Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8619/15.9 BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/02/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
PROVISÕES PARA DEPRECIAÇÃO DE EXISTÊNCIAS
VALOR REALIZÁVEL LÍQUIDO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I - A ampliação do objeto do recurso prevista no normativo 636.º do CPC destina-se a permitir ao Recorrido a reabertura da discussão sobre determinados fundamentos que foram por si invocados na ação e julgados improcedentes, no entanto, não pode visar substituir a necessidade de interposição do próprio recurso quando esse pedido autónomo, tenha sido julgado improcedente.
II - Subjacente à constituição das provisões encontram-se os princípios do balanceamento dos custos com os inerentes proveitos, e da prudência, carreando um determinado grau de precaução para fazer face a situações de incerteza, de tal forma que os ativos e os resultados não sejam sobredimensionados.
III - Se os bens objeto da provisão se encontravam obsoletos, donde insuscetíveis de integrar o processo produtivo, a constituição da provisão para depreciação de existências não só está legitimada como representa a expressão clara do princípio da prudência.
IV - Se a Recorrida patenteou um risco sério de perda de valor das existências, e ajuizou um valor realizável líquido o qual, efetivamente, se veio a confirmar, inexiste qualquer fundamento para que a aludida provisão não seja passível de dedução fiscal, mormente, a convocação do valor de reposição.
V - A consagração do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, plasmado no artigo 43.º da LGT reflete o princípio da igualdade dos sujeitos da relação, sendo os mesmos devidos sempre que os contribuintes sejam privados, de forma indevida, de meios financeiros por razões imputáveis à AT.
VI - Inexiste erro imputável aos serviços, nos casos em que a ilegalidade da liquidação resulta de um comportamento ativo ou omissivo do contribuinte, designadamente disponibilizando informações incorretas ou ocultando elementos relevantes para efeitos do apuramento da sua situação tributária.
VII - Não resultando que a Recorrida tenha tido um comportamento omissivo, ou que tenha disponibilizado informações incorretas, ou mesmo ocultado elementos, mormente, no âmbito da atividade instrutória realizada na ação inspetiva, particularmente, em termos de direito de audição, encontra-se legitimado e fundado o direito a juros indemnizatórios.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e respetivos juros compensatórios, relativa ao exercício fiscal de 2000, identificada com o n.º 2003 8310005686, emitida a 21.05.2003, no montante de €192.479,90, corrigida e ampliada pela liquidação n.º 2003 8310014880, emitida em 14.08.2003, no montante de €33.492,70.

***

A Recorrente veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

A) A douta sentença deu como provado (0) que a Impugnante vendeu em 2001, pelo valor de 120.000$00 (€ 598,56), dois lotes de diversos bens registados contabilisticamente pelo valor de 3.264,337$00 antes da constituição da provisão em 31-12-2000, no montante de 2.312.426$56 que, por serem produtos e matérias-primas obsoletos, não podiam, nesses condições, ser utilizadas no ciclo produtivo,

B) Refere, e bem, a douta sentença que a AT entendeu que o sujeito passivo não fez prova de que o valor considerado como valor de reposição das matérias - primas era o efectivo valor de mercado a 31 de Dezembro de 2000, através da apresentação de faturas ou tabelas de preços de fornecedores idóneos ou de controlo inequívoco - não tendo dado cumprimento ao art. 35°, n°2, do CIRC

C) Com efeito, dispõe o mencionado art. 35°, n° 1 e 2, do CIRC, sob a epígrafe “Provisão para depreciação de existências", constava que "1 - A provisão a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 34° corresponde à diferença entre o custo de aquisição ou de produção das existências constantes do balanço no fim do exercício e o respectivo preço de mercado referido à mesma data, quando este for inferior àquele, (sublinhado nosso)

2 - Para efeitos do disposto no número anterior; entende-se por preço de mercado o custo de reposição ou o preço de venda, consoante se trate de bens adquiridos para a produção ou destinados a venda, (sublinhado nosso).

D) A empresa dedica-se à construção civil tendo sido dado por provado que os bens em causa respeitavam a matérias- primas e peças utilizadas no ciclo produtivo, pelo que o valor de mercado a ter em conta era o custo de reposição, e não, como optou por entender a douta sentença, o preço de venda,

E) O art. 35° do ClRC mostra-se duplamente violado. Enuncia o n.º1, por outro lado, que o preço de mercado é aquele que se reporia à data da aquisição ou de produção das existências constantes do balanço no fim do exercício, ou seja, pelo menos até Dezembro de 2000 (data do balanço)

F) Julgou a douta sentença, ao arrepio do disposto naquele preceito legal, sem mais, aceitar o preço de venda ocorrido em Junho do exercício seguinte (2001), menosprezando as divergências entre um preço de venda que o Impugnante legalmente e nem sequer poderia fazer uso e o valor da reposição e, bem assim, do respeito pelo principio da especialização dos exercícios.

G) "(...) bens adquiridos pela Impugnante são matérias primas e foram classificadas na sua contabilidade na conta de Matérias Primas, Subsidiárias e de Consumo, e constam do inventário final de existências. Não se pode pois afirmar que as existências foram inquestionavelmente destinados à venda, pois em 31-12-2000 esse facto era do seu total desconhecimento, pelo que a constituição da provisão deveria sempre obedecer aos requisitos preconizados pelo art. 35°, ou seja, o preço a ter em consideração deveria ser o da reposição - não podendo invocar factos que ocorreram passados seis meses.

H) Se a douta sentença dá por provado, na alínea D), do probatório, que o montante em causa diz respeito a existências (de matérias-primas, subsidiárias e de consumo - facto que nem é contraditado pela Impugnante), e, suportando-se nos depoimentos afirma que "(…) nesse momento não era possível á Recorrente aferir com segurança da efectiva possibilidade de estas virem a ser reutilizadas ou incorporadas no processo produtivo, como tinha já acontecido e que perante esta situação de incerteza veio a Recorrente a constituir provisão para a depreciação de existências, forçoso era que concluísse que a Impugnante não logrou demonstrar o valor de reposição que lhe impendia.
I) Razão pela qual entendemos ser de manter na Ordem Jurídica, nesta parte, a presente correcção, mantendo-se os correspondentes juros compensatórios, revogando-se, finalmente, os correspondentes juros indemnizatórios a que foi condenada a Autoridade Tributária,

J) O Direito de audição, previsto no art. 60.º da LGT, a par do art. 100°, do Código de Procedimento Administrativo (audiência de interessados), constituem corolários do princípio da participação dos cidadãos nas decisões que lhes digam respeito (audit alteram partem), direta e imediatamente aplicável, por via do art.º 2° n° 5, do CPA, e consagrado no art. 267°, n° 5, da CRP.

L) Se a audiência de interessados prevista no art. 100°, do CPA, se conforma em assegurar ao interessado a oportunidade de se pronunciar sobre as questões e sobre o sentido provável da decisão administrativa na prossecução do interesse público, no procedimento tributário, o regime jurídico do direito de audição pressupõe, para lá do interesse público, outros fins e princípios subjacentes,

M) Ontologicamente, o direito de audição, previsto no art.º 50°, da LGT, assume uma função essencialmente probatória e um escopo dirigido à descoberta da verdade material,

N) Reconhecido o direito de se pronunciar sobre os atos da Administração Fiscal que lhes possam ser desfavoráveis e ao abrigo do princípio da verdade material, o direito de audição estabelece uma comunicação prévia à decisão, no intuito de resolver, através do diálogo, eventuais divergências de entendimento - inexorável tentativa de promover a redução da litigiosidade entre os contribuintes e o ente fiscal.
O) Conforme refere o Professor João Taborda da Gama: a audição não se confunda com a normal cooperação devida pelo sujeito passivo para tomar possível a exata determinação da obrigação tributária e a sua quantificação, representando antes um momento de cooperação especial." (sublinhado nosso)"(...) o sujeito passivo participa não apenas para poder exprimir o seu ponto de vista, mas também pare deste modo colaborar com a Administração na superação das dificuldades objetivas na aplicação da lei (…)

P) Em causa não está o mérito (ou demérito da correcção), mas saber, à luz do direito de audição e dos deveres que lhe são Inerentes, se houve contributo ainda que omissivo por parte do impugnante, pois que conhecendo factos e/ou detendo documentos na sua posse que, disponibilizados, poderiam impor outro destino ou solução à correcção (extinguindo-a ou logrando dlmlnuir o montante apurado no projecto), se reservam, só agora em sede de contencioso, a comunicá-los ou apresentá-los à Autoridade Tributária, em momento posterior à emissão do ato de tributário que poderia nem sequer ter sido emitido ou, sendo-o, o fosse ao abrigo de uma lesividade diminuída,

Q) Com efeito, no que concerne à correcção efetuada sobre as viagens aéreas de não funcionários, entendemos que a apresentação do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Impugnante e o Fiscal Único, Dr. P…., (onde é possível observar segundo a sua cláusula 7ª que: "Para além dos honorários o primeiro outorgante pagará as despesas de transporte, alojamento e quaisquer outras incorridas no exercido das respectivas funções do segundo outorgante ou reembolsará o segundo outorgante pelas despesas por este suportadas poderia ter levado os serviços de inspecção a aceitar o custo, como o fez, aliás, a douta sentença - suportada precisamente nesse documento.

R) O mesmo se diga relativamente aos custos referentes à viagem suportada pela Impugnante pela deslocação do, sabe-se agora, Dr J…, a Barcelona - na qualidade de advogado da Impugnante na altura dos factos,
S) Significa, assim, por interpretação a contrario retirada do douto acórdão proferido pelo Colendo STA, em 14-03-2012, no processo 01007/11 que, a correcção mal ou bem foi produzida tendo por base (uma omissão equiparável a uma conduta ativa), como seja a não comunicação de informação ou o fornecimento de elementos pertinentes, desconhecidos dos serviços de inspeção, e, que, se tivessem sido desde logo disponibilizados naquela sede previsivelmente não lograriam produzir, na mesma medida, os resultados que produziram.

T) Pelo que, à luz da ótica dinâmica e dialógica atribuída ao direito de audição, não é possível afirmar, em consciência, que o resultado da correcção, eventualmente culposo, possa ser imputável dos serviços de inspeção ou sem que tenha havido, ainda que por omissão de um dever, conduta da Impugnante, concluindo-se que, por esse motivo, também esta não deixou de concorrer para a definição do seu montante. E, nessa medida, a condenação da Autoridade Tributária nos juros indemnizatórios deve soçobrar.

U) Estão, pelo exposto, em causa na douta sentença recorrida os seguintes erros de julgamento:

- De, com base na factualidade levada ao probatório (alínea D), que o montante em causa diz respeito a existências (de matérias-primas, subsidiárias e de consumo, o facto que nem é contraditado pela Impugnante), e, suportando-se nos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Impugnante, não ter concluído, levando ao probatório, que cabendo à Impugnante demonstrar o modo como o valor de reposição foi apurado, não o tendo logrado conseguir essa circunstância produziria necessariamente o indeferimento da pretensão nesta parte, e o indeferimento da atribuição dos correspondentes juros indemnizatórios.

- De ter levado ao probatório um facto (O) que, face ao disposto no art. 35°, n°1 e 2, do CIRC, não assume relevância pois que o que se pretende saber é de que modo a Impugnante determinou, em Dezembro de 2000, altura em que constituiu a provisão, o valor de reposição, e não o preço de venda que, para além de inadequado face à natureza dos bens, só logrou realizar seis meses depois, no exercício seguinte, da constituição da própria provisão.
- Por outro lado, não levou ao probatório, a circunstância de só após o procedimento de inspecção terem sido prestadas informações e apresentados elementos documentais, desconhecidos dos serviços aquando da correcção. Facto que, pelo menos no que se refere aos juros indemnizatórios deveria permitir inferir que eventual erro de direito, existindo, não seria apenas imputável aos serviços, por via dos deveres inerentes ao direito de audição, nomeadamente ao dever de cooperação, '

Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência anulada k decisão recorrida, substituindo-a por outra que nos termos das conclusões que antecedem V. Ex.0s melhor suprirão, mantendo a sobredita correcção relativa â provisão para depreciação de existências, mantendo os correspondentes juros compensatórios.

Revogando-se a condenação de juros indemnizatórios, seja pela ausência de erro nesta parte da correção seja porque no segmento em que a Impugnante obteve vencimento tal só se deveu à superveniente apresentação de documentação que a mesma sabia ter na sua posse, mantendo os serviços de inspeção no desconhecimento de informação pertinente, e que, se conhecida, poderia eventualmente aceitar os custos referentes às despesas com viagens de não funcionários, ou, pelo menos diminuir a sua lesividade - pois que justo é que se conclua que a Impugnante não deixou de concorrer para a definição do seu montante

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença nos segmentos em que se recorre, como é de Direito e Justiça.”

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A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:
“A IRFP - aqui Recorrente - não se conformou com dois pontos da Douta Sentença recorrida: (i) a aceitação como custo fiscal da provisão para depreciação de existências constituída pela Recorrida, e o respetivo reembolso dos correspondentes juros compensatórios; bem como (ii) com a condenação da Autoridade Tributária no pagamento dos juros indemnizatórios decorrentes da aceitação como custo das viagens aéreas de não funcionários.
Quanto à provisão para depreciação de existências, ficou plenamente provado nos autos que os bens em causa estavam há muito estagnados, traduzindo-se em peças para a manutenção de ‘máquinas de obra’, muitas das quais já inexistentes no ativo da empresa, outras verdadeiros “monos”, peças que, por esse motivo, não tinham qualquer utilização concreta, em relação às quais a única alternativa viável era - como, efetivamente, o foi - a sua venda a peso/em bloco.
Alegar, como faz a IRFP que o que deve prevalecer é a ‘funcionalidade originária’ dos bens provisionados, ignorando inadmissivelmente que tais bens, à data da constituição da provisão, não tinham qualquer utilidade possível/efetiva para a empresa (facto provado), é subverter ‘cegamente’ o princípio da prudência que subjaz à constituição de provisões.
Consequentemente, deverá ser aceite como valor correto para a constituição da provisão sub judice o ‘valor expectável de venda’ de tais bens - comprovadamente, o único destino possível dos mesmos, à data da constituição da provisão - e nunca o ‘valor de reposição’ dos mesmos, dado que estes nunca poderiam ser ‘repostos’, porque inúteis por obsoletos.
Já quanto ao recurso da condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, e salvo o devido respeito, tal condenação baseia-se única e exclusivamente no total preenchimento dos critérios legais constantes do artigo 43.°, n.° 1 da Lei Geral Tributária, pelo que bem andou o Douto Tribunal recorrido,
Ainda que assim não fosse, alegar, como fez a IRFP, que a Recorrida apenas juntou prova documental já em sede judicial é ignorar confortavelmente que, apesar de ser senso comum que a entidade que suporta as despesas com deslocações no exercício das funções em questão é sempre o cliente final, e não o prestador de serviços, sendo certo que a AT nunca reconheceu razão à Recorrida nestas matérias, só o fazendo agora, quando já existe uma decisão judicial que lhe é desfavorável.
Por último, solicita a Recorrida que seja ampliado o âmbito do presente Recurso, nos termos e para efeitos do artigo 636.° do CPC, por forma a que seja apreciado o fundamento em que decaiu a Recorrida - a ilegalidade da aplicação da taxa de tributação autónoma de 32% sobre as despesas com a aquisição de Cheques-Auto e Autorizações de Abastecimento.
Efetivamente, na sequência da aquisição, pela Recorrida, de Cheques-Auto junto do B…. e de Autorizações de Abastecimento (senhas da ….) junto da P….., S.A., no valor global de € 149.809,79 (Esc. 30.034.167), a Recorrida procedeu a registo destes montantes como ‘Custos com Combustíveis' na sua contabilidade, tendo junto ao procedimento de inspeção os respetivos documentos de quitação.
Os Serviços de Inspeção consideraram que o montante de € 149.809,79 (Esc. 30.034.167) correspondia a custos relativos à aquisição de combustíveis que não poderiam ser aceites para efeitos fiscais, por serem “custos com combustíveis não documentados por fatura ou documento equivalente emitido pelo posto abastecedor”.
Até aqui a Recorrida não impugnou tal decisão.
No entanto, aplica-se ainda uma taxa de tributação autónoma agravada de 32% por se considerar que se tratavam de ‘despesas não documentadas ou confidenciais’, sendo neste ponto que a Recorrida se encontra em total desacordo.
De acordo com o Douto Tribunal recorrido, no caso dos autos, “(...) sabe-se que foram despendidas quantias com a aquisição de cheques-auto, mas, como vem entendendo uniformemente este Supremo Tribunal Administrativo, tal aquisição não consubstancia despesa, pois trata-se apenas de mera troca de meios de pagamento. ”
Com o devido respeito, e salvo melhor entendimento, tal é um fundamento a que subjaz um manifesto erro técnico, confundindo-se o conceito contabilístico (e fiscal) de ‘custo’, com o de ‘despesas’, como se se tratassem de conceitos contabilístico-fiscais equivalentes, quando manifestamente não são!
“Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei” (in n.° 2, do artigo 11° da Lei Geral Tributária, quanto à matéria de interpretação das normas fiscais). Ora, o conceito de “custo” contabilístico não corresponde ao conceito de “despesa” contabilística.
Daí que o legislador tenha separado normativa e fiscalmente os dois conceitos:
nesse âmbito estatui a “não-aceitabilidade de custos fiscais” e tributa autonomamente as despesas confidenciais ou não documentadas, numa clara distinção de conceitos (e realidades) subjacentes.
XV. Entende-se por custos (e por antónimo proveitos) os consumos de bens e serviços realizados para obter proveitos, independentemente da sua efetiva aquisição (‘ótica económica da análise de fluxos’). Os custos são sempre analisados numa ótica económica, atento o “processo produtivo interno” existente na sociedade.
XVI.Já as despesas (e por antónimo as receitas) correspondem a um conceito estritamente financeiro, no sentido de remuneração de fatores adquiridos (bens ou serviços), ótica de análise que implica sempre a existência de “relações externas” à sociedade (“ótica financeira da análise de fluxos”) Assim, uma despesa associada a uma saída monetária imediata, significa que houve necessariamente um pagamento (ótica de tesouraria), enquanto se houver apenas uma saída monetária diferida, tai implica apenas a existência de um débito na contabilidade da sociedade.
Qualquer troca de “meios de pagamento”, imediata ou deferida, é sempre uma despesa (ainda que possa não ser um custo, numa perspetiva económica).
Tratam-se inquestionavelmente de duas dimensões contabilísticas e fiscais autónomas e independentes entre si, que não podem ser confundidas como se de conceitos equivalentes se tratassem, sendo contabilisticamente impossível e, salvo melhor entendimento, por esse motivo tecnicamente errada, a afirmação constante da Douta Sentença Recorrida de que «fa/ aquisição não consubstancia despesa, pois trata-se apenas de mera troca de meios de pagamento» (??).
Resulta, por isso, forçoso concluir que a inexistência de documentos comprovativos da efetiva/real aquisição de combustíveis no âmbito da atividade/processo produtivo da Recorrida (in fine), não tem como consequência necessária a confidencialidade ou a não-documentação das respetivas despesas aquando da aquisição das Autorizações de Abastecimento ou os Cheques-Auto.
Pelo contrário, o fluxo financeiro inerente à despesa incorrida pela T… encontra-se devidamente documentado, através da respetiva fatura emitida pelas entidades emissoras, estando plenamente provada na relação ‘Instituição financeira-RECORRIDA’ a natureza, origem e finalidade da despesa, ainda que, numa perspetiva económica final não se consiga provar documentalmente que a aquisição dos combustíveis foi feita no âmbito do processo produtivo/atividade da sociedade (daí que tais custos não sejam aceites fiscalmente).
Nesse âmbito, veja-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 5/7/2000 e de 03/12/2003, segundo os quais “Assim e uma vez que as ditas despesas se encontram documentadas, ainda que e porventura indevidamente, através dos talões de venda e destes constam a instituição bancária que os emitiu bem como a beneficiária deles, ou seja, a impugnante, forçoso é concluir, por se depreender a sua natureza, origem e finalidade que não estamos perante despesas confidenciais ou não documentadas, suscetíveis de tributação autónoma, nos termos do aludido art.4° doD.L. 192/90, de9/6.” Ou «não é confidencial a despesa titulada por documento, do qual constam as identidades do vendedor e do adquirente e a designação do bem transmitido e respetivo preço».
Pelo que se solicita Tribunal de Recurso a (re)apreciação deste fundamento, no qual decaiu a ora Recorrida, por não estarem preenchidos, no caso dos autos, os requisitos para que ocorra respetiva Tributação Autónoma.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS,
Deve o presente recurso ser julgado IMPROCEDENTE, MANTENDO-SE A DECISÃO Recorrida de procedência da Impugnação Judicial, nos termos julgados pelo Tribunal a quo, SOLICITANDO-SE AINDA AO TRIBUNAL Recorrido a ampliação do âmbito do PRESENTE RECURSO, NO SENTIDO DE SER APRECIADO O FUNDAMENTO EM QUE DECAIU A Recorrida.
Pois só assim se fará a costumada JUSTIÇA.”

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.


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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A) Foi realizada uma acção de inspecção tributária de carácter geral incidente sobre o exercício de 2000, sobre a sociedade Impugnante, em cumprimento da ordem de serviço n.e 02/1/241, de 20.09.2002 [cf. fls. 107 do PAT em apenso],
B) Em consequência da acção de inspecção foi a Impugnante notificada do projecto de relatório com as conclusões da acção de inspecção [cf. fls. 98 a 406 do PAT em apenso].
C) A 25.03.2003, a Impugnante exerceu o direito de audição prévia [cf. fls. 429 a 432 do PAT em apenso].
D) A 08.05.2003 foi sancionado pelo Director de Serviços da Inspecção Tributaria o relatório de inspecção n.2 41.CNT/03, onde consta nomeadamente o seguinte:
(...)
1.2, DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSÕES DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO
1.2.1. Imposto sobre o rendimento das Pessoas Colectivas - IRC
1.2.1.1, No cálculo do Lucro Tributável
a) Viagens Aéreas de não funcionários - € 5.255,89
Não acresceu o montante de €5.255,89 (ou 1.053.712$00), não aceite como custo fiscal nos termos do n.º 1 do art. 2.- CIRC, correspondente ao pagamento de viagens a pessoal não pertencente ao seu Quadro de Pessoal que não demonstrou serem-lhe contratualmente imputáveis ou que os tenha debitado a outras entidades tendo reconhecido esse débito como proveito, não tendo por isso demonstrado a indispensabilidade do custo para a realização de proveitos e/ou manutenção da fonte produtora, (al. a) do ponto 3.1.1.)
(...)
d) Provisões para depreciação de existências - € 15.534,45
Não acresceu o montante de € 15.534,45 (ou 3.114.377$00), não aceite como custo fiscal nos termos da al.b) do n.º1 do art. 33.- do CIRC, referente à constituição de uma provisão para depreciação de existências (matérias primas e subsidiárias) por não ter sido dado cumprimento ao art. 35.º do CIRC no que se refere à demonstração do valor de reposição considerado, (al. d) do ponto 3.1.1.)
e) Combustíveis- € 149.809,79
Não acresceu o montante de € 149.809,79 (ou 30.034.167$00) não aceite como custo fiscal, nos termos al. h) do n.º 1 do art. 41.º do CIRC, por se considerar não documentado por não estar suportado por documentos que comprovem a aquisição de combustíveis.
A aquisição de cheques-auto a uma entidade bancária representa apenas a troca de meios de pagamento e os documentos emitidos pela entidade bancária comprovam somente a operação financeira,
Da mesma forma, a aquisição de senhas …. à empresa P…., SA, através de autorizações de abastecimento, representa somente a troca de meios de pagamento, comprovando apenas a operação financeira,
Só facturas ou documentos de Venda-a-Dinheiro emitidos pelos postos de abastecimento de combustíveis, onde devem estar apoiados os lançamentos contabilísticos, de acordo com a al. a) do n.° 3 do art. 98.2 do CIRC, comprovam a aquisição de combustíveis,
Nos termos do nº 1 do art. 41 do DL 192/90, as despesas não documentadas estão sujeitas a tributação autónoma á taxa de 32% contudo, nos termos do nº 3 do art. 41 do mesmo diploma, estes custos, incluídos nos encargos com viaturas ligeiras de passageiros, foram sujeitos a tributação autónoma à taxa de 6,4% (al. e) do ponto 3.1.1.)
(...)
1.21.2. - No cálculo do Imposto
(...)
b) Tributação Autónoma das despesas não documentadas - €47.939,13
Não acresceu, no cálculo do imposto a pagar, o montante de €47.939,13 (ou 9.610.933$00) correspondente à tributação autónoma à taxa de 32% dos custos com combustíveis que se considera como não documentados, nos termos do nº 1 do art.4.º do DL 192/90, não aceites como custo fiscal nos termos da al. h) do nº1 do art. 41.º do CIRC. (al. b) do ponto 31.2.)
3.1. IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLECTIVAS -IRC
3.1.1. No Cálculo do Lucro Tributável
a) Viagens Aéreas de não funcionários € 5.255,89
O s.p. registou como custo o pagamento de €5.255,89 (ou 1.053.712$00), referente a viagens de pessoas que não constam da listagem do Quadro de Pessoa! ao seu serviço e que o s.p. identificou como sendo funcionários de empresas suas fornecedoras ou prestadores de serviços. Considerando que não demonstrou que estes custos lhe são contratualmente imputáveis ou que os debitou a outras entidades tendo reconhecido esses débitos como proveitos, considerando ainda que em regra a contratualização de serviços por um preço pressupõe que os encargos com a sua satisfação decorram por conta do fornecedor, entende-se que não foi comprovadamente demonstrado a indispensabilidade do custo, pelo que não se considera o mesmo enquadrável como custo fiscal nos termos do n.9 1 do art. 23.° CIRC. Em anexo junta-se mapa demonstrativo do valor, cópia do documento onde o s.p. identifica os beneficiários das viagens e cópia dos documentos suporte (ANEXO 1).
(...)
d) Provisões para depreciação de existências (art. 35.° CIRC) € 15.534,45
O s.p. registou um custo de €15.534,45 (ou 3.114.377$00) referente à constituição de uma provisão para depreciação de existências, tendo o valor sido apurado da seguinte forma:
Valor de Inventário (a custo de aquisição) 3.264.377$00
Valor de reposição considerado pelo s.p. 150.000$00
DIFERENÇA PROVISÍONADA ” 3.114.377$00
Não tendo o s.p. feito prova de que o valor considerado como valor de reposição das matérias primas era o efectivo valor de mercado a 31 de Dezembro de 2000 através da apresentação de facturas ou tabelas de preços de fornecedores idóneos ou de controlo inequívoco, considera-se que não deu cumprimento ao nº 2 do artigo 35.º do CIRC pelo que não se aceita como custo fiscal a constituição da provisão.
(...)
e) Combustíveis € 149.809,79
O s.p. registou como custos com combustíveis (na subconta gasolina) a aquisição de cheques-auto ao B… e Autorizações de abastecimento (Senhas …) à P…., SA no montante total de € 1.093.778,00. Estas operações, suportadas por documentos de quitação das respectivas importâncias emitidos pelas entidades referidas, representam apenas a troca de meios de pagamento e não provam a efectiva aquisição de combustíveis, facto só demonstrado por facturas ou documentos equivalentes emitidos pelo fornecedor de combustíveis onde devem estar apoiados os lançamentos contabílísticos, de acordo com a al. a) do n.º 3 do art. 98.º do CIRC.
Para comprovar a aquisição de combustíveis e justificar o custo contabilístico, o s.p. apresentou documentos emitidos por postos de abastecimento (facturas e Vendas a Dinheiro) no total de 189.248,633$00 (Anexo 4 - fl.2).
Assim, o montante de € 149.809,79 (ou 30.034.167$00), correspondente á diferença entre o valor registado em custo e não suportado por documentos justificativos dos consumos e o valor documentado posteriormente, não é aceite como custo fiscal nos termos da al. h) do n.º 1 do art. 41° do CIRC, por se considerar como não documentado. Nos termos do art.º 4.9 do DL 192/90, as despesas não documentadas estão sujeitas a tributação autónoma á taxa de 32% contudo, nos termos do nº 3 do art. 47 do DL 192/90, com a redacção dada pela Lei 3-B/2000 de 4/4, estes custos incluídos nos encargos com viaturas ligeiras de passageiros, foram sujeitos a tributação autónoma á taxa de 6,4%. Em Anexo junta-se, mapa de apuramento do valor não documentado, cópia do resumo dos recibos apresentados pela empresa (ANEXO 4).
(...)
3.1.2. No Cálculo do Imposto a Pagar
{...}
b) Tributação Autónoma das despesas não documentadas € 47.939,13
Relativamente aos custos com combustíveis não documentados por factura ou documento equivalente emitido pelo posto abastecedor no montante de € 149.809,79 (ou 30.034.167$00), não aceite como custo fiscal nos termos da al. h) do n.º 1 do art. 41.° do CIRC, o s.p. não acresceu o montante de € 47.939,13 (ou 9.610.933$00), correspondente à tributação autónoma á taxa de 32% aplicável aos custos não documentados nos termos do n.-1 do art. 4.º- do DL 192/90 (ANEXO 7, Fl. AL. a)).
(...)
6 . DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO
No exercício do Direito de Audição sobre o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, nos termos do art. 60.º da Lei Geral Tributária e art. 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, o s.p. apresentou a sua discordância de algumas das correcções aí propostas, juntando à sua argumentação um conjunto de elementos que passamos a analisar:
I. VIAGENS AÉREAS DE NÃO FUNCIONÁRIOS
Na al. a) do ponto 3.1.1. do Projecto de Relatório de Inspecção propõe-se a não aceitação como custo fiscal de €7.824,51 (ou 1.568.674$00) referente ao pagamento de viagens a funcionárias de empresas fornecedoras ou prestadoras de serviços do s.p. sem que este tenha demonstrado serem custos contratualmente imputáveis ou que tenham sido debitados a essas entidades.
1. Relativamente às viagens do Dr. P…, o s.p. argumenta que o mesmo é funcionário da M…., SROC, entidade esta que é Fiscal Único da T…. conforme documenta a Certidão do Registo Comercial de Cascais agora apresentada, e que a deslocação em causa ocorreu em representação daquele órgão social. Qualquer destas informações eram já de nosso conhecimento pelo que não foi apresentado qualquer novo elemento que contrarie a nossa argumentação inicial. Importa ainda salientar que embora os Revisores Oficiais de Conta, em nome individual ou em sociedade, integrem os órgãos de fiscalização, a sua actividade é exercida como uma prestação de serviço, e facturada como tal, considerando-se que os encargos com eventuais deslocações sejam suportados pelo prestador do serviço. Os elementos referidos não poderão justificar a aceitação como custo fiscal da T… D…. de €1.589,73 (ou 318.712$00) referente ao pagamento de uma passagem aérea ao Dr. P…, uma vez que não demonstrou ser-lhe imputável contratualmente este custo ou que o tenha debitado à M…, SROC pelo que se mantém a correcção proposta.
2. As viagens aéreas dos funcionários da E…., SA no total de €2.568,62 (ou 514.962$00) foram facturadas a S…., SARL, conforme cópia de factura agora apresentada e anexa ao direito de audição pelo que se aceita como custo fiscal o referido montante.
3. Não foi apresentado qualquer oposição relativamente ao custo da viagem de )… F….. pelo que se mantém a correcção proposta relativamente ao valor da viagem paga pela a este trabalhador independente no total de €2.847,72 (ou 735.000$00).
Assim, relativamente aos pontos 1.2.1.1. al. a) e 3.1.1. al. a), do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, as correcções inicialmente propostas no total de €7.824,51 (ou 1.568.674S00) são reduzidas para €5.255,89 (ou 1.053.712$Q0).
II. PROVISÃO PARA DEPRECIAÇÃO DE EXISTÊNCIAS
Na al. d) do ponto 3.1.1. do Projecto de Relatório de Inspecção propõe-se a não aceitação fiscal de €15.534,45 (ou 3.114.377Í00) relativamente à constituição de uma provisão para depreciação de existências (matérias primas, subsidiárias e de consumo), por não ter sido demonstrado, através de tabelas de preços ou facturas de fornecedores idóneos, o preço de mercado à data de balanço.
O s.p. argumenta na sua exposição que vendeu em Junho de 2001 parte do material incluído na provisão por um preço semelhante aquele que considerou no cálculo da provisão apresentando cópia das Notas de Débito respeitantes a essa venda, pretendendo assim justificar a adequação do valor de venda previsto considerado para efeitos de cálculo da provisão.
Tendo em conta que os bens em causa se tratam de matérias primas, subsidiárias ou de consumo, e que nos termos do n.Q 2 do art 35.2 do CIRC se considera como preço de mercado, para os bens destinados ao consumo no processo produtivo, o custo de reposição, sendo de considerar o preço de venda apenas quando se trata de bens destinados à venda, os argumentos apresentados pelo s.p. não solucionam a falta apontada inicialmente visto que evidenciam a existência de um preço que não o de reposição, reportado a uma data posterior à de Balanço. Saliente-se que a existência de desvalorizações decorrentes de outro motivo que não seja a diminuição do preço de reposição face ao custo histórico será custo, se preenchido os requisitos fiscais, no exercício em que se efectivem quer por alienação, quer por eventual abate/destruição, não sendo contudo enquadrável fiscalmente a constituição de uma provisão para o efeito. Assim, consideramos ser de manter inalterado o teor de ah d) do ponto 1.21,1. e al. d) do ponto
3.1.1. onde se propõe a não aceitação como custo fiscal de €15.5344,45 (ou 3.114.377$o0) referente á constituição de uma provisão para depreciação de existências.
III. COMBUSTÍVEIS
Na al. e) do ponto 3.1.1. do Projecto de Relatório de Inspecção propõe-se a não aceitação como custo fiscal, por não estarem documentados, de custos com combustíveis no total de €149.809,79 (ou 30.304.167$00) correspondente á diferença entre o total dos registos suportados por documentos que comprovam a aquisição de cheques auto e/ou Senhas ….. e o valor dos consumos documentados com a apresentação de facturas ou documentos equivalentes dos gasolineiros. Na al. b) do ponto 3.1.2. do mesmo relatório propõe-se a tributação autónoma do mesmo valor por se considerar como despesas não documentadas.
Na sua exposição, o s.p. admite que a aquisição de cheques-auto não prova a aquisição de combustíveis, pelo que concordou com a sua não aceitação como custo fiscal (ponto 29 do Direito de contesta no entanto a tributação autónoma com base no facto daquela troca de meios de pagamento estar documentada, citando um Acórdão n.- 24632 do STA, de 05 de Julho de 2000 referente à aquisição e bens destinados para oferta e a posição da Direcção de Finanças de Lisboa em reclamações sobre a tributação autónoma em que foi decidido pela sua não aplicação.
Da exposição apresentada pelo s.p. ressalta a admissão de que não foi demonstrado a utilização daquele valor de cheques auto ou senhas Galp na aquisição de combustíveis. Contudo não foi apresentado qualquer documento de quitação que justifique a aplicação daqueles meios de pagamento pelo que, a sua utilização se apresenta como não documentada, desconhecendo-se o destino dos mesmos. Nesse sentido, a referência ao citado Acórdão do STA apresenta-se fora de contexto visto que naquele caso as aquisições de bens estão devidamente documentadas, conhece-se a origem, natureza e finalidade, quando no caso em apreço se desconhece o destino daqueles meios de pagamento. Por outro lado, a posição tomada pela Direcção de Finanças de Lisboa resulta do seu entendimento dado aos elementos que lhe terão sido dados a analisar no caso em particular e que desconhecemos não produz só por si qualquer tipo de Jurisprudência.
Assim, é nosso entendimento que a utilização não especificada de meios de pagamento para suportar custos não especificados constitui uma despesa não documentada e como tal sujeita a tributação autónoma nos termos do art. 4.º do DL 192/90, pelo que se mantém na íntegra a al. d) do ponto 1.2.1.1. da al. d) do ponto 3.1.1. do Projecto de Relatório. (…)”[cf. fls. 407 a 438 do PAT em apenso].
E) . A Impugnante foi notificada da liquidação adicional de sede de IRC, referente ao exercício de 2000, identificada com o n.º 2003 8310005686, no montante de €277.870,26, com data limite de pagamento a 07.07.2003 [cf. fls. 25 dos autos].
F) A liquidação identificada em E) foi posteriormente corrigida face à emissão da liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 2000, identificada com o n.º 2003 8310014880, no montante de €33.492,70, com data limite de pagamento a 01.10.2003 [cf. fls. 26 dos autos].
G) . A liquidação identificada em E) foi paga nos termos do DL 248-A/2002, de 14 de Novembro, no montante de €65.000,00, em 27.12.2002, e do montante de €204.529,41, em 04.07.2003 [cf. fls. 74 a 81 dos autos].
H) . A liquidação identificada em F) foi paga em 30.09.2003 [cf. fls. 91 do PAT em apenso].
I) . A 03.10.2003 foi apresentada a petição inicial da presente acção [cf. fls. 2 dos autos],
J) . Em 2000, a Impugnante exerceu uma parcela da sua actividade em Angola e Moçambique, tendo sucursais nesses territórios [cf. fls. 117 a 122 dos autos e prova testemunhal].
K) . Em 2000 a Impugnante tinha como Fiscal Único a sociedade "M…, SROC", sendo P… um dos seus técnicos [cf. cópia de certidão da Conservatória do Registo Comercial a fls. 320 do PAT em apenso, e prova testemunhal],
L) . No documento datado de 29.11.1999, assinado pelo representante legal da Impugnante e pelo representante legal de "M…, SROC", com a epígrafe "contrato de prestação de serviços de sociedade de revisores oficiais de contas", consta na sua cláusula 7°:
"Para além dos honorários o primeiro outorgante pagará as despesas de transporte, alojamento e quaisquer outras incorridas no exercício das respectivas funções do segundo outorgante ou reembolsará o segundo outorgante pelas despesas por este suportadas." [cf. fls. 28 dos autos]
M) . Em 2000, J… F…. era advogado da Impugnante [prova testemunhal].
N) . Em 2000, a Impugnante detinha interesses e negócios em Espanha nomeadamente através de sociedades associadas [prova testemunhal].
O) A Impugnante vendeu em 2001, pelo valor total de Esc.120.000 (€598,56), dois lotes de diversos bens que se encontravam registados contabilisticamente pelo valor de Esc.3.264.337$00, antes da constituição de provisão em 31.12.2000, no montante de Esc. 2.312.426S56 [cf. fls, 32 a 72 dos autos, e prova testemunhal].
***
A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
“Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.”
***
A decisão da matéria de facto assentou “[n]o exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.
Foram ouvidas pelo tribunal as duas testemunhas, J….. e S……, respectivamente, director financeiro e contabilista da Impugnante, que revelaram ter alguns conhecimentos sobre a matéria de facto em questão, tendo deposto de forma convincente, convergente, espontânea e revelarem possuir conhecimento directo dos factos que relataram, em virtude das funções que exerciam à data dos factos, reiterando que a Impugnante detinha centros de interesses em Angola, Moçambique e Espanha, o que motivava a deslocação de responsáveis da sociedade em trabalho. Em concreto, testemunharam que P… era técnico da sociedade "M…, SROC", órgão de fiscalização da impugnante, e tinha de se deslocar a Angola e Moçambique por forma a uniformizar procedimentos relativamente aos centros de trabalho que aí se localizavam. Já J…F…. era, à data dos factos, advogado da Impugnante, e costumava deslocar-se a vários locais, incluindo a Espanha em representação da sociedade.
Mais resultou do seu depoimento que no termo do exercício de 2000 viu-se confrontada com a existência de determinados produtos e matérias-primas que, por serem obsoletos, não podiam, nessas condições, ser introduzidos no mercado, sendo que do mesmo depoimento resulta que, nesse momento não era possível à Recorrente aferir com segurança da efectiva possibilidade de estas virem a ser reutilizadas ou incorporadas no processo produtivo, como tinha já acontecido e que perante esta situação de incerteza veio a Recorrente a constituir provisão para depreciação de existências.”
***
Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:
P) A sentença proferida nos autos objeto de recurso, foi prolatada a 27.11.2014, e notificada a ambas as partes a 04.12.2014 (cfr.167 a 183, 196 e 197 dos autos);
Q) O D… interpôs recurso jurisdicional contra a sentença referida na alínea antecedente a 18.12.2014 (cfr. fls.199 dos autos);
R) O recurso jurisdicional descrito na alínea antecedente, foi objeto de admissão mediante despacho prolatado a 15.01.2015 e notificado a ambas as partes nessa mesma data, mediante expedição de carta registada (cfr. fls.210 a 212 dos autos);
S) A Recorrida apresentou contra-alegações, requerendo ampliação do objeto do recurso a 18.02.2015 (cfr. fls.229 dos autos);
***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente, não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 2000, e respetivos juros compensatórios.
Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.
Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:
¾ Preliminarmente, se é admissível a ampliação do objeto de recurso;
¾ Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento:
o De facto, por ter, por um lado, descurado factualidade com relevo para a decisão da causa e, por outro lado, por ter procedido à fixação de factualidade irrelevante;
o Por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito porquanto:
-Decidiu que são dedutíveis fiscalmente as provisões para depreciação de existências, por respeitarem a disciplina constante no artigo 35.º do CIRC;
-Reconheceu o direito a juros indemnizatórios relativamente às despesas referentes a viagens de pessoal não vinculado à empresa, na medida em que fundadas em prova ulterior à emissão do ato de liquidação, inexistindo, por conseguinte, erro imputável aos serviços.
¾ Admitindo-se a ampliação do objeto do recurso, se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao manter a tributação autónoma respeitante às despesas com a aquisição de cheques auto.
Vejamos, então.
Ab initio, e em termos de delimitação do objeto do recurso, importa começar por aferir da admissibilidade da ampliação do objeto do recurso.
In casu, a Recorrida veio propugnar nas suas contra-alegações que pretende ampliar o objeto do recurso, por forma a que seja apreciado o fundamento em que decaiu e concatenado com a ilegalidade da aplicação da taxa de tributação autónoma de 32% sobre as despesas com a aquisição de Cheques-Auto e Autorizações de Abastecimento.
Sustenta, para o efeito, que aceita, efetivamente, que o montante de €149.809,79 respeitante a custos relativos à aquisição de combustíveis não possam ser aceites para efeitos fiscais, porquanto são “custos com combustíveis não documentados por fatura ou documento equivalente emitido pelo posto abastecedor”, não pode, contudo, concordar com a aplicação de uma taxa de tributação autónoma agravada de 32% .
Densifica, para o efeito, que o entendimento do Tribunal a quo padece de erro, desde logo, porque lhe subjaz um manifesto erro técnico, confundindo-se o conceito contabilístico (e fiscal) de “custo”, com o de “despesas”, como se se tratassem de conceitos contabilístico-fiscais equivalentes, quando manifestamente não são.
Conclui, assim, que a inexistência de documentos comprovativos da efetiva/real aquisição de combustíveis no âmbito da atividade/processo produtivo da Recorrida não tem como consequência necessária a confidencialidade, ou a não documentação das respetivas despesas aquando da aquisição das Autorizações de Abastecimento ou os Cheques-Auto, na medida em que o fluxo financeiro inerente à despesa incorrida se encontra devidamente documentado, através da respetiva fatura emitida pelas entidades emissoras, estando plenamente provada a natureza, origem e finalidade da despesa.
Desfecha, peticionando a (re)apreciação deste fundamento, no qual decaiu a ora Recorrida por não estarem preenchidos, no caso dos autos, os requisitos para que ocorra a respetiva tributação autónoma.
Contudo, e conforme veremos, a presente ampliação deve ser rejeitada, na medida em que não se subsume no normativo 636.º, do CPC, porquanto não nos encontramos perante um fundamento em que decaiu, mas sim face a uma condenação autónoma que acarretou a sua improcedência, a final.
Com efeito, a ampliação do objeto do recurso prevista no citado normativo destina-se a permitir ao Recorrido a reabertura da discussão sobre determinados fundamentos que foram por si invocados na ação e julgados improcedentes, no entanto, não pode visar substituir a necessidade de interposição do próprio recurso quando esse pedido autónomo, tenha sido julgado improcedente.
Como doutrinado, no Aresto do STA, prolatado no processo nº0443/14, de 17 de fevereiro de 2016 “a possibilidade de ampliação do objeto do recurso, prevista no art.º 636º, n.º 1, do CPC, não visa substituir a necessidade de interposição de recurso jurisdicional (principal ou subordinado) por parte daqueles que se julguem prejudicados com uma decisão de um tribunal, mas sim permitir ao recorrido a reabertura da discussão sobre determinados fundamentos que foram por si invocados na impugnação e julgados improcedentes.”
Doutrinando, ainda neste particular, o Aresto do STA, prolatado no processo nº 02505/10.6BEPRT 0458/17, de 11 de março de 2021, na esteira de demais jurisprudência que convoca: “a ampliação do âmbito do recurso a requerimento do Recorrido, prevista no artigo 636.º do CPC, visa, como a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo deixou consignado em arestos anteriores: “permitir ao recorrido a reabertura da discussão sobre determinados pontos (fundamentos) que foram por si invocados na acção (e julgados improcedentes), mas só e apenas se o recurso interposto, sem essa apreciação, for de procedência”. Portanto, a possibilidade de apreciar o pedido de ampliação do objecto do recurso está dependente de uma outra possibilidade, a de o recurso interposto pelas recorrentes poder proceder”.
Ora, tal não é, efetivamente, a situação dos presentes autos. Concretizando.
No caso vertente, a decisão recorrida afirmou, neste particular, o seguinte:
“Por último, a Impugnante não concorda com a aplicação da taxa de tributação autónoma, relativamente aos custos não aceites fiscalmente com combustíveis, porquanto defende que o fluxo financeiro inerente ao custo da ora Impugnante encontra-se devidamente documentado. Alega assim que a inexistência de documentos comprovativos de efectiva aquisição de combustíveis quanto a uma parte desse custo da Impugnante, não implica a confidencialidade ou não documentação das despesas que incorreu a Impugnante ao adquirir os cheques-auto ou senhas Galp.
Sobre esta questão chamamos à colação a fundamentação expendida no Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 18.02.2009, proferido em sede do P.0600/08, onde podemos ler.
"Dispunha o artigo 41º, nº, al. h) do CIRC, na redacção de então, que "não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável...mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício, os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial".
Por outro lado, estabelecia o artigo 4.º do Decreto-lei n,-192/90 de 9/6, na redacção que foi dada no termos do artigo 29.º da Lei n.º B/94 de 27/12, que "as despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de ÍRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código são tributados autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 25%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.- do CIRC".
Daqui resulta que, as despesas confidenciais e/ou não documentadas, nos preditos termos, não só não são dedutíveis para efeitos fiscais, como são, até, sujeitas a tributação autónoma de 25%. 
Como se escreveu no Acórdão do Pleno desta Secção do STA de 28/1/09, in rec. n- 575/08, tirado em caso idêntico, em que as partes são as mesmas e as mesmas as conclusões da motivação do recurso "Vem sendo utilizada normalmente, em diplomas legais, a expressão «despesas confidenciais ou não documentadas», com equiparação jurídica [art. 27.- do Decreto-Lei n.- 375/74, de 20 de Agosto (na redacção inicial e na introduzida pela Lei n.º 2/88, de 26 de Janeiro), art. 6.º., n.º3, da Lei n.-101/89, de 29 de Dezembro, art. 4.º do Decreto-Lei n.- 192/90, de 9 de Junho (na redacção inicial e nas introduzidas pela Lei n. 39-B/94, de 27 de Dezembro, pela Lei n.c 52-C/96, de 27 de Dezembro, e pela Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro].
Despesas confidenciais são despesas que, «como a sua própria designação indica, não são especificadas, ou identificadas, quanto à sua natureza, origem e finalidade». (Neste sentido, podem ver-se os acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 23-3-94, proferido no recurso n.º 17812, publicado em Apêndice ao Diário da República de28-11-96, página 1145, e de 5-7-2000, recurso n.- 24632, publicado no Boletim do Ministério da Justiça nº499, página 163, e em Apêndice ao Diário da República de 17-1-2003, página 2963) Trata-se de despesas que, pela sua própria natureza, não são documentadas. (Neste sentido, pode ver-se VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 602, nota (1).
Confirmando que todas as despesas referidas no Decreto-Lei n.º 375/74, tanto as denominadas como «confidenciais» como as denominadas «não documentadas», eram despesas não documentadas, pode verse os preâmbulos dos Decretos-Lei n.ºs 235-F/83, de 1 de Junho, e 167/86, de 27 de Junho, que se referem àquele primeiro diploma como o definidor do «regime das despesas não documentadas por parte das empresas».)
No contexto destes diplomas, em face da referência cumulativa a despesas confidenciais e a despesas não documentadas, as primeiras serão aquelas relativamente às quais não é revelada a sua natureza, origem e finalidade, enquanto as segundas serio despesas relativamente às quais não existe prova documental, embora não haja ocultação da sua natureza, origem ou finalidade. Todas elas, no entanto, serão despesas não comprovadas documentalmente.
Na alínea h) do n.º do art. 41.º do C.I.R.C. em vez da terminologia «despesas confidenciais ou não documentadas» utiliza-se a de «encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial». As expressões «despesas confidenciais» e «despesas de carácter confidencial» tem um alcance claramente idêntico.
No que concerne às expressões «despesas não documentadas» e «encargos não devidamente documentados», embora em termos literais esta expressão seja de alcance mais vasto (pois abrangerá além das despesas relativamente às quais não existem documentos também aquelas referenciadas em documentos mas que não obedecem aos requisitos exigidos por lei), não haverá um alcance jurídico distinto uma vez que, para efeitos jurídicos, já se deveriam considerar como despesas não documentadas as que não estivessem devidamente documentadas.
Aliás, sendo a expressão «despesas confidenciais ou não documentadas» utilizada em diplomas posteriores ao CIRC (os referidos Decreto-Lei n.º 192/90, e Leis n.ºs 39-B/94, 52-C/96 e 87-B/98) e fazendo-se neles referência ao preceituado naquela alínea h) como não prejudicado pelo neles estatuído, é de concluir que se empregam as expressões referidas com alcance equivalente.
Assim, na referida alínea h) do n.º 1 do art. 41.- incluir-se-ão as despesas relativamente às quais não existem os documentos exigidos por lei, independentemente de ser revelada ou ocultada a sua natureza, origem e finalidade.
Em qualquer caso, porém, tratar-se-á de encargos ou despesas suportadas pelo sujeito passivo que em termos contabilísticos afectam o resultado líquido do exercício, diminuindo-o, sendo o objectivo daquela alínea h) o de estabelecer que essa diminuição não é relevante para efeitos de determinação do lucro tributável.
Porém, com o referido art. 4.º do DL n.º 192/90, para além de aquelas despesas confidenciais e não documentadas não serem consideradas como custos para efeitos de determinar o lucro tributável, passaram a ser tributadas autonomamente com as taxas nele indicadas.
A apreciação da existência ou não da devida documentação e da confidencialidade da despesa é feita tendo por objecto o acto através do qual o sujeito passivo suporta o encargo ou a despesa que é susceptível de afectar o resultado líquido do exercício, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRC.
Isto é, o encargo não estará devidamente documentado quando não houver a prova documental exigida por lei que demonstre que ele foi efectivamente suportado pelo sujeito passivo e a despesa será confidencial quando não for revelado quem recebeu a quantia em que se consubstancia a despesa.
No caso em apreço, sabe-se que foram despendidas quantias com a aquisição de cheques-auto, mas, como vem entendendo uniformemente este Supremo Tribunal Administrativo, tal aquisição não consubstancia despesa, pois trata-se apenas de mera troca de meios de pagamento.
Como se refere no acórdão fundamento, «os cheques auto são títulos de pagamento de combustível ou outros produtos disponibilizados pelos mesmos fornecedores, uma vez que, depois de adquiridos, tais cheques tanto podem ser utilizados na aquisição daqueles produtos, como podem ser trocados novamente, pelo menos em parte, por moeda».
Assim, desconhecendo-se o destino que foi dado aos referidos «cheques-auto», está-se perante despesas não identificadas quanto à sua natureza, origem e finalidade, o que justifica que sejam qualificadas como despesas confidenciais, para efeitos do art. 4.°, n.-1, alínea h), do CIRC (redacção inicial) e art.4.º do DL e 192/90.
Por isso, o entendimento correcto é o adoptado no acórdão fundamento".
No mesmo sentido, pode ver-se os Acórdãos desta Secção do STA de 15/6/05 e de 28/6/06, in recs, n-'s 45/05 e 55/06, respectivamente e do Pleno desta Secção de 26/9/07, in rec. n-55/06. (...)"
Aderindo à fundamentação supra mencionada, confirma-se a correcção efectuada pelos Serviços de Inspeçcão Tributária no sentido de que a utilização não especificada de meios de pagamento para suportar custos não especificados constitui uma despesa não documentada e como tal sujeita a tributação autónoma nos termos para efeitos do artigo 41.º, n.º, alínea h), do CIRC e artigo 4..º do Decreto- Lei n.° 192/90, de 9 de Junho.”
Tendo, por via disso, consignado no dispositivo da decisão o seguinte:
“Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal decide julgar a impugnação parcialmente procedente determinando-se a:
Anulação parcial do acto de liquidação tributário de IRC de 2000, devendo ser aceite como custo fiscal, os montantes relativos às viagens áreas de não funcionários (€4.437,45), e às provisões para depreciação de existências (€15.534,45);
A anulação dos juros compensatórios proporcional à anulação indicada em a);
O pagamento de juros indemnizatórios correspondentes ao pagamento indevido indicado em a) e b);
Improcedência quanto aos demais pedidos formulados pela Impugnante.”
E face a essa procedência parcial, condenou ambas as partes em custas, em função do decaimento e sem prejuízo da isenção conferida à Fazenda Pública.
Ora, face ao supra expendido, é por demais evidente que a Recorrida decaiu quanto à ilegalidade dessa correção, razão pela qual, foi, igualmente, condenada em custas.
Destarte, inexiste um mero decaimento num dos fundamentos da ação, com total procedência da ação, razão pela qual a situação é insuscetível de qualificação como ampliação do objeto de recurso e subsunção normativa no citado artigo 636.º do CPC.
No caso vertente, a Recorrida pretende discutir o erro de julgamento que levou à improcedência do pedido de anulação da correção atinente à taxa agravada da tributação autónoma, atenta a errónea interpretação do conceito e alcance de despesa não documentada ou confidencial, logo deveria ter interposto o competente recurso jurisdicional ao invés de ter contra-alegado peticionando a ampliação do objeto do recurso.
De relevar, neste particular que, não é de convocar a possibilidade de convolação da ampliação do objeto de recurso em requerimento de interposição de recurso jurisdicional, inclusive, recurso subordinado, porquanto manifestamente intempestivo.
Explicitemos, então, porque assim o entendemos.
Como doutrina Jorge Lopes de Sousa (1) In Código do Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Áreas Editora: 6ª edição, 2011, 4º Vol., página 344.:
“Na sequência da interposição do recurso, a parte contrária ou o Ministério Público podem interpor recurso subordinado.
«O recurso subordinado supõe que ambas as partes tenham ficado vencidas; e que uma se pretende colocar na posição de só recorrer se a outra o fizer».
Neste caso, a contar da notificação do despacho que admitir o recurso da parte contrária pode o recorrido, no prazo de dez dias, interpor recurso subordinado, se houver alguma parte da decisão em que possa considerar-se vencido (art.682.nºs 1 e 2 do CPC)…”
Transpondo para o caso vertente, e tendo presente as asserções fáticas que infra se descrevem:
· A sentença visada foi proferida a 27.11.2014, e notificada a ambas as partes a 04.12.2014;
· O Recurso da AT foi interposto a 18.12.2014 e objeto de admissão mediante despacho prolatado a 15.01.2015 e notificado a ambas as partes nessa data;
· As Contra-alegações da Recorrida foram apresentadas a 18.02.2015.
Resulta, assim, inequívoca a insusceptibilidade de convolação da presente ampliação do objeto de recurso, quer para efeitos de recurso principal (281.º e 282.º do CPPT), quer para efeitos de recurso subordinado (artigo 633.º do CPC, anterior 682.º do CPC).
Com efeito, tendo sido notificado da sentença a 08 de dezembro de 2014, (segunda-feira) dispunha do prazo de 10 dias para a interposição do competente recurso principal, ou seja, até ao dia 18 de dezembro de 2014.
Por seu turno, e mesmo admitindo-se a possibilidade de interposição de recurso subordinado dispunha, como visto, de 10 dias a contar da data da notificação do despacho de admissão de recurso, ou seja, até ao dia 29 de janeiro de 2015.
Ora, tendo a Recorrida apresentado as aludidas contra-alegações a 18 de fevereiro de 2015, dimana perentório que qualquer hipótese de convolação se encontra inviabilizada por manifesta intempestividade.
Nestes termos, rejeita-se a requerida ampliação do objeto do recurso.
****
Prosseguindo.
Feita esta prévia delimitação da lide, prossigamos com a análise do erro de julgamento de facto.
A Recorrente sustenta que:
i) Foi erroneamente interpretada a alínea D) da factualidade assente, e não foi contemplado no probatório o modo como o valor de reposição foi apurado, asserções que levariam ao indeferimento da pretensão da, ora, Recorrida.
ii) Não foi contemplado no probatório, a circunstância de só após o procedimento de inspeção terem sido prestadas informações e apresentados elementos documentais, o que assume importância para efeitos de atribuição de juros indemnizatórios.
iii) O facto contemplado em O) é irrelevante face ao disposto no artigo 35.º, nº1, do CIRC, porquanto o que releva é o preço de reposição e não de venda.
Vejamos.
Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.
Preceitua o aludido normativo que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (2) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013..
Sendo que quanto à prova testemunhal tem de existir uma indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, porquanto além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova.
Salientando-se, ainda, neste particular, que a seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento.
In casu, conforme se extrai do teor das alegações recursivas e suas conclusões, a Recorrente não cumpriu o ónus a que estava adstrita, na medida em que, pese embora faça alusão a aditamentos por complementação, a verdade é que não procede à enumeração do concreto facto a aditar, nem, tão-pouco, elenca, com a devida substanciação, o respetivo meio probatório.
Por outro lado, não obstante, advogue que a alínea O) é irrelevante para a decisão em contenda, nada retira em termos de supressão ou alteração do probatório. Acresce que, se o Tribunal a quo convocou essa factualidade para estear a procedência decretada, resulta seguro que a mesma se afigurou relevante para a decisão da lide.
Note-se que, se essa relevância é incorreta e inadequada, tal a proceder traduz, tão somente, um erro de julgamento concatenado com os pressupostos de facto, em nada podendo consubstanciar uma impugnação da matéria de facto, que acarrete, per se, qualquer alteração do visado probatório.
E por assim ser, rejeita-se o recurso nesta parte.
***
Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto, importa, então, ajuizar do erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.
A Recorrente convoca, desde logo, erro de julgamento atinente à anulação da correção respeitante às provisões para depreciação de existências, na medida em que, inversamente ao propugnado na decisão recorrida não foi cumprido o consignado no artigo 35.°, n°2, do CIRC, porquanto aceitou, por um lado, o preço de venda ocorrido em junho do exercício seguinte, menosprezando as divergências entre o preço de venda e o valor da reposição e, por outro lado, desrespeitou o princípio da especialização dos exercícios.
Relevando, adicionalmente, que face ao teor da alínea D) do probatório, e à própria natureza dos bens, concretamente matérias-primas, resulta inequívoco que a Recorrida não logrou demonstrar o valor de reposição que lhe impendia.
Sustenta, por conseguinte, a manutenção da correção dos juros compensatórios correspondentes e a consequente revogação, proporcional, dos juros indemnizatórios.
Dissente a Recorrida, relevando, desde logo, que nenhuma censura merece a decisão recorrida, porquanto ficou plenamente provado que os bens em causa estavam há muito tempo estagnados, traduzindo-se em peças para a manutenção de “máquinas de obra”, muitas das quais já inexistentes no ativo da empresa, outras verdadeiros “monos”, peças que, por esse motivo, não tinham qualquer utilização concreta, em relação às quais a única alternativa viável era - como, efetivamente, o foi - a sua venda a peso/em bloco.
Advoga, assim, que não é possível descurar a concreta natureza e estado dos bens, concretamente que os bens não tinham qualquer utilidade possível/efetiva para a empresa, sob pena inclusive de se subverter o princípio da prudência que subjaz à constituição de provisões.
Concluindo, in fine, que terá de ser aceite como valor correto para a constituição da provisão sub judice o “valor expectável de venda” de tais bens, na medida em que comprovadamente, o único destino possível dos mesmos, atenta a insusceptibilidade de serem “repostos”.
O Tribunal a quo esteou a procedência relevando, para o efeito, que “[q]uando ocorrem circunstâncias das quais resulta o risco de o valor de venda de alguns bens dos stocks poder a vir a ser inferior àquele pelo qual figuram nas contas da empresa devem ser feitas provisões para depreciação de existências.”
Densificando, depois, por reporte ao recorte probatório dos autos que:
“Da prova testemunhal apresentada resultou que os bens em questão consistiam em peças que se encontravam, no ano de 2000, em estado obsoleto, e que por isso motivo, considerando que já não podiam ser utilizadas no ciclo produtivo, foram objecto da referida provisão para depreciação de existências [cf. al. O) dos factos assentes]
Também resultou provado que em 2001 os referidos bens foram vendidos em dois lotes, pelo montante total de Esc.120.000, o que veio confirmar, ainda que em momento posterior a 31.12.2000, que o valor provisionado corresponde a um valor aproximado de desvalorização dos bens face ao valor pelo qual os mesmos se encontravam contabilizados.”
Concluindo, assim, que “deve ser aceite como custo fiscal, no ano de 2000, a provisão para depreciação de existências no valor de Esc. 3.114.377 (€15.534,45).”
Apreciando.
Convoquemos, então, o quadro normativo que releva para o caso vertente.
De acordo com o disposto no artigo 34.º, nº1, alínea b), sob a epígrafe de “Provisões fiscalmente dedutíveis”:
“1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões:
b) As que se destinarem a cobrir as perdas de valor que sofrerem as existências.”
Mais dispondo o preceito legal 35.º, nº1 e 2, do CIRC, relativamente à provisão para depreciação de existências, o seguinte:
“1 - A provisão a que se refere a alínea b) do nº 1 do artigo 34º corresponde à diferença entre o custo de aquisição ou de produção das existências constantes do balanço no fim do exercício e o respetivo preço de mercado referido à mesma data, quando este for inferior àquele.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por preço de mercado o custo de reposição ou o preço de venda, consoante se trate de bens adquiridos para a produção ou destinados a venda (…).”
De relevar, neste particular, que subjacente à constituição das provisões encontram-se os princípios do balanceamento dos custos com os inerentes proveitos, e da prudência, determinando, à data, o POC no seu ponto 2.9 que a mesma “deve respeitar apenas às situações a que estejam associados riscos e em que não se trate apenas de uma simples estimativa de passivo certo” (3) Vide, neste sentido, F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, CIRC anotado e comentado:4ª edição-1994, p.306..
Com efeito, o princípio da prudência “conduz à inserção nas contas de um determinado grau de precaução para fazer face a situações de incerteza, de tal forma que os activos e o s resultados não sejam sobredimensionados. (4) In ob. Cit., anotação ao artigo 33.º, p. 306.”.
Conforme doutrina Rui Duarte Morais (5) In Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pp. 119-120. a propósito da noção de provisão:
“As provisões são registos contabilísticos de verbas destinadas a fazer face a um encargo imputável ao exercício, mas de comprovação futura, ou já comprovado mas de montante incerto. Tal como uma pessoa cautelosa, quando confrontada com uma despesa previsível, põe antecipadamente de lado o dinheiro necessário para a satisfazer, também uma empresa previdente deve preservar certa fracção dos seus resultados para se precaver contra perdas que reputa de prováveis.”
Concretizando, ulteriormente, que a “[c]onsideração de uma provisão como custo de um determinado exercício dá tradução prática a dois dos sãos princípios da contabilidade: - o princípio da prudência (tomam-se em consideração, no apuramento dos resultados do exercício, os riscos previsíveis e as perdas eventuais derivadas de um facto nele ocorrido); - o princípio da especialização dos exercícios (imputa-se ao exercício em que o facto ocorreu o seu – ainda que só meramente possível – custo).
Em bom rigor, poder-se-á dizer na linha doutrinal de Teixeira Ribeiro (6) J.J. Teixeira Ribeiro, Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3684, pág. 84. que a “[p]rovisão é uma conta em que se inscreve a verba destinada a fazer face a encargo imputável ao exercício, mas de comprovação futura, ou já comprovado, mas de montante indeterminado (…)”.
Feitos estes considerados de direito e transpondo os mesmos para o caso vertente, não se afigura que o Tribunal a quo, tenha incorrido no erro de julgamento que lhe é assacado.
E isto porque, do recorte probatório dos autos e concretas inferências constantes na motivação da matéria de facto -não devidamente impugnados-, resulta que a Recorrida se viu confrontada com a existência de determinados produtos e matérias-primas obsoletos o que obstava à sua introdução normal no mercado, razão pela qual constituiu uma provisão para depreciação de existências.
Dimanando assente que, no ano subsequente, vendeu pelo valor total de €598,56, dois lotes de diversos bens que se encontravam registados contabilisticamente pelo valor de €16.287,49 (Esc.3.264.337$00), antes da constituição de provisão em 31.12.2000, no montante de € 11.537,90 (Esc. 2.312.426$56).
Ora, do supra expendido resulta que os bens objeto da provisão se encontravam obsoletos, donde insuscetíveis de integrar, naturalmente, o processo produtivo, razão pela qual foram provisionados. Donde, inversamente ao propugnado pela Recorrente não se vislumbra qualquer erro em corporizar essa provisão, representando, ademais, a expressão clara do princípio da prudência.
Por outro lado, e face à realidade provada, não pode a AT ater-se uma literalidade concatenada com a reposição quando a mesma é insuscetível de aplicação ao caso vertente.
Com efeito, se os visados produtos se encontravam obsoletos, não foram, nem poderiam ser repostos, na medida em que se encontrava impossibilitava a sua inserção no processo produtivo, e, naturalmente, objeto de consumo. Carecendo, naturalmente, de qualquer relevo a junção e inerente prova atinente a faturas ou tabelas de preços de fornecedores.
Note-se que, inversamente ao advogado pela Recorrente o Tribunal a quo não ajuizou que presidiu à constituição da provisão em 2000, o preço de venda respeitante a 2001, limitando-se a convocar a venda ocorrida no ano subsequente para alicerçar a razoabilidade da realização da provisão e a sua concreta mensuração, atento o valor efetivo da mesma.
De relevar, neste particular que, conforme doutrina F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes (7) CIRC anotado e comentado, Rei dos Livros, 4ª edição, 1994, página 317., define-se “[c]usto de reposição aquele que a empresa teria de suportar para substituir um bem nas mesmas condições, qualidade, quantidade e locais de aquisição e utilização e como valor realizável líquido de um bem esperado o seu esperado preço de venda deduzido dos necessários custos (…).”
Em bom rigor, a Recorrida patenteou um risco sério de perda de valor das existências, e ajuizou um valor realizável líquido o qual, efetivamente, se veio a confirmar, logo inexiste qualquer fundamento para que a aludida provisão não seja passível de dedução fiscal.
Note-se, ademais, que conforme doutrinado por António Borges, Azevedo Rodrigues e Rogério Rodrigues (8) In Elementos de Contabilidade Geral, Áreas Editora, 21ª Edição, pág. 457, as provisões para depreciações de existências devem ser constituídas quando as perdas sejam “[p]otenciais, que podem concretizar-se ou não em exercícios posteriores”, ora tal foi, exatamente, a postura adotada pela Recorrida sem que mereça a censura advogada pela Recorrente, porquanto, como visto, descura asserções fáticas atinentes à própria natureza e realidade dos bens.
Uma nota final para relevar que não logra qualquer mérito a alegação atinente ao princípio da especialização dos exercícios, desde logo porque não é fundamentação contemporânea do ato, sendo certo que, como visto, a convocação da fatura atinente ao exercício subsequente visou alicerçar a idoneidade da constituição de tal provisão e justificar a adequação do valor de venda previsto e considerado para efeitos de cálculo da provisão.
Assim, face ao exposto, e conforme evidenciado pelo Tribunal a quo, a Recorrida respeitou os pressupostos constantes no citado artigo 35.º, do CIRC, padecendo, assim, a correção de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que comina a mesma de anulabilidade com as devidas consequências legais, concretamente, anulação proporcional dos respetivos juros compensatórios e reconhecimento dos correspondentes juros indemnizatórios.
Logo, a sentença que assim o entendeu não merece qualquer censura.
Atentemos, ora, no erro de julgamento concernente aos juros indemnizatórios e no concreto particular das viagens.
No concernente aos juros indemnizatórios, devidos em razão da anulação das correções respeitantes às viagens, a Recorrente alega que não pode ser condenada no seu pagamento, porquanto existe, a montante, uma conduta de imputabilidade na esfera jurídica da Recorrida, uma vez que a prova concludente para efeitos dessa anulação só foi carreada em sede judicial, quando, em rigor, poderia/deveria ter sido junta antes da emissão do ato tributário, mormente, em sede de audição.
Até porque, há que ter presente que o direito de audição, assume uma função essencialmente probatória e um escopo dirigido à descoberta da verdade material, logo no caso vertente ter-se-á de concluir que houve um contributo omissivo por parte da Recorrida, visto que conhecendo factos e/ou detendo documentos na sua posse que, disponibilizados, poderiam impor outro destino ou solução ou correção reservam tal atuação para a fase ulterior de contencioso.
Materializa o supra expendido dizendo que a apresentação do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Impugnante e o Fiscal Único, Dr. P…, poderia ter levado os Serviços de Inspeção a aceitar o custo, conforme sucedeu na decisão recorrida e precisamente suportada nesse documento.
E no concernente aos custos referentes à viagem suportada pela Impugnante pela deslocação Dr J…, a Barcelona, poderia/deveria ter sido feita prova da sua qualidade de advogado.
Conclui, assim, que à luz da ótica dinâmica e dialógica atribuída ao direito de audição, não é possível afirmar que o resultado da correção seja imputável aos serviços de inspeção.
A Recorrida discorda do erro de julgamento atinente aos juros indemnizatórios, porquanto se encontram integralmente preenchidos os requisitos plasmados no artigo 43.º da LGT.
Mais sustenta que, a AT sempre descurou a realidade subjacente às deslocações, e só admitiu a sua ilegalidade após uma decisão judicial para o efeito.
Neste concreto particular, ajuizou o Tribunal a quo o seguinte:
“Relativamente aos juros indemnizatórios, constituem requisitos para a sua atribuição, nos termos do artigo 43.º, n.s 1 da Lei Gerai Tributária: "[1] - Que haja um erro num acto de liquidação de um tributo; [2] - Que o erro seja imputável aos serviços; [3] - Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial; (4] - Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".
Face à fundamentação expendida, e considerando que através da presente impugnação judicial se verificou erro no acto de liquidação, imputável aos serviços, relativamente às correcções de custos não aceites, elencados nos pontos i) e ii) supra mencionados, que resultaram no pagamento de dívida tributária em montante superior ao devido [cf. G) e H) dos factos assentes], são devidos juros indemnizatórios na proporção da correcção/anulação aqui mencionada.”
E, de facto, não se vislumbra que o juízo de entendimento do Tribunal a quo mereça qualquer censura, na medida em que, inversamente ao propugnado pela Recorrente, existe erro imputável aos serviços, não se vislumbrando conduta omissiva e superveniência probatória passível de obstar ao reconhecimento dos juros indemnizatórios.
Mas, explicitemos, então, porque assim o entendemos.
Comecemos por estabelecer o respetivo enquadramento normativo.
O direito a juros indemnizatórios é um dos mais importantes direitos dos contribuintes no seio da relação jurídica tributária. A consagração expressa deste direito no artigo 43.º da LGT reflete o princípio da igualdade dos sujeitos da relação, sendo devidos juros indemnizatórios sempre que os contribuintes sejam privados, de forma indevida, de meios financeiros por razões imputáveis à AT.
Do teor do citado normativo, resulta que os juros indemnizatórios se destinam a compensar o contribuinte pelo prejuízo causado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária ou pelo atraso na restituição oficiosa de tributos.
De harmonia com o citado preceito legal, são requisitos do direito aos juros indemnizatórios:
a) que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;
b) que esse erro seja imputável aos serviços;
c) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
d) que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária superior ao legalmente devido.
Como refere Jorge Lopes de Sousa: A utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do ato anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito (9) Em anotação ao artigo 61º do CPPT, in Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, I vol., Áreas Editora, Lisboa, 5ª edição, 206, p. 472..
A constituição desse direito depende, assim, da demonstração no processo que o ato enferma de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT (10) Vide, acórdão do STA processo nº 01610/13, de 12.02.2015..
O entendimento jurisprudencial assenta, essencialmente, na circunstância de que para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, não pode ser imputado aos serviços da AT erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, quando não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu (11) Vide Acórdãos proferidos nos processos: 1529/14, de 26.2.2014; 0481/13, de 12.3.2014; 01916/13; de 21.01.2015, 0843/14, de 21.01.2015; 0703/14, de 11.05.2016, 704/14 de 01.06. 2016..
Note-se que para efeitos de concreta delimitação do erro imputável aos serviços entende-se que “[n]ão existe erro da administração, nos casos em que a ilegalidade da liquidação resulta de um comportamento activo ou omissivo do contribuinte, designadamente disponibilizando informações incorrectas ou ocultando elementos relevantes para efeitos do apuramento da sua situação tributária (12) José Maria Fernandes Pires (coord.), Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, p. 367.”
Ora, no caso vertente, não se vislumbra, de todo, que a Recorrida tenha tido um comportamento omissivo, ou que tenha disponibilizado informações incorretas, ou mesmo ocultado elementos, mormente, no âmbito da atividade instrutória realizada na ação inspetiva, particularmente, em termos de direito de audição.
Bem pelo contrário, bastando para o efeito ter presente que no concernente ao direito de audição e no atinente ao Dr. P…, foi, desde logo, concretizada a ligação e o âmbito da prestação de serviços inerente à empresa, e o respetivo nexo com o escopo empresarial e sua concreta relevância e indispensabilidade para a fonte produtora, juntando, para o efeito, prova documental atinente ao efeito.
Logo, a Recorrida teve uma atitude de colaboração pautada e investida do inquisitório, limitando-se a AT a descurar tais alegações e elementos documentais porquanto ajuizou, conclusivamente, que não havia prova de que eram contratualmente imputáveis, e sem que tenha realizado qualquer esclarecimento ou diligência adicional.

É certo que, a Recorrida juntou em sede judicial um contrato que alicerça a alocação, nexo e indispensabilidade mas a verdade é que, não se pode dizer que tenha existido um conduta que tenha contribuído para a manutenção da correção, e mais ainda que tenha sido essa a prova concludente para o efeito.

No atinente ao Dr. J… F…., e ainda que não tenha sido carreada qualquer prova documental atinente a demonstrar a ilegalidade da correção não se pode aduzir, sem mais, que teve um comportamento omissivo, ou que ocultou elementos quando, ademais, o ónus da prova das premissas e pressupostos se encontra na esfera jurídica da AT, e a mesma alicerçou, como visto, a sua esteira de entendimento num vínculo contratual, que, como visto, não foi erigido como fundamento base para efeitos de assunção da errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Dir-se-á, portanto, que “o erro só não seria imputável aos serviços se fosse o contribuinte a dar-lhe azo, designadamente, prestando informação que o tivesse induzido.”

E por assim ser, entende-se que existe, efetivamente, erro imputável aos serviços como sentenciado na decisão recorrida. (13) In Ac. STA, proferido no processo 026765, de 13.03.2002.

De chamar à colação, in fine, e atestar o supra expendido o Acórdão proferido pelo Pleno da Seção de Contencioso Tributário do STA, no processo nº 0632/14, com data de 21 de janeiro de 2015, no qual se sumariou, entre o mais:

“ II-Constitui erro imputável aos serviços e pode servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, nomeadamente a prática de uma liquidação ilegal e, por isso ilícita.

III – Tendo as liquidações de juros compensatórios sido anuladas por inexistência de atuação culposa do sujeito passivo, e sendo tais liquidações da responsabilidade da Administração Tributária, deve à mesma ser imputado o erro nos pressupostos de direito (artº 35º, nº 1 da LGT) que está na base da anulação de tais liquidações”.

Assim, em consonância com a fundamentação jurídica constante no citado Aresto e demais jurisprudência nele citada, que se perfilha, conclui-se que a anulação das correções visadas fundou-se em vício de violação de lei, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, concatenada, como visto, com uma errónea interpretação da dedutibilidade dos custos, na óptica da indispensabilidade, donde concreta subsunção normativa no artigo 23.º do CIRC, sem que possa ser reclamada qualquer conduta culposa e censurável à Recorrente.

Em face de tudo o que vem sendo dito, conclui-se que se verificam os requisitos para o reconhecimento, no caso em apreciação, do direito da Recorrida a juros indemnizatórios, já que o tributo foi pago e a liquidação impugnada resulta de erro imputável aos serviços, erro esse determinante da anulação parcial do ato impugnado, e na parte julgada procedente.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
a) Rejeitar a ampliação do objeto de recurso apresentada pela Recorrida.
b) Negar provimento ao recurso apresentado pela DRFP.
Sem custas, quanto ao referido em a), e quanto ao referido em b) por a Fazenda Pública delas se encontrar isenta nos processos tributários instaurados até 1.01.2004
Registe e notifique.


Lisboa, 02 de novembro de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Susana Barreto)

(Ana Cristina Carvalho)