Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2230/12.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/19/2023
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:OPOSIÇÃO
ATAQUE À SENTENÇA
CHAMAMENTO À EXECUÇÃO/ CITAÇÃO
Sumário:I - Os recursos jurisdicionais são meios de impugnação das decisões dos tribunais, visando alterá-las ou anulá-las após reexame da matéria de facto e/ou de direito nelas apreciada

II - O ónus de alegar do recorrente não exige que se afronte diretamente a sentença recorrida, dizendo que esta está errada, ou que está mal, ou que é injusta, ou que é ilegal, bastando que as alegações de recurso e respetivas conclusões constituam uma crítica percetível àquela sentença.

III - A citação dirigida à Oponente, tal como consta da matéria de facto, indica, além do mais, a certidão de dívida, a data da sua emissão, a natureza do tributo em dívida (receita da CML relativa a obras coercivas), o imóvel a que respeita o valor em causa e o montante em cobrança (tributo e juros), pelo que mal se percebe em que medida a Recorrente não ficou esclarecida com os termos em que foi chamada à execução.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

I ………………………., na qualidade de viúva de José Salvador e com os demais sinais nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário (TT) de Lisboa que julgou improcedente a oposição à execução fiscal nº ………………….168, instaurada pela CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA para cobrança de dívida correspondente a obras coercivas realizadas no prédio sito na Rua ………………, nº …., Lisboa, no montante de € 164.542,09 e acrescidos, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Alegou e, subsequentemente, formulou as seguintes conclusões (renumeradas):

I A ora recorrente recepcionou a identificação da dívida, em cobrança coerciva.

II Tal identificação informava que, nos termos do art.º 204.º d CPPT podia ser deduzida oposição ou ser efectuado o respectivo pagamento nas suas modalidades.

III Todavia, como se pode constatar nos autos, a dívida não estava devidamente fundamentada, e muito menos o motivo que levava à existência da referida cobrança coerciva.

Ora,

IV Dispõe o n.º 5 do art.º 267.º da Constituição da República Portuguesa o direito dos contribuintes a participar na formação das decisões que lhes respeitem, pois assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação (…) surgindo na sequência e em cumprimento da directriz constitucional contida no número 4 do art.º 267.º da CRP obrigando o órgão administrativo competente a, de alguma forma, associar o administrado à preparação da decisão final, transformando tal princípio em direito constitucional concretizado – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo, Secção do Contencioso Tributário, n.º 00330/03, datado de dia 27 de Maio de 2003.

V Porém, em verdade, na situação em apreço, a Administração Tributária não cuida de salvaguardar nem a letra, nem a ratio das disposições combinadas do art.º 2.º e do n.º 5 do art.º 267.º da Constituição da República Portuguesa, do art. 45.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário, actuado de forma ilegal e unilateral, prejudicando os interesse da empresa visto que apenas tem em mente a penhora dos montantes que recebe dos respectivos clientes prejudicando os interesses da Oponente, não se tratando de lapso, mas na perspectiva da empresa de dolo.

VI O que não podendo, nem devendo, ser desconsiderado, determina a preterição da formalidade legal, ou seja, a notificação ao contribuinte para q este proceda ao pagamento voluntário dos montantes em questão ou então pelo contrário, que tenha o direito de legitimidade impugnar em toda a sua dimensão as quantias em questão e de conhecer em todos o respectivo alcance a competente fundamentação.

Pois,

VII Requisitos de validade dos actos são exigências que a lei faz relativamente a cada um dos elementos deste – autor, destinatários, forma e formalidades, conteúdo e objecto, fim (Digo Freitas do Amaral, in Direito Administrativo, Vol. III, 198, pp. 250 e sgs.).

VIII Assim, no que se reporta às formalidades legais, o princípio geral do nosso direito é o de eu todas as formalidades prescritas na lei são essenciais. A sua não observância, quer por omissão quer por preterição, no todo ou em parte, gera a ilegalidade do acto administrativo, op. cit. P. 225.

IX Deste modo, o acto será ilegal se não forem respeitadas todas as formalidades prescritas por lei, quer em relação ao procedimento administrativo, que preparou o acto, quer relativamente à própria prática do acto em si mesma, op. cit. P. 252.

X De entre as formalidades essenciais, de carácter insuprível, está, precisamente, o direito, fundamental e inalienável de ser notificado dos actos e liquidação, porquanto a situação tributária do contribuinte é alterada de forma significativa, limitando-lhe, ou melhor retirando-lhe o direito de se socorrer de outros institutos de defesa legalmente admissíveis.

XI Ora, encontram-se preenchidos os requisitos previstos nas alíneas b) e i) do artigo 204.º do CPPT devendo tais fundamentos considerarem procedente a oposição fiscal.

XII Termos nos quais devera ser declarada extinta a lide por inutilidade superveniente da lide.

XIII Mala andou a sentença do tribunal a quo ao considerar que as formalidades foram cumpridas pela CML.

XIV Também andou mal ao considerar que a fundamentação que determinou a dívida consta na notificação previamente efectuada. Pois não consta.

XV E tanto é assim que a própria sentença de que agora recorre configura tal cenário na sua fundamentação.

XVI Apesar de concluir que a oposição improcede totalmente.

XVII O que está errado. Deveria ter decidido a favor da pretensão da ora recorrente.

Assim, deverão V. Ex.ªs decidir procedente a oposição da ora recorrente com as respectivas consequências legais.

Assim fazendo a costumada justiça


*

A Recorrida, Câmara Municipal de Lisboa, contra-alegou, apresentando as conclusões seguintes:

A. A Recorrente dirige o Recurso ao TCA Sul, e além de não o fazer ao abrigo de qualquer normativo legal, não identifica a decisão de que recorre, nem alega nem demonstra qualquer erro de julgamento, ou outro, não sendo sequer meramente valorativa e conclusiva. Trata-se tão só de discordância com o decidido, estando, pois, vaticinado ao insucesso, não devendo ser conhecido;

B. Ao abrigo dos arts. 639.° e 640º do GPC, aplicáveis ex vi do art 281º do CPPT, definem os ónus que incidem sobre a Recorrente quanto à apresentação de alegação concludente e de formulação de conclusões, devendo constar da peça processual apresentada as especificações elencadas pelo n.°2 do art. 639º, quando o recurso verse sobre matéria de direito, ou pelo art. 640.°, quando se impugne a decisão proferida sobre matéria de facto;

C. A Recorrente, ao abrigo de tais normativos legais, a Recorrente tem o encargo de circunscrever com clareza o âmbito do litígio submetido a este douto Tribunal, explicitando as razões da sua discordância, o qual se desdobra em dois distintos ónus. O primeiro, o de alegar, sob pena de indeferimento do recurso [art. 641.°, n.° 2, al. b) do CPC]; o segundo, o de formular conclusões da alegação, sob pena de não se tomar conhecimento do recurso (art. 639°, n°3 do CPC);

D. A Recorrente não imputa à Sentença a infracção de qualquer norma aplicável ou errada interpretação e aplicação incorrectas de normas, nem se vislumbra na sua alegação uma hipotética imputação de erro de julgamento de facto, o que contraria a finalidade do recurso, que tem em vista modificar a decisão do tribunal a quo, tendo por objecto nulidade ou erro de julgamento de facto ou de direito, que, verificando-se, tem como consequência a revogação da decisão recorrida;

E. A Recorrente, socorrendo-se do teor literal da petição inicial que impulsionou a oposição, vem apenas manifestar inconformismo quanto ao julgado, o que faz com um pendor genérico, abstracto e sem autonomização. O que, por um lado, coloca o Recorrido numa posição de não poder contra-alegar de modo pertinente, e, por outro, impõe ao próprio Tribunal ad quem a incumbência de seleccionar, dentro do que foi referido pela Recorrente, aquilo que, na petição, pode consubstanciar as alegações;

F. A Recorrente, com o Recurso, tal como o delimita, não tem em vista qualquer alteração da matéria de facto assente, não a impugnando, nem indicando qualquer alteração à mesma. Ao longo das suas Alegações a Recorrente não mostra qualquer matéria de facto assente, ou não, não demonstra qualquer discordância com a mesma ou, eventualmente, a sua insuficiência, como se lhe impunha. De idêntico modo, nada nas Conclusões que finalizam as Alegações de Recurso e que demarcam o seu objecto, os respectivos âmbito e alcance, visa a alteração da matéria de facto, tal como considerada assente pela douta Sentença recorrida. A Recorrente nem sequer manifesta, ainda que indirectamente, a sua discordância com a matéria de facto que a douta Sentença recorrida considerou provada, não se vislumbrando, salvo o devido respeito, por que razão dirigiu o presente ao douto TCAS;

G. Sobre esta questão veja-se o douto Acórdão do TCA Norte de 25/01/2018, proferido no Processo n.°02318/06) "(…) um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que a Recorrente, "in casu", não cumpre com o referido ónus, (...) o recurso nesta parte é rejeitado, o que obsta a que este Tribunal proceda ao reexame de tal matéria de facto.";

H. Este é precisamente o que se verifica no caso presente, pelo que só pode concluir-se pela rejeição do presente Recurso, porquanto não são questionadas, quer a matéria de facto quer a fixação da mesma, tal como foi levada a cabo pela douta Sentença, não explicitando a Recorrente que alterações pretenderia, as razões de tal pretensão, ou os elementos de prova (constantes do processo) em que assentaria;

I. Acresce que não pode admitir-se que o presente Recurso tenha por fundamento, total ou parcialmente, matéria de direito, considerando as Alegações VI e XII e as Conclusões VI e XII, cujo teor é idêntico ao daquelas, no âmbito das quais a Recorrente refere os arts. 2.° e do nº5 do art. 267.° da CRP, o art. 45° do CPPT e as als. b) e 5) do art. 204.°do CPPT. Em primeiro lugar, a Recorrente não imputa qualquer desconsideração de tais normas pela Sentença proferida nos autos, parecendo querer referir-se à Administração Tributária. Ademais, não há a imputação de qualquer vício à Sentença e muito menos a concretização e demonstração de erro de direito. Não há a imputação de qualquer vício à Sentença e muito menos a concretização e demonstração de erro de direito quanto à aplicação ou interpretação dos referidos normativos-legais;

J. A Recorrente devia ainda indicar nas Conclusões as normas jurídicas que entende terem sido violadas pela decisão proferida e, no caso de invocação de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no seu entendimento, devia ter sido aplicada e o sentido com que, no entender da Recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico deviam ter sido interpretadas e aplicadas, (art. 639.°, n.°2 do CPC);

K. Nenhuma das Conclusões extraídas pela Recorrente, a partir da respectiva motivação, delimitadoras do objecto do Recurso, questionam a matéria fixada no probatório da Sentença a quo, peticionando a sua substituição por outra, antes, repete-se, limita-se a citar ipsis verbis o invocado na petição de oposição, sem imputar qualquer erro à interpretação realizada pelo Tribunal a quo do regime legal aplicável ao caso concreto ou vício ao decidido, terminando as mesmas com o pedido de inutilidade superveniente da lide e a procedência da oposição;

L. Como, a este respeito, sumariou o STJ, no douto Acórdão de 20/03/2014, proferido no Processo n518/11 (Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil, Anotado, 3,ª Ed. Revista e Ampliada, Maio/2015, Ediforum, Edições Jurídicas, Lda., anotação 56. ao art. 639.°): "I-É aos recorrentes que incumbe o ónus de, nas conclusões das suas alegações, balizar, de forma cidra e sintética, as questões que pretendem ver reapreciadas. II - Se, nas alegações das suas conclusões, os recorrentes não impugnam determinado segmento do decidido, este forma caso julgado formal, não podendo ser reapreciado pelo tribunal de recurso";

M. Ocorre a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto: na falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto [arts. 635.°, n.° 4 e 641.°, nº2, al. b) do CPC]; na falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que a Recorrente considera incorrectamente julgados [art. 640°, n.°1, al. a)]; na falta de especificação, na motivação, dos concretos pontos probatórios constantes do processo ou nele registados; e na falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;

N. As alegações devem incluir conclusões, que devem ser uma síntese das razões por que se pede a alteração ou anulação da decisão recorrida, o que, nos autos, a Recorrente não faz, mas sim a procedência da oposição e a declaração de inutilidade da lide, isto é, o peticionário na petição inicial que impulsionou a oposição. Nas Conclusões das Alegações a Recorrente não se reporta explicitamente à decisão proferida, não sendo possível descortinar quais os fundamentos do recurso, não sendo por isso de conhecer do objecto do recurso se nelas não é feita qualquer crítica a esta decisão e se não lhe imputa qualquer ilegalidade;

O. O não cumprimento adequado dos ónus consagrados nos arts. 639º e 640.° do CPC, como se verifica no caso vertente, tem consequências preclusivas. A deficiência das Conclusões da Recorrente, bem como das respectivas Alegações, é de tal ordem que nem sequer se admite um eventual convite ao seu suprimento, por não ser passível de aperfeiçoamento, o que determina a rejeição imediata e liminar do recurso, o que se argui para todos os efeitos legais;

P. De qualquer modo, considera o Recorrido que a douta Sentença do TTL proferida nos presentes autos, não merece qualquer reparo, devendo manter-se, na íntegra, na ordem jurídica, por inexistência de qualquer vício que a afecte.

Nestes termos e nos demais de Direito se conclui, invocando o douto suprimento de V.Exas, pela rejeição do Recurso apresentado pela Recorrente, com a consequente manutenção da douta Sentença proferida nos presentes autos, assim se fazendo a devida e costumada JUSTIÇA!


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Neste TCA, o Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*

Com dispensa dos vistos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“Com relevo para a decisão da causa, dão-se como provados os factos a seguir indicados:

A) A Câmara Municipal de Lisboa (CML) procedeu a obras coercivas, comparticipadas no âmbito do RECRIA, no prédio sito na Rua ………………, nº ., Lisboa, da propriedade de J …………… (cfr. Doc. nº 6 junto com a contestação);

B) De acordo com a declaração de comparticipação, proferida em 02.03.2000, pela Vereadora da CML, “a CML emitirá também no final da obra a factura ao proprietário, deduzindo o total das comparticipações” (cfr. fls. 59 que integra o Doc. nº 6 junto com a contestação);

C) José Salvador, proprietário do prédio objecto de obras coercivas, faleceu em 16.02.2002 no estado de casado com a Oponente (cfr. Doc. 1 junto com a p.i.);

D) Através o ofício nº OF/380/DMF/DC/DR/11, de 04.11.2011, foi remetido, em nome de José Salvador, notificação com o seguinte teor: “Assunto: facturação de obras coercivas …Empreitada…Rua ……………… 43 Como é do conhecimento de V. Exa. a Câmara Municipal de Lisboa determinou uma intervenção coerciva, no prédio de que é proprietário. A posse administrativa foi determinada nos termos do artigo 166º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas. Fica V. Exa. notificado na qualidade de proprietário, que, a partir do aviso de recepção e pelo prazo de 20 dias, encontra-se a pagamento a factura ……………….. (em anexo), no montante de € 164.542,09

(…)

Valor da empreitada 151.389,59€

IVA 22.674,42€

Valor com IVA 174.064,01€

Encargos Administrativos 15.138,96€

Comparticipação RECRIA 24.660,88€

Valor a facturar 164.542,09€

(…)

Mais se informa que, caso pretenda reclamar, no prazo de 15 dias ao abrigo do artigo 162º do Código de Procedimento Administrativo, interpor recurso ou impugnar graciosamente, no prazo de 3 meses (…)” (cfr. Doc. 5 junto com a contestação);

E) O ofício precedente foi remetido por correio registado com A/R, em 08.11.2011, tendo sido assinado o aviso de recepção por …………….., em 09.11.2011 (cfr. fls. 57 do Doc. 5 junto com a contestação);

F) Por informação da Chefe de Divisão, foi proferido o seguinte despacho: “Considerando que à presente data o doc 40000105710 não foi cobrado e que se desconhece qualquer reclamação que tenha caído sobre ele, [?] remessa processo PEF” (cfr. fls. 56 do Doc. 5 junto com a contestação);

G) Em 04.02.2012, foi autuado o processo de execução fiscal nº …………………168, contra J ……………., pela quantia exequenda de € 164.542,09 (cfr. fls. 48 dos autos);

H) Em 20.02.2012 foi remetido, por correio registado e A/R, a J…………….., o ofício de citação no aludido PEF (cfr. Doc. 1 junto com a contestação - fls. 48);

I) O A/R mencionado na alínea precedente foi assinado por I ……………… em 22.02.2012 (cfr. Doc. 1 junto com a contestação - fls. 49);

J) Por meio de requerimento que deu entrada na CML em 27.03.2012, a Oponente informou, na qualidade de cabeça de casal, o óbito de J ……………., requerendo a extinção da instância por inutilidade superveniente (cfr. Doc. 2 junto com a contestação);

K) Em 23.04.2012 foi proferido o seguinte despacho:

“Face ao supra informado, proceda-se a nova citação em nome da CCH, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 4 do artigo 155º do CPPT” (cfr. Doc. 3 junto com a contestação);

L) Em 22.06.2012, foi remetido a “J …………….. (CCH)” [Cabeça-de-Casal da Herança], por correio registado com A/R, novo ofício de citação no processo de execução fiscal identificado em G) supra (cfr. Doc. 3 junto com a contestação);

M) O A/R mencionado na alínea anterior foi assinado por I ……….. em 25.06.2012 (cfr. Doc. 4 junto com a contestação - fls. 54);

N) A petição de oposição foi apresentada junto da CML em 25.07.2012 (cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos). Inexistem factos não provados com interesse para decisão da causa.


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MOTIVAÇÃO: A decisão da matéria de facto provada fundou-se na prova documental junta aos autos e ao PEF dele constante, conforme especificado em cada uma das alíneas supra”.

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- De Direito





A sentença do TT de Lisboa julgou improcedente a oposição à execução fiscal nº ……………..168, instaurada pela CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA, considerando não assistir razão à Oponente relativamente aos três fundamentos invocados na p.i, a saber: a ilegitimidade da Oponente, a falta de notificação da liquidação do tributo e a insuficiente fundamentação da citação.


A Oponente, aqui Recorrente, discorda da sentença, nos termos que constam sintetizados nas conclusões transcritas.


Antes de entrarmos na apreciação do recurso jurisdicional, importa que nos detenhamos nas conclusões das contra-alegações da Recorrida, Câmara Municipal de Lisboa, pois que aí se defende, a final, a rejeição do recurso interposto.


Em defesa da sua posição, considera a Recorrida, no essencial, que o recurso se limita a espelhar a discordância com o decidido, socorrendo-se do teor literal da p.i que impulsionou a oposição. A Recorrida, sublinhando que as alegações devem incluir conclusões que correspondam a uma síntese das razões por que se pede a alteração ou anulação da decisão recorrida, sustenta que o recurso “não se reporta explicitamente à decisão proferida, não sendo possível descortinar quais os fundamentos do recurso, não sendo por isso de conhecer do objecto do recurso se nelas não é feita qualquer crítica a esta decisão e se não lhe imputa qualquer ilegalidade”.


Vejamos, para já, este aspeto com óbvia precedência sobre as demais questões.


Como se sabe, os recursos jurisdicionais são meios de impugnação das decisões dos tribunais, visando alterá-las ou anulá-las após reexame da matéria de facto e/ou de direito nelas apreciada. Daí que nas alegações e respetivas conclusões o Recorrente deva especificar os fundamentos por que discorda da decisão recorrida e pretende a revogação ou a anulação do que ficou decidido.


No caso, face aos fundamentos de oposição invocados, devia a Recorrente, na alegação recursória e respetivas conclusões, indicar os concretos motivos por que discorda da sentença que decidiu no sentido da improcedência. Detalhando, caso discordasse do julgamento da matéria de facto, impunha-se-lhe a indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (com indicação dos meios de prova que, no seu entender, devem levar a diferente ponderação da matéria de facto); quanto à matéria de direito, a indicação das normas ou princípios jurídicos violados pela decisão recorrida relativamente às questões apreciadas e decididas.


Ora, analisando as alegações de recurso e correspondentes conclusões, verificamos que não vem impugnada a matéria de facto, sem prejuízo de ser perceber que a Recorrente entende que o Tribunal retirou erradas conclusões dos factos apurados nos autos, fazendo uma errada subsunção dos mesmos ao direito, em concreto relativamente a dois dos três fundamentos de oposição inicialmente invocados. Com efeito, a invocada ilegitimidade da executada/oponente, objeto de apreciação pela sentença, não vem discutida no presente recurso jurisdicional.


Ora, a Recorrida considera que o recurso não ataca a decisão recorrida e, como tal, não deve ser conhecido.


As alegações de recurso e respetivas conclusões não são o melhor exemplo de uma peça processual que se coadune inteiramente com o disposto no artigo 639º CPC, preceito este relativo ao ónus de alegar e formular conclusões.


Contudo, não obstante os termos parcimoniosos em que se mostra elaborado o articulado, consideramos que não é de sufragar a posição da Recorrida.


A este propósito, vale lembrar que os Tribunais Superiores (STA e TCA) admitem, “como forma de atacar a decisão recorrida que se pronunciou sobre o mérito da causa, a defesa das razões que, no entender do recorrente, devem levar à sua procedência, ainda que nas conclusões de recurso não se contenham referências explícitas à decisão recorrida. Segundo esse entendimento jurisprudencial, que também nós adoptámos (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos deste Tribunal Central Administrativo, todos com texto integral disponível em htpp://www.dgsi.pt/: – de 19 de Fevereiro de 2002, proferido no recurso com o n.º 5155/01; – de 19 de Março de 2002, proferido no recurso com o n.º 6166/01; – de 11 de Fevereiro 2003, proferido no recurso com o n.º 7304/02; – de 1 de Junho de 2004, proferido no recurso com o n.º 86/04.), o ónus de alegar do recorrente não exige que se afronte directamente a sentença recorrida, dizendo que esta está errada, ou que está mal, ou que é injusta, ou que é ilegal, bastando que as alegações de recurso e respectivas conclusões constituam uma crítica perceptível àquela sentença” - cfr. acórdão do TCA Sul, de 29/06/04, processo nº 5605/01. Em tal aresto, cita-se, ainda, relevante jurisprudência do STA, tais como os acórdãos de 25 de junho de 1997, proferido no recurso com o n.º 20.289, publicado no Apêndice ao Diário da República de 9 de outubro de 2000, págs. 1937 a 1941, de 4 de março de 1998, proferido no recurso com o n.º 20.799, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de novembro de 2001, págs. 700 a 706.


Assim, não obstante a fragilidade perante o não cumprimento rigoroso do disposto no artigo 639º do CPC, mas considerando, também, que o recurso, ainda assim, põe em causa o julgamento de direito efetuado pelo Tribunal a quo, entendemos que as apontadas insuficiências não são de molde a rejeitar o recurso e não conhecer o seu objeto. De resto, e como realça o acórdão do TCA Sul citado, “Toda a nossa legislação processual vai cada vez mais no sentido de privilegiar a decisão de fundo sobre a mera decisão de forma”.



*




Com isto dito, avancemos.


Nas conclusões da alegação de recurso, em concreto nos pontos V e VI, a Recorrente defende uma alegada violação do direito de participação/audição, invocando, para tanto, o disposto nos artigos 267º, 5 da CRP e 45º do CPPT.


Trata-se de matéria não apreciada na sentença e que, não sendo questão do conhecimento oficioso, não cabe a este Tribunal de recurso apreciar. Realce-se que, em sede de recurso, não vem alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia, questão esta que também não é do conhecimento oficioso.


Assim, nada mais se impõe acrescentar a este propósito.



*




Segue-se a questão da falta de notificação da liquidação do tributo que a Recorrente insiste não se ter verificado.


Vejamos o que a sentença considerou sobre este aspeto.


Lê-se na sentença o que se segue:


“Alega ainda a Oponente preterição de formalidade legal, porquanto não foi notificada para proceder ao pagamento voluntário dos montantes em questão, e para efeitos de impugnação das quantias.


Também quanto a esta questão é de referir, desde já, que não assiste razão à Oponente.


Com efeito, resulta das alíneas D) e E) da factualidade assente que foi remetido ofício pela CML referente à “facturação das obras coercivas”, designadamente, indicando o prédio objecto das obras, explicitando o apuramento do montante facturado e a forma como deveria ser efectuado o pagamento, elencando, ademais, os meios de reacção ao mesmo.


Constata-se ainda que o aviso de recepção foi assinado pela Oponente, motivo pelo qual se conclui que recepcionou e tomou conhecimento da referida notificação (tanto mais que nessa data já havia falecido José Salvador).


Não é, pois, possível, dar como preterida uma formalidade que foi cumprida pela CML, e que decorre comprovada nos autos que foi recepcionada pela Oponente”.


Lembremos que não vem impugnada a matéria de facto e que resulta da alínea D) do probatório que, através o ofício nº OF/380/DMF/DC/DR/11, de 04.11.2011, foi remetido, em nome de José Salvador, notificação com o seguinte teor: “Assunto: facturação de obras coercivas …Empreitada…Rua Gonçalves Crespo 43 Como é do conhecimento de V. Exa. a Câmara Municipal de Lisboa determinou uma intervenção coerciva, no prédio de que é proprietário. A posse administrativa foi determinada nos termos do artigo 166º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas. Fica V. Exa. notificado na qualidade de proprietário, que, a partir do aviso de recepção e pelo prazo de 20 dias, encontra-se a pagamento a factura 40000105710 (em anexo), no montante de € 164.542,09


(…)


Valor da empreitada 151.389,59€


IVA 22.674,42€


Valor com IVA 174.064,01€


Encargos Administrativos 15.138,96€


Comparticipação RECRIA 24.660,88€


Valor a facturar 164.542,09€


(…)


Mais se informa que, caso pretenda reclamar, no prazo de 15 dias ao abrigo do artigo 162º do Código de Procedimento Administrativo, interpor recurso ou impugnar graciosamente, no prazo de 3 meses (…)”


Por seu turno, resulta da alínea E) dos factos provados que o ofício em causa foi remetido por correio registado com A/R, em 08/11/11, tendo sido assinado o aviso de receção correspondente, em 09/11/11, pela Oponente, ora Recorrente.


Tenhamos presente que, nos termos do artigo 36º, nº1 do CPPT, “Os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”.


Ora, tudo visto, temos que a liquidação do tributo subjacente à dívida exequenda se mostra comunicada à oponente, com indicação dos respetivos valores, da natureza/origem, da forma de cálculo e, bem assim, com a indicação dos prazos e meios de reação à liquidação em causa.


A sentença que assim concluiu fê-lo com acerto.


Improcedem, pois, as conclusões relativas a esta questão acabada de apreciar.



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Por último, a alegada “insuficiência da fundamentação da citação”.


Comecemos por dar conta da análise levada a cabo pelo TT de Lisboa. Lê-se na sentença o seguinte:


“Por fim, alega a Oponente que apenas recepcionou a identificação da dívida em cobrança coerciva, sem estar devidamente fundamentado o motivo da existência da cobrança coerciva.


Vejamos.


A citação é o acto pelo qual se chama a juízo, neste caso, o executado, num dado processo de execução fiscal, dando-lhe conhecimento dos termos do mesmo e concedendo-lhe prazo para se defender. O ofício de citação deverá, pois, conter os requisitos mínimos/essenciais do título executivo, a que se refere o artigo 163º do CPPT.


De entre os elementos essenciais está a natureza e proveniência da dívida e indicação do seu montante, cuja omissão determina nulidade insanável no processo de execução, nos termos da alínea b) do artigo 165º do CPPT.


Da análise da citação à Oponente, verifica-se que tais elementos constam da citação, designadamente, no seu verso, que indica que o montante em causa provém de obras coercivas ao prédio aí indicado, mais referindo o respectivo montante em dívida.


Diferente da nulidade por falta de elementos essenciais é a questão da falta de fundamentação imputada à citação, que a Oponente invoca. Ora, a fundamentação ou motivo que determinou a dívida consta da notificação previamente efectuada, e que a Oponente recepcionou – cfr. alíneas D) e E) do probatório.


Acresce, em qualquer caso, que se a Oponente considerasse que a fundamentação não era a suficiente, nada a impedia que, nos termos do artigo 37º do CPPT, solicitasse à administração tributária passagem de certidão com a fundamentação omitida, beneficiando da interrupção do prazo para reagir, designadamente através de oposição, como fez (cfr. com as necessárias adaptações acórdão do STA de 0606.2018, processo nº 0486/18).


Não padece, assim, de qualquer ilegalidade a citação efectuada”.


Vejamos.


Já vimos que a liquidação foi notificada e os termos em que o foi, ou seja, o que dela constava.


A Recorrente, sublinhando que rececionou a identificação da dívida em cobrança coerciva, através da citação, insurge-se contra a circunstância de a mesma não estar suficientemente fundamentada e “muito menos o motivo que levava à existência da referida cobrança coerciva”.


Ora, reiteram-se os argumentos avançados pelo TT de Lisboa para julgar improcedente esta questão, ressaltando-se que nada de novo a Recorrente veio esgrimir.


Com efeito, a citação que lhe foi dirigida, tal como consta da matéria de facto, indica, além do mais, a certidão de dívida, a data da sua emissão, a natureza do tributo em dívida (receita da CML relativa a obras coercivas), o imóvel a que respeita o valor em causa e o montante em cobrança (tributo e juros), pelo que mal se percebe em que medida a Recorrente não ficou esclarecida com os termos em que foi chamada à execução.


Diga-se que os termos parcos e frágeis em que o recurso jurisdicional se mostra estruturado, ainda que não tenham sido de molde a rejeitá-lo (pelos motivos antes explicados) não permitem outra análise, devendo este Tribunal mover-se dentro daquilo que foi alegado, no confronto com o decidido.


Em suma, também aqui improcedem as conclusões da alegação do recurso.


Nega-se, assim, provimento ao recurso jurisdicional, o que aqui se determina; mantém-se, pois, a sentença recorrida.



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III - Decisão





Termos em que, acordam os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.


Custas pela Recorrente.


Registe e notifique.


Lisboa, 19/10/23



(Catarina Almeida e Sousa)


(Hélia Gameiro)


(Isabel Fernandes)