunal a quo não teria de apreciar a invocada “revelia operante da recorrida (por falta de contestação)”, por se mostrar inútil.

IV - DECISÃO
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, subsecção social, em indeferir a reclamação para a conferência, mantendo a decisão sumária do relator, negando provimento ao Recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 26 de outubro de 2023

Frederico de Frias Macedo Branco

Rui Pereira

Carlos Araújo