Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:955/20.9BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/27/2021
Relator:ANTÓNIO ZIEGLER
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÃO PROCEDIMENTAL: PERSONALIDADE JUDICIÁRIA E LEGITIMIDADE PASSIVA.
CESSAÇÃO DO DEVER DE CONFIDENCIALIDADE FACE AOS PODERES TRIBUTÁRIOS AUTÁRQUICOS E SUA INTEGRAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA.
ACESSO A DADOS PESSOAIS DOS CONTRIBUINTES A PEDIDO E DIRECTA.
Sumário:I) No processo de intimação para prestação de informação procedimental , é dotado de personalidade judiciária e de legitimidade passiva , a pessoa colectiva demandada ainda que a defesa seja conduzida por órgão compreendido naquela e atento a que o processo judicial em causa é um processo de partes.

II) O dever de confidencialidade fiscal cessa em caso de acesso legitimo à informação procedimental , quanto à identificação do domicilio fiscal no âmbito dos poderes tributários dos municípios , ainda que o mesmo revista a natureza de dados pessoais sigilosos.

III) Integrando os municípios a administração fiscal no âmbito dos seus poderes tributários, os mesmos são dotados da faculdade legal de obter tais dados a pedido, o que não obsta à respectiva regulamentação legal do acesso directo e automático à base de dados da ATA.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório

A FAZENDA PÚBLICA vem deduzir recurso da sentença proferida pelo TAF de Sintra, que considerou procedente a intimação requerida pelo MUNICÍPIO DE CASCAIS para a prestação de informações, pedindo a intimação do Ministério das Finanças a “fornecer a informação relativa ao domicílio fiscal das pessoas singulares” que indica, e que, em consequência, intimou o Ministério das Finanças, a fornecer ao Município de Cascais, a informação solicitada, tendo para o efeito apresentado as seguintes conclusões :

63.º

A sentença ora posta em causa ao decidir como decidiu, interpretando a redação do artigo 7.º do Decreto Lei 433/99, de 26/10, e qualificando-a como norma habilitante para a cessação do dever de sigilo fiscal, violou de forma grosseira o espírito do legislador e a lei substantiva da proteção de dados (Regulamento Geral de Protecção de Dados) e a sua transposição para a ordem interna (Lei 58/2019 e 59/2019, ambos de 8 de Agosto).

64.º

Não se reconhece ao MC, apesar de integrar a administração tributária para aplicação das normas da LGT e CPPT, as mesmas atribuições e competências que a autorize legalmente a aceder à base de dados da AT.

65.º

A recolha de dados pessoais pela AT não tem a finalidade de identificar os cidadãos perante toda e qualquer entidade administrativa.

66.º

A cedência de dados protegidos pelo dever de confidencialidade por parte de um funcionário da AT, sem que exista fundamentação legal que a permita, implica não só responsabilidade disciplinar como responsabilidade criminal para o funcionário que atue em desconformidade com a lei.

67.º

Conforme se defende, para a cessação do dever de confidencialidade na cooperação legal da AT com outras entidades públicas, previsto na al. b) do n.º 2 do artigo 64.º da LGT, é necessário a consagração na lei de poderes gerais de acesso por entidades públicas, sendo que, o artigo 7.º do Decreto Lei 433/99, de 26/10, exige a publicação de uma Portaria que regulamente a forma de acesso e, na sua falta, por força do artigo 23.º da Lei da Proteção de Dados Pessoais, deverá ser elaborado um Protocolo entre o MC e a AT.

68.º

Não estando na disponibilidade do MC a aprovação da Portaria, estará, no entanto, a elaboração do Protocolo.

69.º

Salienta-se que existe uma outra base de dados - BDIC (Base Dados de Identificação Civil) - que tem por finalidade organizar e manter atualizada a informação necessária ao estabelecimento da identidade dos cidadãos, que contém, entre outros, o dado residência e na qual é reconhecida a possibilidade de acesso a outras entidades, aos dados nela constantes, cfr. alínea f) do artigo 5.º e alínea d) do artigo 22.º da Lei n.º 33/99, de 18 de maio, alterada por último pela Lei n.º 32/2017, de 01/06, configurando a morada, livremente escolhida pelo cidadão, para ser contactado pelos serviços de identificação civil, os serviços fiscais, os serviços de saúde e os serviços da segurança social, igualmente o seu domicílio fiscal.

Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso por a transmissão dos dados solicitado pela Recorrida configurar violação do previsto no artigo 64.º da LGT conjugado com a Lei 58/2019 e 59/2019, de 8 de Agosto, e artigo 26.º, artigo 35.º, n.º 4 e artigo 266.º, todos da Constituição da República Portuguesa, absolvendo a AT do pedido, com as legais consequências.”

O Requerente apresentou contra-alegações em que sustenta nas respectivas conclusões o seguinte:

“A sentença recorrida deve ser integralmente mantida, negando-se provimento ao recurso interposto e mantendo-se a intimação ao Ministério das Finanças a prestar as informações requeridas, no prazo máximo de dez dias, como de seguida se conclui, em síntese. Vejamos:

1. O Tribunal a quo decidiu acertadamente pela procedência do pedido de intimação apresentado pelo Recorrido para obtenção de informações relativas ao domicílio fiscal de oito contribuintes executados no âmbito dos correspondentes processos de execução fiscal por si instaurados, em razão de existir, por um lado, norma específica que legitima a derrogação do sigilo fiscal ao abrigo do dever de cooperação legal da AT com outras entidades públicas, previsto no artigo 64.º, n.º 2, alínea b) da LGT e, por outro, que ainda que não existisse teria que considerar-se as autarquias locais como parte da AT quando no exercício de competências tributárias em tudo idênticas, como o são as relativas à cobrança coerciva dos tributos da sua titularidade.

2. Como resulta da sentença recorrida existe, ao contrário do que insiste em defender a Recorrente, «norma que atribua ao requerente o acesso à informação protegida ou a possibilidade de determinar a quebra do dever de sigilo e a prestação dessa informação, para efeitos da alínea b), do n.º 2, do artigo 64.º da LGT» – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 30 de setembro de 2020, proferido no processo n.º 108/20.6BEFUN.

3. A Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2018, procedeu à alteração do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, passando a facultar expressamente às autarquias locais o acesso à informação indispensável à realização de diligências de citação, notificação e execução no âmbito dos processos de execução fiscal por si instaurados, prevendo, no seu n.º 6, o direito de consulta nas bases de dados da administração tributária, de informação sobre o domicílio fiscal e a identificação e a localização dos bens do executado.

4. As alterações a que o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro foi sujeito, visaram esclarecer os contornos do dever de confidencialidade, imposto pelo artigo 64.º, n.º 1 da LGT à administração tributária face às autarquias locais, tornando, simultaneamente, efetivos e praticáveis os poderes tributários relativamente aos impostos e outros tributos a cuja receita estas tenham direito, nos termos do disposto no artigo 15.º do RFALEI, os quais compreendem, nomeadamente, a possibilidade de cobrança coerciva desses mesmos impostos e tributos, como determina a alínea c) do mesmo normativo, através do processo de execução fiscal previsto e regulado no CPPT, tal como postula o artigo 12.º, n.º 2 do RGTAL e como passou igualmente a prever, de forma mais genérica, o próprio artigo 7.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, na sua redação inicial.

5. Com efeito, de pouco serviria a atribuição de uma competência específica no âmbito da execução coerciva dos tributos a cuja receita os municípios têm direito, se depois se vissem estes impedidos de levar a cabo as diligências necessárias, por falta de informação fidedigna relativamente ao domicílio fiscal dos executados e, bem assim, aos bens suscetíveis de penhora.

6. Acresce que não é diferente, no que respeita ao seu peso jurídico, o interesse da AT em conhecer o domicílio fiscal dos contribuintes no âmbito de uma execução fiscal, do interesse das autarquias locais em obter essa mesma informação para esse mesmo efeito, no domínio dos tributos por si administrados, não fazendo qualquer sentido conferir tratamento díspar à AT e às autarquias locais, permitindo à primeira o conhecimento do domicílio fiscal dos devedores e vedando essa mesma informação às segundas, tal como decidiu o Tribunal a quo (cf. p. 13 da sentença).

7. Neste contexto, irreleva a necessidade de regulamentação, via Portaria ainda não aprovada, dos termos em que poderá decorrer a consulta informática direta àquelas bases de dados, como dispõe o n.º 8, do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, pois que, o facto de a consulta informática direta às bases de dados se encontrar carecida de maiores desenvolvimentos legislativos, em nada belisca a legitimidade dos municípios no que respeita à consulta não direta, ou seja, por meio dos serviços da AT (como, de resto, vinha acontecendo, sem qualquer oposição, até outubro de 2020, conforme se demonstrou e se pretende que se dê como provado).

8. Esta é a única conclusão que se coaduna com os princípios subjacentes à interpretação da Lei, vigentes no nosso ordenamento jurídico e plasmados no artigo 9.º do Código Civil: desde logo, os elementos literal e lógico favorecem o entendimento do ora Recorrido, na medida em que o termo ‘consulta’, referido no n.º 6 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro é um termo que abrange qualquer tipologia de consulta, seja ela direta informática, direta não informática, indireta informática ou indireta não informática, e na medida em que, permitindo-se o ‘fim’ consulta, necessariamente se permitem os meios necessários à sua consecução, não se restringindo os mesmos à aprovação de sistema informático próprio para o efeito – como foi igualmente decidido pelo Tribunal a quo no âmbito da intimação que correu termos sob o n.º 130/21.5BESNT e cuja sentença se encontra junta como doc. n.º 1 (p. 30).

9. Também os elementos sistemático e histórico validam a autonomia do direito à consulta das bases de dados da AT independentemente da instituição de um sistema informático para consulta direta, como se retira da análise do regime de consulta instituído para os agentes de execução e previsto no artigo 749.º do CPC (cuja redação é, atualmente, bastante próxima da que veio a ser conferida ao artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro), de onde resulta que a Lei já previa a possibilidade de consulta a determinadas bases de dados antes mesmo de conceber a possibilidade de a mesma ser efetuada informática e diretamente pelos agentes de execução, não tendo esse direito sido suspendido durante o tempo em que aquela não se encontrou regulamentada por Portaria.

10. O artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, na redação que lhe foi dada pela LOE para 2018 é claro ao afirmar que apenas a consulta informática direta – e não a consulta em termos genéricos – está dependente de operacionalização por meio de Portaria e ao estabelecer que a identificação do domicílio fiscal dos executados, por mera indicação do respetivo nome e NIF, se encontra abrangida pelo direito de consulta previsto – cfr. artigo 7.º, n.º 7 do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro.

11. Não existe qualquer impedimento, de natureza legal, institucional ou procedimental, a que os municípios acedam às informações necessárias ao exercício das suas competências em matéria de cobrança coerciva dos tributos por si administrados, sendo inequívoca a legitimidade do Recorrido, decorrente dos n.ºs 6 e 7 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99 de 26 de outubro, bem como o seu interesse legítimo e qualificado, decorrente das suas competências em matéria de cobrança coerciva dos impostos e outros tributos por si administrados em conhecer a informação relativa ao domicílio fiscal dos executados nos processos de execução fiscal por si instaurados.

12. Acresce que o direito de consulta não pode, pois, ser ilegalmente limitado nos termos pretendidos pela Recorrente: seja pela obtenção da informação junto de outra fonte, seja pela celebração prévia de um qualquer protocolo para o efeito, a exemplo do que foi feito por outras entidades, criteriosamente enumeradas, nas alegações apresentadas: primeiramente, porque é à base de dados da AT que a Lei Fiscal confere expressamente o direito de acesso e, segundamente, porque o confere especificamente às autarquias locais e não a qualquer dessas outras entidades, razão pela qual certamente se viram as mesmas obrigadas a celebrar o protocolo a que se refere o artigo 23.º, n.º 2 da Lei da Proteção de Dados Pessoais.

13. Se assim é, ou seja, se é a própria Lei que estabelece a faculdade de acesso à base de dados da AT para efeitos da obtenção, por parte das autarquias locais, da informação relativa ao domicílio fiscal dos contribuintes, nos termos já sobejamente expostos, a existência de outras possibilidades não é nem pode ser utilizada pela AT como pretexto para se escusar de lhe dar cumprimento.

14. Conclusão diversa violaria o disposto nos n.ºs 6 e 7 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99 de 26 de outubro e, bem assim, na alínea b), do n.º 2, do artigo 64.º da LGT, que impõem a derrogação do sigilo fiscal no âmbito do dever legal de cooperação entre entidades públicas.

15. Razão pela qual andou bem o Tribunal a quo ao conceder provimento à intimação apresentada, devendo ser negado provimento ao recurso interposto e mantida integralmente a sentença recorrida.

16. Em todo o caso, ainda que pudesse entender-se que o artigo 7.º, n.º 6 institui, não um direito à consulta de informações, mas, na esteira do que defende a Recorrente, um direito à ‘consulta informática direta’ sempre teria de reconhecer-se que o legislador acautelou devidamente a possibilidade de demora na operacionalização dessa faculdade, pois que, a par da consulta às bases de dados da AT, o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro também passou a prever, de forma expressa, no seu n.º 10 que «quando não seja possível o acesso eletrónico, pelo município, aos elementos sobre a identificação e a localização dos bens do executado, a AT deve fornecê-los pelo meio mais célere e no prazo de 30 dias».

17. O entendimento da Recorrente no sentido de que só em caso de “indisponibilidade do sistema informático” podem os Municípios invocar o disposto naquela norma não pode proceder, desde logo porque o que a Lei prevê como pressuposto do acesso indireto ou mediato, por meio de solicitação, às bases de dados da AT é a impossibilidade de acesso eletrónico e não a mencionada ‘indisponibilidade do sistema informático’.

18. Quando o legislador estabelece que a AT deve facultar a consulta às informações a que os municípios têm direito por consulta direta, por qualquer outro meio ‘quando não seja possível o acesso eletrónico’, refere-se, na falta de menção em contrário, a qualquer impossibilidade no acesso eletrónico e não a uma impossibilidade específica e temporária derivada de uma qualquer falha de funcionamento de um sistema informático que a ser criado no âmbito de uma Portaria que não existe ainda.

19. A diferença entre mencionar, por um lado, a possibilidade do recurso aos serviços da AT, quando não seja possível o ‘acesso eletrónico’ e, por outro, a ‘indisponibilidade do sistema informático’, torna-se, neste ponto, evidente: é que, enquanto a falta de um sistema informático apropriado à consulta direta consubstancia a impossibilidade de acesso eletrónico por excelência, já a indisponibilidade do sistema informático pressupõe a existência de um, como condição prévia de acesso à informação.

20. Perante a redação da Lei, apenas há que questionar se à data em que foi solicitada à AT prestação das informações sub judice era possível o acesso eletrónico direto às suas bases de dados por parte da Requerente, devendo a AT, em caso de resposta negativa – como sucede in casu – facultar a consulta aos dados solicitados pelo Recorrido, no prazo de 30 dias, conforme decorre do n.º 10, do artigo 7.º, do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro.

21. Neste ponto, valem igualmente as considerações já tecidas a propósito dos princípios da interpretação da Lei, mormente no que respeita aos elementos sistemático e histórico, por paralelismo com o regime aplicável aos agentes de execução, para quem a Lei sempre previu o direito à consulta, em variadas bases de dados, dos elementos identificativos dos executados e dos bens suscetíveis de penhora e respetiva localização e, bem assim, um prazo para que o produto dessa consulta lhes fosse disponibilizado pelas entidades competentes – cfr. artigo 833.º, n.º 1 e n.º 3 do CPC, entretanto revogado (hoje artigo 749.º do CPC).

22. Com a aprovação do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, que substituiu o artigo 833.º pelo artigo 833.º-A, passou, então a prever-se o mesmo direito de consulta, desta feita por meio preferencial de consulta direta informática, nunca se tendo questionado que o direito à consulta em si mesmo se manteve intacto durante o tempo que mediou esta alteração e a aprovação da portaria que regulamentou aquela consulta direta informática.

23. Sendo factual que não lhe é, presentemente, possível o acesso eletrónico às bases de dados da AT, é inequívoca a sua obrigação em facultar ao Recorrido as informações oportunamente solicitadas, ao abrigo do n.º 10, do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, conclusão a que chegou igualmente o Tribunal a quo na sentença recorrida, mas também no âmbito da intimação que correu termos sob o n.º 130/21.5BESNT, entre as mesmas partes e versando sobre a mesma questão, em cuja sentença se lê que «a impossibilidade de acesso eletrónico, sujeita a regulamentação ou à celebração de protocolos direcionados para o efeito, não pode condicionar o acesso à informação, pelo que o direito de consulta deve ser assegurado por qualquer outra via, designadamente, como se passa no caso dos autos, mediante a apresentação de um pedido, devidamente circunstanciado, com a indicação da finalidade a que se destina e do processo de execução fiscal em causa.» – cfr. p. 30 da sentença junta como doc. n.º 1.

24. Pelo que andou bem o Tribunal a quo ao ter intimado o Ministério das Finanças a prestar essas mesmas informações, conforme dispõe o artigo 108.º, n.º 1 do CPTA, devendo ser negado provimento ao recurso interposto e confirmada a sentença recorrida.

25. Finalmente, como decorre do disposto no artigo 1.º, n.º 3 da LGT e como concluiu o Tribunal a quo, no âmbito da intimação n.º 130/21.5BESNT, sempre se dirá que as autarquias locais «integram a administração tributária, não se justificando uma diferença de tratamento entre entidades que detêm, nos termos da lei, os mesmos poderes tributários, in casu, a Autoridade Tributária e as autarquias locais.» – p. 24 da sentença junta como doc. n.º 1.

26. Já no âmbito do enquadramento legislativo anterior à LOE para 2018, devia entender-se que o sigilo fiscal previsto no artigo 64.º, n.º 1 da LGT não é aplicável entre os órgãos da AT stricto sensu e as demais entidades integrantes da Administração Tributária para efeitos do disposto no artigo 1.º, n.º 3 da LGT.

27. Quer a AT e o Recorrido são, para efeitos daquela norma, entidades similares, dotadas dos mesmos poderes tributários, sendo que a comunicação ao Recorrido dos dados recolhidos pela AT nesse âmbito não desvirtua a finalidade da dita recolha.

28. Adicionalmente, do artigo 64.º, n.º 3 da LGT resulta que o dever de sigilo, previsto no n.º 1 do mesmo artigo se comunica a quem quer que obtenha da Autoridade Tributária os elementos protegidos pelo dever de confidencialidade, nos mesmos termos em que esta está sujeita e obrigada a tal dever.

29. Nestes termos, «a derrogação do sigilo comporta uma extensão do dever de confidencialidade às entidades e agentes a favor de quem tal derrogação opera» – cfr. p. 15 da sentença recorrida.

30. Concluindo-se, na esteira do que se deixou plasmado no Parecer n.º 496/2015, proferido no âmbito do processo n.º 745/2015 pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), que a comunicação ao Recorrido da informação relativa ao domicílio fiscal dos executados nos processos por si instaurados, no âmbito dos poderes tributários de que dispõe, não acarreta necessariamente a violação do dever de confidencialidade ou do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar dos titulares da informação, uma vez que o Recorrido se encontra, igualmente, sujeito ao dever de sigilo.

31. Com as alterações legislativas operadas pela LOE para 2018, o legislador mais não fez do que tornar expressa uma interpretação que, na verdade, já resultava da Lei fiscal: a de que, por via dos poderes tributários que lhe são conferidos por Lei, nomeadamente em matéria de cobrança coerciva dos tributos por si administrados, as autarquias locais têm legitimidade de acesso às informações necessárias à realização das diligências de execução cabíveis, no âmbito dos processos por si instaurados, em pé de igualdade com a AT.

32. Em conclusão, mesmo que fosse possível entender o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro como uma norma ‘incompleta’ para efeitos da derrogação do sigilo fiscal ao abrigo do disposto no artigo 64.º, n.º 2, alínea b) da LGT, sempre se diria que ela não era necessária para fundamentar a partilhas das informações nos termos requeridos.

33. Tudo razões para que seja negado provimento ao recurso e mantida na íntegra a sentença recorrida.

III. DO PEDIDO

Termos em que, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se integralmente a douta sentença proferida pelo proficiente Tribunal a quo e intimando-se, em consequência, o Ministério das Finanças a facultar a informação relativa ao domicílio fiscal dos executados no âmbito dos processos de execução fiscal n.ºs ….., ….., ….., ….., ….., ….., ….. e ….., instaurados e a correr termos na Câmara Municipal de Cascais, com as necessárias consequências legais, pois,

Só nestes termos será respeitado o DIREITO e feita JUSTIÇA!

O Ministério Público apresentou contra-alegações, nas quais sustenta as seguintes conclusões:

“I – O Ministério Público vem aos autos, em defesa da legalidade e em sede de contra-alegações, no recurso jurisdicional apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente à aliás douta sentença proferida na data de 15.03.2021, de fls. (…), pela qual foi julgado procedente o pedido formulado pela Entidade Requerida, o Município de Cascais, no sentido de que lhe seja fornecida informação sobre o domicílio fiscal de várias pessoas singulares de acordo com o pedido que apresentara previamente.

II – Vem a Autoridade Tributária e Aduaneira recorrer por discordar da decisão proferida pela Mma. Juiz a quo, referindo para tanto, e em síntese, ser a mesma ilegal, por violação do dever de sigilo profissional, por dele ter feito uma errada interpretação, o que conduziu à errada subsunção dos factos à lei, com violação da lei substantiva relativa à protecção de dados pessoais, que foi desaplicada no caso.

III – Todavia, a nosso ver, e sempre salvo o devido respeito, a recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira carece de legitimidade para os termos do recurso, que apresentou, e como aliás carece mesmo de legitimidade processual, pois que a instância se desenvolveu e correu termos sem que nela tivesse intervindo a parte que fora demandada pelo Município de Cascais, e citada no processo, o Ministério das Finanças, e a recorrente carece igualmente de personalidade judiciária, uma e outra excepções dilatórias de conhecimento oficioso (artigos 577º, alíneas c) e e), e 578º, ambos do CPC).

IV – Com efeito, refere o artigo 105º, nº 1, do CPTA, em sede de pressupostos, que “…a intimação deve ser requerida contra a pessoa colectiva de direito público, o ministério ou a secretaria regional cujos órgãos sejam competentes para facultar a informação ou a consulta, ou passar a certidão…”, o que vale dizer que, e no que ora importa, que foi isso mesmo que sucedeu no processo, pois o Município de Cascais indicou como entidade requerida o Ministério das Finanças, que foi justamente citado pela secretaria para responder à pretensão formulada pela Requerente.

V – E refere o artigo 8-Aº, nº 3, também do CPTA, que os ministérios têm personalidade judiciária correspondente à legitimidade que lhes é conferida pela lei processual administrativa.

VI – Essas duas excepções dilatórias, seja a ilegitimidade processual (passiva) da Autoridade Tributária e Aduaneira, e seja a sua própria falta de personalidade judiciária, ainda podem ser conhecidas pelo tribunal de recurso, e isto por serem de conhecimento oficioso (artigo 578º, do CPC), porque não foram suscitadas no processo e nem conhecidas, não relevando para o efeito a referencia tabular que consta do saneamento da sentença, ao referir-se que as partes têm personalidade judiciárias e dotadas de legitimidade, ou seja, pela sua própria natureza sempre impende sobre o tribunal, em qualquer das fases do processo, um dever de conhecimento das mesmas.

VII – A preterição desse dever do juiz, de providenciar pelo suprimento das excepções dilatórias, que decorre das disposições dos artigos 590º, nº 2, alínea a), e 6º, nº 2, ambos do CPC, que, como se disse, não depende da posição que as partes processuais assumam nos seus articulados, configura uma nulidade processual.

VIII – Nestes termos, e no mais de direito, que doutamente não deixará de ser suprido, será de conhecer das excepções ora mencionadas, e da nulidade processual decorrente da omissão do dever de providenciar pelo seu suprimento.

Porém, V.Exas., Venerandos Desembargadores, apreciarão como for de Direito!”

*

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto Parecer no qual refere que:

“A presente acção de intimação para a prestação de informações é regulada pelas normas previstas no C.P.T.A.

Nos termos daquele diploma legal, em especial o seu art. 146º, o MºPº pode pronunciar-se sobre o mérito do recurso em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no nº 2 do art. 9º do mesmo diploma legal, desde que ele não se encontre na posição de recorrente ou recorrido.

No caso dos autos, os interesses em causa não são nenhum daqueles enunciados no referido art. 146º do C.P.T.A.

Por outro lado, no caso presente, o MºPº apresentou contra alegações, tomando a posição de recorrido.

Assim, não se vislumbra razão para que o MºPº se pronuncie sobre o mérito do presente recurso.”

*

Por despacho de 6 de maio de 2021, o TCAS ordenou a notificação das partes primitivas para, ao abrigo do disposto no nº 3, do artº 199º, do CPC, e com observância do artº 201º do CPC, se pronunciarem quanto à ilegitimidade da entidade que contestou a intimação, conforme alegada pelo Ministério Público nas suas contra-alegações de recurso.

Em resposta, veio a AT pugnar pela não verificação da exceção dilatória de falta de legitimidade referido no artigo 577.º, al. e) do CPC e imputada à AT, nem da alegada falta de personalidade judiciária.

Por seu turno, o Município de Cascais emitiu resposta nos termos das respectivas conclusões, e assim pugnando que,

“(...) a sentença recorrida não padece da nulidade invocada, devendo por isso ser mantida, e os presentes Autos prosseguir os seus regulares trâmites até decisão final, por não se verificarem as exceções dilatórias alegada pelo D.M.P.P. nas contra-alegações apresentadas.”

*

Com dispensa dos vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

*

Na decisão recorrida foi a decisão sobre a matéria de facto a seguinte:

“A. Entre 2 de Outubro de 2019 e 20 de Agosto de 2020, a Direcção de Serviços e Registo de Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira, enviou à Câmara Municipal de Cascais, cópia da Situação Cadastral de contribuintes, em resposta a solicitações daquela. - cf. Doc. 3 e 4 juntos pelo Autor – Ofícios da Câmara Municipal de Cascais, n.os ….. e …..e documentação anexa, e mensagens de correio eletrónico - Petição Inicial (373143) Documentos da PI (006273074) de 28/12/2020 15:08:08 e Petição Inicial (373143) Documentos da PI (006273075) de 28/12/2020 15:08:08

B. Em 24 de Agosto de 2020, a Direcção de Serviços e Registo de Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira informou a Câmara Municipal de Cascais, que “as questões e dúvidas relacionadas com as áreas de Identificação e de Actividade (por exemplo: questões relacionadas com a alteração de morada de pessoas singulares e com a representação fiscal; (…) etc.), deveriam passar a ser tratadas no e-balcão do Portal das Finanças”. - cf. Doc. 5 juntos pelo Autor – mensagem de correio eletrónico - Petição Inicial (373143) Documentos da PI (006273076) de 28/12/2020 15:08:08

C. Em 2 de Setembro de 2020, o Serviço de Execuções Fiscais da Câmara de Cascais solicitou no Portal das Finanças “informação relativa ao domicilio” de uma pessoa que identifica em documento anexo. - cf. Doc. 6 juntos pelo Autor – impressão de ecrã extraída do Portal das Finanças – Petição Inicial (373143) Documentos da PI (006273077) de 28/12/2020 15:08:08

D. Em 6 de Setembro de 2020, em resposta ao pedido descrito na alínea anterior, a Autoridade Tributária informou aquele Serviço que “os dados pessoais do contribuinte encontram-se abrangidos pelo regime de confidencialidade, previsto no n.º 1 do artigo 64º da LGT, pelo que só com despacho judicial de autorização poderá ser fornecida a informação requerida – domícílio fiscal”. - cf. Doc. 6 juntos pelo Autor – impressão de ecrã extraída do Portal das Finanças - Petição Inicial (373143) Documentos da PI (006273077) de 28/12/2020 15:08:08

E. Em 10 e 12 de Novembro de 2020, o Serviço de Execuções Fiscais da Câmara de Cascais enviou cartas ao Director de Serviços de Registo de Contribuintes, a solicitar informação relativa ao domicílio fiscal de oito pessoas, identificadas por nome e número de identificação fiscal e com menção ao processo de execução fiscal contra aquelas instaurado, nos seguintes termos:

As autarquias locais exercem poderes tributários nos termos consagrados por lei, os quais compreendem as competências relativas à cobrança coerciva dos tributos que administram, enquanto administração tributária, conforme resulta do nº. 3, do artigo 1º, da Lei Geral Tributária.

Tais competências são exercidas com recurso ao processo de execução fiscal, nos termos decorrentes do artigo 12º, nº 2, da Lei nº 53-E/2006, de 29 de dezembro, que aprovou o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais e da alínea c) do artigo 15º, da Lei nº. 73/2013, de 3 de setembro, que aprovou o Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais.

Ao abrigo das mencionadas disposições legais e tendo em vista a Instrução do processo de execução fiscal identificado em epígrafe, a Responsável pelo Serviço de Execuções Fiscais, da Câmara Municipal de Cascais, considerando a existência de um dever geral de cooperação das entidades públicas com a Administração Tributária, consagrado no artigo 49º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e ainda, a obrigação decorrente dos n.ºs 7 e 10, do artigo 7º., do Decreto-lei nº. 433/99, de 26 de outubro, que aprova o Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redação dada pela Lei nº. 114/2017, de 29 de dezembro, que aprova o Orçamento de Estado para o ano de 2018, nos termos dos quais a informação relativa ao domicílio fiscal do executado deverá ser fornecida pela Autoridade Tributária no prazo de 30 dias, vem solicitar informação relativa ao domicílio fiscal do(a) executado(a) supra identificado(a).

- cf. Doc. 1 junto pelo Autor – Ofícios da Câmara Municipal de Cascais, n.os ….., ….., ….., de 10-11-20, e ….., ….., ….., ….. e ….., de 12-11-20 - Petição Inicial (373143) Documentos da PI (006273072) de 28/12/2020 15:08:08

F. Os ofícios descritos na alínea anterior visam obter o domicilio fiscal de:

i. A….., NIF …..– Processo de Execução Fiscal n.º …..

ii. A….., NIF …..- Processo de Execução Fiscal n.º …..

iii. A….., NIF …..- Processo de Execução Fiscal n.º …..

iv. A….., NIF ….. - Processo de Execução Fiscal n.º …..

v. A….., NIF …..- Processo de Execução Fiscal n.º …..

vi. A….., NIF …..- Processo de Execução Fiscal n.º …..

vii. A….., NIF …..- Processo de Execução Fiscal n.º …..

viii. A….., NIF …..- Processo de Execução Fiscal n.º …..

- cf. Doc. 1 junto pelo Autor – Ofícios da Câmara Municipal de Cascais, n.os ….., ….., ….., de 10-11-20, e ….., ….., ….., ….. e ….., de 12-11-20 - Petição Inicial (373143) Documentos da PI (006273072) de 28/12/2020 15:08:08

G. Em 24 de Novembro de 2020, a SubDirectora Geral dos Impostos proferiu despacho de concordância com a informação elaborada pela Direcção de Serviços de Justiça Tributária, a respeito do pedido do Autor descrito na alínea anterior, de cujo teor se extrai:

"Assunto: Sigilo fiscal (art. 64º. LGT). Pedido informação s/domicílio fiscal-CM Cascais (…)

2. Questão prévia: Da LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA relativa ao acesso a informação e documentos abrangidos pelo SIGILO FISCAL. (…)

2.2. Ora, como é sabido, o acesso a DADOS protegidos pelo DEVER de SIGILO encontra-se regulado em LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA, desde logo, para o que agora interessa, no artigo 41°. do Decreto-Lei n°. 14/2013, de 28 de janeiro (institui o NIF bem como as condições da sua atribuição, efeitos e gestão) e no artigo 64°. da Lei Geral Tributária (LGT). (…)

Sendo que, dos termos conjugados, do disposto no artigo 37°. do Decreto-Lei n°. 14/2013, de 28 de janeiro, com o artigo 64°. da LGT, resulta que, tal dever de sigilo só poderá, nas situações tipificadas no n°. 2 do mesmo artigo 64°. da LGT, de que se destaca na alínea b) a cooperação legal da administração tributária com outras Entidade Pública, na medida dos seus poderes.

3.2. Contudo, esta não é uma norma de aplicação direta, mas de REMISSÃO para os preceitos legais que, no caso, afastem o dever de sigilo. E a derrogação do sigilo fiscal com fundamento na alínea b) do n°. 2 do artigo 64°.da LGT, dependerá ainda da existência de uma NORMA ESPECÍFICA que atribua à Entidade Pública que solicita os elementos, poderes de acesso à informação protegida. (…)

4.1. Ora, sobre o conceito/definição de DADO PESSOAL, na parte que aqui releva, o ponto 1) do artigo 4°. do Regulamento (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril, estabelece o seguinte:

• “Informação relativa a uma PESSOA SINGULAR identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um IDENTIFICADADOR como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular.”

E assim sendo, isto é, por ser uma “informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável", o DOMICÍLIO FISCAL, de cada um dos contribuintes pessoas singulares, identificados pela CM de Cascais nos pedidos que efetuou, através do respetivo NOME e NIF, integra o conceito de DADO PESSOAL - ponto 1) do artigo 4o. do Regulamento (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril.

4.2. Como é sabido, o SIGILO FISCAL abrange, não apenas os dados sobre a situação tributária dos contribuintes (pessoas singulares e coletivas), mas também, e de igual modo, relativamente às pessoas singulares - os seus DADOS PESSOAIS.

Donde, e em resposta à questão que formulámos no início do ponto 4 da presente informação, outra não poderá ser a conclusão, senão a de que:

• o DOMICÍLIO FISCAL de cada um dos contribuintes pessoas singulares (titulares dos dados), identificados pela CM de Cascais nos pedidos que efetuou, é um DADO PESSOAL, abrangido pelo dever de sigilo, nos termos conjugados do disposto no artigo 41°. Do Decreto-Lei n°. 14/2013, de 28 de janeiro, com o n°. 1 do artigo 64°. da LGT.(…)

5. Importa, portanto, averiguar se existe alguma NORMA ESPECÍFICA que, derrogando o dever de sigilo, atribua à CM de Cascais o acesso à informação protegida, no âmbito da cooperação legal da AT com outras Entidades Públicas, nos termos da alínea b) do n°. 2 do artigo 64°. da LGT.

O que se fará de seguida:

5.1. O artigo 7º. do Decreto-Lei n°. 433/99, de 26 de outubro, com a redação que lhe foi dada pelo artigo 269°. da Lei n°. 114/2017, de 29 de Dezembro (aprovou o OE/2018) é a NORMA ESPECÍFICA que, derrogando o dever de sigilo, vem atribuir aos MUNICÍPIOS, poderes de acesso à informação protegida peio dever de sigilo.

Assim, na parte que aqui releva, os n°s 6, 7, 8, 9 e 10 do artigo 7º. do Decreto-Lei n°. 433/99, de 26 de outubro (aprovou o CPPT), estabelecem o seguinte: (…)

5.2. Ora, o que a LEI prevê nos n°s 6, 7, 8, 9 e 10 do artigo 7º. do Decreto-Lei n°. 433/99, de 26 de outubro, é a CONSULTA DIRETA, através do sistema informático (acesso eletrónico), pelos próprios MUNICÍPIOS, designadamente pelos seus “trabalhadores e titulares de órgãos municipais", das bases de dados da AT, para no âmbito das diligencias prévias à PENHORA, obterem informações:

• sobre a IDENTIFICAÇÃO do executado;

• e, sobre a IDENTIFICAÇÃO e LOCALIZAÇÃO dos BENS do executado.

5.3. Para esse efeito, conforme resulta do disposto nos n°s 8 e 9 da mesma disposição legal, será ainda necessária a DEFINIÇÃO e regulamentação através de PORTARIA, dos termos em que se irá processar aquela CONSULTA DIRETA.

PORTARIA que, em outras matérias, deverá definir/especificar, acerca:

• dos utilizadores credenciados (trabalhadores e titulares e órgãos municipais), que terão legitimidade para a consulta direta das bases de dados da AT;

• do registo e conservação dos dados relativos às consultas, efetuadas pelos mesmos trabalhadores e titulares e órgãos municipais;

• dos dados ou categorias de dados, que estarão disponíveis na CONSULTA DIRETA (acesso eletrónico), como de seguida, passaremos a explicar de forma mais detalhada.

5.3.1. No que respeita aos dados sobre a "Identificação do Executado”, que como é sabido, quando relativos a pessoas singulares, são DADOS PESSOAIS, quis o legislador, deixar expressamente estabelecido no n°. 7 do artigo 7º. do Decreto-Lei n°. 433/99, de 26 de outubro, que:

• o DOMICÍLIO FISCAL é o único DADO PESSOAL que poderá ser disponibilizado para CONSULTA DIRETA nas bases de dados da AT.

Ficando EXCLUÍDA, a possibilidade da Portaria poder vir a comtemplar, a consulta de outros DADOS PESSOAIS sobre a “identificação do Executado”.

E nessa medida, o n°. 7 do artigo 7º. do Decreto-Lei n°. 433/99, de 26 de outubro, é uma norma que visa a PROTEÇÃO dos DADOS PESSOAIS dos contribuintes: (i) autorizando o acesso ao Dado Pessoal - domicílio fiscal; (ii) e impedindo o acesso a outros dados pessoais.

Contrariamente, ao que sucede com os dados sobre a “Identificação e Localização de BENS” do executado (dados sobre a sua situação tributária), cuja definição e especificação “deixou em aberto”.

Remetendo para o legislador, no âmbito da Portaria, a definição/concretização dos dados e/ou categorias de dados sobre "Identificação e Localização de BENS” dos executados, que estarão disponíveis na consulta direta. (…)

5.4. Assim sendo, quando em conformidade com o estabelecido nos n°s 6, 7, 8 e 9 do artigo 7º. do Decreto-Lei n°. 433/99, de 26 de outubro, bem como, com o que vier a ser definido na Portaria, estiver implementada a FUNCIONALIDADE que permitirá o ACESSO ELETRÓNICO (através de meios informáticos), às bases de dados da AT, serão os próprios Municípios, designadamente os seus "trabalhadores e titulares de órgãos municipais” (credenciados para o efeito), que terão LEGITIMIDADE para proceder à CONSULTA DIRETA das bases de dados da AT e à pesquisa de informação sobre o DOMICÍLIO FISCAL dos executados, nos PEF's instaurados e a tramitar pelos mesmos Municípios.

Só EXCECIONALMENTE, quando por "indisponibilidade do sistema informático” não for possível o ACESSO ELETRÓNICO, e consequentemente, a CONSULTA DIRETA das bases de dados da AT, pelos próprios Municípios, será possível aos mesmos Municípios, invocarem o disposto no n°. 10 do artigo 7°., para solicitarem DIRETAMENTE aos Serviços de Finanças, informações sobre o DOMICÍLIO FISCAL dos executados.

Sendo que, nesse caso, porque a LEI assim o prevê, os Serviços de Finanças já poderão prestar-lhes as informações solicitadas, nos mesmos termos em que esta informação estaria acessível “por consulta direta", se não tivesse ocorrido a impossibilidade de acesso eletrónico.

À contrário, isto é, por falta de DISPOSIÇÃO LEGAL expressa nesse sentido, nas restantes situações, que serão todas aquelas que não integram a previsão do n°. 10 do artigo 7º. Do Decreto-Lei n°. 433/99, de 26 de outubro, os serviços da AT NÃO têm LEGITIMIDADE para, em resposta aos pedidos que lhes sejam dirigidos - diretamente - pelos Municípios, efetuarem pesquisas nas bases de dados da AT e prestarem informações sobre o DOMICÍLIO FISCAL dos executados, nos PEF's instaurados e a tramitar nos Municípios. (…)

5.5. Não tendo ainda sido publicada a Portaria a que se referem os n°s 8 e 9 do artigo 7°. Do Decreto-Lei n°. 433/99, de 26 de outubro e, em conformidade, implementada a FUNCIONALIDADE que permitirá a CONSULTA DIRETA das bases de dados da AT, pelos trabalhadores dos Municípios e pelos titulares de Órgãos Municipais (credenciados para esse efeito), teremos de concluir que:

• Na presente data, não pode ter ocorrido qualquer situação de impossibilidade de "acesso eletrónico" às bases de ciados da AT, de modo a fundamentar a aplicação do n°. 10 do mesmo artigo 7º. do referido diploma legal.

Sendo que, conforme já aqui foi referido, por falta de disposição legal expressa nesse sentido, nas restantes situações (que serão todas aquelas que não integram a previsão do referido n°. 10 do artigo 7°.), os serviços da AT NÃO têm LEGITIMIDADE para, em resposta aos pedidos que lhes sejam dirigidos - diretamente - pelos Municípios, efetuarem pesquisas nas bases de dados da AT, e prestarem informações sobre o “DOMICÍLIO FISCAL" dos executados, nos PEF's instaurados e a tramitar pelos Municípios.

• Pese embora o alegado pela CM de Cascais, os pedidos de informação que efetuou, sobre o domicílio fiscal de cada um dos contribuintes pessoas singulares, melhor identificados no ponto 1 da presente informação, não integram a previsão do n°. 10 do artigo 7º. Do Decreto-Lei n°. 433/99, de 26 de outubro.

E consequentemente, esta disposição legal não pode fundamentar a cessação do dever de sigilo, e a prestação pelo Serviço de Finanças do respetivo domicílio fiscal ou pela DSRC - diretamente - à CM de Cascais, das informações que solicitou sobre o DOMICÍLIO FISCAL dos mesmos contribuintes pessoas singulares, no âmbito da cooperação legal da AT com outras — entidades púbicas, nos termos da alínea b) do n°. 2 do artigo 64°. da LGT.

Ainda neste âmbito, e conforme explicámos de forma mais detalhada nos pontos 5.3.1. e ,5.3.2. da presente informação, salienta-se que o n°. 7 do artigo 7º. do Decreto-Lei nº. 433/99, de 26 de outubro, é uma norma que visa a PROTEÇÃO dos DADOS PESSOAIS dos contribuintes:

(i) AUTORIZANDO o acesso ao Dado Pessoal - domicílio fiscal (por Lei da Assembleia da República);

(ii) e, IMPEDINDO o acesso a outros dados pessoais.

Ficando EXCLUÍDA, a possibilidade da Portaria poder vir a comtemplar, a consulta de outros DADOS PESSOAIS sobre a “identificação do Executado”.

O que significa que, o nº. 7 do artigo 7º. do Decreto-Lei nº. 433/99, de 26 de outubro, NÃO tem por finalidade “permitir ou facilitar", o acesso ao dado pessoal - domicílio fiscal dos executados - antes de publicada a Portaria e implementada a FUNCIONALIDADE que permitirá o acesso eletrónico, por invocação do nº. 10 do artigo 7º. do Decreto-Lei nº. 433/99, de 26 de outubro, como parece ser convicção da CM de Cascais.

6. Finalmente, importa ainda referir, que o artigo 49°. do CPPT, também invocado pela CM de Cascais, apenas consagra um DEVER GERAL de COOPERAÇÃO ou de AUXILIO, entre Entidades Públicas.

Pelo que, não tendo a caraterística de Norma Específica, também não pode fundamentar a cessação do dever de sigilo, e a prestação da informação solicitada pela CM de Cascais, no âmbito da cooperação legal da AT com outras entidades publicas, nos termos da alínea b) do nº. 2 do artigo 64º. da LGT. (…)". - ". - cf. Doc. 2 junto pelo Autor – Ofício de 2020/12/02, do Serviço de Finanças de Cascais-2, despacho e informação em anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido - Petição Inicial (373143) Documentos da PI (006273073) de 28/12/2020 15:08:08”

Quanto a factos não provados, refere a decisão recorrida que: “Não foram alegados outros factos com relevo para a decisão da causa e que importe registar como não provados.”

Em matéria de motivação, consta da decisão recorrida o seguinte:

“A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou da posição das partes, vertida nos articulados, e no exame dos documentos, não impugnados, constantes dos autos, conforme referido no probatório junto a cada alínea.”

[Fundamentação de direito 1.ª instância]

“Não sendo controvertido que a informação pretendida pelo Autor – domicílio fiscal dos Executados – constitui um dado pessoal e se encontra abrangida pelo sigilo fiscal previsto no artigo 64º da LGT, o que importa apurar, e como refere o TCAS no acórdão acima citado, é tão somente se o Município beneficia de uma norma que “atribua ao requerente o acesso à informação protegida ou a possibilidade de determinar a quebra do dever de sigilo e a prestação dessa informação, para efeitos da alínea b) do nº2 do artigo 64º da LGT”.

Para o Município, a sua legitimidade para acesso a tais dados encontra-se consagrada no n.º 6 do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 433/99, na redação que lhe foi dada por pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2018).

Na tese da Entidade Demandada, e defendendo uma interpretação global do invocado artigo 7º, a aplicação desta norma “está dependente de portaria (n.º 8 do mesmo artigo) que define a forma de consulta directa pelo município à base de dados da AT, portaria essa que ainda não foi publicada”, e na sua falta têm sido celebrados protocolos entre a Autoridade Tributária e diversas entidades com interesse e legitimidade de acesso aos dados que detém.

Conclui que na inexistência da referida portaria “somente com despacho judicial fundamentado” será possível fornecre os dados solicitados, e que o artigo 64º da LGT conjugado com as Leis n.os 58/2018 e 59/2019, obsta à disponibilização da informação solicitada.

Ora, sob a epígrafe "Confidencialidade", dispõe o artigo 64º da LGT, o seguinte:

"1 - Os dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária estão obrigados a guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado.

2 - O dever de sigilo cessa em caso de:

a) (…);

b) Cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes; (…)

3 - O dever de confidencialidade comunica-se a quem quer que, ao abrigo do número anterior, obtenha elementos protegidos pelo segredo fiscal, nos mesmos termos do sigilo da administração tributária. (…)".

Estando em causa a interpretação deste preceito legal, importa recordar que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos a ratio legis, ou seja, o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

E, na fixação do sentido e alcance da lei, deve ainda o intérprete presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como determina o artigo 9º do Código Civil.

Por conseguinte, o intérprete deve procurar a vontade do legislador, conformando-a depois ao caso concreto, partindo desde logo do texto legal (pois não pode considerar como pensamento legislativo algo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso).

O intérprete não pode substituir-se ao legislador, competindo apenas apreender a vontade daquele, socorrendo-se, dos pertinentes elementos da interpretação.

Como ensina a doutrina, para este efeito, deve atender-se aos elementos literal (já que a letra da lei é o primeiro estádio da interpretação, funcionando simultaneamente como ponto de partida e limite de interpretação para determinar o alcance de uma lei), lógico, sistemático histórico, teleológico.

Ora, diz-nos, com clareza, o n.º 2 do artigo 64º da LGT, no que para os presentes autos releva, o dever de sigilo cessa perante o dever de cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos poderes de tais entidades e da Autoridade Tributária (cf. alínea b) do n.º 2 da norma em análise).

Resulta ainda da mesma norma que o dever de confidencialidade se comunica a "quem quer que”, obtenha da Autoridade Tributária os elementos protegidos pelo segredo fiscal, "nos mesmos termos" em que esta está sujeita e obrigada a tal sigilo. (cf. n.º 3 da norma em análise)

Ou seja, a derrogação do sigilo comporta uma extensão do dever de confidencialidade às entidades e agentes a favor de quem tal derrogação opera.

E da norma em análise não resulta qualquer compressão ao âmbito das entidades públicas abrangidas pelo dever de cooperação "legal”, ou seja, não se vislumbra, como pretende a Entidade Demandada, que o legislador tenha pretendido afastar deste âmbito os Municípios. Tanto mais que estes se encontram munidos de poderes de cobrança coerciva ao abrigo do regime jurídico aplicável à Autoridade Tributária, ou seja, o Processo de Execução Fiscal tramitado nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Ora, a aplicação deste processo por parte de outras entidades públicas com poderes de cobrança coerciva de receitas públicas visa justamente dotá-las de meios para assegurar a cobrança de tais receitas.

E, numa primeira análise, deve ser à luz de tal premissa que devemos interpretar a previsão da cessação do sigilo fiscal face ao dever de colaboração, na medida em que a Autoridade Tributária é detentora de um conjunto ímpar de informações sobre os contribuintes, das quais apenas parte diz respeito, exclusivamente, às obrigações tributárias.

Refira-se que a tendência do legislador em uniformizar dos dados "básicos" de identificação dos cidadãos (em concreto, e no que aqui nos ocupa, o domicílio fiscal), tem vindo a evidenciar-se, desde logo, com a agregação das entidades que recolhem tais dados através do sistema de identificação civil, entre os quais se inclui, o que respeita ao domicílio fiscal das pessoas singulares, a Autoridade Tributária.

Assim, será neste enquadramento do sistema jurídico, visto como um todo e à luz dos princípios consagrados no citado artigo 9º do Código Civil, que deve ser "lido" o artigo 64º da LGT.

E da letra desta norma, consta justa e vinculadamente que "o dever de sigilo cessa", e não que "pode ceder", quando se tratar de caso de «cooperação legal» da «administração tributária» com «outras» entidades públicas além da Tributária, e, na «medida dos seus poderes».

Mais ainda, o legislador, alarga o dever de confidencialidade a quem quer que seja que, no âmbito dessa cooperação legal, obtenha da AT os elementos protegidos pelo segredo fiscal, "nos mesmos termos" em que a AT está obrigada, incorrendo nas “mesmas” consequências, criminais, disciplinares ou outras, por violação do segredo fiscal, em que incorre quem pertença à Autoridade Tributária.

Como vem afirmando o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), a “cessação do sigilo fiscal depende da existência de uma norma que atribua ao requerente o acesso à informação protegida ou a possibilidade de determinar a quebra do dever de sigilo e a prestação dessa informação, para efeitos da alínea b) do nº2 do artigo 64º da LGT”. (cf. Acórdão proferido em 30 de Setembro de 2020, no processo n.º 108/20.6BEFUN, com nosso destaque a negrito)

E ainda quanto ao âmbito de aplicação da norma supra transcrita, transpomos para os presentes autos a clara e exaustiva análise do Supremo Tribunal Administrativo (STA), que subscrevemos sem reservas, e que nos permitirá adiante apreciar a posição das partes. Assim, explica o STA, em Acórdão proferido em 16 de Novembro de 2011, no processo n.º 0838/11:

"Em primeiro lugar, convém recordar que o direito à informação encontra expressão normativa de primeiro grau na Constituição da República Portuguesa, desde logo no artigo 268.º, onde se distingue entre o direito à informação procedimental (que pressupõe a qualidade de interessado num procedimento administrativo em curso - n.º 1) e o direito de acesso a arquivos e registos administrativos (em que um dos pressupostos é a inexistência de procedimento administrativo em curso - n.º 2). Segundo este n.º 2, “Os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas”.

E encontra, também, abrigo no artigo 37.º da Constituição, que acolhe a “liberdade de expressão e informação”, dispondo o seu nº 1 que todos têm “o direito de informar, de se informar e de ser informados (...) sem impedimentos nem discriminações”, direitos cujo exercício – acrescenta o nº 2 – “não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura”, bem como no artigo 48.º da Constituição, que ao definir os parâmetros fundamentais da “participação na vida pública”, preceitua que todos os cidadãos têm “o direito de ser esclarecidos objectivamente sobre actos do Estado e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos”.

Estes dois planos constitucionais do direito à informação (procedimental e não procedimental) foram transpostos para a lei ordinária através do Código de Procedimento Administrativo, encontrando-se o primeiro consagrado nos artigos 61.º a 64.º, e o segundo no artigo 65.º, proclamando este último o princípio da “administração aberta” que flui directamente do artigo 268.º n.º 2 da CRP, ao estabelecer que “1 - Todas as pessoas têm direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga directamente respeito, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas”.

Por outro lado, o artigo 5.º da Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto, que regula o acesso aos documentos administrativos, estabelece expressamente que «todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo» e, no específico domínio da actividade tributária, o artigo 63.º da Lei Geral Tributária garante aos contribuintes o “direito à informação” sobre as matérias nele definidas.

Todavia, face ao reconhecimento, também constitucional, do direito à privacidade ou direito de reserva da intimidade da vida privada e familiar, plasmado no artigo 26.º da CRP (Dispõe o artigo 26º da Constituição da República Portuguesa, no seu nº 1, que «a todos são reconhecidos os direitos (...) à reserva da vida privada familiar» e, no seu nº 2, que «a lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva, ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias».), que visa impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e impedir a divulgação de informações que se tenham sobre a vida privada e familiar de outrem, o legislador foi obrigado a estabelecer restrições ao direito à informação e a criar instrumentos jurídicos que funcionem como garantias do direito à privacidade, como é o caso, designadamente, do sigilo profissional, do sigilo bancário e do sigilo fiscal.

Na verdade, e conforme resulta do disposto no artigo 18.º da Constituição, é possível a restrição de certos direitos fundamentais para garantir a salvaguarda de outros direitos constitucionalmente protegidos, restrições que se devem, porém, limitar ao necessário para alcançar os objectivos visados. Ou seja, perante a necessidade de conciliar o princípio da administração pública aberta e da cooperação institucional pública (resultante de uma administração pública regida por coordenadas de legalidade e transparência na prossecução do interesse público) com o direito constitucional à privacidade e sequente carácter sigiloso de certos dados, os conflitos que surjam entre o direito à informação em poder da Administração e o direito dos administrados à privacidade terão de ser analisados à luz das disposições que regulam o acesso à informação e das disposições que restringem esse acesso, numa equilibrada ponderação dos interesses em jogo.

Ora, a consagração da regra do sigilo fiscal corresponde, precisamente, à extensão e reconhecimento do direito à privacidade no âmbito da actividade tributária, enquanto direito fundamental constitucionalmente consagrado, que privilegia a tutela da intimidade privada dos contribuintes e que se traduz num impedimento quer ao acesso a estranhos quer à divulgação de informações disponíveis acerca da vida pessoal e privada dos contribuintes. (…)

Como também esclarecem CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL, J. BACELAR GOUVEIA e J. CARDOSO DA COSTA, na obra citada e que acompanhamos nesta parte, «a ideia de “situação tributáriareflecte um grau relativamente significativo da repercussão dos dados fiscais eventualmente solicitados sobre a visualização e denúncia, parcelar que seja, da situação patrimonial do cidadão fiscalmente relevante, como expressão da sua confidencialidade contributiva. Quer isto dizer que não é tanto um dado fiscal isolado que preocupará o legislador quando impõe a confidencialidade fiscal, mas os dados fiscais que digam algo de forma mais ampla acerca da situação patrimonial dos contribuintes» (sublinhado nosso).

Daí decorre, desde logo, que os dados fiscais confidenciais não excluem o seu carácter económico, como se poderia antever de uma eventual conexão que se admitiu de tais dados com uma perspectiva, personalizada ou intimista do princípio da confidencialidade fiscal. Portanto, deve assentar-se que se tem em vista dados de natureza pessoal, sim, mas cujo teor possa retratar, de algum modo, a capacidade contributiva dos cidadãos» (sublinhado nosso).

(...) Há, pois, que fazer a conjugação do princípio da confidencialidade fiscal com a protecção legal dos dados ditos pessoais, buscando no recurso à noção de capacidade contributiva e de personificação dos dados o critério delimitador do objecto de sigilo fiscal. Deverá, entretanto, ressalvar-se, como é óbvio, os dados retidos pela Administração Fiscal que tenham natureza pública, porquanto a sua divulgação já decorre inclusive de outros institutos. (...).

Resumindo e concluindo: os dados fiscalmente trabalhados terão uma natureza plúrima: podem ter uma natureza pública, quando sejam livremente cognoscíveis por recurso a outras vias jurídico-institucionais (v.g. registo predial, civil, comercial, etc.); podem ser, diversamente, dados estritamente fiscais, mas de índole “neutra” em termos da expressão personalizada de uma situação tributária, como será o caso de todos os dados que se reportem a bens, actos ou factos, enquanto tais e porque objecto de incidência real ou de quaisquer obrigações acessórias de natureza tributária; por fim, a larga maioria dos dados fiscais terá um carácter, por regra, sigiloso porque e se reveladores de capacidade contributiva».

Também a Procuradoria-Geral da República, através do seu Conselho Consultivo, emitiu parecer sobre o sentido e alcance do artigo 17.º, alínea d), do Código de Processo Tributário, combinando-o quer com o artigo 26.º, quer com o artigo 35.º, ambos da Constituição, por forma a habilitar a Administração Fiscal a responder às solicitações que lhe vão sendo efectuadas. De acordo com o seu Parecer n.º 20/94, de 9 de Fevereiro, “A intimidade da vida privada é um desses campos sensíveis, e a situação patrimonial insere-se no vasto campo da vida privada. Por conseguinte, os dados referentes à situação patrimonial de um indivíduo, que a Administração tenha recolhido para determinado fim, só podem ser revelados a terceiros – outros sectores da Administração – nos casos previstos na lei, para responder a um motivo social imperioso e na medida estritamente necessária, no justo equilíbrio entre o interesse que postula a revelação e a protecção da intimidade da vida privada”.

Nesta medida – prossegue o referido Parecer - encontram-se abrangidos pelo sigilo fiscal, integrando-se nos “dados relativos à situação tributária dos contribuintes (...), quaisquer informações, quaisquer elementos informatizados ou não, que reflictam de alguma forma a situação patrimonial dos sujeitos passivos da obrigação de imposto, sejam pessoas singulares ou colectivas, comerciantes e não comerciantes”. Não estarão, contudo, abrangidos pelo dever de sigilo os dados que tenham natureza pública, por serem livremente cognoscíveis por recurso a outras vias jurídico-institucionais, como sejam, os registos predial, comercial e civil.

Razão por que se concluiu, nesse Parecer, que a expressão “dados relativos à situação tributária dos contribuintes” abrange, na sua previsão, quaisquer informações ou elementos que reflictam de alguma forma a situação patrimonial dos sujeitos passivos da obrigação de imposto, sejam pessoas singulares, ou pessoas colectivas, comerciantes e não comerciantes; mas a confidencialidade fiscal protegida não abrangerá os dados que tenham natureza pública, por serem livremente cognoscíveis por recurso a outras vias.

Por conseguinte, e como também salientam CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL, J. BACELAR GOUVEIA e J. CARDOSO DA COSTA, na obra citada, não é tanto um dado fiscal isolado que preocupará o legislador quando impõe a confidencialidade fiscal, mas os dados fiscais que digam algo de forma mais ampla acerca da situação patrimonial dos contribuintes. Os dados fiscais, de per se, terão uma índole “neutra” se não configurarem a expressão personalizada da situação tributária do contribuinte.

De todo o exposto decorre, em conclusão, que estão abrangidos pelo sigilo fiscal os dados de natureza pessoal dos contribuintes (pessoa singular ou colectiva) e os dados expressivos da sua situação tributária (…), os quais só podem ser revelados a terceiros - outros sectores da Administração ou particulares - nos casos expressamente previstos na lei, para responder a um motivo social imperioso, e só na medida estritamente necessária para satisfazer o equilíbrio entre os interesses em jogo.

Poderão, contudo, ser revelados os dados pessoais livremente cognoscíveis (dados públicos ou dados pessoais constantes de documento público oficial, como acontece, por exemplo, com o número de identificação fiscal, com a identificação dos bens inscritos na matriz predial ou no registo predial e comercial) ou os dados que não reflictam nem denunciem minimamente a situação tributária do contribuinte – como acontece, por exemplo com a declaração de início e de cessação de actividade ou com outras obrigações acessórias que não revelem a sua capacidade contributiva. (…)

Ora, consta do artigo 11.º da Lei das Finanças Locais, que «Os municípios dispõem de poderes tributários relativamente a impostos e outros tributos a cuja receita tenham direito, designadamente: a) Acesso à informação actualizada dos impostos municipais e da derrama, liquidados e cobrados, quando a liquidação e cobrança seja assegurada pelos serviços do Estado». E o n.º 6 do seu artigo 13.º estabelece que «A Direcção-Geral dos Impostos fornece à Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) informação, desagregada por municípios, relativa às relações financeiras entre o Estado e o conjunto dos municípios e fornece a cada município informação relativa à liquidação e cobrança de impostos municipais e transferências de receita para o município».

Deste modo, apesar de o artigo 64.º da Lei Geral Tributária consagrar o dever de sigilo fiscal, ele também estabelece que tal dever cessa nas circunstâncias previstas no seu n.º 2, designadamente no caso de «Cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes» -alínea b).

Existindo, assim, o apontado dever legal de cooperação entre a Administração e os Municípios no que toca à informação actualizada dos dados referentes à liquidação e cobrança de impostos municipais e à transferências dessas receitas para os municípios, tem de cessar, quanto a esses dados, o dever de confidencialidade fiscal, embora apenas na medida estritamente necessária para alcançar os objectivos visados com a norma que autoriza o acesso e impõe o dever de cooperação, tendo sempre em atenção a ponderação dos interesses em jogo.

Razão por que continuarão a ter carácter reservado ou confidencial todos os dados de natureza pessoal cuja divulgação, não sendo livremente cognoscível, não se mostre necessária para alcançar os objectivos visados pela norma que legitima o acesso dos Municípios àquela informação, bem como todos os dados cuja difusão, parcelar ou globalmente, evidencie a situação patrimonial ou capacidade contributiva das empresas sujeitas à liquidação e cobrança dos impostos municipais, sabido que essa norma de acesso não afasta expressamente do dever de confidencialidade fiscal a matéria relativa à situação tributária dos contribuintes. (…)".

Sumariando, conclui este Supremo Tribunal, que podem "ser revelados os dados pessoais livremente cognoscíveis (dados públicos ou dados pessoais constantes de documento público oficial, como acontece, por exemplo, com o número de identificação fiscal, com a identificação dos bens inscritos na matriz predial ou no registo predial e comercial) bem como os dados fiscais que não reflictam nem denunciem a situação tributária dos contribuintes". (nosso destaque a negrito)

Enunciada a norma e o seu enquadramento, apliquemo-la ao caso dos autos.

Para este efeito, cumpre enfatizar as informações solicitadas pelo Autor, se restringem ao domicílio fiscal dos Executados. Ou seja, o Município não pretende saber qual o património ou rendimentos dos executados, nem tão pouco a sua situação patrimonial. Pretende apenas obter um meio para os contactar.

Como resulta do acórdão supra citado, que efectua uma análise exaustiva da doutrina, incluindo doutrina administrativa, referente à norma em causa, e em especial no que se refere ao dever de cooperação "entre a Administração e os Municípios no que toca à informação actualizada dos dados referentes à liquidação e cobrança de impostos (…), tem de cessar, quanto a esses dados, o dever de confidencialidade fiscal, embora apenas na medida estritamente necessária para alcançar os objectivos visados com a norma que autoriza o acesso e impõe o dever de cooperação, tendo sempre em atenção a ponderação dos interesses em jogo", salvaguardando sempre a confidencialidade dos dados que evidenciem a situação patrimonial ou a capacidade contributiva dos contribuintes.

Aqui chegados, resta-nos aferir se do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 433/99 (Decreto Preambular do CPPT), resulta, ou não, uma derrogação do sigilo fiscal consagrado no artigo 64º da LGT, ou seja, e como refere o TCAS, se confere, ou não, aos Municípios o direito de “acesso à informação protegida ou a possibilidade de determinar a quebra do dever de sigilo e a prestação dessa informação”.

No que para os presentes autos releva (e na redação invocada), determina o referido artigo o seguinte:

5 - A competência para cobrança coerciva de tributos administrados pelas freguesias pode ser atribuída aos municípios a cuja área pertençam mediante protocolo.

6 - A realização de penhoras é precedida das diligências que a autarquia considere úteis à identificação ou localização de bens penhoráveis, procedendo esta, sempre que necessário, à consulta, nas bases de dados da administração tributária, de informação sobre a identificação do executado e sobre a identificação e a localização dos bens do executado.

7 - A informação sobre a identificação do executado referida no número anterior apenas inclui o domicílio fiscal, mediante indicação à Autoridade Tributária e Aduaneira do número de identificação fiscal.

8 - A consulta direta pelo município às bases de dados referidas no n.º 6 é efetuada em termos a definir por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e das autarquias locais.

9 - A regulamentação referida no número anterior deve especificar, em relação a cada consulta, a obtenção e a conservação dos dados referentes à data da consulta e à identificação do respetivo processo executivo e dos trabalhadores e titulares de órgãos municipais que tenham acesso a informação transmitida pela AT.

10 - Quando não seja possível o acesso eletrónico, pelo município, aos elementos sobre a identificação e a localização dos bens do executado, a AT deve fornecê-los pelo meio mais célere e no prazo de 30 dias”.

Como referimos acima, não é controvertido que a informação pretendida pelo município se resume ao domicilio fiscal dos executados, nem tão pouco a sua legitimidade para a instauração dos processos de execução fiscal a que se destinam os dados solicitados.

Ora, como decorre da sua epígrafe, a norma em análise visa justamente dotar as autarquias locais de meios para realizar as suas competências de cobrança coerciva dos tributos por si administrados.

E para esse efeito, entendeu o legislador, nos n.os 6 e 7 da referida norma, permitir às Autarquias o acesso a informação sobre os executados, com expressa menção ao seu domicílio fiscal “mediante indicação à Autoridade Tributária e Aduaneira do número de identificação fiscal”.

Tendo presentes os critérios de interpretação das normas que acima enunciamos, retiramos da norma invocada pelo Autor, o n.º 6 do artigo 7º do Decreto Preambular do CPPT, a vontade expressa e inequívoca de conferir aos municípios o direito de acesso a informação dos contribuintes contra quem pretenda instaurar execução fiscal, em particular, ao seu domicílio fiscal, desde que faculte à Autoridade tributária o respetivo número de identificação fiscal. (cf. n.º 7 do mesmo artigo)

E será apenas esta a condição para a disponibilização do domicílio fiscal dos executados.

Ao contrário do que defende a Entidade Demandada, os n.os 8 a 10 seguintes, contém normas procedimentais que visam assegurar o exercício do direito concedido no n.º 6 anterior.

Perante a eventual inércia legislativa, no que respeita à aprovação da Portaria, defende a Entidade demandada que o invocado n.º 6 constituísse letra morta da lei, quando não foi essa a vontade expressa do legislador.

Aqui chegados, podemos concluir que, pelo menos desde 1 de Janeiro de 2018 (data de entrada em vigor da Lei do Orçamento do estado para 2018 – Lei n.º 114/2017), os Municípios beneficiam de um regime derrogatório do sigilo fiscal consagrado no artigo 64º da LGT, previsto no artigo 7º do Decreto-Lei n.º 433/99, na redação que lhe foi conferida por aquela lei.

E tanto assim é que esse procedimento foi seguido, pelo menos, em 2019 e até Agosto de 2020 (cf. alínea A) da factualidade assente), e do despacho de indeferimento não resulta qualquer nova norma que justifique a alteração de procedimentos (cf. alínea G) da factualidade assente).

Porém, na contestação à presente acção invocou as obrigações decorrentes da Lei e Regulamento da Protecção de Dados Pessoais.

Porém, não se afigura que destas normas, decorra uma limitação ao que determina o invocado artigo 7º.

Refere o artigo 23º n.º 2 da Lei n.º 59/2019, que “… ” (conforme o original).

Ora, a norma invocada fundamenta o levantamento do sigilo, invocando as competências executivas conferidas aos Municípios, que delimitam a finalidade explicita e legítima, a que reporta o artigo 4º n.º 2 alínea b) da Lei n.º 59/2019, e estabelece os procedimentos a seguir para o concretizar.

É certo que entre a Autoridade tributária e o Município de Cascais não existirá qualquer protocolo nos termos exactamente previstos na norma em análise, mas a reserva e sigilo no tratamento dos dados pessoais em causa, encontra-se prevista nos diversos normativos aplicáveis (desde logo, quando determinam a extensão do sigilo fiscal às entidades e funcionários que tenham acesso aos dados), salvaguardando as exigências previstas pela Lei 59/2019.

Aqui chegados, teremos de concluir pela ilicitude da recusa de partilha de dados entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e o Município, tendo em vista a cobrança por este último de receitas públicas. “.

*

Nos presentes autos recursivos interposto pela ATA, da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, que julgou procedente o pedido formulado pela entidade recorrida , o Município de Cascais, relativa a informação procedimental do domicílio fiscal de determinadas pessoas singulares formulada em sede de execução por dívidas de tributos autárquicos, veio o D.M.M.P. junto do Tribunal recorrido, suscitar a questão prévia de legitimidade processual da entidade demandada nos autos e da necessária personalidade da parte ora recorrente no referido processo de intimação para prestação de Informações, em razão de entender que a instância correu termos sem qualquer intervenção da parte demandada, o Ministério das Finanças, tal como foi demandada em juízo pelo interessado , ao abrigo do disposto nos artºs 104º e 105º, todos do CPTA, e artº 49º, nº1, alínea e), subalínea vi), do ETAF.

*

Nos termos aplicáveis ao presente recurso , será de conhecer , em 1º lugar das ditas questões processuais que possam determinar a absolvição da instância e segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica- cfr nº 1, do artº 608º ,do CPC.

Notificadas as partes primitivas , nos termos do disposto nos nºs 1 e 2, do artº 146º do CPTA, para responderem no prazo de 10 dias, vem a recorrente pronunciar-se nos seguintes termos conclusivos:

“… a AT é um serviço da administração central direta do Estado de acordo com o Decreto-Lei n.° 118/2011, de 15 de Dezembro, fazendo parte das suas atribuições, entre outras, promover a correta aplicação da legislação e das decisões administrativas relacionadas com as suas atribuições e propor as medidas de carácter normativo, técnico e organizacional que se revelem adequadas, exercendo a ação de justiça tributária e assegurando a representação da Fazenda Pública junto dos órgãos judiciais. a apresentar defesa ... É lícito concluir que não se verifica a exceção dilatória de falta de legitimidade referido no artigo 577.°, al. e) do CPC e imputada à AT, nem a alegada falta de personalidade judiciária, conforme foi exposto.”.

Por seu turno vem a recorrida responder sustentando a legitimidade da entidade por si demandada para os autos , independentemente da resposta formulada na dita intimação para prestação de informação ser um órgão que no seio do referido Ministério das Finanças assim conduzindo a defesa da conduta adoptada e designando o respectivo representante em juízo do Ministério.

Cumpre conhecer das questões prévias assim colocadas:

Da alegada ilegitimidade processual passiva e da falta de personalidade judiciária do recorrente para o processo de intimação.

Compulsados os autos verificam-se os seguintes factos, ora aditados ao probatório ao abrigo do disposto no nº1, do artº 662º, do CPC que importam ao conhecimento das preditas excepções:

a) Na p.i. interposta pelo Município de Cascais, vem o interessado requerer contra o Ministério das Finanças, uma intimação dirigida à informação procedimental e de acesso aos registos administrativos contidos nos documentos e bases de dados da ATA , e relativos à identificação de determinados executados pelas dívidas de tributos autárquicos, no que tange ao respectivo domicílio fiscal, que lhe havia sido recusada;

b) Citada a entidade demandada, apresentou resposta a ATA, no qual pugna pela improcedência do pedido;

c) O Tribunal A Quo, após apresentação dos respectivos articulados pelas partes , proferiu despacho saneador, nos seguintes termos:

“ II. Saneamento

O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território.

O processo é o próprio e não padece de vícios que o invalidem total ou parcialmente.

As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, encontrando-se devidamente representadas, e são legítimas.

Não existem nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.”

d) O presente recurso foi deduzido através de requerimento apresentado pela ATA junto do Tribunal recorrido, tendo apresentado as respectivas alegações e conclusões, em que pugna pelo provimento do recurso e consequente revogação da sentença proferida.- cfr autos de Intimação constantes do “SITAF”.

Fixados os factos pertinentes às questões postas , vejamos:

Nos termos do disposto no artº 89º, nº1 e 2, conjugado com o disposto nas alíneas c) e e), do mesmo preceito legal, e do disposto nas alíneas c) e e), do artº 577º e 578º, todos do CPC, importa conhecer das referidas excepções dilatórias suscitadas pelo D.M.M.P., as quais são de conhecimento oficioso por este Tribunal.

Já quanto à personalidade judiciária , resulta a mesma na susceptibilidade de ser parte no processo ( cfr nº1, do artº 8º-A, do CPTA), sendo certo que a ora recorrente , enquanto órgão administrativo que lhe recusou o acesso à informação contida nos registos pertinentes do cadastro dos contribuintes, tem necessariamente personalidade judiciária em razão de ser dotada de personalidade jurídica, sendo que, nos termos da lei , e por efeito da extensão da personalidade judiciária ao respectivo Ministério contida no nº3, do artº 8º-A, do CPTA, esta última é dotada de personalidade judiciária na medida da “ legitimidade passiva que lhes é conferido pelo Código”, pelo que se julga que improcede tal excepção dilatória de falta de personalidade judiciária da referida ATA para os autos. Com bem assinala o Ilte Professor e Jurisconsulto José Carlos Vieira de Andrade, in “ A Justiça Administrativa”, 3º Ed. 2002, Almedina Coimbra, pags 219, tais regras de atribuição de personalidade judiciária deixaram de ter justificação a partir do momento em que “ se constrói o processo administrativo e em especial os meios impugnatórios como “processos de partes”.

No que tange à invocada ilegitimidade processual passiva do requerido para os autos, constata-se que consiste a mesma na verificação da alegada ilegitimidade da entidade que contestou a intimação na pessoa do órgão da pessoa colectiva administrativa de um determinado ente público, neste caso a ATA, e não assim da pessoa colectiva de direito público com poderes de autoridade para a emissão do acto que, no caso do Estado, é o Ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado, neste caso do indeferimento da pretensão do direito de informação procedimental dos referidos dados , face ao disposto no nº 2, do artº 10º, do CPTA, - diga-se aliás, “a latere” que tal também se observaria mesmo em caso de a pretensão ser dirigida contra o próprio órgão administrativo, face ao disposto no nº4, do mesmo preceito legal, situação em que se consideraria regularmente proposta a acção contra o dito Ministério, o que, em qualquer caso, não foi o que se verificou nos autos, tendo o Intimidante demandado correctamente o Ministério competente que, em qualquer caso impunha que parte demandada fosse sempre o correspondente Ministério, o que a Intimidante fez e instou a cumprir tal informação dos dados de morada fiscal dos contribuintes sujeitos a liquidação e cobrança dos tributos autárquicos “sob judicio”.

Atento o disposto no nº1, do artº 105º, do CPTA , norma definidora da legitimidade passiva para intervir no presente processo de intimação, o qual determina que tal providência deva ser requerida contra a pessoa colectiva de direito público, neste caso o ministério das finanças cujos órgãos sejam competentes para facultar a informação ou consulta pretendida pelo interessado, e promovida oficiosamente a citação da entidade demandada, nos termos do disposto na norma contida no nº1, do artº 107º, do CPTA, e tendo sido a entidade administrativa inserida naquele ministério a apresentar resposta, importa apreciar da mesma.

Quanto à legitimidade processual, resultando do referido artº 10º do CPTA, conjugado com o disposto no artº 105º, do mesmo Código, pode então concluir-se que “ em todas as acções que no contencioso administrativo sejam intentadas contra entidades públicas, a legitimidade passiva corresponde à pessoa colectiva e não a um órgão que dela faça parte …”. vd M. Aroso de Almeida in “ O novo Regime de Processo nos Tribunais Administrativos”- Almedina Coimbra , pags 46 e segs ( vd no mesmo sentido Ac. do STA, de 13.11.2013, proferido no Proc. Nº 0148913). Não obstante,

A questão que então põe-se é a de saber se, num caso como dos autos, tendo sido citada devidamente a pessoa colectiva correctamente identificada na p.i., se a apresentação da contestação pode ser subscrita por aquele órgão pertencente à pessoa colectiva pública, o Ministério das Finanças, ou ao invés, como propende o D.M.M.P. tal correcta identificação do Ministério não a desobrigava de apresentar a referida resposta. Ora,

Em tais casos em que esteja em causa a “omissão de um determinado órgão administrativo , ainda que se trate de um órgão subordinado a poderes hierárquicos, seja esse órgão a conduzir a defesa da conduta adoptada” admitindo a lei nesses casos que seja esse órgão a “designar o representante em juízo .. do Ministério…”, nas palavras do Ilte Prof . Mário de Almeida, in idêntica obra , pags 47. Perante tal circunstancialismo,

E como bem observam o Ilte Professor Doutor Freitas do Amaral e autor supra citado, in “Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, Ed Almedina 2002, pags 77, “ …as inovações introduzidas no que respeita à legitimidade passiva e mais concretamente , à identificação da entidade pública demandada em juízo foram determinadas por uma razão de natureza teórica e por duas razões de ordem prática”, ( aqui com o sentido de que quem defende a legalidade do acto impugnado é o órgão que praticou o acto, e simultaneamente se proponha uma acção contra uma entidade publica em caso de impugnação de um acto administrativo), diziam os referidos autores que “… a partir do momento em que se admita, porém, que também quando se impugna um acto administrativo se está a propor uma acção contra uma entidade pública…” concluem que não existirão “…razões que sustentem a diferenciação”. – cfr no mesmo sentido “CPTA Anotado”, M. Aroso de Almeida, pags 73 e segs.-vd ainda o mesmo autor e C. Cadilha in “Dicionário …..”; Almedina 2006, pags 307.

Face a tal enquadramento, pode-se então afirmar que a legitimidade processual passiva do recorrente se concretiza na dita identificação da entidade pública demandada em juízo.

Improcede assim a alegada ilegitimidade da recorrida para os autos de intimação.

Já quanto à necessidade de o Tribunal a Quo dever proferir despacho de aperfeiçoamento para efeitos de suprir tais excepções dilatórias, nos termos do disposto no artº 88º, nº2, do CPTA, ao constatar-se que inexistiam tais excepções que obstavam ao conhecimento do mérito da acção e determinariam a absolvição da instância, não se impunha ao Tribunal A Quo, qualquer despacho de correcção dos referidos articulados pelas partes , tendo procedido e bem à elaboração do correspondente despacho saneador, em que verificou da regularidade processual dos autos e da verificação dos pressupostos processuais, pelo que improcede a arguição de nulidade processual , por o Tribunal não haver omitido qualquer acto ou formalidade prescrita na lei , não sendo aplicável aos autos o disposto no nº1, do artº 195º do CPC.

Ainda relativamente à ilegitimidade do recorrente na presente instância, ela não se observa, desde logo porque se admitiu que as partes eram legítimas e dotadas de personalidade judiciária,

Nos termos expostos improcede a alegação do D.M.M.P. , sendo a instância válida e legal.

*

Nos presentes autos recursivos, interposto pela ATA , da decisão pelo Tribunal de 1ª Instância , que julgou procedente o pedido formulado pela entidade requerida, o Município de Cascais, relativa a informação sobre o domicílio fiscal de determinadas pessoas singulares formulado em sede de execução fiscal por dívidas de tributos autárquicos, importa então abordar as questões postas pela recorrente:

Quanto ao erro na aplicação e interpretação do artº 7º, do Dec. -Lei nº 433/99, de 26.10, por o mesmo não habilitar à predita cessação do dever de confidencialidade , tal como ela é desenhada na alínea b), do nº2, do artº 64º, da LGT , importa dizer o seguinte:

Em matéria de tributos administrados pelas autarquias locais, a atribuição de poderes tributários aos municípios ao abrigo da autonomia local, tem a máxima expressão, no que respeita ao património e finanças próprias , no disposto no artº 238º, a C.R.P. (cujo ratio visa a arrecadação de receitas e realização de despesas).- cfr Lei de Finanças Locais ( Lei nº 73/2013, de 03.09.), criando tributos próprios na sua titularidade ( Cfr Titulo II, da L.F.L.), cuja disciplina encontra-se vertida no artº 15º, da mesma lei, assim como do regime de taxas locais (Lei nº 53-E/2006, de 29.12), o que determina o estabelecimento de relações jurídicas tributárias entre os municípios e os contribuintes ( cfr nº2, do artº 1º, da LGT). – e nessa medida a RTL determina que, a tais relações jurídicas tributárias geradoras da obrigação de pagamento de taxas às autarquias locais, se aplica subsidiariamente a LGT ( cfr alínea b), do artº 2º, daquele diploma legal). Dai que,

As regras relativas à relação jurídica tributária vertido no Titulo II, da LGT, são “… em larga medida aplicáveis “ às relações jurídico- tributárias geradoras de obrigação de pagamento às autarquias locais”, em tudo em que não tenha sido especificamente regulado no próprio RTL, nas palavras do Ilte Professor da F.D.U.L., Dr. Sérgio Vasques, in “Regime das Taxas Locais”- Cadernos IDEF nº 8, Almedina, 2008, pags 78 e segs.

Já no âmbito do procedimento tributário, vertido no Titulo III, da LGT e Título II, do CPPT igualmente acolhido na alínea e), do referido artº 2º, daquele R.T.L., não tem a administração local competências próprias para proceder, nos mesmos termos que a Adm. Central, a actos procedimentais, designadamente os actos inspectivos , ou os procedimentos de avaliação directa e indirecta da matéria tributável ou do V.P. tributário dos tributos sobre o património. E nos mesmos termos quanto ao acesso à informação obtida legalmente quanto aos elementos de identificação e domicilio fiscal ( cfr artº 19º, da LGT).

Actuando as autarquias, em qualquer caso, no âmbito de criação de tributos públicos ( cfr artº 3º, nº1, da LGT), tal significa que tais edilidades e , especificamente os seus órgãos com competência para o efeito, integram a Administração Tributária quanto às ditas relações jurídicas tributárias a si acometidas- cfr nº3, do artº 1º da LGT, “in fine”.

Isto dito, tal não significa que os municípios detêm o direito de exigir , designadamente, o cumprimento do dever que impende sobre os contribuintes, de comunicar o respectivo domicílio fiscal, ou a designação de representante fiscal, muito menos de rectificar oficiosamente o domicilio fiscal , ou considerar como ineficaz a mudança de domicilio enquanto não comunicada à Adm. tributária, a que se referem os nºs 3 a 11, do artº 19º, da LGT. Ora,

Todos esses dados obtidos apenas pela pessoa colectiva pública estadual são, naturalmente sigilosos , quer os mesmos respeitem à situação tributária dos contribuintes, quer se trate de elementos pessoais a que tenham acesso- cfr nº1, do artº 64º, da LGT: Assim,

Tal dever de confidencialidade dos elementos obtidos em qualquer procedimento tributário, deverá ceder apenas na medida em que exista um dever de colaboração e de comunicação, no âmbito da cooperação daquela entidade estadual com outras entidades públicas , e na medida dos seus poderes- cfr alínea b), do nº 2, do artº 64º, da LGT.

Importa então responder à questão de saber se, no âmbito das competências atribuídas às autarquias locais em matéria de execução fiscal e aos órgãos periféricos locais , quanto aos tributos por si administrados, e a que se refere expressamente o nº1, do artº 7º do Dec.-Lei nº 433/99, na redacção dada pela Lei nº 100/2017, de 29.08., e especialmente no que tange à realização de penhoras e demais apreensões de bens aos executados, e demais diligências tendentes à identificação e localização de bens penhoráveis , em que medida podem obter tais elementos através da consulta nas bases de dados da Adm. Central, assim como sobre a identificação do executado, a qual apenas se refere ao domicílio fiscal, e apenas mediante indicação à ATA, do número de identificação fiscal ( cfr nºs 6 e 7, do artº 7º, do Dec.-Lei nº 433/99, de 26.10, na redacção dada pela Lei nº 114/2017, de 29.12.

Quanto à questão então posta de que tal regime supra exposto, não legitima o acesso do referido município à referida base de dados da ATA, sempre se impondo o cumprimento do disposto no nº8, do mesmo preceito legal relativo à necessária publicação de Portaria que regulamente tal forma de acesso e a que se refere o artº 23º, da LPDP ( Lei nº 58/2019, de 08.08), dir-se-á que , independentemente do carácter cumulativo ou disjuntivo das referidas regras apostas nos nºs 6 a 8, do mencionado artº 7º, daquele decreto-lei , o que, no entendimento deste Tribunal importa considerar é que , da interpretação conjugada do artº 1º, nº3, com o nº2, alínea b), do artº 64º, da LGT, o que resulta singelamente é que, integrando-se os municípios, no âmbito dos poderes tributários a si conferidos, na Adm. Tributária “lato sensu”, o carácter sigiloso dos elementos de natureza pessoal dos s.p. , obtidos legalmente pela mesma entidade pública ainda que estadual, deverão ser facultados aos municípios por estes integrarem também a administração tributária , desde que formalizado tal pedido à 1ª , não carecendo de qualquer densificação de tal poder de acesso, o que não se confunde com a dita regulamentação de acesso directo e automático à base de dados, essa sim submetida á necessária regulamentação que defina o respectivo “modus operandi” da sua obtenção pelo município , nos termos referidos nos ditos nºs 6 a 8, do dito preceito legal.

Diga-se ainda que a tal conclusão não contende com o mencionado regulamento de acesso de dados pessoais ínsito no artº 23º, nº 2, da Lei nº 58/2019, de 08.08.2019., já que o mesmo respeita às condicionantes na transmissão de dados entre entidades públicas, quando a mesma se destinar a finalidades diferentes da determinada legalmente para recolha e tratamento de tais dados, no caso vertente atribuída no âmbito estadual, o que no presente caso não se verifica já que, finalisticamente a mesma se destina ao exercício do poder tributário conferido por lei às autarquias locais. Assim sendo,

Entende-se que não impende qualquer necessidade de se protocolar tal transmissibilidade e tratamento de tais dados pessoais , sendo que no âmbito do “Regime de Acesso à Informação Administrativa e Ambiental e de Reutilização dos Documentos Administrativos”, introduzida pela Lei nº 26/2016, de 22.08. , quanto ao acesso à informação abrangida pelo segredo fiscal , e a que se refere a alínea d), do nº4, do seu artº 1º, no sentido de tal regime não derrogar “…a aplicação do disposto em legislação especifica …”, a que alude o corpo da dita norma, é precisamente o caso presente, atento o regulado no referido artº 1º, nº 3, “in fine”, daquela lei geral.

Como bem refere o recente Acórdão deste TCA, proferido em 13.05.2021, proferido no Proc. Nº 130/ 21, o que se pretende indagar não é das condicionantes impostas por lei ( no referido artº 7º), para efeitos de acesso directo à base de dados da ATA, porquanto se acolhe aqui a susceptibilidade de consulta de tais dados pessoais a pedido da autarquia em causa nos autos. De facto, do dito acórdão consta o seguinte quanto a tal questão: “…Ora, a própria Recorrente não põe em causa que o Município integra a administração tributária (cf. conclusão 58°), discorda, isso sim, que tenha as mesmas atribuições e competências que o autorizem legalmente a aceder à base de dados da AT.

Todavia, não está aqui em causa o acesso direito ou consulta direta pelo Município Requerente, ora Recorrido, às bases de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira, sendo certo, como se decidiu, que os funcionários do Município estão sujeitos aos mesmos deveres de reserva e confidencialidade que recaem sobre os trabalhadores da Autoridade Tributária e Aduaneira.”.

Quanto ainda à possibilidade legal do município consultar outra base de dados que lhe é igualmente facultada, não contende, na perspectiva deste Tribunal , da necessidade estritamente tributária de obter a referida residência fiscal, independentemente da constante do registo civil, como também refere o Douto Acórdão supra citado, de que se respiga o seguinte §:

“Acrescente-se ainda que os processos de execução fiscal foram já instaurados, e foram devidamente identificados pelo número no pedido de informações, sendo que os próprios contribuintes têm a expetativa de ser notificados/citados para o seu domicílio fiscal e não no local da sua residência habitual.

Com efeito, apesar de o domicílio fiscal e o local de residência habitual serem, em regra coincidentes, os contribuintes podem aderir ao sistema de notificações eletrónicas, indicando, nesse caso, um endereço eletrónico ou ter nomeado representante fiscal, informações estas que constariam do cadastro.”

De resto,

Como bem refere o recorrido nas suas contra-alegações, o que aqui se subscreve , tal entendimento não resulta contrariado pelo Parecer nº 496/2015, da CADA, na medida em que considerou que tal comunicação à referida edilidade local, daquela informação pertinente ao domicilio fiscal dos devedores dos tributos autárquicos, não significa a violação de tal dever de confidencialidade . De facto no ponto 30 das contra-alegações ficou exarado o seguinte:

“… Concluindo-se, na esteira do que se deixou plasmado no Parecer n.º 496/2015, proferido no âmbito do processo n.º 745/2015 pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), que a comunicação ao Recorrido da informação relativa ao domicílio fiscal dos executados nos processos por si instaurados, no âmbito dos poderes tributários de que dispõe, não acarreta necessariamente a violação do dever de confidencialidade ou do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar dos titulares da informação, uma vez que o Recorrido se encontra, igualmente, sujeito ao dever de sigilo.”

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Assim e em conclusão entende-se que se encontra legitimado o acesso aos dados pessoais dos devedores dos tributos coercivamente cobrados nos autos de execução fiscal em causa nos autos , apenas quanto ao respectivo domicilio fiscal dos executados, ainda que com os presentes fundamentos, decisão a que se procede na parte dispositiva do presente Acórdão.

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Dispositivo:

Nos termos expostos, vai negado provimento ao recurso deduzido pela recorrente, sendo confirmada a sentença proferida pelo Tribunal A Quo, ainda que com os presentes fundamentos.

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Custas em ambas as instâncias a cargo do recorrente.

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Notifique.

[O relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Mário Rebelo e Patrícia Manuel Pires ].