Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:275/23.7 BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:10/12/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:CAUTELAR
CONTAGEM TEMPO DE SERVIÇO
CONCURSO PROFESSORES
Sumário:I – Impõe-se ao tribunal que, mediante um juízo de prognose, avalie se, face a uma eventual sentença, proferida no processo principal, que conceda provimento à pretensão do requerente, a mesma virá a revelar-se inútil em virtude de, entretanto, se ter criado uma situação de facto consumado com a mesma incompatível, isto é, se se tornar impossível a reintegração da situação conforme à legalidade, ou se essa reintegração for muito difícil, ou se entretanto se produzirem prejuízos de difícil reparação para os interesses do Requerente, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica, devendo atender-se a todos os prejuízos, quer estes respeitem a interesses públicos, comunitários ou coletivos, quer estejam em causa apenas interesses individuais. A prova do “fundado receio” a que a lei faz referência deverá ser feita pelo requerente, o qual terá que invocar e provar factos que possam levar o tribunal a concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação, justificando-se por isso a concessão da providência solicitada. Em suma, para que se tenha por preenchido este requisito, não basta um mero juízo de probabilidade; necessário se torna a existência de um receio fundado.
II – A alegação do periculum in mora, não se pode cingir uma alegação genérica, insuficiente e conclusiva.
A alegação, em concreto, de meras conjeturas, conclusivas e insuficientes para a apreciação do periculum in mora, apontando singelamente quanto ao requisito em apreciação para a “produção de prejuízos de difícil reparação (periculum in mora)” e a aproximação da “fase de concurso anual promovida pelo Ministério da Educação”, só por si, não permitem concluir pelo preenchimento do periculum in mora, tanto mais que ficou por demonstrar que a atribuição do tempo de serviço reclamado fosse suficiente para a Recorrente obter a colocação desejada.
III - Com efeito, nos termos do artigo 120º, n.º 1 do CPTA, as providências cautelares são adotadas, “quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.
IV - Não basta alegar que há um risco de produção de danos de difícil reparação para os interesses que a Requerente visa acautelar no processo principal ou de existência de fundado receio na verificação de uma situação de facto consumado; importa, pois, que tal seja devidamente concretizado, por reporte a efetiva factualidade nesse domínio.
V - Por maioria de razão, num processo de natureza Cautelar e perante a mera alegação de um facto, tal não determina que o tribunal tenha de o dar por assente, uma vez que alegar não é provar, como decorre do brocardo latino - Allegatio et non probatio quasi non allegatio - Alegar e não provar é quase não alegar.”
Votação:Voto vencido
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
L........, tendo intentado Providência Cautelar contra o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO e a DIREÇÃO GERAL DA ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR (DGAE), tendente a que estas sejam provisoriamente condenadas ao reconhecimento do seu tempo de serviço, designadamente para efeitos de graduação e ordenação na oposição ao concurso de professores, inconformada com a Sentença proferida no TAF de Leiria em 30 de maio de 2023, através da qual foi julgada improcedente a Providência Cautelar, veio, em 19 de junho de 2023 Recorrer Jurisdicionalmente para este Tribunal, tendo concluído:
“1ª - O presente recurso vem interposto da douta Decisão que julgou improcedente a providência cautelar requerida, por ausência do requisito “periculum in mora”, por entender a R. que a douta Decisão decorre de uma errada valoração/ponderação e mesmo de desconsideração dos factos alegados, que a Mma Juiz “a quo” veio a considerar como “meros juízos conclusivos”;
2ª - Como fundamento da sua pretensão, a R. invocou que a DGAE não lhe reconheceu 4.748 dias de tempo de serviço correspondente a 13 anos letivos;
3ª - Sustentou que o tempo de serviço é um dos fatores que determinam a graduação dos docentes, nos concursos anuais para preenchimento das vagas, nos termos previsto no art° 11°, n°1, al. b) - i, do Dec Lei 132/2012;
4ª - E que o mesmo tempo de serviço é, também, um dos fatores de desempate, na ordenação dos candidatos, nos termos previsto no art° 12°, n°2, al. c), do mesmo diploma;
5ª - Mais alegou que, como consequência, o não reconhecimento do tempo de serviço reclamado (4.748 dias) prejudica a graduação e ordenação da R., na oposição aos concursos de seleção e recrutamento de docentes, promovidos pelo Ministério da Educação;
6ª - E que tem vindo a concorrer graduada em posições inferiores à que teria com o tempo de serviço reconhecido, obtendo colocação apenas no regime de contratação de escola, como aconteceu nos anos letivos 2019/20, 2020/21 e 2021/22;
7ª - Porque não tem sido colocada na 1ª fase dos concursos - o que poderia ocorrer com a contagem do tempo de serviço que o Ministério/DGAE não reconhece e a que entende ter direito - tem sido colocada em escolas afastadas da sua área de residência e em prioridades não consonantes com as suas preferências de escola;
8ª - Assim, ao contrário do que se entendeu na douta Decisão, a R. alegou um conjunto de factos (circunstâncias) que, no seu entender a têm impedido de aceder, de forma normal e plena, aos concursos de docentes, relegando-a para as bolsas de contratação direta das escolas, factos estes que, desde logo, nem foram objeto de impugnação e que, que forma alguma, se devem/podem considerar como meros juízos conclusivos;
9ª - Ademais, a problemática da contagem do tempo de serviço dos docentes, como fator de graduação e ordenação dos mesmos, decorre da própria lei e é facto público e notório, tendo presente que, como doutrinariamente se aceita, por notório se entende tanto aquilo que é geralmente sabido, como aquilo que é de per si evidente (Manuel de Andrade) e que um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos (A. dos Reis);
10ª - Por outro lado, tratando-se estes de factos notórios, públicos e amplamente noticiados, nem precisariam de prova ou alegação, ao abrigo do disposto no n°1, do art° 412°, do C.P.C., aplicável por força do art° 1°, do C.P.T.A;.;
11ª - Assim, ao contrário do que veio a ser decidido, considera a R. que se encontram alegados factos e circunstâncias que preenchem, integralmente, o requisito “periculum in mora” e que tal configura uma situação prejudicial e contínua, traduzida na impossibilidade de acesso pleno da R. aos concursos anuais de docentes, que a devida contagem do tempo de serviço permitiria ultrapassar - ou pelo menos minorar - com a correta graduação da R.;
12ª - Contexto em que, do que supra se expôs, se consideram verificados os requisitos de que depende o decretamento da providência e, necessariamente, o normal prosseguimento dos autos, para prolação de decisão de mérito.
Termos em que, revogando a decisão proferida e ordenando o prosseguimento dos autos, farão v.exas. Justiça!”

As aqui Recorridas não vieram a apresentar Contra-alegações de Recurso.
O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por Despacho de 17 de Julho de 2023.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 28 de julho de 2023, nada veio dizer, Requerer ou Promover.
Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se suscita, designadamente, que o tribunal a quo esteve mal ao julgar improcedente a providência cautelar requerida, por ausência do requisito “periculum in mora”.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade provada:
“1. Em 02.10.2019 o Diretor Pedagógico do Centro de Estudos de Fátima emitiu declaração de tempo de serviço em nome da Requerente referente aos anos letivos 1997/1998 a 2003/2004, mais declarando que o referido serviço não tinha sido prestado em regime de acumulação com a função pública nem outra atividade privada (cf. declaração junta como doc. n.° 1 do requerimento inicial);
2. Em 02.10.2019 o Diretor Pedagógico do Centro de Estudos de Fátima emitiu declaração de tempo de serviço em nome da Requerente referente aos anos letivos 2004/2005 a 2012/2013, mais declarando que o referido serviço não tinha sido prestado em regime de acumulação com a função pública nem outra atividade privada (cf. declaração junta como doc. n.° 2 do requerimento inicial);
3. Em 12.01.2020 a Requerente solicitou junto da DGAE a certificação do tempo de serviço prestado entre os anos letivos 2013/2014 e 2018/2019 no Centro de Estudos de Fátima (cf. recibo junto como doc. n.° 6 da oposição);
4. Em 16.01.2020 a Diretora Geral da Administração Escolar certificou o tempo de serviço prestado pela Requerente nos anos letivos 2013/2014 a 2018/2019 no Centro de Estudos de Fátima (cf. print junto como doc. n.° 7 da oposição);
5. Em 16.01.2020 a Diretora Geral da Administração Escolar emitiu declaração de tempo de serviço prestado pela Requerente no Centro de Estudos de Fátima e referente aos anos letivos 2013/2014 a 2018/2019, mais declarando que o referido serviço não tinha sido prestado em regime de acumulação de funções (cf. declaração junta como doc. n.° 4 do requerimento inicial);
6. Em data concretamente não determinada a Requerente concorreu ao concurso externo aberto para o ano letivo 2020/2021 pelo Ministério da Educação para o Grupo 600 - Artes Visuais na posição 628 (cf. print junto como doc. n.° 7 do requerimento inicial);
7. Em 09.10.2020 a DGAE comunicou à Requerente a sua seleção, através de contratação de Escola, pela Escola Artística António Arroio, em Lisboa, para o horário n.° 19 (cf. correio junto como doc. n.° 8 do requerimento inicial);
8. Em 11.03.2021 a Requerente solicitou junto da DGAE a certificação do tempo de serviço prestado entre os anos letivos 2002/2003 e 2005/2006 no Centro de Estudos de Fátima (cf. recibo junto como doc. n.° 12 da oposição);
9. Em 14.04.2021 a Diretora Geral da Administração Escolar indeferiu a certificação do serviço prestado pela Requerente entre os anos letivos 2002/2003 e 2005/2006 no Centro de Estudos de Fátima, nos seguintes termos (cf. print junto como doc. n.° 13 da contestação):
Nos termos do artigo 114.° do Código de Procedimento Administrativo, é V. Ex.a notificada de que, por despacho proferido em 14 de abril de 2021, pela Sra. Diretora-Geral da Administração Escolar, no uso de competências próprias, nos termos da alínea e) do art.° 5.° da Portaria n.° 30/2013, de 29 de janeiro, foi indeferido o pedido de certificação de tempo de serviço requerido, por não se encontrarem cumpridas as condições expressas nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 50° do Decreto-Lei n.° 152/2013, de 4 de novembro conjugado com o Decreto-Lei n.° 169/85, de 20 de maio, relativamente ao tempo de serviço prestado pelo(a) docente, nomeadamente, por o tempo de serviço prestado ser passível de certificação para efeitos de concurso, se o docente comprovar habilitação legal para a docência (habilitação própria ou qualificação profissional), em conformidade com o disposto na alínea b) do ponto 1 do artigo50°do DL 152/2013, de 04/11.
(…)’’
10. Em 28.09.2021 a Requerente solicitou junto da DGAE a certificação do tempo de serviço prestado entre os anos letivos 2002/2003 e 2005/2006 no Centro de Estudos de Fátima (cf. recibo junto como doc. n.° 16 da oposição);
11. Em 28.10.2021 a Diretora Geral da Administração Escolar certificou o tempo de serviço prestado pela Requerente entre os anos letivos 2002/2003 e 2005/2006 no Centro de Estudos de Fátima (cf. print junto como doc. n.° 17 da oposição);
12. Em 28.10.2021 a Diretora Geral da Administração Escolar emitiu declaração de tempo de serviço prestado pela Requerente no Centro de Estudos de Fátima e referente entre os anos letivos 2002/2003 e 2005/2006, mais declarando que o referido serviço não tinha sido prestado em regime de acumulação de funções (cf. declaração junta como doc. n.° 17 da oposição);
13. Em 01.10.2021 a DGAE comunicou à Requerente a sua seleção, através de contratação de escola, pelo Agrupamento de Escolas Marcelino Mesquita do Cartaxo, para o horário n.° 54 (cf. correio junto como doc. n.° 9 do requerimento inicial);
14. Em 28.10.2021 a Diretora Pedagógica do Centro de Estudos de Fátima emitiu declaração de tempo de serviço em nome da Requerente referente aos anos letivos 2002/2003 a 2005/2006, mais declarando que o referido serviço não tinha sido prestado em regime de acumulação de funções (cf. declaração junta como doc. n.° 3 do requerimento inicial);
15. Em 04.02.2022 a Requerente dirigiu à DGAE exposição na qual requeria “a reapreciação do tempo de serviço efetivamente prestado e não reconhecido, com a emissão de certidão do mesmo, devidamente retificado e contabilizado” (cf. declaração junta como doc. n.° 5 do requerimento inicial);
16. Em 19.09.2022 a DGAE comunicou à A. a sua seleção, através de contratação de escola, pelo Agrupamento de Escolas Dr. Ginestal Machado, em Santarém, para o horário n.° 22 (cf. correio junto como doc. n.° 9 do requerimento inicial).

IV – Do Direito
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão recorrida:
“(…) Para que se encontre preenchido o requisito do periculum in mora será necessário, portanto, que se verifique na esfera jurídica do requerente das providências um “fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja porque (a) a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil; seja, pelo menos, porque (b) essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis” (…)
Conforme decidido a este propósito pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA) Norte de 24.04.2015 (Proc. n.° 00831/14.4BEAVR, “para aferir da verificação ou não deste requisito, o juiz deve ponderar as circunstâncias concretas do caso em Junção da utilidade da sentença e não decidir com base em critérios abstratos, ponderando, designadamente, sobre as dificuldades que envolvem o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar” (…)
Ora, o decretamento das providências tem em vista, desde logo, impedir a criação de uma situação de facto consumado, que impossibilite a restauração natural da esfera jurídica do interessado na eventualidade de procedência da sua pretensão principal, por irreversibilidade da sua situação.
Mas o preceito em causa faz não só apelo à constituição de uma situação de facto consumado, também se referindo, alternativamente, à produção de prejuízos de difícil reparação, o que igualmente se pretende evitar.
Prejuízos de difícil reparação são aqueles cuja reintegração no plano dos factos se perspetiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente (…)
Em qualquer dos casos, será ainda necessário alegar e provar que se está perante uma situação de fundado receio, o qual não pode configurar um receio meramente eventual ou hipotético.
Neste sentido, ABRANTES GERALDES defende que “o receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável deve ser fundado (...). Não bastam, pois, simples dúvidas, conjeturas ou receios meramente subjetivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efetivas lesões ” (Temas da Reforma de Processo Civil, Vol. III, 3.a edição, pág. 103 e seg.).
Para esse efeito, continua o aludido autor, o fundado receio deverá apresentar-se “apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo”.
Ora, o tribunal “deve fazer um juízo de prognose colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há ou não razão para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica. Neste juízo, o fundado receio há-de corresponder a uma prova, em princípio a cargo do Requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar compreensível ou justificada a cautela que é solicitada” (…)
Aqui chegados, de realçar ainda que é à aqui Requerente que cabe o ónus de alegação e prova dos factos suscetíveis de sustentar a verificação de uma situação de facto consumado ou de um prejuízo de difícil reparação que alicerce o perigo da demora que justifique o decretamento das providências peticionadas.
Não obstante, e sempre tendo em consideração as caraterísticas desta sede cautelar, a este juízo de fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação há-de corresponder uma prova de que tais situações são suficientemente prováveis, para que se possa considerar compreensível ou justificada a cautela solicitada.
De facto, sendo certo que também nos processos cautelares vigora a regra geral do ónus da prova, segundo a qual àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do mesmo (cf. artigo 342.°, n.° 1 do Código Civil), em bom rigor, neste âmbito processual, o legislador basta-se com uma prova sumária dos fundamentos do pedido, conforme decorre do artigo 114.°, n.° 3, alínea g) do CPTA. De tal modo que será necessário e suficiente que, com base na prova sumária de factos alegados e no encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objetivas, o julgador possa fazer um juízo de séria probabilidade da constituição de uma situação de facto consumado, ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal, caso recuse a concessão da providência ou das providências solicitadas.
Tendo em consideração o que se deixou exposto e retornando ao caso em apreço, desde já se adiante que julgamos não se encontrarem cumpridas as exigências legais para que se possa ter como preenchido o requisito do periculum in mora.
Em favor da verdade, conforme decorre do supra exposto, afigura-se como essencial para o decretamento das providências cautelares que vêm requeridas que a Requerente tivesse cumprido, desde logo, o respetivo ónus de alegar a matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão das mesmas, nos termos do artigo 342.° do Código Civil, não podendo o Tribunal substituir-se às mesmas.
Sobre a Requerente impende, na verdade, o ónus geral de alegação da matéria de facto integradora, para além do mais, do requisito legal do periculum in mora, assim como lhe cabe o ónus do oferecimento de prova sumária de tal requisito - sempre por referência, portanto, a factos concretos que demonstrem e concretizem o invocado perigo na demora.
Veja-se, a este propósito e com pertinência para o caso em apreço, o acórdão do TCA Sul de 21.02.2019, proferido no Proc. n.° 243/17.8BELLE (disponível em www.dgsi.pt):
“(...) Em sede cautelar, a apreciação que cumpre efetuar assenta num mero juízo de verosimilhança, em que, ao conceder a providência, o tribunal «não se baseia sobre a certeza do direito do requerente, mas apenas sobre uma probabilidade séria da existência desse direito (fumus boni iuris; summaria cognitio; não verdadeira prova, mas simples justificação)».
Mesmo em matéria de ambiente os danos que justificam o juízo de verosimilhança do periculum in mora devem ser perspetivados segundo um critério de probabilidade, apoiado em regras da experiência ou de ciência, não bastando a mera possibilidade da sua ocorrência.
Só o apuramento, ainda que sumário, de factos concretos de que a intervenção preventiva é necessária para impedir a consumação de situações lesivas, que, de outro modo, resultariam com a demora do processo principal, justifica seja decretada a providência”.
A esta luz, julgamos que a Requerente não deu cumprimento ao ónus de alegação concretizada que sobre si impende, por carecer o requerimento inicial de factos concretos que justifiquem a adoção das providências requeridas.
Com efeito, veja-se que, sendo suscetível de ser tido em conta na análise da verificação do requisito do periculum in mora, a Requerente alega, unicamente:
“18° A situação concreta da R. configura situação de produção de prejuízos de difícil reparação (periculum in mora), probabilidade séria da procedência da sua pretensão, na ação principal a intentar (fumus boni iuris) e ausência de danos com o deferimento da providência (juízo de ponderação).
19° Razão pela qual, se afiguram preenchidos os requisitos de que depende o deferimento da providência ora requerida, tal como previsto no art° 120°, n°1, do CPTA. Tanto mais que,
20° se aproxima a fase de concurso anual promovida pelo Ministério da Educação, no qual a R. pretende ser graduada, na posição que decorra do reconhecimento legítimo do seu tempo integral de serviço. ”
Ora, afigura-se que a alegação da Requerente a propósito do periculum in mora corresponde a meros juízos conclusivos e abstratos, não vindo concretizadas as específicas repercussões da demora na resolução do processo principal que venha a ser intentado.
Refere a Requerente que, não sendo contabilizado o tempo de serviço que considera dever ser tido em conta, se produzirão prejuízos de difícil reparação, mais referindo a proximidade da fase de concurso anual promovida pela Entidade Requerida.
Estamos, como é bom de ver, perante um juízo meramente conclusivo, no qual a Requerente apenas se refere à produção de um prejuízo que não quantifica ou especifica, não relatando ao Tribunal através de uma alegação circunstanciada o modo como a conduta das Requeridas afetará o seu quotidiano, a sua personalidade, ou o seu agregado familiar, não chegando a perceber-se como, ou em que medida, ou em que esfera, esse prejuízo se produzirá, ou sequer que prejuízo é esse. Não se compreende quais são as concretas repercussões da não adoção, por parte das Requeridas, destas condutas, ou que danos concretos serão produzidos na esfera jurídica da Requerente. Nem se especifica o motivo pelo qual esse prejuízo, mais uma vez indeterminado, será irreparável, ou como se produzirá uma situação de facto consumado até ao desfecho da ação principal.
Do que se disse decorre, pois, que a verificação do periculum in mora exigia maior explicitação, por parte da Requerente, de factos concretos dos quais se retirassem os danos irreversíveis ou de difícil reparação que poderão ser provocados pelo facto de as Requeridas contabilizarem parte do tempo de serviço prestado em instituição de ensino particular.
Do exposto decorre, portanto, que a verificação do periculum in mora assenta nos factos alegados pelas partes, de tal modo que uma alegação insuficiente e meramente conclusiva, como a que se verifica no caso em apreço, não é adequada para a averiguação do preenchimento de tal requisito, o qual sempre dependeria do apuramento de factos concretos que justificassem a intervenção judicial cautelar.
(…)
Pelo exposto, não se verifica, no caso em análise, o requisito do periculum in mora.
Sendo cumulativos os requisitos de concessão da providência, conforme resulta expressamente dos normativos acima descritos, verifica-se a necessária impossibilidade de conceder provimento à pretensão cautelar da Requerente com a não verificação de apenas um deles, pelo que fica prejudicado o conhecimento do requisito do fumus boni iuris e da ponderação de interesses, nos termos do n.° 2 do artigo 608.° do CPC, havendo que julgar totalmente improcedente a presente ação, com a consequente absolvição da Entidade Requerida do pedido, o que a final se determinará.”

Vejamos:
Refira-se, desde já, que se acompanha o sentido da decisão proferida em 1ª Instância.
Com efeito, no âmbito do processo administrativo, o decretamento de uma providência cautelar envolve, nos termos do artigo 120.º do CPTA, que sejam tomados em consideração cumulativamente três critérios:
i) o fumus bonus iuri;
ii) o periculum in mora, e
iii) uma ponderação entre todos os interesses em presença.

Como reiteradamente tem sido afirmado, designadamente no acórdão do TCAN nº 1003/16.9BEPNF, de 24-02-2017, relatado pelo aqui igualmente relator:
“(…) impõe-se ao tribunal que, mediante um juízo de prognose, avalie se, face a uma eventual sentença, proferida no processo principal, que conceda provimento à pretensão do requerente, a mesma virá a revelar-se inútil em virtude de, entretanto, se ter criado uma situação de facto consumado com a mesma incompatível, isto é, se se tornar impossível a reintegração da situação conforme à legalidade, ou se essa reintegração for muito difícil, ou se entretanto se produzirem prejuízos de difícil reparação para os interesses do Requerente, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica, devendo atender-se a todos os prejuízos, quer estes respeitem a interesses públicos, comunitários ou coletivos, quer estejam em causa apenas interesses individuais. A prova do “fundado receio” a que a lei faz referência deverá ser feita pelo requerente, o qual terá que invocar e provar factos que possam levar o tribunal a concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação, justificando-se por isso a concessão da providência solicitada. Em suma, para que se tenha por preenchido este requisito, não basta um mero juízo de probabilidade; necessário se torna a existência de um receio fundado.”

Em concreto e no que respeita ao periculum in mora, a aqui Recorrente cingiu-se a uma alegação genérica, insuficiente e conclusiva, como enunciado na decisão recorrida.

Está aqui em causa uma Providencia Cautelar tendente a que as entidades demandadas, aqui Recorridas, sejam provisoriamente condenadas ao reconhecimento do tempo de serviço reclamado pela Autora, aqui Recorrente, designadamente para efeitos de graduação e ordenação em concurso de professores.

Efetivamente, a Requerente centra a sua argumentação em conjeturas meramente conclusivas e insuficientes para a apreciação do periculum in mora, apontando singelamente quanto ao requisito em apreciação para a “produção de prejuízos de difícil reparação (periculum in mora)” e a aproximação da “fase de concurso anual promovida pelo Ministério da Educação”, sendo que essas circunstâncias, só por si não permitem concluir pelo preenchimento do periculum in mora, tanto mais que ficou por demonstrar que a atribuição do tempo de serviço reclamado fosse suficiente para a Recorrente obter a colocação desejada.

Se fosse alegado e perfunctoriamente demonstrado, designadamente, que a atribuição dos tempos de serviço reclamados poderiam alterar o posicionamento relativo da Recorrente, poder-se-ia eventualmente dar por verificado o periculum in mora, o que não ocorreu.

Com efeito, nos termos do artigo 120º, n.º 1 do CPTA, as providências cautelares são adotadas, “quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.

Como referem a este propósito Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, exige-se “(...) antes de mais um “fundado receio” quanto às circunstâncias específicas de cada caso. Significa isto que o Juízo sobre o risco de ocorrência deve ser sustentado numa apreciação das circunstâncias específicas de cada caso, baseado na análise de factos concretos, que permitam a um terceiro imparcial concluir que a situação de risco é efetiva, e não uma mera conjetura de verificação eventual.”

Mais referem os mesmos Autores que “se não falharem os demais pressupostos, a providência deve ser concedida se dos factos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade”.

Refere igualmente Vieira de Andrade (In “A Justiça Administrativa” 4º ed. p. 298), que “O juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica.
Neste juízo, o fundado receio há-de corresponder a uma prova, em princípio a cargo do requerente de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar” compreensível” ou “justificada a cautela que é solicitada”.

A argumentação da Recorrente é pois insuficiente e predominantemente conclusiva relativamente aos factos e circunstâncias que poderiam concorrer para a verificação do Periculum in mora.

Como afirmou o Tribunal a quo, “(…) afigura-se que a alegação da Requerente a propósito do periculum in mora corresponde a meros juízos conclusivos e abstratos, não vindo concretizadas as específicas repercussões da demora na resolução do processo principal que venha a ser intentado.”

Não basta alegar que há um risco de produção de danos de difícil reparação para os interesses que a Requerente visa acautelar no processo principal ou de existência de fundado receio na verificação de uma situação de facto consumado; importa, pois, que tal seja devidamente concretizado, por reporte a efetiva factualidade nesse domínio.
Uma vez que a verificação dos requisitos da Providência Cautelar, se mostra cumulativa, e dependente da invocação e demonstração de correspondentes factos, incumbia à aqui Recorrente, o ónus de alegar e provar a matéria de facto integradora do periculum in mora, não cabendo ao tribunal substituir-se à Requerente.

Como se sumariou no Acórdão do TCAN, proferido no processo nº 03317/19.7BEPRT, de 16-10-2020 “Recai sobre o requerente de Providência Cautelar o ónus de fazer prova sumária dos requisitos do periculum in mora, enquanto receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e do fumus boni iuris, enquanto sumária avaliação da probabilidade de existência do direito invocado.
Cabe pois ao Requerente da Providência alegar e provar a existência do periculum in mora, não bastando a mera invocação de considerações genéricas e conclusivas, de uma situação de facto consumado ou de produção de prejuízos de difícil reparação.
Impende sobre o Requerente o ónus de alegação de factos concretos que permitam ao Tribunal perspetivar a existência de prejuízos de difícil reparação ou de uma situação de facto consumado.
(...)
Por maioria de razão, num processo de natureza Cautelar e perante a mera alegação de um facto, tal não determina que o tribunal tenha de o dar por assente, uma vez que alegar não é provar, como decorre do brocardo latino - Allegatio et non probatio quasi non allegatio - Alegar e não provar é quase não alegar.”

Em face de tudo quanto se expendeu supra, tal como decidido em 1ª Instância, não se reconhece o preenchimento do requisito do Periculum in mora, em face do que improcederá o Recurso interposto.

IV - Decisão
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.

Custas pela Recorrente

Lisboa, 12 de outubro de 2023
Frederico de Frias Macedo Branco

Rui Pereira

Pedro Figueiredo (Voto Vencido)
Voto de vencido
Voto vencido, por entender que se encontra alegado e perfunctoriamente demonstrado que a atribuição dos tempos de serviço reclamados, por força da sua extensão, podem alterar o posicionamento relativo da recorrente para efeitos de graduação e ordenação no concurso de professores, e nesta medida configurar o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a requerente visa assegurar no processo principal.
Pedro Figueiredo