Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:329/08.0 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/02/2023
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:FATURAS FALSAS
INDÍCIOS
ADQUIRENTE DE BOA FÉ
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - Cabe à AT o ónus da prova da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais.
II - Reunidos os indícios mencionados em I., cabe ao Impugnante a demonstração da efetividade das operações tituladas pelas faturas ou, bem assim, a demonstração de que foi adquirente de boa fé.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 08.03.2022, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por A… J… M… (doravante Recorrido ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre as liquidações adicionais de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e as dos respetivos juros compensatórios, relativas ao ano de 2003 e ao primeiro trimestre de 2004.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:
“a) Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a impugnação judicial em apreço procedente, deduzida pelo Recorrido tendo como objeto o ato de indeferimento de reclamação graciosa, apresentada contra as liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios, respeitantes ao período de 2003 e primeiro trimestre de 2004, no montante de 44.456,57€;

b) Verifica-se por um erro de julgamento de facto e de direito na contraposição da matéria de facto assente pelo Tribunal a quo e na aplicabilidade do normativo jurídico-tributário;

c) o Tribunal a quo não considerou corretamente a prova elevada em sede inspetiva e a respetiva fundamentação;

d) As faturas que estão em crise nos autos são operações simuladas e não estão em conformidade com as exigências previstas no artigo 35.º (atual artigo 36.º) do Código do IVA;

e) O Recorrido deduziu indevida e ilegalmente o IVA dos períodos de 2003 e 1.º trimestre de 2004, concernente a faturas que não foram emitidas em nome do verdadeiro fornecedor, mas em nome de terceiros, sujeitos passivos inexistentes ou com NIPC’s inválidos, situação que era do seu inteiro conhecimento;

f) Tais documentos foram excluídos de dedução, ao abrigo do artigo 19.º, n.ºs 2 e 3 do Código do IVA;

g) A verificação de operações simuladas, e consequente faturação falsa, colide com o mecanismo de deduções em sede de IVA;

h) Conforme elucida o artigo 100.º, n.º 1 do CPPT, sempre da prova produzida se conclua por sérias dúvidas sobre a existência e/ou qualificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado;

i) Estava na esfera jurídica do recorrido fazer prova do seu direito à dedução do imposto, nos termos do preceituado no artigo 19.º do Código do IVA, o que não logrou o Recorrido;

j) É requisito formal do direito à dedução, em conformidade com o previsto no artigo 19.º, n.º 2 do Código do IVA, que o imposto esteja mencionado em fatura, passada na forma legal;

k) Forma legal plasmada no artigo 36.º do Código do IVA ex vi artigo 19.º, n.º 6 do Código do IVA;

l) Os requisitos de forma são uma exigência suprema, efetiva e inegável da substância da operação de dedução em sede de IVA.

m) De acordo com o previsto no artigo 19.º, n.º 2 do Código do IVA são dois as do direito à dedução: que o montante em causa esteja mencionado numa fatura e que esta observe a forma legal;

n) O artigo 36.º do Código do IVA estabelece os requisitos na emissão de faturas, os quais são efetiva e indubitavelmente condições para a dedução do imposto por parte do sujeito passivo adquirente;

o) Tais exigências constituem formalidade ad substantiam, insuscetíveis de substituição por qualquer outo meio de prova;

p) Para que seja possível obter a dedução do IVA, a fatura deve permitir reconstituir o serviço que foi prestado ou o bem transmitido;

q) No caso dos autos, verificou-se por uma contabilização de faturas de compra de mercadorias que não correspondiam à verdade;

r) As faturas respeitantes a M… P… F…, foram passadas nos anos de 2003 e 2004, quando aquele faleceu em 1996;

s) As faturas correspondentes a F… J. C. L. E.ª J. P…, não corresponde ao NIPC correto, pois o indicado nas faturas é inválido, sendo que esta alegada sociedade é inexistente, o número de matrícula impresso nas faturas não existe e não possui nenhum número de matrícula com o número indicado;

t) “Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura” (artigo 19.º, n.º 3 do Código do IVA);

u) O princípio subjacente ao artigo 19.º, n.º 3 do Código do IVA, acautela os legítimos interesses da Fazenda Pública, precavendo a evasão fiscal;

v) Não está a AT expressamente vinculada ao cumprimento dos requisitos da prova de simulação constantes no artigo 240.º do CC;

w) Não é a AT que afirma um facto positivo com consequências, é o sujeito passivo que alega o seu direito à dedução do IVA;

x) O Tribunal a quo entendeu, no nosso entendimento mal, trazer para o regime jurídico-tributário o regime geral da simulação constante do artigo 240.º do CC, sem que tenha feito as devidas adaptações, como era sua obrigação;

y) A sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida;

z) Finalmente, sendo a impugnação julgada improcedente, será o Recorrido, como parte vencida, que deverá suportar a totalidade do pagamento das custas.

Termos em que, com o mui douto suprimento de Vs. Ex.ªs, e atento a motivação e conclusões supra enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, sendo substituída por Acórdão que julgue improcedente, in totum, por não provada, e, em consequência mantenha vigentes no ordenamento jurídico-tributário, por legais, os atos ora impugnados”.

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro de julgamento, em virtude de a administração tributária (AT) ter reunido indícios suficientes de se estar perante uma situação de utilização de faturas falsas, não tendo o Impugnante logrado fazer a prova que lhe competia?

b) Verifica-se erro de julgamento, dado que as faturas em crise não estão em conformidade com as exigências previstas no então art.º 35.º Código do IVA (CIVA)?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) O Impugnante é uma pessoa singular, que iniciou actividade em 28.10.1993, no âmbito do comércio de sucata, encontrando-se colectado com o CAE … - Comércio a retalho por outros métodos, não efectuado em estabelecimentos, bancas, feiras ou unidades móveis de venda (cfr. fls. 193 do PA apenso);

B) O Impugnante encontra-se enquadrado para efeitos de IRS, na categoria B – Rendimentos empresariais e Profissionais, segundo o regime de contabilidade organizada e é sujeito passivo de IVA, inscrito no regime normal de periodicidade mensal (cfr. fls. 193 e 194 do PA apenso);

C) Em cumprimento das Ordens de Serviço n° OI…. e OI…., de 02.01.2006 e 26.05.2006, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa realizaram uma acção inspectiva externa ao Impugnante, incidente sobre os exercícios de 2003 e 2004, “na sequência da investigação em curso ao sector das “sucatas’, com o objectivo de apurar a conformidade das compras e das vendas de mercadorias realizadas, considerando que o empresário fez parte de um circuito económico analisado. Mais concretamente, foi solicitada a abertura de procedimento inspectivo devido ao cruzamento de informação efectuado, que levou a concluir que o sujeito passivo contabilizou facturas falsas de compra de mercadorias e, noutros casos, facturas emitidas em nome de sujeitos passivos com situação fiscal irregular” (cfr. Relatório de Inspecção Tributária “RIT” junto à p.i. como Doc. 2 e fls. 141 e seguintes do PA apenso);

D) Em 14.03.2006, no âmbito da acção inspectiva, o Impugnante prestou declarações sobre os contactos, meios de pagamento e meios de transporte das mercadorias adquiridas aos fornecedores: 1- F… J…. C… L…; 2 – M… P… F… e 3 – F…. J…J P…, referindo o seguinte:


«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»


(cfr. Termo de declarações a fls. 57 e 58 do PA apenso);

E) Após notificação do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, o Impugnante exerceu, por meio de requerimento escrito, o seu direito de audição prévia (cfr. Anexo 1 ao RIT junto à p.i. como Doc. 2, que se dá aqui por integralmente reproduzido);

F) No âmbito da acção inspectiva, foi elaborado em 17.08.2006, o Relatório Final de Inspecção Tributária (RIT), no qual a AT apurou IVA em falta no valor de € 27.962,25, relativamente a 2003, e € 12.268,11, relativamente a 2004, com a seguinte fundamentação:

“(…) 2 - Análise contabilística e fiscal

Tendo em conta os objectivos da acção foram analisados os seguintes aspectos, apresentados de uma forma genérica:

- Conformidade das demonstrações financeiras e da respectiva documentação de suporte;

- Validade dos referidos documentos, nomeadamente quanto aos requisitos formais e, na parte dos custos / IVA dedutível, quanto à aceitação dos mesmos para efeitos fiscais;

- Registo dos documentos de compras e de vendas e apreciação dos movimentos de existências, em especial dos metais não ferrosos;

- Análise detalhada das operações com fornecedores, principalmente de mercadorias, tendo-se proposto a este nível as correcções descritas no ponto seguinte e emitidas fichas de inspecção para os fornecedores que apresentam irregularidades relacionadas com o cumprimento de obrigações fiscais;

- Verificação da conformidade das declarações entregues, no âmbito do IRS e do IVA;

- Cruzamento entre os pagamentos por conta e as retenções na fonte e os respectivos registos contabilísticos.

Dos elementos analisados não resultaram factos susceptíveis de gerar correcções em matéria fiscal.

3) Documentos não aceites para efeitos fiscais

Conforme referido anteriormente, são propostas correcções relacionadas com algumas facturas de compra de mercadorias, tendo em conta que os documentos registados na contabilidade, em subcontas da conta 221 - Fornecedores conta corrente, são “falsos”, não tendo sido emitidas por sujeitos passivos.

3.1) Facturas emitidas em nome de M… F… - NIF 2…….
Relativamente ao suposto sujeito passivo M…. F…., empresário em nome individual em nome de quem foram emitidas as facturas acima indicadas, nos exercícios de 2003 e 2004, apurou-se que:

- Faleceu no ano de 1996;

- Os 6 livros de facturas emitidos na tipografia E…., Lda foram requisitados por outro individuo, posteriormente ao falecimento do suposto fornecedor (em 2002/03/19);

- Nunca exerceu em nome próprio a actividade em causa, não tendo sido sujeito passivo de IVA.

Atendendo às circunstâncias referidas, que demonstram que o indivíduo indicado nas facturas não as pode ter emitido, foram desencadeadas diversas iniciativas tendentes a confirmar quem abusivamente usou os dados daquele. Entre outras diligências, foi ouvido em termo de declarações o Sr. A…. M….. que, sucintamente, referiu que:

- As vendas declaradas em nome do Sr. Manuel P. Ferreira foram, de facto, realizadas pelo contribuinte F…. L…. (NIF 1….), que inclusive assinou os documentos;

- O Sr. F…. L…. umas vezes trazia a mercadoria às suas instalações e outras vezes deslocava-se ao domicílio fiscal deste, conforme fosse acordado;

- A mercadoria foi paga quer em dinheiro quer, também, por meio de cheques;

- Desconhece a origem dos bens transaccionados.

Analisadas as transacções declaradas e os respectivos documentos de suporte é ainda possível observar que a assinatura constante dos documentos é em tudo idêntica à do Sr. F…. L….., conforme comparação efectuada com os documentos emitidos em nome deste, que também forneceu mercadorias.

Quanto ao transporte das mercadorias não consta qualquer indicação a esse respeito nas facturas, não tendo sido também apresentados quaisquer documentos de transporte.

Refira-se que pelo menos um outro contribuinte usou documentos nas mesmas circunstâncias, tendo prestado declarações que confirmam o que foi referido pelo Sr. A…. M…..

Atendendo aos factos descritos e ao disposto no art°. 19°, n°s 2 e 3, do Código do IVA, o imposto mencionado nos documentos não é dedutível, uma vez que as facturas não foram emitidas em nome do suposto fornecedor das mercadorias, sendo esse facto do conhecimento do utilizador das mesmas, que confirmou não ter negociado com a pessoa referenciada, que aliás referiu nem conhecer, mas sim com um outro contribuinte.

Assim sendo, as facturas emitidas não obedecem à forma legal e configuram operações simuladas.

3.2) Facturas emitidas em nome de F…E. J…. P… — NIPC inválido
No que se refere aos documentos indicados no quadro supra, relativos à suposta empresa designada F…..J…. P….., emitidos no exercício de 2003, após várias diligências apurou-se que:

- O número de identificação fiscal da pessoa colectiva indicado nas facturas é inválido, não existindo no cadastro;

- A morada indicada nas facturas … apurou-se que não corresponde a quaisquer instalações relacionadas com a entidade referida. (…)

- Segundo o serviço informativo do Portugal Telecom (nº 118), quer através de consulta pelo nome quer pela morada, a firma F…..P…… não possui qualquer registo;
- A Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, indicada nas facturas, informou que o número da matrícula impresso nas facturas também não existe e que a área de jurisdição correspondente à morada pertence à Conservatória de Loures. Por sua vez, esta Conservatória informou que também não possui nenhuma matricula com o número indicado (2473).

Através do já mencionado termo de declarações … as circunstâncias descritas a propósito das transacções suportadas pelas facturas em nome do Sr. M… F…… foram em tudo idênticas às da pretensa firma F…. P….., concluindo ter negociado com o Sr. F….. L……

Analisadas as facturas é, mais uma vez, possível observar que a assinatura constante dos documentos é em tudo idêntica à do Sr. F…. L…., quando comparada com a efectuada nos documentos emitidos em nome deste, acrescida nalgumas facturas de outro nome ilegível.

Quanto ao transporte das mercadorias, mais uma vez não consta qualquer indicação a esse respeito nas facturas, não tendo sido também apresentados quaisquer documentos de transporte.

(…) Por conseguinte, tendo em conta a mesma disposição legal, art°. 19°, n°s 2 e 3, do Código do IVA, o imposto mencionado nestes documentos também não é dedutível, uma vez que as facturas não foram emitidas em nome do suposto verdadeiro fornecedor.

Nesses termos, para além das facturas não obedecerem à forma legal, também representam operações simuladas. (…)” (cfr. RIT junto à p.i. como Doc. 2 e fls. 141 e seguintes do PA apenso);

G) Em resultado da acção inspectiva, foram emitidas, em 03.01.2007, em nome do Impugnante, as seguintes liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, no montante global de € 44.456,57:
(cfr. fls. 42 a 51 do PA apenso);

H) Em 12.01.2007, o Impugnante apresentou reclamação graciosa das liquidações identificadas na alínea antecedente, com os fundamentos que se dão aqui por integralmente reproduzidos (cfr. Doc. 4 junto com a p.i. e fls. 4 e seguintes do PA apenso);

I) Por despacho de 25.01.2008, proferido pelo Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, foi indeferido o pedido de reclamação graciosa, com base em informação com o seguinte teor (que parcialmente se transcreve):

“(…) II - ANÁLISE DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA

(…)

Conforme foi referido, são propostas correcções relacionadas com algumas facturas de compra de mercadorias, tendo em conta que os documentos registados na contabilidade conta 221- "Fornecedores conta corrente são falsas". (…)

Atendendo aos factos descritos e ao disposto nos n.°s 2 e 3 artigo 19.° do CIVA, o imposto mencionado nos documentos referidos não é dedutível, uma vez que as facturas emitidas não obedecem à forma legal e configuram operações simuladas, só confere direito á dedução do imposto (IVA) mencionado em documentos na forma legal e que não resultem de operações simuladas, uma vez que as facturas em questão não cumprem os requisitos indispensáveis, previstas no artigo 35.° do CIVA, para o qual indirectamente remetem os n.°s. 2, 3 e 6 do artigo 19.° do mesmo diploma, nomeadamente por terem sido emitidas por “falsos” fornecedores, facto que era do conhecimento do reclamante, o que tendo em conta as circunstâncias verificadas configuram operações simuladas.

Face ao exposto, e tal como já tinha acontecido no exercício do direito de audição prévia, sobre o projecto de conclusões do relatório da Inspecção, … não são apresentados com a presente petição qualquer elemento novo, que venha contrariar o resultado do Relatório a Inspecção Tributária, pelo que se propõe que as liquidações não sejam anuladas.

III - EXERCÍCIO DO DIREITO DE AUDIÇÃO

(…) Foi recepcionado nesta Direcção de Finanças de Lisboa no dia 20-11-2007, … a petição a exercer o direito de audição prévia, nos termos do artigo 60.° da Lei Geral Tributária….

Da análise à petição apresentada tal como já tinha acontecido com a petição inicial, e contrariamente ao que é referido no ponto 5, onde o reclamante alega, que são apresentados argumentos de direito e factos novos, verifica-se que não corresponde à verdade, pois o reclamante limita-se a apresentar fotocópias de recortes de jornais com a intenção de provar que os sujeitos passivos, que emitiram as facturas, que foram objecto da Inspecção e, deram origem às liquidações ora reclamadas, continuam a exercer actividades comerciais. Mas, sobre este facto já os Serviços de Inspecção Tributária referiam nas conclusões da acção inspectiva, que a Administração Fiscal não deve enumerar no relatório elaborado para um contribuinte factos relativos à situação fiscal de outros contribuintes.

O facto que levou à emissão das liquidações adicionais do IVA e juros compensatórios, foi o reclamante ter contabilizado facturas de aquisições, que a sua emissão não obedecia aos requisitos contidos no n.° 5 do artigo 35.° do CIVA, por terem sido emitidas por falsos fornecedores, facto que era do conhecimento do adquirente, o que tendo em conta as circunstâncias verificadas configura uma operação simulada. O reclamante não desfez nenhuns dos indícios de facturação falsa, sendo certo que perante os indícios recolhidos pela Administração Fiscal, tinha o ónus de provar a veracidade dos documentos. Assim, as facturas só podem, em qualquer caso, conferir direito à dedução do imposto nelas liquidado se, à partida estiver emitida na forma legal.

O procedimento de reclamação graciosa, visa a anulação total ou parcial dos actos tributários por iniciativa do contribuinte nos termos do artigo 68.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sendo a simplicidade e limitação dos meios probatórios à forma documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham, duas das regras fundamentais do procedimento de reclamação graciosa, nos termos do artigo 69.° do CPPT e, também nos termos do artigo 76.° da LGT, as informações prestadas pela Inspecção Tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei.

Pelo exposto e tendo em atenção que não foram apresentados factos novos, que contrarie as conclusões do projecto de decisão, sou de parecer que não deve ser dada razão ao reclamante. (…)” (cfr. Doc. 1 junto com a p.i. e fls. 102 a 105 do PA apenso);

J) A decisão antecedente foi remetida ao Impugnante através do ofício nº 7313, de 28.01.2008, por meio de correio registado com A/R, este último assinado a 01.02.2008 (cfr. fls. 106 a 108 do PA apenso);

K) A presente acção deu entrada neste Tribunal a 18.02.2008 (cfr. carimbo a fls. 2 dos autos).

Mais se provou que:

L) As facturas em causa foram rubricadas e passadas manualmente por F… L… (cfr. Docs. 5 a 14 juntos com a p.i.);

M) F… L…. exercia efectivamente actividade no sector da sucata, mas usava, para dar cobertura à sua actividade, documentos que mandava imprimir em nome de terceiros, utilizando facturas que não eram emitidas em seu nome (depoimento de C… M…);

N) As mercadorias indicadas nas facturas em causa no RIT foram entregues ao Impugnante e pagas (depoimento de C…. M… e ponto 2 do RIT)”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Inexistem factos não provados com relevo para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:
“Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental constante dos autos e PA apenso, conforme especificado em cada uma das alíneas supra. Os depoimentos prestados por C…. S…., que trabalhou na tipografia fundada pelo seu avô “E… … S…, Lda.”, que procedeu à impressão de facturas em causa nos autos (de que é exemplo cópia de fls. 99 do processo físico), e de B… M…., empregada de escritório e sócia da “G….”, cooperativa que também tipografou facturas aqui em crise (de que é exemplo cópia de fls. 113) não se mostraram relevantes, porquanto os depoente não conhecem nem conseguem identificar o Impugnante, nem se recordam dos “emitentes” das facturas em referência (M…. F…. e F….P…). Ambos referiram que, nas respectivas empresas, não procediam à identificação da pessoa que solicitava o serviço de impressão de facturas, e que confiavam nos dados que lhes eram transmitidos. Para fixação dos factos constantes das alíneas M) e N) foi determinante o depoimento de C …. , inspector tributário e autor do RIT elaborado no âmbito da acção inspectiva ao Impugnante, e que referiu ter procedido também à inspecção de F… L…….

Depôs de forma clara, com conhecimento directo quanto às inspecções efectuadas e que ao Tribunal mostrou ser convincente. Afirmou, designadamente, que no âmbito da inspecção a F…L….. foram tomadas diversas diligências, designadamente quebra de sigilo bancário, arrestos, cruzamento de operações, tendo a AT chegado à conclusão que aquele exercia efectivamente a actividade na área da sucata – portanto, a actividade era real e não fictícia –, mas que usava facturas que mandava imprimir em nome de entidades terceiras. Mais sublinha que não foi posto em causa que as compras/vendas foram efectuadas, o que, aliás, se confirma do teor do RIT, no qual se expressa que foram analisados os registos de compras e vendas e confrontados com os movimentos de existências, não tendo havido lugar a qualquer correcção fiscal; o que sucedia é que as operações “não eram facturadas por quem de direito”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento, quanto aos indícios recolhidos pela AT

Alega a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, na sua perspetiva, foram reunidos, pela AT, indícios suficientes, que permitem concluir que as faturas emitidas não corresponderam a efetivas transações por quem surge como seu emitente.

Apreciando.

O IVA é um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir. O direito à dedução do IVA é um direito que assiste aos sujeitos passivos de IVA, desde que os bens e os serviços, a que respeita tal imposto a deduzir, sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis.
O IVA funciona, pois, pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs. Trata-se de um reflexo do princípio da neutralidade, subjacente a este imposto, que, no que toca ao direito à dedução em específico, se reflete na necessidade de o IVA não condicionar os produtores a alterar o seu processo produtivo.

Como reflexo da mecânica do imposto, resulta do n.º 3 do art.º 19.º do CIVA que não se pode deduzir o IVA que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente.

“[C]omo decorre do preâmbulo do CIVA, ao fazer intervir na recolha do imposto a generalidade dos operadores económicos, diluindo-se o seu peso por um maior número de operadores e sendo a dívida tributária de cada operador calculada pelo método do crédito do imposto, decorre daqui a importância que uma dedução indevida do imposto reveste (…). O objecto da dedução são as quotas suportadas pelos sujeitos passivos nos termos prescritos nos artigos 19 e segs. do CIVA. Ora o artigo 19 nº3 deste diploma legal exclui de dedução o imposto resultante de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura” (1) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.05.2002 (Processo: 5650/01)..

Por outro lado, nos termos do art.º 75.º da Lei Geral Tributária (LGT):

“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo…”.

Cabe, pois, à AT ilidir esta presunção de veracidade da contabilidade, carreando, maxime em sede de fundamentação do ato tributário, elementos suficientes para esse efeito.

É pacífico o entendimento de que, em situações como a dos autos, para efeitos designadamente do art.º 74.º, n.º 1, da LGT, a AT não tem de provar, em sede de ação inspetiva, a efetiva simulação nos termos constantes do art.º 240.º do Código Civil. É assim bastante a demonstração da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais (2) Vejam-se, exemplificativamente, os Acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 01.02.2016 (Processo: 0591/15), de 16.03.2016 (Processos: 0400/15, 0587/15), de 19.10.2016 (Processo: 0511/15), de 16.11.2016 (Processo: 0600/15) e de 27.02.2019 (Processo: 01424/05.2BEVIS 0292/18).. Assim, reunidos e demonstrados que estejam tais indícios, cessa a presunção de veracidade prevista no art.º 75.º da LGT, competindo ao sujeito passivo alegar e provar a efetividade das operações.

Cumpre, como tal, verificar se a AT cumpriu o seu ónus probatório, ou seja, aferir se foi pela mesma alegada e demonstrada a existência de indícios que, de forma séria, abalam a presunção de veracidade dos documentos em causa.

In casu, em sede de relatório de inspeção tributária (RIT), a AT elencou uma série de indícios, que, em seu entender, permitiram pôr em causa a presunção de veracidade.

A este propósito, o Tribunal a quo considerou que não foram reunidos indícios suficientes, no sentido de ter sido demonstrado que o Recorrido tivesse atuado em combinação com F…L…. (doravante F… L….), com o objetivo de enganar terceiros.

Vejamos.

Compulsado o RIT, é de salientar o seguinte:

i. Quanto às faturas que referem como emitente M… F….. :

a) Foram emitidas em nome da M… F….., com datas de 2003 e 2004, diversas faturas;

b) M… F… morreu em 1996;

c) Os livros de faturas foram requisitados por um terceiro, já depois de 19.03.2002;

d) M… P…. F…. nunca foi sujeito passivo de IVA;

e) O ora Recorrido declarou que as vendas relativas a tais faturas foram realizadas por F…. L….., sendo que este assinou os documentos, que às vezes este trazia a mercadoria e que, noutras vezes, o Recorrido deslocava-se ao seu domicílio, que pagara a mercadoria em dinheiro e através de cheque e que desconhecia a origem dos bens transacionados;

f) A assinatura constante das faturas é idêntica à de F…. L….;

g) Inexistem referências nas faturas quanto ao transporte das mercadorias e não foram apresentados documentos de transporte;

h) Foi detetada pela AT uma situação idêntica com outro cliente;

ii. Quanto às faturas que referem como emitente F….. J… P….

a) O número de identificação fiscal é inválido, inexistindo no cadastro;

b) A morada não corresponde a quaisquer instalações relacionadas com a entidade em causa;

c) As conservatórias do registo comercial de Lisboa e de Loures confirmaram inexistir o número de matrícula indicado nas faturas;

a) Ouvido o ora Recorrido, o mesmo referiu as mesmas circunstâncias mencionadas a propósito de M…. P… F….;

b) Nas faturas foi aposta assinatura idêntica à de F… L….;

c) Inexistem referências nas faturas quanto ao transporte das mercadorias e não foram apresentados documentos de transporte;

d) Foi detetada pela AT uma situação idêntica com outro cliente.

Como decorre da análise deste elenco, considera-se que a AT reuniu indícios sólidos de que se estava perante uma situação em que as faturas em causa não titulavam operações reais, particularmente centrada na identidade de quem surge nas faturas como transmitente.

Tal como refere a Recorrente, não é exigido à AT que demonstre a efetiva simulação, nos termos constantes do art.º 240.º do Código Civil, sendo-lhe, sim, exigível que reúna indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais.

E esses indícios foram reunidos, na medida em que todos os elementos coligidos permitem concluir, com razoável segurança, que quem surge como emitente das faturas (logo, como fornecedor dos bens) não poderia nunca sê-lo, por motivos objetivos – morte, num caso, e inexistência jurídica e de facto, noutro.

Veja-se que, até nas declarações do próprio Recorrido em sede de ação inspetiva, é, no fundo, assumido que as faturas não titulavam transações daqueles que ali surgiam como seus emitentes – falando-se sempre em F… L…., designadamente como quem emitia as faturas em causa.
Portanto, consideramos que, mesmo do ponto de vista subjetivo, a AT reuniu indícios sólidos de que as operações tituladas pelas faturas não eram reais, na medida em que, a terem ocorrido, não respeitavam, sem margem para dúvidas, a quem era indicado nas mesmas como o vendedor das mercadorias – o que o Recorrido manifestou conhecer, dado que sabia que as faturas lhe foram apresentadas, quem aparecia nas mesmas como fornecedor e quem as tinha preenchido.

Neste contexto, caberia ao Impugnante demonstrar que agira de boa fé para afastar esse indício coligido pela AT [isto considerando o que resulta provado em N), não impugnado] e, por via disso, afastar o conceito de simulação [cfr. Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos (coord.), Código do IVA e RITI, Almedina, Coimbra, 2014, p. 241].

Como se refere no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 06.07.2006, Kittel, C-439/04, EU:C:2006:446:

“44 O Tribunal concluiu, no n.° 51 do acórdão Optigen e o., já referido, que operações que não são em si mesmas fraudulentas em relação ao IVA constituem entregas de bens realizadas por um sujeito passivo agindo nessa qualidade e uma actividade económica na acepção dos artigos 2.°, n.° 1, 4.° e 5.°, n.° 1, da Sexta Directiva, na medida em que cumpram os critérios objectivos em que assentam esses conceitos, independentemente da intenção de um operador diferente do sujeito passivo em causa, interveniente na mesma cadeia de entregas, e/ou da eventual natureza fraudulenta, de que esse sujeito passivo não tinha nem podia ter conhecimento, de uma outra operação dessa cadeia de entregas, anterior ou posterior à operação realizada pelo referido sujeito passivo.

45 O Tribunal precisou que o direito de um sujeito passivo, que efectue tais operações, a deduzir o IVA pago a montante também não pode ser afectado pela circunstância de, na cadeia de entregas na qual se inserem essas operações, sem que esse sujeito passivo saiba ou possa saber, uma outra operação, anterior ou posterior à realizada por este último, estar viciada de fraude ao IVA (acórdão Optigen e o., já referido, n.° 52).

46 Esta conclusão não pode ser diferente quando tais operações, sem que o sujeito passivo o saiba ou possa saber, sejam efectuadas no âmbito de uma fraude cometida pelo vendedor.
47 Efectivamente, o direito à dedução previsto nos artigos 17.° e seguintes da Sexta Directiva é parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Esse direito exercese imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante (v., nomeadamente, acórdãos de 6 de Julho de 1995, BP Soupergaz, C62/93, Colect., p. I1883, n.° 18, e de 21 de Março de 2000, Gabalfrisa e o., C110/98 a C147/98, Colect., p. I1577, n.° 43).
48 O regime das deduções destinase a libertar completamente o empresário do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades económicas. O sistema comum do IVA garante, assim, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as mesmas estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (v., nomeadamente, acórdãos de 22 de Fevereiro de 2001, Abbey National, C408/98, Colect., p. I1361, n.° 24, e de 21 de Abril de 2005, HE, C25/03, Colect., p. I3123, n.° 70).
49 A questão de saber se o IVA devido sobre as operações de vendas anteriores ou posteriores dos bens em causa foi ou não pago à Administração Fiscal é irrelevante para efeitos do direito do sujeito passivo a deduzir o IVA pago a montante (v., neste sentido, despacho de 3 de Março de 2004, Transport Service, C395/02, Colect., p. I1991, n.° 26). Segundo o princípio fundamental inerente ao sistema comum do IVA, que resulta dos artigos 2.° da Primeira e da Sexta Directiva, o IVA aplicase a cada operação de produção ou de distribuição, deduzindose o imposto que incidiu directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço (v., designadamente, acórdãos de 8 de Junho de 2000, Midland Bank, C98/98, Colect., p. I4177, n.° 29; de 27 de Novembro de 2003, Zita Modes, C497/01, Colect., p. I14393, n.° 37; e Optigen e o., já referido, n.° 54).
(…) 52 Daí resulta que quando uma entrega é efectuada a um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo vendedor, o artigo 17.° da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma norma de direito nacional segundo a qual a anulação do contrato de venda, por força de uma disposição de direito civil que comina a nulidade absoluta do contrato pelo facto de este ser contrário à ordem pública por ter um fim ilícito imputável ao vendedor, implica a perda do direito à dedução do IVA pago pelo sujeito passivo. É irrelevante, a este propósito, a questão de saber se a referida nulidade resulta de uma fraude ao IVA ou de outras fraudes”.

Em sentido idêntico, v. o Acórdão do TJUE de 21.06.2012, C-80/11, Mahagében e Dávid, EU:C:2012:373:

“45 (…) [O] benefício do direito a dedução não pode ser recusado ao sujeito passivo senão com base na jurisprudência resultante dos n.os 56 a 61 do acórdão Kittel e Recolta Recycling (…), segundo a qual se deve demonstrar, à luz de elementos objetivos, que o sujeito passivo, a quem foram fornecidos os bens ou os serviços que servem de base para fundamentar o direito a dedução, sabia ou devia saber que essa operação fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou por outro operador a montante.

46 Com efeito, um sujeito passivo que sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA deve, para efeitos da Diretiva 2006/112, ser considerado participante nessa fraude, independentemente da questão de saber se retira ou não benefícios da revenda dos bens ou da utilização dos serviços no quadro das operações tributáveis efetuadas a jusante (v. acórdão Kittel e Recolta Recycling, já referido, n.° 56).

47 Em contrapartida, como recordado nos n.os 37 a 40 do presente acórdão, não é compatível com o regime do direito a dedução previsto pela referida diretiva sancionar com a recusa desse direito um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação incluída na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, estava viciada por fraude ao IVA (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Optigen e o., n.os 52 e 55, e Kittel e Recolta Recycling, n.os 45, 46 e 60).
48 Com efeito, a instituição de um sistema de responsabilidade objetiva ultrapassa o necessário para preservar os direitos do Tesouro Público (v., neste sentido, acórdãos de 11 de maio de 2006, Federation of Technological Industries e o., C-384/04, Colet., p. I-4191, n.° 32, e de 21 de fevereiro de 2008, Netto Supermarkt, C-271/06, Colet., p. I-771, n.° 23).

49 Dado que, em conformidade com o n.° 45 do presente acórdão, a recusa do direito a dedução é uma exceção à aplicação do princípio fundamental que constitui o referido direito, incumbe à autoridade fiscal estabelecer corretamente os elementos objetivos que permitam concluir que o sujeito passivo sabia ou devia saber que a operação invocada para fundamentar o direito a dedução fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou por outro operador interveniente a montante na cadeia de fornecimento”.

Portanto, se fosse demonstrado ser o Recorrido um adquirente de boa fé, afastar-se-ia o conceito de simulação.

Sucede, porém, que tal não ficou provado.

Com efeito, como referimos, e considerando que a AT sustentou a sua correção no n.º 3 do art.º 19.º do CIVA, foram reunidos indícios fortes de que as operações tituladas pelas faturas não correspondiam a operações reais, dado não poderem ter sido sequer levadas a efeito por quem surgia nas mesmas como fornecedor. O Recorrido tinha conhecimento de que a pessoa com quem tratava não era aquela que surgia como emitente das faturas – tanto assim é que as faturas eram preenchidas por Francisco Leitão à sua frente.

O Tribunal a quo, a este respeito, refere que F….. L….. surgia como intermediário/interlocutor das entidades em causa junto do Recorrido. No entanto, tal afirmação não encontra acolhimento na decisão proferida sobre a matéria de facto (o que afeta as demais asserções que partem desse pressuposto). Também não se trata da situação em que um sujeito passivo, formalmente inativo ou inexistente, ainda assim presta serviços ou transmite bens e emite faturas (situação em que é admissível o direito à dedução em determinadas circunstâncias).

Neste caso, não há dúvidas de que quem surgia como emitente das faturas não exercia qualquer atividade – ou seja, não há dúvidas de que as faturas em causa não titulam operações reais, porque não praticadas por quem aparece nas mesmas como emitente.

Não tendo ficado provado que terá sido uma situação de atuação imposta por F …. L…., que ludibriou o Impugnante, ou seja, não tendo ficado provado que o ora Recorrido foi um adquirente de boa fé, não foram afastados os indícios recolhidos pela AT.

Logo, assiste razão à Recorrente, ficando, por esta via, prejudicada a apreciação do alegado quanto aos requisitos formais das faturas.

Vencido o Recorrido, é o mesmo responsável pelas custas em ambas as instâncias (art.º 527.º do CPC), sem prejuízo de não haver lugar ao pagamento de taxa de justiça na presente instância, por não ter contra-alegado (art.º 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais).

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a impugnação improcedente e manter os atos impugnados;

b) Custas pelo Recorrido em ambas as instâncias;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 02 de novembro de 2023

(Tânia Meireles da Cunha)

(Ana Cristina Carvalho)

(Jorge Cortês)