Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:63/22.8 BEFUN
Secção:CA
Data do Acordão:11/09/2023
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:CONCURSO LIMITADO POR PRÉVIA QUALIFICAÇÃO
REQUISITOS MÍNIMOS DE CAPACIDADE FINANCEIRA
PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA CONCORRÊNCIA
Sumário:I - Considerando as características do procedimento em análise e o preço base do contrato (cerca de 2,5 milhões de euros), a entidade administrativa, no exercício das suas prerrogativas, entendeu definir os requisitos mínimos de capacidade financeira para a melhor forma de prosseguir o interesse público, atentos os riscos associados à execução do contrato e da importância de um efectivo e cadenciado cumprimento do contrato de empreitada a realizar.
II - Não colidem com o princípio da proporcionalidade ou da concorrência, os requisitos mínimos de capacidade financeira plasmados nas alíneas c), d) e) do nº 1 da Cláusula 14ª do PP.
III - Em todo o caso, sempre poderiam as Autoras/Recorridas fazer uso do disposto no n.º 3 da Cláusula 14.ª do PP – apresentar uma declaração bancária-, que corresponde à alínea a) do nº 3 do artigo 179º do CCP, o que constitui um meio alternativo a quem não conseguisse demonstrar as condições mínimas prescritas no nº 1, da citada Cláusula.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de CONTRATOS PÚBLICOS
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

T…– Sociedade de Empreitadas, S.A, F… – Sociedade de Construções, S.A e T… SOCIEDADE DE EMPREITADAS, S.A (adiante abreviadamente designadas por T…), Autoras, intentaram no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal a presente acção administrativa de contencioso pré-contratual contra o Município de São Vicente, Entidade Demandada, em que peticionaram que seja concedido provimento à acção e, em consequência:
a) Ser declarada a ilegalidade das disposições contidas nas Cláusulas 13.ª, 14.ª e 33.ª do Programa do Procedimento, tudo com as legais consequências;
b) Ser declarada a ilegalidade do Ato Administrativo de Exclusão da Candidatura das Autoras, bem como do Contrato de Empreitada que, entretanto, venha a ser outorgado ou de quaisquer atos posteriores do Procedimento;
Consequentemente,
c) Deve o Réu ser condenado a praticar todos os atos necessários à restituição da legalidade do procedimento, entre os quais, lançar novo Procedimento expurgado das normas ilegais atacadas, tudo com as legais consequências”.

Por sentença de 08.07.2022, o TAF do Funchal decidiu julgar procedente a acção, declarando a ilegalidade da Cláusula 14.ª, n.º 1, als. c), d) e e) do Programa do Procedimento, anulando os termos subsequentes do procedimento e condenou a Entidade Demandada a reconstitui-lo sem reincidir na dita ilegalidade.
Inconformada a Entidade Demandada, ora Recorrente, veio interpor recurso jurisdicional terminando a sua Alegação com as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso de apelação tem por objeto a impugnação da matéria de facto e de direito incorretamente julgada pela douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal a 08.07.2022, no processo de contencioso pré-contratual n.º 63/22.8BEFUN, que declarou inválidas as al. c), d) e e) do n.º 1 da cláusula 14.ª do Programa do Procedimento (PP), e, consequentemente, anulou os termos subsequentes do procedimento, condenando a Entidade Demanda a reconstituí-lo sem cometer a alegada ilegalidade.
2. Os factos provados encontram-se melhor descritos nos pontos 1) a 15) do título II – Fundamentação de facto, de folhas 3 a 21, da douta sentença.


3. O recorrente considerada que a douta sentença julgou incorretamente a matéria de facto por omissão, em virtude de não ter julgado provados factos relevantes e fundamentais para a boa decisão da causa, não obstante ser manifesta a existência de prova documental carreada para os autos com a contestação e com o requerimento apresentado a 19.05.2022.
4. Por conseguinte, considerado o R. que deveriam ter sido julgados provados pelo Tribunal a quo os seguintes factos:

i. Dos Relatórios Anuais de Analise Económica e Financeira das Empresas do Setor da Construção Civil, referentes aos exercícios de 2017, 2018 e 2019, em virtude de ainda não se encontrar disponível o Relatório relativo ao exercício do ano de 2020, elaborados e disponibilizados no site do IMPC (https://www.impic.pt ), constata-se que o requisito financeiro referente à autonomia financeira fica abaixo da média do quartil superior na maioria das regiões de pais, em relação a um universo de milhares de empresas (Vide doc. 10,11 e 12, que se encontram juntos com a Resposta ao Incidente de adoção de Medidas Provisorias), mais especificamente:

- No ano de 2017, a autonomia financeira das empresas do quartil superior era, por regiões, a seguinte:
Ø 63% na região do Alentejo, num universo de 734 empresas;

Ø 61% na região do Algarve, num universo de 1.376 empresas;

Ø 57% na região Centro, num universo de 4.855 empresas;

Ø 60% na região da AM Lisboa, num universo de 8.090 empresas;

Ø 60% na Madeira, num universo de 527 empresas;

61% nos Açores, num universo de 327 empresas (Vide doc. 10, junto com a resposta ao Incidente de adoção de Medidas Provisorias).

- No ano de 2018, a autonomia financeira das empresas do quartil superior era, por regiões, a seguinte:
Ø 66% na região do Alentejo, num universo de 754 empresas;

Ø 64% na região do Algarve, num universo de 1.460 empresas;

Ø 58% na região Centro, num universo de 4.976 empresas;

Ø 61% na região da AM Lisboa, num universo de 8.414 empresas;

Ø 61% na Madeira, num universo de 567 empresas;

Ø 60% nos Açores, num universo de 351 empresas (Vide doc. 11, junto com a resposta ao Incidente de adoção de Medidas Provisorias).

- No ano de 2019, a autonomia financeira das empresas do quantil superior era, por regiões, a seguinte:
Ø 65% na região do Alentejo, num universo de 792 empresas;

Ø 63% na região do Algarve, num universo de 1553 empresas;

Ø 59% na região Centro, num universo de 5236 empresas;

Ø 62% na região da AM Lisboa, num universo de 8993 empresas;

Ø 61% na Madeira, num universo de 584 empresas;

Ø 59% nos Açores, num universo de 392 empresas (Vide doc. 12, junto com a resposta ao Incidente de adoção de Medidas Provisorias).

ii. Dos supra mencionados Relatórios elaborados pelo IMPIC, consta-se que em várias regiões dos pais, a média da liquidez geral das empresas de construção civil situadas no quantil superior ultrapassou os 400% no ano de 2017, 2018 e 2019, também, em relação a um universo de milhares de empresas (Vide doc. 13, 14 e 15, juntos com a resposta ao Incidente para a Adoção de Medidas Provisórias), mais concretamente:

- Em 2017 a liquidez geral das empresas do quantil superior era, por regiões, a seguinte:

Ø 495% na região do Alentejo, num universo de 731 empresas;

Ø 412% na região do Algarve, num universo de 1.365 empresas;

Ø 357 % na região Centro, num universo de 4.841 empresas;

Ø 443 % na região da AM Lisboa, num universo de 8.047 empresas;

Ø 407 % na Madeira, num universo de 523 empresas (Vide doc. 13, junto com a resposta ao Incidente para a Adoção de Medidas Provisórias).

- Em 2018 a liquidez geral das empresas do quantil superior era, por regiões, a seguinte:

Ø 469% na região do Alentejo, num universo de 747 empresas;

Ø 406% na região do Algarve, num universo de 1455 empresas;

Ø 355 % na região Centro, num universo de 4966 empresas;

Ø 436 % na região da AM Lisboa, num universo de 8367 empresas;

Ø 444 % na Madeira, num universo de 581 empresas (Vide doc. 14, junto com a resposta ao Incidente para a Adoção de Medidas Provisórias).

- Em 2019 a liquidez geral das empresas do quantil superior era, por regiões, a seguinte:
Ø 463% na região do Alentejo, num universo de 786 empresas;

Ø 392% na região do Algarve, num universo de 1549 empresas;

Ø 359 % na região Centro, num universo de 5225 empresas;

Ø 436 % na região da AM Lisboa, num universo de 8952 empresas;

Ø 357 % na Madeira, num universo de 581 empresas (Vide doc. 15, junto com a resposta ao Incidente para a Adoção de Medidas Provisórias).

iii. No que respeita às condições de pagamento dispõe os n.ºs 3 e 4 da cláusula 36.ª do CE o seguinte: “3. Os pagamentos a efetuar pelo dono de obra têm uma periodicidade mensal, sendo o seu montante determinado por medições mensais a realizar de acordo com o disposto na Cláusula 27.º sendo, portanto, o adjudicatário retribuído pelas quantidades de trabalhos efetivamente realizadas.

iv. Do Plano de Pagamentos e do Cronograma Financeiro decorre que no terceiro mês da execução do contrato, os custos previstos serem enfrentados pelo cocontratante são de 210.042,19€ e no quarto mês são de 380.074,87€.

v. No n.º 3 da cláusula 14.ª do PP encontra-se prevista a seguinte faculdade: “3. Nos termos e para os efeitos previsto no n.º 3 do artigo 179.º do CCP, considera-se que equivale ao preenchimento dos requisitos mínimos de capacidade financeira supra exigidos, a apresentação de declaração bancária, conforme modelo constante do Anexo VI do CCP (Anexo 7 ao presente PP).”

5. A prova dos factos i. e ii. supra assenta em prova documental de natureza pública e credível, elaborada e disponibilizado pelo IMPIC.

6. A prova dos factos iii. a v. decorre do conteúdo do CE, do PP e dos documentos da proposta, mais especificamente do Plano de Pagamentos e do Cronograma Financeiro e a dos factos vi. e vii da decisão de adjudicação e do contrato de empreitada, entretanto juntos aos autos, com o requerimento apresentado a 19.05.2022.

7. A douta sentença é nula porque padece do vício de falta de fundamentação, previsto na al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, aplicável subsidiariamente, por força da remissão operada pelo art. 1.º do CPTA.

8. Com efeito, é óbvio que a sentença é vaga e não fundamento objetivamente, com factos concretos, em que medida os requisitos mínimos de capacidade financeira previstos nas als. c), d) e e) do n.º 1 da Clausula 14.ª do P são ilegais, limitando-se, à semelhança das AA. na sua P.I, a concluir que são desproporcionais e violam o principio da concorrência.

9. Na verdade, ficamos sem perceber porque razão tais requisitos são desproporcionais e desadequados e em que medida foram excluídos potenciais concorrentes desnecessariamente e/ou violado o limite previsto no n.º 3 do art. 165.º do CCP.

10. Em síntese: o Tribunal a quo foi à boleia da vaguidade da causa de pedir alegada pelas AA., limitando-se a concluir sem nada fundamentar o que é óbvio no tipo de procedimento de concurso público limitado por prévia qualificação: limitar a participação no procedimento a operadores económicos que preenchem condições especiais de participação.

11. A matéria de direito está reduzida à seguinte questão: Os requisitos mínimos de capacidade financeira fixados nas als. c), d) e e) do n.º 1 da cláusula 14.ª do PP violam os princípios da proporcionalidade e da concorrência?

12. A resposta certa só pode ser negativa.

13. No atual quadro legal as entidades adjudicantes gozam de discricionariedade na decisão de escolha do tipo de procedimento, em particular na opção entre um concurso público e um concurso limitado por prévia qualificação (artigos 18.º, al. b) do art. 19.º e art. 38.º do CCP), bem como na fixação dos requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira (al. h) do n.º 1 e n.º 4 do art. 164.º e art. 165.º do CCP).

14. Veja-se neste sentido a doutrina sufragada por Pedro Costa Gonçalves, in Direito dos Contratos Públicos, 3.ª ed., vol. 1, Almedina, 2018, pg. 746. 749 e 751, onde, numa boa síntese se refere que “(…). Trata-se, certamente, de um poder discricionário, logo materializado na escolha de um modelo de procedimento que inclui aquela fase, e que, a seguir, se estende à própria formulação de requisitos, pois, à entidade adjudicante é concedida a faculdade de formular os requisitos mínimos que reputa necessários e adequados para se assegurar quanto à boa execução do contrato.”

15. Na mesma linha no Ac. do TCAS, de 02.06.2016, Proc. n.º 13187/16, consultável in www.dgsi.pt , sumariou-se o seguinte entendimento:
“I - O concurso limitado por prévia qualificação encontra-se legalmente previsto nos artigos 162.º e seguintes do Código dos Contratos Públicos e compreende duas fases: a fase de apresentação de candidaturas e de qualificação dos candidatos; e a fase de apresentação e análise das propostas e adjudicação.
II - Por força do preceituado nos artigos 164º e 165º do Código dos Contratos Públicos, a entidade adjudicante tem, no âmbito da sua margem de livre decisão, de estabelecer quais os requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira para a boa execução do contrato a celebrar, estando, no entanto, sempre vinculada aos limites decorrentes da proporcionalidade, da concorrência e da igualdade.
III - É da Administração o ónus da prova dos factos constitutivos ou fundamentadores da adequação exigida pela norma que lhe atribui a margem de livre decisão administrativa.
IV - O facto provado de haver, num concurso limitado, apenas um real candidato não prova nada de ilegal, mas é um índice a considerar pelo juiz em sede de controlo jurisdicional da restrição ilegal da concorrência sã e justa.”
16. No caso sub judice os poderes discricionários do Recorrente, enquanto entidade adjudicante, foram exercidos com total respeito pelos princípios da proporcionalidade e concorrência.

17. Na verdade, a realidade destes autos em nada tem a ver com os casos em que o Tribunal sentiu necessidade de balizar a liberdade de decisão da Administração Pública, designadamente através do Ac. TCAN, de 25 de Março de 2010, Proc. 1257/09, cujo sumário é o seguinte:

“VI. Revela-se como desproporcionada a exigência feita no «PC» aos potenciais concorrentes dum volume de negócios mínimo de 15.000.000,00 € (nos últimos 3 anos) quando o contrato que se pretende vir a celebrar tem um valor estimado de cerca de 131.000,00 €.
VII. Tem-se, também, como violadora dos princípios da concorrência e da proporcionalidade, e bem assim do n.º 3 do art. 165.º do CCP, a consagração no concurso em apreço (prestação de serviço de vigilância/recepção), de um requisito mínimo de autonomia financeira igual ou superior a 0,35 quando a execução do contrato tem a duração de nove meses e um preço base de 131.000 €.

VIII. Revela-se igualmente violadora dos princípios da concorrência e da proporcionalidade a definição/exigência no «PC» quanto ao requisito de qualificação da capacidade técnica de potenciais concorrentes a detenção por estes dum número mínimo de vigilantes inscritos no MAI de 1000, em cada um dos últimos três anos e dos quais 75% pertençam aos quadros efectivos da empresa, quando a celebração do contrato de prestação de serviços de vigilância/recepção envolve apenas 14 instalações de saúde da área de Penafiel, Paredes e Castelo de Paiva que exigem cada 01 vigilante nos períodos e horários ali definidos, mostrando-se, eventualmente, suficientes 42 vigilantes.”

E do Ac. - Ac. TCAS, de 24.05.2018, Proc. N.º 1647/17.1BESNT:
“IX. Considerando os concretos termos das prestações contratuais e do contrato a executar, o contrato para prestação de serviços de segurança e de vigilância, pelo prazo de um ano, com o valor base de € 257.000,00, muito inferior ao limiar da Diretiva 2014/24/UE, de € 750.000,00, a exigência como requisito mínimo de capacidade financeira dos candidatos, de que o capital próprio da empresa seja de, pelo menos, 40% do ativo líquido, constitui um excesso, é exagerada e violadora do princípio da proporcionalidade, na vertente da (des)necessidade.”
18. No procedimento sub judice está em causa um contrato de empreitada que tem por objeto a reparação de pavimentos betuminosos com as seguintes principais características:
a) Reparação do pavimento de mais do que 10 vias de circulação do Concelho de São Vicente, algumas das quais constituem vias de grande relevância e importância para a circulação de pessoas e bens, num total de mais de 67.000 m2;

b) O preço base da empreitada é de 2.750 312,34€;

c) O prazo de execução dos trabalhos é de 365 dias;

d) A periodicidade dos pagamentos é mensal, com base em autos de medição, e o prazo de pagamento das faturas é de 60 dias.

e) Até ao 3.º mês a previsão de custos a enfrentar pelo empreiteiro é de 210.042,19 € e no 4.º mês é de 380.074,87 €;

f) As obrigações de garantia são de 5 e 10 anos.

19. Do alegado decorre que estamos perante um contrato de complexa execução, atenta à quantidade de vias de circulação e de m2 que é necessário reparar é à respetiva dispersão, de grande expressão financeira e com prazos de execução e de garantia alargados que impõem especiais preocupações.

20. Por sua vez, é do conhecimento público que as intervenções nas vias públicas de circulação acarretam especiais necessidades de salvaguarda e proteção do interesse público com vista a prevenir e evitar os graves transtornos e incómodos para a vida e regular e normal circulação de pessoas e bens, que lamentável e frequentemente estão associados a este tipo de intervenções.

21. O Tribunal a quo descurou e/ou ignorou completamente a ciência e as normas técnicas padrão aplicáveis à analise dos rácios de gestão financeira das empresas, nomeadamente no que respeita à sua razão de ser e finalidades.

22. A autonomia financeira visa assegurar que a empresa tem capacidade para fazer face aos seus compromissos financeiros através dos capitais próprios.

23. Quanto maior for o rácio de autonomia financeira, maior será a estabilidade da empresa, devendo o valor aceitável e recomendado pelos especialistas situar-se entre os 30% e os 60%.

24. O valor exigido de 60% está dentro dos limites recomendados e está abaixo da média do quartil superior de um grande e significativo número de empresas de construção civil da esmagadora maioria das regiões do país, conforme decorre dos factos a julgar provados, melhor descritos no iten i. do ponto 4 das presentes alegações de recurso.
25. Por sua vez, o rácio de liquidez geral mede a capacidade da empresa fazer face às suas responsabilidades de curto prazo.

26. De acordo com a prudência, quanto maior for o rácio da liquidez geral, o qual é recomendável que seja superior a 100%, maior é a capacidade de a empresa fazer face aos compromissos de curto prazo.

27. Dos factos a julgar provados, melhor descritos no iten ii. do ponto 4 supra, é facilmente percetível que o limite mínimo exigido pelo PP é atingido pelas empresas situadas no quartil superior, também, em relação à esmagadora maioria das regiões do país, no que respeita aos anos de 2017 a 2019.

28. O que significa que são milhares as empesas que cumprem com a percentagem mínima exigida.

29. Por fim, o rácio de solvabilidade corresponde à capacidade de uma empresa satisfazer e assumir compromissos, a médio e longo prazo com recurso à sua estrutura de capitais próprios.

30. É com base neste rácio que se consegue apurar qual a sustentabilidade da empresa no que concerne à sua viabilidade e continuidade.

31. Por conseguinte, quanto mais elevado for o rácio de solvabilidade, maior é a sustentabilidade e viabilidade da empesa e a sua capacidade de honrar as suas dívidas e responsabilidades; quanto menor for, maior é a sua fragilidade.

32. Ora, nas empreitadas este rácio deve ser elevado, porque, para além da elevada expressão financeira que carateriza muitos dos contratos, como é o caso, é muito importante acautelar que a empresa adjudicatária é sustentável e oferece condições de continuidade da atividade, designadamente para cumprir com as obrigações de garantia de obra, que perduram, como é de lei por 5 e 10 anos.
Sem prescindir,
33. Perante a atual redação do n.º 3 do art. 179.º do CCP, a relevância dos requisitos mínimos de capacidade financeira, como condições especiais de seleção, foi severamente reduzida, tornando-se praticamente inócua do ponto de vista da qualificação e concorrencial.

34. Na verdade, ao se prever que equivale aos preenchimento dos requisitos mínimos de capacidade financeira a apresentação de uma declaração bancária, que tem a natureza de uma carta de conforto e de compromisso de disponibilização dos meios financeiros necessários para o adjudicatário enfrentar os custos de execução financeira do contrato, relegou-se os requisitos mínimos de capacidade financeiro para um segundo plano, que de modo algum pode comprometer a qualificação das empresas em procedimentos pré contratuais, designadamente referentes a contratos de empreitada, cuja expressão financeira tenha uma significativa relevância.

35. Por conseguinte, o Tribunal a quo ao descurar e ao ignorar que as AA. poderiam ter feito uso desta faculdade ou, pelo menos, que nada alegaram (para além de uma infundada impossibilidade de obter a declaração dentro do prazo fixado com respeito pelos limites previstos no CPP para apresentar a candidatura) para demostrar que estavam impedidas ou impossibilitadas, por qualquer razão atendível e razoável, de recorrer à mencionada faculdade de equivalência, errou e decidiu mal.

36. Na verdade, as empresas que não reúnam condições para fazer equivaler o preenchimento dos requisitos mínimos de capacidade financeiras, através da apresentação da declaração bancária, também, por igualdade de razão, não devem ser consideradas idóneas para assumir perante as entidades adjudicantes as obrigações que emergem dos contratos públicos a celebrar, sob pena de se compactuar com uma clamorosa incongruência.
37. Quanto a esta questão resta alegar que as AA. não podiam ignorar tal faculdade porque, para além de resultar de uma norma legal, foi expressamente consagrada no n.º 3 do Cláusula 14.ª do PP.

38. Nesta conformidade, no procedimento em apreço, qualquer empresa que não preenchesse os adequados e necessários requisitos mínimos de capacidade financeira exigidos no PP ou noutros termos, poderia candidatar-se, apresentando, em alternativa ao respetivo preenchimento, a declaração bancária, em conformidade com o modelo de declaração a que corresponde o anexo VI do CCP.

39. Em suma: os requisitos de capacidade financeira exigidos nas als. c), d) e e) do n.º 1 da Cláusula 14.ª do CCP são totalmente válidos, na medida em que correspondem ao exercício de um verdadeiro poder discricionário, são adequados, necessários e proporcionais, tendo por referência à natureza das prestações objeto do contrato e a salvaguarda do interesse público subjacente à boa e regular execução do mesmo que a entidade adjudicante pretende tem todo o direito em acautelar, sendo certo que o respetivo preenchimento poderia ter sido, em alternativa, feito equivaler mediante a apresentação de uma declaração bancária.

F) Normas e princípios jurídicos violados:
Ao julgar a ação procedente, a douta sentença violou as seguintes normas e princípios jurídicos:
- Al. h) do n.º 1 e o n.º 4 do art. 164.º do CCP;
- a al. a) do n.º 3 do art. 179.º do CCP;
- O princípio da proporcionalidade e da concorrência, consagrados no n.º 1 do art. 1.º-A do CCP.
- O princípio da prossecução do interesse público, da boa administração, da justiça e da razoabilidade, consagrados nos artigos 4.º, 5.º e 8.º do CPA;
- O princípio da separação de poderes, porque configura uma intromissão injustificada do poder judicial no poder de boa administração.
Nestes termos e com o douto e superior suprimento de Vossas Excelências, Egrégios Juízes Desembargadores, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituído por uma outra que absolva o R. e julgue a ação totalmente improcedente,

*
Nas suas Contra-alegações as ora Recorridas/Autoras concluíram assim:

“1 - O Recorrente interpôs recurso da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou a ação procedente e, em consequência, declarou a ilegalidade da cláusula 14ª, n.º 1, alíneas c), d) e e) do Programa de Procedimento, anulou os termos subsequentes do procedimento e condenou a Recorrente a reconstituir o procedimento sem reincidir na ilegalidade.
A – A IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
2 - Toda a alegação do Recorrente a respeito dos factos que entende que também deveriam ter sido considerados provados é inconsequente, na medida em que não logra o Recorrente demonstrar, minimamente, em que medida tais factos seriam importantes para uma melhor decisão da causa.
3 - Para além de não se poder concordar com alguns dos factos que o Recorrente pretende ver considerados provados, a verdade, quanto a todos eles, é que não se alcança em que medida poderiam alterar a decisão recorrida.
4 - O número de empresas que integram determinados “quantis” relativos à “autonomia financeira” e à “liquidez geral” resulta de um relatório do IMPIC, o qual, por muito respeito que mereça e idoneidade que possua, não pode ser suficiente para que se considere provado o número de empresas que se enquadra em cada quantil.
5 - A ilegalidade da limitação da concorrência não se apura pela circunstância de os critérios estabelecidos “filtrarem” mais ou menos empresas, mas sim pela justeza, proporcionalidade, racionalidade, justiça, e transparência desses critérios, bem como da sua adequabilidade à natureza do concurso em apreço.
6 – Certo é que, ao longo da sua Douta Contestação e das suas Doutas Alegações de Recurso, o Recorrente nunca demonstrou, de forma clara e objetiva, qual o motivo que levou ao estabelecimento dos critérios constantes das alíneas c), d) e e) do n.º 1 do art.º 14º do Programa de Procedimento.
7 - E não o fez, porque não é possível fazê-lo, ou seja, porque os referidos critérios padecem, totalmente, de racionalidade, sendo manifestamente desproporcionais e inadequados ao concurso aqui em apreço.
8 – Deve, assim, concluir-se que os pretensos factos relativos ao número de empresas que integram determinados “quantis” de “autonomia financeira” e de “liquidez geral” são totalmente despiciendos para a decisão de mérito da presente causa, para além de respeitarem à opinião ou análise do IMPIC, que não pode ser considerada como se de uma verdade absoluta se tratasse.
9 - No que respeita às condições de pagamento constantes do Caderno de Encargos, não há dúvidas que se trata de uma cláusula contratual, mas não se pode concordar que o seu aditamento aos factos provados seja necessário, ou que do mesmo resulte a alteração da decisão de mérito.
10 - É verdade que, de acordo com o Caderno de Encargos, a Entidade Adjudicante dispõe de 60 dias para fazer os pagamentos, mas isso não significa que seja obrigatório pagar no 60º dia e que os pagamentos sejam sempre efetuados na data limite.
11 - Nem isso afasta a possibilidade de, à luz do disposto no art.º 292º do CCP, o adjudicatário pedir um adiantamento do preço, ou recorrer a mecanismos financeiros, atualmente disponíveis no mercado, para receber adiantadamente.
12 - Ou seja, a circunstância de ser previsto um prazo de pagamento de 60 dias não significa que o Adjudicatário tenha, forçosa e obrigatoriamente, de estar 90 dias (os primeiros 30 de trabalho e 60 de prazo de pagamento) sem receber.
13 - Pelo que todo o raciocínio do Recorrente, com todo o respeito, é falacioso e retrógrado, na medida em que despreza várias soluções e alternativas, legalmente admissíveis, que impediriam o alegado risco de incapacidade de “alavancagem” da obra (na terminologia do Recorrente).
14 - Pelo que também o aditamento deste facto nada de novo traz à correta decisão da causa.
15 - O mesmo não se pode dizer do pretenso facto que o Recorrente requer que seja aditado, relativo aos custos identificados pelo Recorrente, uma vez que não foi sequer identificado qual o documento de onde resulta.
16 - Evidentemente, sem se esclarecer qual o Plano de Pagamentos e qual o Cronograma Financeiro a que o Recorrente se refere, não pode ser analisada a pretensão de se aditar um facto novo à matéria dada como provada.
17 – Não é despiciendo registar, ainda, que os valores indicados pelo Recorrente, como aparentemente constando de um Plano de Pagamentos e de um Cronograma Financeiro (não se sabe qual) não são adequados, pois respeitam a faturação (receita) e não a custos (despesa), que são forçosamente inferiores, exceção de cenários de dumping (que não será aqui o caso).
18 – Pelo que o Recorrente pressupõe, erradamente, que os encargos com o início dos trabalhos têm de ser pagos a pronto, e que, financeiramente, o Empreiteiro tem de suportar nos primeiros 60 dias os encargos com o arranque dos trabalhos.
19 - Evidentemente, os Empreiteiros adequam as condições financeiras dos seus subcontratos (de subempreitada e fornecimento) às condições de pagamento da Empreitada, o que lhes permite manter um cash flow positivo, equilibrado, e na medida das suas capacidades.
20 - Como tal, pressupor que o adjudicatário gastaria nos 2 primeiros meses de execução da obra um montante equivalente à sua faturação, e que só receberia esse montante ao fim de 90 dias, constitui um evidente e grosseiro erro, que não passa de um raciocínio falacioso, e acima de tudo, manifestamente equivocado.
21 - Pelo que, para além de não poder ser aceite por não ser identificada a sua fonte, este pretenso facto não permite que dele se retirem as conclusões que o Recorrente pretende extrair.
22- Os demais factos que o Recorrente pretende aditar à matéria provada são incontestáveis, mas também nada acrescentam quanto à decisão de mérito da presente causa.
23 - Especialmente no que respeita ao n.º 3 da cláusula 14ª do Programa de Procedimento, é importante ter presente que a questão aqui em apreço não se prende com a facilidade com o que os critérios estabelecidos podem ser ultrapassados.
24 - O que releva, como se mencionou já, é se os critérios são justos, equilibrados, proporcionais à realidade da obra e do mercado, racionais, inteligíveis e transparentes, não se podendo justificar a manutenção nas regras do concurso de normas ilegais, pelo facto de poderem ser facilmente ultrapassadas com uma declaração bancária!
25 - A deliberação do projeto de decisão e a celebração do contrato de empreitada, mesmo sendo considerados provados, relevam apenas como atos que são anulados pela Douta Sentença recorrida, e nada mais.
26 – Pelo que inexiste qualquer justificação para o aditamento de factos à matéria de facto considerada provada, na medida em que os factos que o Recorrente pretende ver aditados não foram cabalmente demonstrados, não permitem extrair qualquer conclusão relevante para a boa decisão da causa, ou nem sequer foi indicada a sua fonte documental.
B – O PEDIDO DE DECLARAÇÃO DA NULIDADE DA DOUTA SENTENÇA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
27 - Alega o Recorrente que o Tribunal a quo “foi à boleia da vaguidade da causa de pedir” da Autora “limitando-se a concluir sem nada fundamentar”.
28 - A verdade é que a Douta Sentença recorrida justifica, nas páginas 25 e 26, a desproporcionalidade dos critérios estabelecidos para aferição da capacidade financeira, sendo também verdade que a questão é tão simples e evidente, que seria difícil fazê-lo de forma mais demorada ou extensa.
29 - A Douta Sentença é clara, inequívoca, e fundamenta, de forma percetível para o cidadão médio, a decisão que dela resulta.
30 - Conforme referido na Douta Sentença recorrida, trata-se de uma empreitada de reposição de pavimentos, com um prazo de execução de 365 dias e preço base de 2.750.312,34€, ou seja, ligeiramente acima do alvará classe 5 (até 2.656.000 €), de um total de 9 classes, sendo a classe 9 para trabalhos acima de 16.600.000 €.
31 - O investimento não é avultado, a Empreitada não tem especial grau de complexidade técnica, e tudo isto são factos notórios, que não carecem de alegação e prova, e que são do conhecimento de todos.
32 - Não faz qualquer sentido pretender exigir do Tribunal a quo que fundamente o que é óbvio, conhecido, bem sabido de todos os intervenientes, não se vislumbrando que mais poderia (ou melhor, deveria) ser referido.
33 - Pelo que, manifestamente, não assiste razão à Recorrente também quanto à alegação do vício de falta de fundamentação.
C) APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO
34 – A Recorrente incorre em várias incorreções e desenvolve raciocínios que, com todo o respeito, são totalmente infundados.
35 - Tanto a Doutrina como a Jurisprudência são praticamente unânimes no reconhecimento do papel fundamental dos referidos princípios na limitação da discricionariedade que assiste às entidades adjudicantes na definição de requisitos de capacidade económica e financeira.
Basta atentar nos seguintes arestos:
- Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 25 de março de 2010, proferido no âmbito do processo n.º 01257/09.7BEPRT;
- Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 24 de maio de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 1647/17.1BESNT;
- Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 22 de abril de 2010, proferido no âmbito do processo n.º 1327/09;
- Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, 2 de junho de 2016, proferido no âmbito do processo n.º 13187/16.
36 - Os textos de Pedro Costa Gonçalves, transcritos pelo Recorrente, não podem ser seguidos à letra, e principalmente sem a mitigação que se impõe pelos referidos princípios da proporcionalidade e concorrência.
37 – O que está aqui em causa é a definição de requisitos económicos e financeiros totalmente desajustados do concurso em apreço, que afastam várias empresas da concorrência, sem motivo que o justifique minimamente.
38 – A Autonomia Financeira exigida é superior ao que o próprio Recorrente afirma ser “aceitável”; a Liquidez Média exigida equivale a quatro vezes o que “os especialistas da matéria e dos manuais padrão” consideram “conveniente”; e a Solvabilidade Geral exigida corresponde ao dobro do que “deveria ser”.
39 – O Recorrente não esclarece cabalmente qualquer destes requisitos, limitando-se a apresentar os números das empresas que puderam concorrer (com base numa análise do IMPIC) e a afirmar que foram “centenas”, esquecendo todas as que, injusta e injustificadamente, não puderam concorrer.
40 - E é por isso que se deve confirmar que, conforme decidido na Douta Sentença recorrida, foram violados os princípios da concorrência e da proporcionalidade.
42 – Esquecendo que, como algumas empresas cumprem com um só ou dois dos requisitos, os números por si apresentados não são representativos da quantidade de empresas que pôde concorrer, por preencherem os três requisitos - o que configura, se assim analisado, uma ainda maior restrição da concorrência.
E) CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CONDIÇÕES DE PAGAMENTO / “ALAVANCAGEM” DA OBRA
43 – Como referido já, o prazo de 60 dias, previsto no Caderno de Encargos, de que dispõe a Entidade Adjudicante para fazer os pagamentos, não significa, por si só, que o Adjudicatário tenha de esperar 90 dias, desde o início da empreitada, para receber o primeiro pagamento.
44 - Desde logo porque, à luz do disposto no art.º 292º do CCP, o adjudicatário pode pedir um adiantamento do preço, pode recorrer a mecanismos financeiros, atualmente disponíveis no mercado, para receber adiantadamente (de uma instituição bancária) os montantes faturados a Clientes, e a Entidade Adjudicante pode pagar antes do 60º dia, não sendo obrigada a esgotar o prazo de pagamento.
45 - Acresce ainda que a famosa “alavancagem” da obra não pressupõe que os encargos do Adjudicatário tenham de ser suportados nos primeiros 90 dias, uma vez que o Empreiteiro pode, e deve adequar as condições financeiras dos seus subcontratos às condições de pagamento da Empreitada.
46 - Ou seja, também por aqui se percebe que as pretensas justificações do Recorrente para o estabelecimento dos requisitos económicos e financeiros são desprovidas de sentido e, acima de tudo, de utilidade prática, proporcionalidade e justiça.
F) A PRETENSA FACULDADE DE EQUIVALÊNCIA DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS MÍNIMOS DE CAPACIDADE FINANCEIRA
47 - Alega o Recorrente que o Tribunal desconsiderou o disposto no n.º 3 do art.º 179º do CCP, que estabelece a possibilidade de se ultrapassar os requisitos de capacidade económica e financeira através da apresentação de uma declaração bancária.
48 - Porém, a questão aqui em apreço não se prende com a facilidade com o que os requisitos estabelecidos podem ser ultrapassados, mas sim com a justeza, equilíbrio, proporcionalidade, racionalidade, inteligibilidade e transparência dos mesmos.
49 – Para além disso, o facto de não ter sido junta uma declaração bancária não significa que não pudesse ter sido obtida (se o concorrente tivesse diligenciado nesse sentido, se a entidade bancária tivesse sido mais diligente, ou em qualquer outro enquadramento).
G) ALEGADA FALTA DE ALEGAÇÃO DE FACTOS CONCRETOS E OBJECTIVOS QUE PERMITEM CONCLUIR PELA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS
50 - Os factos aqui em causa foram devidamente alegados (são notórios) e o próprio Recorrente reconhece que os requisitos estabelecidos afastaram muitos potenciais concorrentes.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao Recurso interposto pelo Recorrente, mantendo-se a decisão recorrida, quanto à matéria de facto e direito”
*
O DMMP, notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 146.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, não emitiu pronúncia.

*

Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência para decisão.
*
I.1. DA DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO/DAS QUESTÕES A DECIDIR

Na fase de recurso o que importa é apreciar se a decisão (sentença) proferida deve ser mantida, alterada ou revogada, circunscrevendo-se as questões a apreciar em sede de recurso, à luz das disposições conjugadas dos artigos 144º nº 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do Código de Processo Civil (CPC) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, às que integram o objecto do recurso tal como o mesmo foi delimitado pelo recorrente nas suas alegações, mais concretamente nas suas respetivas conclusões (sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso) e simultaneamente balizadas pelas questões que haviam já sido submetidas ao Tribunal a quo.
Em face dos termos em que foram formuladas as respectivas conclusões de recurso, as questões essenciais a decidir residem em aferir:
- do erro de julgamento de facto (por omissão);
- da nulidade da sentença por falta de fundamentação (art. 615º, nº 1, al. b) do CPC);
- do erro de julgamento de Direito.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 DE FACTO
Na sentença foi fixada a seguinte factualidade, não impugnada, que se se reproduz:
1) Por deliberação unânime da Câmara Municipal de São Vicente, registada com o n.º 32/2022, foi aprovada a “proposta de decisão de contratação – Concurso Limitado por Prévia Qualificação de empreitada para a reparação de pavimentos betuminosos em vários arruamentos municipais - 2022”, na qual consta, entre o mais, o seguinte: “(…) A-2. Adjudicação por Lotes
A adjudicação não será efetuada por lotes.
Fundamentação:
A não adjudicação por lotes é efetuada ao abrigo do disposto da parte final das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 46.º-A do CCP, mais concretamente, do facto de a separação da reparação dos vários arruamentos causar graves inconvenientes para a entidade adjudicante, designadamente decorrentes do aumento de custos, bem como por a gestão de um só contrato se relevar mais eficiente para efeitos de controlo de boa execução dos trabalhos, bem como para a fiscalização da empreitada (…)” (cfr. documento designado de “05_PROPOSTA_DECISAO_CONTRATAR.pdf” constante do processo administrativo, doravante p. a., cujo teor se considera integralmente reproduzido).

2) No seguimento do referido em 1), a Entidade Demandada lançou o concurso limitado por prévia qualificação para celebração de um contrato de empreitada de obras públicas para “Reparação de pavimentos betuminosos em vários arruamentos municipais do concelho de São Vicente – 2022(cfr. anúncio de procedimento n.º 1781/2022, publicado no Diário da República, II Série, n.º 31, de 14 de fevereiro de 2022).

3) O prazo para apresentação das candidaturas ao procedimento mencionado em 2) era até às 23:59 do 6.º dia a contar da data de envio do respetivo anúncio (cfr. anúncio de procedimento n.º 1781/2022, publicado no Diário da República, II Série, n.º 31, de 14 de fevereiro de 2022).

4) O concurso aludido em 2) tem como programa do procedimento o documento “07_PROGRAMA_PROCEDIMENTO.pdf” e como caderno de encargos o “08_CADERNO_DE_ENCARGOS.pdf” constantes do p. a. cujo teor se considera integralmente reproduzido.

5) As cláusulas 13.ª, 14.ª, 15.ª e 33.ª do programa do procedimento estatuem o seguinte: “(…) Cláusula 13.ª
Requisitos Mínimos de Capacidade Técnica dos Candidatos
1. Os requisitos mínimos de capacidade técnica dos candidatos são os seguintes:

a) Referentes ao exercício da atividade de construção de obras públicas: (…)

b) Referentes à experiência curricular do candidato: Ter realizado ou estar a realizar pelo menos 2 empreitadas de construção, reparação ou recuperação de estradas e arruamentos públicos, nos últimos 3 anos até à data da publicação do anúncio do presente concurso no Diário da República, que cumpram cumulativamente as seguintes características:

Ø O valor contratual de cada uma das 2 empreitadas, deverá ser igual ou superior a 2 750 000,00€ (dois milhões, setecentos e cinquenta mil euros);

Ø Cada uma das 2 empreitadas deverá ter prevista a execução de pelo menos 70.000 m2 (setenta mil metros quadrados) de camada de desgaste betuminosa.

c) Referentes à equipa técnica: O candidato tem de apresentar na sua candidatura uma equipa técnica que cumpra os requisitos a seguir indicados: (…)

Cláusula 14.ª
Requisitos Mínimos de Capacidade Financeira dos Candidatos
1. Apenas são admitidos os candidatos que cumpram cumulativamente os seguintes requisitos mínimos de capacidade financeira. No caso dos candidatos se apresentarem em consórcio, todos os membros do mesmo devem cumprir individualmente com os seguintes requisitos mínimos de capacidade financeira:
a) Um resultado líquido positivo à data de 31 de dezembro de 2020;
b) Um volume de negócios médio (média aritmética), referente aos exercícios de 2018, 2019 e 2020, igual ou superior a 5.500.000,00€, conforme forma de cálculo constante no Anexo 6 do presente Programa de Procedimento;
c) Uma autonomia financeira média (média aritmética), referente aos exercícios de 2018, 2019 e 2020, igual ou superior a 60%, conforme forma de cálculo constante no Anexo 6 do presente Programa de Procedimento;
d) Uma liquidez geral média (média aritmética), referente aos exercícios de 2018, 2019 e 2020, igual ou superior a 4,0 conforme forma de cálculo constante no Anexo 6 do presente Programa de Procedimento;
e) Solvabilidade geral positiva, igual ou superior a 200%, à data de 3l de dezembro de 2020.
2. O cumprimento dos requisitos mínimos de capacidade financeira será aferido pelos documentos exigidos na cláusula 15.ª.
3. Nos termos e para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 179.º do CCP, considera-se que equivale ao preenchimento dos requisitos mínimos de capacidade financeira supra exigidos, a apresentação de declaração bancária, conforme modelo constante do Anexo VI do CCP (Anexo 7 ao presente PP).
Cláusula 15.ª
Documentos Destinados à Qualificação dos Candidatos
1. A candidatura é constituída pelos documentos destinados à qualificação exigidos nos números seguintes e pelo Anexo V-M, a que se refere o n.º 1 do artigo 168.º do CCP, conforme modelo exigido pelo Anexo 8 ao presente PP.
2. Nos termos do número anterior, os candidatos deverão apresentar os seguintes documentos para a verificação do cumprimento dos requisitos mínimos capacidade técnica:
a) Referente ao exercício da atividade de construção:
Alvará ou certificado de empreiteiro de obras públicas emitido pelo IMPIC, I.P.
O adjudicatário pode, para efeitos de comprovação das habilitações, socorrer-se dos alvarás ou certificados de empreiteiros de obras públicas a subcontratar, mediante a apresentação de declaração através da qual estes se comprometem, incondicionalmente, a executar os trabalhos correspondentes às habilitações deles constantes.
No caso de adjudicatário ou subcontratado nacional de Estado signatário do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu ou do Acordo sobre Contratos Públicos da Organização Mundial do Comércio, que não seja titular de alvará ou certificados suprarreferidos, devem cumprir com disposto no n.º 4 do artigo 3.º da Portaria n.º 372/2017, conjugado com o artigo 22.º da Lei n.º 41/2015 de 3 de junho, ou seja, apresentar, em substituição daqueles documentos, uma declaração emitida pelo IMPIC, I.P. comprovativa de que pode executar a prestação objeto do contrato a celebrar por preencher os requisitos que lhe permitiriam ser titular de um alvará ou certificado de obras públicas, contendo as habilitações exigidas na alínea h) da cláusula 6.ª.
b) Referente à experiência curricular do candidato:
Declarações abonatórias, comprovativas de ter realizado ou estar a realizar pelo menos 2 empreitadas de construção, reparação ou recuperação de estradas e arruamentos públicos, nos termos exigidos na alínea b) do n.º 1 da cláusula 13.ª, emitidas obrigatoriamente pela entidade contratante (dono de obra), em conformidade com o Anexo 9.
c) Referente à equipa técnica do candidato:
O candidato deverá uma apresentar lista nominativa da equipa técnica a afetar à obra, em conformidade com o Anexo 10 do presente PP, a qual deve incluir em anexo: uma (i) declaração emitida e assinada por cada um dos elementos indicados para a composição da equipa técnica, em conformidade com o Anexo 11 do presente PP, bem como os respetivos (ii) currículos vitae, contendo, consoante for o caso, em anexo os certificados de habilitações, documentos comprovativos das inscrições nas respetivas ordens, CAP e certificados de formação profissional, e ainda (iii) as declarações abonatórias, emitidas obrigatoriamente pela entidade contratante (dono de obra), em conformidade como Anexo 12 do presente PP.
d) Referente às certificações do candidato: (…)
3. Nos termos do número 1, os candidatos deverão, ainda, apresentar os seguintes documentos referentes ao cumprimento dos requisitos mínimos capacidade financeira:
a) Declaração de acordo com o Anexo 6, na qual ateste o cumprimento dos requisitos mínimos de capacidade financeira exigidos no n.º 1 da cláusula 14.ª do presente PP.
b) Declarações de Informação Empresarial Simplificada (IES), entregues e validadas pela Administração Fiscal, relativas aos anos de 2018, 2019 e 2020, caso o candidato tenha três exercícios de atividade ou relativas aos anos concluídos.
c) Caso se aplique, e para os efeitos previstos no ponto 3 da cláusula 14.ª, declaração bancária emitida de acordo com o modelo constante do Anexo 7 ao presente PP.
d) Tratando-se de uma entidade estabelecida fora do Território Nacional, o candidato deve indicar os valores a considerar para efeitos de comprovação dos requisitos mínimos de capacidade financeira exigidos, referente aos anos 2018, 2019 e 2020.
4. Certidão do Registo Comercial atualizada do candidato ou de cada um dos membros do agrupamento que o compõem, ou indicação dos respetivos códigos de acesso.
5. Quando o candidato recorra a terceiros para o preenchimento dos requisitos de capacidade técnica, independentemente do vínculo que com eles estabeleça designadamente o de subcontratação, a respetiva candidatura deve ainda ser constituída por uma declaração através da qual estes se comprometam, incondicionalmente, a realizar determinadas prestações objeto do contrato a celebrar.
6. A falta de apresentação de quaisquer documentos de qualificação exigidos nos pontos supra, constitui motivo de exclusão da candidatura. (…)
Cláusula 33.ª
Preenchimento dos Requisitos Mínimos por Agrupamentos de Candidatos
No caso de o candidato ser um agrupamento, considera-se que preenche os requisitos mínimos de capacidade técnica e financeiros indicados nas cláusulas 13.ª e 14.ª, desde que o membro ou um dos membros com maior participação o preencha individualmente (…)” (cfr. documento denominado de “07_PROGRAMA_PROCEDIMENTO.pdf” constante do p. a. cujo teor se considera integralmente reproduzido).
6) O n.º 1 da cláusula 6.ª do caderno de encargos relativa ao “prazo de execução da empreitada” prevê que “[o] prazo máximo para a execução da empreitada, incluindo a execução de todos os tipos de trabalhos preparatórios ou acessórios será de 365 dias” (cfr. documento designado de “08_CADERNO_DE_ENCARGOS.pdf” constante do p. a. cujo teor se considera integralmente reproduzido).

7) Os n.ºs 1 e 3 da cláusula 36.ª do caderno de encargos, sob a epígrafe “[preço] contratual e condições de pagamento” determinam que “1 - Pela execução da empreitada e pelo cumprimento das demais obrigações decorrentes do contrato, deve o dono da obra pagar ao adjudicatário o valor que constar da proposta, o qual, nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 47.º do CCP, não pode exceder o preço base total de 2.750.312.34€ (dois milhões, setecentos e cinquenta mil, trezentos e doze euros e trinta e quatro cêntimos), valor ao qual acrescerá o IVA à taxa legal aplicável, no caso de o adjudicatário ser sujeito passivo desse imposto pela execução do contrato” e “3 - Os pagamentos a efetuar pelo dono da obra têm uma periodicidade mensal, sendo o seu montante determinado por medições mensais a realizar de acordo com o disposto na Cláusula 27.ª sendo, portanto, o adjudicatário retribuído pelas quantidades de trabalhos efetivamente realizadas (…)” (cfr. documento designado de “08_CADERNO_DE_ENCARGOS.pdf” constante do p. a. cujo teor se considera integralmente reproduzido).

8) Em face do teor dos documentos indicados em 4) a Autora T... Madeira, Sociedade de Empreitadas, S. A. formulou o pedido de esclarecimento vertido no documento com a designação de “65_PEDIDO_ESCLARECIMENTO_T..._ACINGOV.pdf” e a Contrainteressada R…– Engenharia e Construções, S. A. o constante do documento denominado “68_PEDIDO_ESCLARECIMENTO_RIM.pdf” do p. a. cujo teor se considera integralmente reproduzido.

9) A Entidade Demandada pronunciou-se em 18 de fevereiro de 2022 quanto ao indicado em 8) nos termos constantes do documento “69_RESPOSTA_PEDIDOS_ESCLARECIMENTO.pdf” constante do p. a. cujo teor se considera integralmente reproduzido.

10) Na resposta ao pedido de esclarecimentos apontada em 9), a Entidade Demandada informou o seguinte: “(…) I. Dos esclarecimentos
2.2. Os requisitos mínimos de capacidade técnica dos candidatos identificados na alínea a) do n.º 1 da cláusula 13.ª são os que efetivamente nessa alínea constam.
2.3. Os requisitos mínimos de capacidade financeira dos candidatos identificados nas alíneas a), b), c), d) e e) do n.º 1 da cláusula 14.ª são definidos de acordo com a conveniência e com o interesse da entidade adjudicante, pelo que são os que constam expressamente no programa do procedimento.
2.4. Mantém-se o disposto no ponto 1 da cláusula 14.ª do Programa do Procedimento
2.5. Nos termos e para os efeitos previsto no n.º 3 do artigo 179.º do CCP considera-se que equivale ao preenchimento dos requisitos mínimos de capacidade financeira supra exigidos a apresentação de declaração bancária, conforme modelo constante do Anexo VI do CCP (Anexo 7 ao presente PP).
II Dos erros e omissões do programa do procedimento
3. O órgão competente para a decisão de contratar vem, oficiosamente, proceder à retificação do seguinte erro da peça do procedimento designada programa do procedimento.
3.1. Onde se lê:
„Cláusula 33.ª
Preenchimento dos Requisitos por Agrupamentos de Candidatos
No caso de o candidato ser um agrupamento, considera-se que preenche os requisitos mínimos de capacidade técnica e financeiros indicados nas cláusulas 13.ª e 14.ª desde que o membro ou um dos membros com maior participação o preencha individualmente.
3.2. Deverá ler-se:
“Cláusula 33.ª
Preenchimento dos Requisitos Mínimos por Agrupamentos de Candidatos
No caso de o candidato ser um agrupamento, considera-se que preenche os requisitos mínimos de capacidade técnica indicados nas cláusulas 13.ª desde que o membro ou um dos membros com maior participação o preencha individualmente e que preenche os requisitos mínimos de capacidade financeira previstos na cláusula 14.ª quando todos os membros os preencham individualmente. (…)” (cfr. documento denominado de “69_RESPOSTA_PEDIDOS_ESCLARECIMENTO.pdf” constante do p. a. cujo teor se considera integralmente reproduzido).
11) Apresentaram candidatura no âmbito do procedimento apontado em 2) as Autoras e as Contrainteressadas (cfr. documento designado de “81_RELATORIO_PRELIMINAR.pdf” constante do p. a. cujo teor se considera integralmente reproduzido).

12) O júri elaborou o relatório preliminar constante do documento designado de “81_RELATORIO_PRELIMINAR.pdf”, no qual propôs o seguinte: “(…) por constatar que preenche todos os requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira, bem como por considerar que apresentou todos os documentos exigidos em conformidade com o PP e demais normas legais aplicáveis, a qualificação do seguinte candidato: (i) Candidato n.º 2 A… – Engenharia e Construções, S. A.;

5. Da exclusão de candidatos
O Júri, após a análise das respetivas candidaturas, propõe a exclusão dos seguintes candidatos:
a) Candidato n.º 1: R… – Engenharia e Construções SA nos termos e com os fundamentos constantes do ponto 2.6.1 do presente relatório.

b) Candidato n.º 3: T... Madeira, Sociedade de Empreitadas SA; F…Soc. De Construções, S.A.; T... – Sociedade de Empreitadas, S.A., nos termos e com os fundamentos constantes do ponto 2.6.3 do presente relatório.

6. Conclusão
Pelo exposto, o Júri propõe, por unanimidade, ao órgão competente para a decisão de contratar, o seguinte:
a) A qualificação do candidato melhor identificado no ponto 4 supra.

Nos termos do artigo 185.º do CCP e da Cláusula 36.ª do PP, deve o presente relatório ser enviado a todos os candidatos para, querendo, se pronunciarem, no prazo de 5 dias úteis, por escrito, ao abrigo do direito de audiência prévia (...)" (cfr. documento denominado “81_RELATORIO_PRELIMINAR.pdf” constante do p. a. cujo teor se considera integralmente reproduzido).

13) Na sequência do mencionado em 12) as Autoras pronunciaram-se nos termos constantes do documento denominado “83_AUDIENCIA_PREVIA_T...MADEIRA_F..._TECN OVIASA.pdf” constante do p. a. cujo teor se considera integralmente reproduzido.

14) No seguimento do aludido em 13) o Júri elaborou o relatório final constante do documento denominado “85_DECISAO_APROVACAO_PROPOSTAS_ RELATORIO_FINAL.pdf”, no qual se consigna, além do mais, o seguinte: “(…) 2.4 Os requisitos mínimos de capacidade financeira estipulados na cláusula 14.ª do Programa do Procedimento foram os requisitos que o Município de São Vicente considerou como adequados, proporcionais e justos visando uma seleção de concorrentes capazes de mobilizar os meios financeiros previsivelmente necessários para o bom e integral cumprimento das obrigações resultantes do contrato a celebrar, conforme estipulado no n.º 3 do artigo 165.º do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro na sua atual redação;
Se não vejamos,
2.5. A crise económica e financeira que conduziu ao PAEF afetou especialmente o sector da construção civil, tendo deixado um rasto de insolvências de empresas de construção civil, algumas das quais consideradas grandes e médias empresas;
2.6. Atualmente, vivemos uma época de instabilidade e insegurança, causadas pelos efeitos económicos e financeiros da pandemia, cujo impacto nos preços dos materiais pode provocar problemas de cumprimento às empresas em situação de vulnerabilidade;
2.7. Foram por estas razões que a Câmara Municipal de São Vicente ao fixar os requisitos mínimos de capacidade financeira constantes do Programa do Procedimento procurou unicamente garantir a boa e regular execução do contrato, principalmente face à sua dimensão que se repercute por todo o Concelho de São Vicente, com grandes reflexos na vida do dia-a-dia dos munícipes por os riscos de incumprimentos serem suscetíveis de causar graves inconvenientes e prejuízos na circulação de pessoas e bens;
2.8. A Câmara Municipal de São Vicente quis assegurar com um grau de certeza e razoabilidade que selecionaria um candidato com aptidão e idoneidade para executar a obra em questão, pelo que procurou garantir que não seria confrontada com uma empresa a contratar sem capacidade (financeira e técnica) e que pudesse apresentar um cenário de dificuldades financeiras, com riscos de se repercutir na boa execução do contrato, gerando, com isso, consequências gravosas e transtornos para a entidade adjudicante Câmara Municipal de São Vicente;
2.9. Além de que num cenário de incumprimento de contrato por falta de capacidade financeira, todo o concelho de São Vicente seria também afetado uma vez que as intervenções desta empreitada são executadas em vários arruamentos do Concelho pelo que, nessa hipótese, provocaria adversidades, contrariedades e prejuízos no âmbito da população e circulação concelhia provocada pelas obras suspensas/paradas;
2.10. Relativamente aos requisitos mínimos de capacidade financeira exigidos no Programa do Procedimento, foi exigido um resultado líquido positivo à data de 31 de dezembro de 2020, o que se considera completamente normal;
2.11. Foi exigido um volume de negócios médio (média aritmética), referentes aos exercícios de 2018, 2019 e 2020, igual ou superior a 5.500.000,00€, o que não excede o dobro do valor do contrato, em observância do disposto no n.º 3 do art.º 165.º do CCP;
2.12. Relativamente à autonomia financeira média (média aritmética) exigida, referente aos exercícios de 2018, 2019 e 2020, igual ou superior a 60%, não é excessiva e é aquela que a Câmara Municipal de São Vicente considerou oferecer garantias de estabilidade, tendo em conta o colapso e o rasto de insolvências no sector da construção civil nos últimos anos, bem como por ser especialmente necessário, atenta a natureza e objeto da empreitada, evitar riscos de incumprimentos suscetíveis de causar graves transtornos à normal e regular circulação de pessoas e bens;
2.13. A liquidez geral média (média aritmética) exigida referente aos exercícios de 2018, 2019 e 2020, igual ou superior a 4,0 não é desproporcional e a exigência de solvabilidade geral positiva igual ou superior a 200% à data de 31 de dezembro de 2020 também não é excessiva atentos os fins de interesse público que urge com a boa execução da empreitada;
2.14. Relativamente aos requisitos mínimos da capacidade técnica, a quantidade de execução de metros quadrados de camada de desgaste betuminosa exigida no Programa do Procedimento para cada uma das empreitadas é de 70.000m2, não é desproporcional à quantidade de metros quadrados exigida no presente projeto de execução que é de 67.572,96m2 (apurada na sequência da revisão do projeto);
2.15. A exigência de ter realizado ou estar a realizar duas empreitadas de construção, reparação ou recuperação de estradas e arruamentos públicos nos últimos 3 anos é razoável e o valor de cada empreitada ficou aquém do valor da presente empreitada;
2.16. Relativamente à equipa técnica, em concreto do Engenheiro Civil ou Engenheiro Técnico Civil, a experiência profissional não é desproporcionada nem quanto à antiguidade, nem quanto à direção de duas obras de idêntica natureza, de valor igual ou superior a 2.750.000,00 (dois milhões, setecentos e cinquenta mil euros), que fica abaixo do preço contratual, e quanto aos metros quadrados também não é desproporcional, pelas razões supra mencionadas;
2.17. Relativamente ao Técnico Superior de Segurança, a experiência profissional também não é desproporcionada, nem quanto à antiguidade, nem quanto ao exercício da função de Técnico Superior de Segurança em duas obras de idêntica natureza, de valor igual ou superior a 2.750.000,00 (dois milhões, setecentos e cinquenta mil euros), que fica abaixo do preço contratual, e quanto aos metros quadrados também não é desproporcional;
2.18. O mesmo para o Encarregado Geral, a experiência profissional não é desproporcionada nem quanto à antiguidade, nem quanto ao exercício como Encarregado Geral de duas obras de idêntica natureza, de valor igual ou superior a 2.750.000,00 (dois milhões, setecentos e cinquenta mil euros) que fica abaixo do preço contratual, e quanto aos metros quadrados também não é desproporcional;
2.19. Como refere a Doutrina perfilhada por Pedro Costa Gonçalves, in Direito dos Contratos Públicos, 3.ª edição, vol. 1, Almedina, 2018:
“Como decorre da indicação da lei, os requisitos da capacidade técnica têm a ver com a experiência do candidato na execução de prestações análogas às que vai executar em caso de adjudicação ou na demonstração de que possui os recursos necessários para assegurar uma correta execução do contrato”.
2.20. Por sua vez, relativamente à capacidade financeira, refere o Autor citado no n.º anterior que: „Por sua vez, os requisitos de capacidade financeira são impostos com o propósito de assegurar que os candidatos disponham da capacidade económica e financeira para enfrentar os custos que vão ter de suportar com a execução do contrato. Neste caso, a lei abstém-se de enunciar, de forma explícita, um critério de orientação de que as entidades adjudicantes se possam servir no processo de definição de requisitos mínimos (…);
2.21. Refere ainda Pedro Costa Gonçalves, conforme bibliografia citada, que:
„O poder, conferido às entidades adjudicantes, de formulação de requisitos mínimos de candidatura corresponde, em termos práticos, a reconhecer-lhes o poder de definição de condições administrativas de acesso dos operadores económicos ao mercado. (…) Trata-se, além disso, de condições administrativas de caráter assumidamente restritivo por relação às condições legais de exercício da atividade a que o contrato se reporta: na verdade, as entidades adjudicantes são autorizadas, por esta via, a excluir do mercado (do „mercado específico) um operador económico que satisfaz todas as condições legais e oficiais para nele prestar serviços ou vender produtos. Estamos, pois, em face de uma espécie de condicionamento administrativo ad hoc, determinado, caso a caso, por cada entidade adjudicante;
2.22. Além de que é pacificamente aceite caber à Administração „(…) a definição dos termos do concurso e a fixação dos critérios que o enformarão por essa tarefa constituir uma competência sua, reservada, inserida na „margem de livre apreciação ou das „prerrogativas de avaliação de que dispõe atendendo à liberdade de que a Administração dispõe para esse efeito por lhe ter sido concedida para melhor defender o interesse público além de que „o que, de resto, se afeiçoa com uma verdade que, também, não sofre contestação: a de que o poder discricionário, por ser um poder fundado na lei, só pode ser exercido dentro dos limites por ela traçados, e a Autarquia ao fixar os requisitos de capacidade financeira agiu no „âmbito da discricionariedade e da margem de livre decisão que detinha, dispondo de „uma liberdade de preenchimento valorativo do conceito indeterminado, pautado pelos critérios fornecidos pela legalidade material ou mais extensamente pelo bloco de legalidade, vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo 0571/16, datado de 08.09.2016 (…).
2.23. A propósito, é sabido que no âmbito do bloco da legalidade o n.º 3 do artigo 165.º da Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, na sua atual redação, dispõe que „os requisitos mínimos de capacidade financeira a que se refere o n.º 4 do artigo anterior não podem exceder o dobro do valor do contrato, requisito que foi cumprido cabalmente pela Autarquia no Programa do Procedimento;
2.24. Conforme a doutrina perfilhada por Ana Gouveia Martins, in Estudos da Contratação Pública I, pág. 260 „(…) a capacidade financeira reporta-se à avaliação da aptidão estimada dos candidatos para mobilizar os meios financeiros previsivelmente necessários para o integral cumprimento das obrigações contratuais, conforme se lê na parte final do n.º 3 do artigo 165.º do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, na sua atual redação, sendo que os requisitos mínimos de capacidade financeira a que se refere o n.º 4 do artigo 164.º não podem exceder o dobro do valor do contrato;
2.25. Além de que a jurisprudência comunitária concede uma „ (…) margem de livre decisão e apreciação quanto à fixação dos critérios suplementares que permitem avaliar os requisitos mínimos de capacidade financeira destinados a assegurar o cabal cumprimento do contrato, vide Acórdão do TJ de 15.01.1986, relativo ao Processo C-27-29/86-CEI e Bellini, in Coletânea da Jurisprudência, 1987, pág. 03347;
2.26. Assim, a exigência dos requisitos mínimos financeiros visa garantir a solvabilidade, a qualidade e a fiabilidade do concorrente para satisfazer a execução da empreitada que lhe possa ser adjudicada;
2.27. Os requisitos mínimos de capacidade técnica são adequados à natureza das prestações objeto do contrato a celebrar, uma vez que a empreitada ao se repercutir por diversas zonas do Concelho naturalmente que será melhor prestada por quem tenha um elevado nível de experiência em empreitadas que assumem natureza de construção, reparação ou recuperação ou recuperação de estradas e arruamentos públicos, nas suas diferentes formas e composições, onde aliás, e como já se disse, o valor estipulado para cada empreitada no Programa do Procedimento referente aos requisitos mínimos de capacidade técnica é igual ou superior a €2.750.000,00 (dois milhões, setecentos e cinquenta mil euros), ou seja, de valor inferior ao limiar do valor desta empreitada;
2.28. Depois, porque se compreende que a Câmara Municipal de São Vicente quisesse assegurar que só pudesse concorrer quem tivesse a capacidade necessária, em termos de recursos humanos e financeiros, que lhe garantisse o correto cumprimento do objeto do contrato, e parece-nos claro que essa garantia podia ser melhor prestada por operadores económicos que desenvolvam atividade no mercado com os requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira estipulados no Programa do Procedimento;
2.29. Face ao exposto, não há qui qualquer violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade, e da concorrência dado não haver nenhuma infundada nem injustificada referência relativa aos requisitos mínimos de capacidade financeira e técnica estabelecidos, sendo que, aliás, os respetivos requisitos são deveras relevantes face a natureza da prestação pela sua dimensão a nível geral do Conselho;
2.30. Trata-se, pois de uma área onde, dentro do uso de poderes discricionários a entidade adjudicante goza de uma autonomia na fixação de requisitos que a mesma considera convenientes para salvaguardar o interesse público que subjaz às garantias da boa execução do contrato;
(…)
2.32. Face ao exposto, as fixações dos requisitos mínimos de capacidade financeira e técnica patentes do Programa do Procedimento não são desproporcionais, nem violam o princípio da concorrência, nem tão pouco são desadequados face ao objeto e finalidades do objeto da empreitada e, portanto, não são uma restrição violadora dos princípios gerais que enformam a atividade administrativa, máxime, como já referido os da concorrência, da proporcionalidade e igualdade;
2.33. Por outro lado, estando em causa a adoção do modelo simples de qualificação, é hoje inteiramente possível aos candidatos, quando não logram preencher os requisitos de capacidade financeira que a entidade adjudicante considerou convenientes fixar, equivaler o respetivo preenchimento através da apresentação de uma declaração bancária, conforme modelo constante do anexo VI ao CCP, nos termos e para os efeitos previstos na al. a) do seu n.º 2 do seu art.º 179.º;
2.34. O que significa que, atualmente, a lei confere aos candidatos uma forma alternativa de oferecer o cumprimento das garantias financeiras pretendidas, através da apresentação da mencionada declaração bancária, sendo contraproducente alegar a impossibilidade da sua obtenção, por ser na medida em que, se as instituições bancárias recusarem a sua emissão não
seria admissível nem faria sentido exigir à Administração Pública que aceitasse um candidato que se encontrasse nessas circunstâncias;
2.35. Concluindo, a fixação dos respetivos requisitos em apreço é racional e está nitidamente conectada com o objeto do contrato, foi efetuada dentro dos poderes discricionários, com respeito pelas normas legais e pelos princípios da proporcionalidade, adequação, não discriminação, igualdade e concorrência;
2.36. Os requisitos fixados visaram unicamente salvaguardar o interesse público que decorrente da boa execução dos contratos públicos, em especial de um contrato de empreitada, cuja execução irá abranger uma quantidade significativa de vias de circulação do Município de São Vicente e cujos riscos de incumprimento devem ser especialmente atenuados, sendo certo que qualquer candidato os poderiam equivaler através da competente declaração bancária, nos termos previstos na al. a) do n.º 3 do art. 179.º do CCP;
(…)
3.6.3. Candidato n.º 3: T... Madeira, Sociedade de Empreitadas SA; F…, Soc. De Construções, S. A.; T... – Sociedade de Empreitadas, S. A.
(…)
(ii) Documentos da candidatura:
Relativamente às declarações abonatórias previstas na alínea b) do n.º 2 da cláusula 15.º do PP, referente à experiência curricular do candidato, o júri constata que o candidato não apresentou duas declarações abonatórias emitidas pela entidade contratante mas sim uma única declaração abonatória a demonstrar que realizou uma empreitada, designada Empreitada para as Obras de Beneficiação/Reforço do Pavimento, no sublanço Coimbra Norte (A1/A14)/Mealhada, da A1 – Auto-estrada do Norte, cujo valor total dos trabalhos da empreitada é de €3.489.499,96, sendo que nessa declaração abonatória falta a indicação da quantidade de camada de desgaste betuminosa afeta à empreitada, conforme era obrigatório e solicitado na alínea b) do n.º 2 da cláusula 15.ª. Pese embora, o candidato juntou uma declaração a mencionar que a quantidade de metros quadrados de execução de camada de desgaste betuminosa afeta à empreitada é de 297.000,00m2.
O candidato juntou, também, um contrato de empreitada para as obras de beneficiação/reforço do pavimento, dos sublanços Elvas Poente/EN246/Elvas Central da A6 – Auto-estrada Marateca/Caia a demonstrar que, conforme declaração também junta pelo candidato, está a executar a referida empreitada cujo valor total dos trabalhos da empreitada é de €4.488.995,847, e a quantidade de metros quadrados de execução de camada de desgaste betuminosa afeta à empreitada é de 229.556,00m2.
O candidato mencionou que as referidas declarações abonatórias encontram-se em fase de emissão podendo as mesmas serem disponibilizadas posteriormente em sede própria.
Pese embora o júri pudesse equacionar a viabilidade de um pedido de suprimento ao abrigo do artigo 72.º do Código dos Contratos Públicos, é manifesto que o mesmo se revelaria inútil visto que o candidato não cumpre com os requisitos mínimos de capacidade financeira, conforme infra se menciona, pelo que fica prejudicada a apreciação da questão do cumprimento das formalidades respeitantes à comprovação dos requisitos da capacidade técnica do candidato e da equipa técnica em virtude de ter sido junto apenas uma única declaração abonatória e um contrato de uma obra em execução, bem como da questão da viabilidade de um eventual pedido de suprimento da candidatura.
O candidato não apresentou o documento exigido pelo n.º 6 da cláusula 11.ª do PP.
Com efeito, foram apresentados documentos para comprovar os requisitos de capacidade técnica referentes a três operadores económicos, pelo que o júri presume que possa estar em causa se constituírem em consórcio. No entanto, não foi entregue o documento exigido pelo n.º 6 da cláusula 11.ª do PP. Nesta sede podia ser equacionada a viabilidade de um pedido de suprimento ao abrigo do artigo 72.º do Código dos Contratos Públicos, mas a análise a esta questão fica prejudicada por ser manifesto a falta de preenchimento dos requisitos financeiros conforme infra se menciona.
O júri constatou que o currículo vitae do Diretor de Obra – Engenheiro Técnico Civil N… que integra a equipa técnica da T... Madeira, Sociedade de Empreitadas SA; F…, Soc. de Construções, S. A.; T... – Sociedade de Empreitadas, S. A. não contém em anexo o certificado de habilitações nem o documento comprovativo da inscrição na respetiva ordem, conforme exigido pelo ponto (ii) da alínea c) do n.º 2 da cláusula 15.ª do PP.
O júri constatou que o currículo vitae do Técnico Superior de Segurança J…que integra a equipa técnica da T... Madeira, Sociedade de Empreitadas SA;
F…, Soc. de Construções, S. A.; T... – Sociedade de Empreitadas, S. A., não contém em anexo o certificado de técnico de segurança e/ou técnico superior de segurança, conforme exigido pelo ponto (ii) da alínea c) do n.º 1 da cláusula 13.ª do PP, conjugado com o ponto (ii) da alínea c) do n.º 2 da cláusula 15.ª do PP.
O júri constatou que o currículo vitae do Encarregado Geral M… que integra a equipa técnica da T... Madeira, Sociedade de Empreitadas SA; F…, Soc. de Construções, S. A.; T... – Sociedade de Empreitadas, S. A., não contém em anexo o certificado de formação profissional na área de técnico de obra/condutor de obra, conforme exigido pelo ponto (iii) da alínea c) do n.º 1 da cláusula 13.ª do PP, conjugado com o ponto (ii) da alínea c) do n.º 2 da cláusula 15.ª do PP.
Conforme determinado no n.º 6 da cláusula 15.ª do PP, conjugado com a al. e) do n.º 2 do art. 184.º do CCP, a falta de apresentação de quaisquer documentos de qualificação exigidos nos pontos supra, constitui motivo de exclusão.
O Júri constata que o candidato em causa não preenche os requisitos mínimos de capacidade financeira exigidos, previstos nas alíneas c), d) e e) do n.º 1 da cláusula 14.ª do PP.
Com efeito, todos os membros não demonstram ter cumprido individualmente com o requisito da autonomia financeira média (média aritmética), referente aos exercícios de 2018, 2019 e 2020, igual ou superior a 60%, visto que a T... Madeira – Sociedade de Empreitadas, S. A. visto ter sido demonstrado o seguinte:
2018 – 52,92%
2019 – 61,26%
2020 – 54,02%
Média – 56,07%
A T... – Sociedade de Empreitadas, S. A. visto ter sido demonstrado o seguinte:
2018 – 14,48%
2019 – 6,16%
2020 – 5,47%
Média – 8,70%
A F... – Sociedade de Construções, S.A. visto ter sido demonstrado o seguinte:
2018 – 70,10%
2019 – 69,78%
2020 – 67,18%
Média – 69,02%
Todos os membros não demonstram ter cumprido individualmente com o requisito da liquidez geral médica (média aritmética), referente aos exercícios de 2018, 2019 e 2020, igual ou superior a 4,0, visto que a T... Madeira – Sociedade de Empreitadas, S. A. visto ter sido demonstrado o seguinte:
2018 - 2,04
2019 – 2,44
2020 – 1,79
Média – 2,09
A T... – Sociedade de Empreitadas, S. A. visto ter sido demonstrado o seguinte:
2018 – 1,85
2019 – 1,13
2020 – 1,02
Média – 1,33
A F... – Sociedade de Construções, S. A. visto ter sido demonstrado o seguinte:
2018 – 2,75
2019 – 2,68
2020 – 3,28
Média – 2,90
Todos os membros não demonstraram ter cumprido individualmente com o requisito da solvabilidade geral positiva, igual ou superior a 200%, à data de 31 de dezembro de 2020 visto que a T... Madeira – Sociedade de Empreitadas, S. A. indicou 117,49%, a T... – Sociedade de Empreitadas, S. A. indicou 5,79% e a F... – Sociedade de Construções, S. A. indicou 204,71%.
O não preenchimento dos requisitos mínimos de capacidade financeira constitui motivo de exclusão da candidatura ao abrigo da alínea l) do n.º 2 do artigo 184.º do CCP, conjugado com o n.º 2 da cláusula 35.ª do PP.
(…)
4.2. Mais conclui o júri que o candidato n.º 1 R… – Engenharia e Construções, SA – e o candidato n.º 3 – T... Madeira, Sociedade de Empreitadas SA; F..., Soc. de Construções, S. A.; T... – Sociedade de Empreitadas, S. A. – não preenchem os requisitos mínimos de capacidade técnica conforme supra exposto no ponto 3.6.1. e 3.6.3, respetivamente, do presente relatório.
(…)
5. Da exclusão de candidatos.
O Júri, após a análise das respetivas candidaturas, propõe a exclusão dos seguintes candidatos:
(…)
b) Candidato n.º 3: T... Madeira, Sociedade de Empreitadas, SA, F..., Soc. de Construções, S. A.; T... – Sociedade de Empreitadas, S. A., nos termos e com os fundamentos constantes no ponto 3.6.3 do presente relatório.

6. Da qualificação de candidato

O Júri do procedimento, após a análise das respetivas candidaturas propõe, por constatar que preenchem todos os requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira, bem como por considerar que apresentaram todos os documentos exigidos em conformidade com o PP e demais normas legais aplicáveis, a qualificação do seguinte candidato:
(i) Candidato n.º 2: A... – Engenharia e Construções, S. A. (…)” (cfr. documento designado de “85_DECISAO_APROVACAO_PROPOSTAS_RELATORIO_FINAL.pdf” constante do p. a. cujo teor se considera integralmente reproduzido)

15) Sobre o apontado em 14) recaiu deliberação de 17 de março de 2022 da Câmara Municipal de São Vicente de aprovação por unanimidade (cfr. documento designado de “85_DECISAO_APROVACAO_PROPOSTAS_RELATORIO_FINAL.pdf” constante do p. a. cujo teor se considera integralmente reproduzido).

*
Factos Não Provados:
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da presente ação.
*
II.2 DE DIREITO

Cumpre apreciar e decidir conforme delimitado em I.1.
Como ponto prévio, importa salientar que, atentas as conclusões recursivas e as respectivas contra-alegações, se encontra sedimentado o julgamento do Tribunal a quo de improcedência dos vícios de violação de lei imputados pelas Recorridas / Autoras, em sede de petição inicial, à decisão de exclusão da sua proposta, nomeadamente:

i) o requisito mínimo de capacidade técnica estabelecido na cláusula 13.ª do programa do procedimento não é desproporcional nem viola o princípio da concorrência;

ii) o prazo de 6 dias é suficiente para que a declaração solicitada seja requerida e emitida pela correspondente instituição bancária (nº 3 da cláusula 14ª do PP);

iii) inexiste o vício falta de fundamentação da decisão de não realização do procedimento por lotes, em violação do disposto no artigo 46.º-A do CCP;

iv) inexiste a violação dos princípios da prossecução do interesse público, da igualdade, da economia, da eficiência e da eficácia.

Tal juízo de não ilegalidade do acto de exclusão da proposta das Recorridas/Autoras, não pode ser afectado pelo julgamento do presente recurso, nos termos do artigo 635º, nº 5 do CPC.
Posto isto, o presente recurso tem somente por objecto o segmento da sentença preferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal a 08.07.2022, que declarou inválidas as als. c), d) e e) do n.º 1 da Cláusula 14.ª do Programa do Procedimento (PP), e, consequentemente, anulou os termos subsequentes do procedimento, condenando a Entidade Demanda a reconstituí-lo sem cometer a alegada ilegalidade.

Ø Do erro de julgamento de facto (por omissão)

Da transcrição supra da matéria de facto se extrai que o Tribunal a quo fundamentou o seu julgamento, nesta parte, pela não essencialidade de outros factos alegados que se devessem considerar provados e com relevância para a decisão da causa.
Há que ter presente que, de acordo com o disposto no artigo 94.º, nº. 4 ex vi artigo 102º, nº 1 do CPTA (tal como no artigo 607.º, n.º 5, do CPC), o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; e esta livre apreciação apenas não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
Sendo, em função da definição do objecto do processo e das questões a resolver nos autos que deve ser apreciada a relevância da matéria fáctica alegada pelas partes. Assim, nem toda a matéria fáctica que se possa considerar provada deve ser levada, sem mais, ao probatório.
Ora, dos “factos” a aditar descritos na Conclusão 4ª, supra citada, temos que os relativos aos parâmetros de aferição dos requisitos da capacidade financeira que se encontram na Clª 14ª do PP que a Recorrente pretende aditar (pontos i. e ii), mais não são do que as ilações que a mesma retira dos Relatórios Anuais de Analise Económica e Financeira das Empresas do Sector da Construção Civil. Todavia, os documentos são um meio de prova e não a prova em si mesma – a menos que se trate de incidente de falsidade.
Os factos indicados em iii. e v. são excertos do CE e do PP que constam já, por remissão, dos pontos 4 e 5 do probatório.
O ponto iv., relativo ao Cronograma Financeiro e Plano de Pagamento não identifica a Recorrente qual a sua localização ou fonte.
Termos em que improcede a alegada omissão de factos relevantes.

Ø Da nulidade da sentença (por falta de fundamentação)

A sentença deverá ser fundamentada através da exposição dos factos relevantes e das razões de direito em que se funda a decisão, como resulta dos artigos 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e 154.º, n.º 1 e 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil.
Por sua vez, como se estabelece no art. 615.º n.º 1, al. b), do CPC, a sentença é nula quando não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
É, no entanto, entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que só a falta absoluta de fundamentação que torne de todo incompreensível a decisão é que releva para efeitos da sobredita nulidade.
Como refere Teixeira de Sousa, “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º, n.º 1, CRP; art. 158º, n.º 1)” - In Estudos sobre o Processo Civil, pág. 221
No mesmo sentido se pronuncia Lebre de Freitas, dizendo que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”. In Código de Processo Civil Anotado, pág. 297
O Tribunal a quo a págs. 25 e 26 da sentença recorrida expendeu o seu entendimento no sentido de que os requisitos mínimos de capacidade financeira previstos na cláusula 14.ª, n.º 1, als. c), d) e e) do PP, concretamente a autonomia financeira média, a liquidez geral média e a solvabilidade geral exigidas, eram desproporcionais e violadores do princípio da concorrência.
Como se disse, para que ocorra esta nulidade não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, o que não ocorre.
Improcede também nesta parte.

Ø Do mérito do recurso

Tal como resume a Recorrente o julgamento do erro sobre a matéria de Direito está reduzido à seguinte questão: os requisitos mínimos de capacidade financeira fixados nas als. c), d) e e) do n.º 1 da cláusula 14.ª do PP violam os princípios da proporcionalidade e da concorrência?

O Tribunal a quo respondeu afirmativamente, do que discorda a Recorrente.
É inquestionável que a entidade adjudicante é “livre” de escolher o procedimento a adoptar (artigo 18.º do CCP), de entre o ajuste directo, a consulta prévia, o concurso público ou o concurso limitado por prévia qualificação.
No caso em apreço, o procedimento escolhido pela Recorrente, ao abrigo do art. 18.º do CCP, foi o concurso limitado por prévia qualificação que assentou no modelo simples de qualificação, estando conforme ao CCP (cfr. arts 162. ° e ss.) e ao disposto nos artigos 56. °, 58.º, 60. °, 63. ° e o Anexo II, da Directiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26/02/2014, relativa aos contratos públicos.
No actual quadro legal as entidades adjudicantes gozam de discricionariedade na decisão de escolha do tipo de procedimento, bem como na fixação dos requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira (al. h) do n.º 1 e n.º 4 do art. 164.º e art. 165.º do CCP).
Nessa medida foram no Programa de Procedimento (PP), estabelecidos os requisitos mínimos de capacidade técnica dos candidatos (cláusula 13ª) e fixados os requisitos mínimos de capacidade financeira (cláusula 14ª).
O que vale por dizer que a Recorrente (Município) tinha, logo à partida, o poder de afastar uma parte dos potenciais interessados ao concurso, não só através do modelo de procedimento escolhido como da eleição dos mencionados requisitos. O que a obrigava a usar esse poder de forma criteriosa e fundamentada pois que, se o não fizesse, poderia incorrer na violação dos princípios gerais que enformam a actividade administrativa, maxime dos princípios da concorrência, da proporcionalidade, da igualdade e da imparcialidade (arts 3.º a 10.º do CPA) e dar azo a uma anulação do procedimento.
Assentou o Tribunal a quo: “considerando que o objeto do presente contrato é uma empreitada de reparação de pavimentos betuminosos em vários arruamentos municipais do concelho de São Vicente, que a mesma terá uma duração máxima de 365 dias, que o pagamento será efetuado mensalmente pelo dono-da-obra em função do determinado nas medições mensais e que, portanto, não é necessário um investimento avultado (nem o contrário foi alegado), e ainda que o preço base da mesma seja de 2 750 312, 34€”.
Então, “a capacidade financeira exigida na cláusula 14.ª do programa do procedimento, em termos de autonomia financeira média, liquidez geral média e solvabilidade geral” se revela “desnecessária e excessiva (ou seja, desproporcional), face à natureza e ao conteúdo das prestações a adjudicar no âmbito do procedimento objeto do presente litígio, com a consequência de ser desfavorável para a concorrência em virtude de afastar do concurso quem não satisfaça esse grau mínimo de capacidade financeira”.
Entendimento que será de infirmar, como desenvolveremos de seguida.
Argui a Recorrente que o juízo do Tribunal a quo constitui uma violação do princípio da separação de poderes, porque configura uma intromissão injustificada do poder judicial no poder de boa administração.
A este propósito, citamos o Acórdão deste TCA Sul, de 24.05.2018, Proc. nº 1647/17.1BESNT acessível in www.dgsi.pt :
“…A fixação dos requisitos mínimos de capacidade financeira dos candidatos ao concurso, traduzindo-se no exercício de uma actividade discricionária, não é arbitrária, pelo que está sujeita ao controlo de legalidade dos tribunais.
Estão em causa requisitos mínimos que têm de ser preenchidos pelos candidatos ao concurso limitado por prévia qualificação, cuja fixação estabelece uma exigência técnica e/ou financeira, que afasta da adjudicação quem não obedeça a esse grau mínimo de exigência.
Por isso, é pacifico que tais requisitos podem assumir como um factor de limitação da concorrência, como acontecerá no caso de se estabelecer como requisitos mínimos exigências que não relevam para o objecto do contrato a celebrar, ou seja, que não sejam necessários face à natureza das prestações contratuais a adjudicar, assumindo-se como requisitos mínimos inadequados ou desproporcionados.
Nesse sentido, podendo traduzir-se numa viciação das regras da concorrência ou ofender outros princípios, como os proporcionalidade e adequação, com reflexo na validade da respetiva decisão e da própria decisão de escolha do procedimento, merece a atenção da normatividade aplicável aos procedimentos da contratação pública, como decorre do disposto na alínea h), do n.º 1 do artigo 164.º do CCP”.
Foi exactamente nesse juízo de ponderação entre a normatividade/legalidade e a actuação da entidade administrativa que interveio o Tribunal a quo em respeito com o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do CPTA quanto ao âmbito do conhecimento e dos poderes dos tribunais administrativos, falhando, nesta parte, o argumentário da Recorrente.
Prosseguindo,
O pomo da discórdia assenta na solicitação por parte da Recorrente de requisitos mínimos de capacidade financeira do operador económico com o qual se propõe a celebrar o futuro contrato.
Como nos explicita Pedro Gonçalves, in Direito dos Contratos Públicos, 5ª edição, pp. 741,742 “[p]or sua vez, os requisitos de capacidade financeira são impostos com o propósito de assegurar que os candidatos disponham de capacidade económica e financeira para enfrentar os custos que vão ter de suportar com a execução do contrato. Neste caso, a lei abstém-se de enunciar, de forma explícita, um critério de orientação de que as entidades adjudicantes se possam servir no processo de definição de requisitos mínimos e também é omissa quanto aos elementos de referência que elas podem exigir para demonstração da capacidade financeira.
Para colmatar essas insuficiências do CCP, pode mobilizar-se o artigo 58º, nº 3 da Diretiva 2014/24, que, depois de indicar, em geral, que as autoridades adjudicantes podem impor requisitos destinados a assegurar que os operadores económicos disponham da capacidade económica e financeira para executar o contrato, acrescenta que, para esse efeito, as autoridades adjudicantes podem exigir, nomeadamente que os operadores económicos tenham um (i) determinado volume de negócios anual mínimo, designadamente no domínio abrangido pelo contrato ou (ii) que forneçam informações sobre as suas contas anuais, apresentando, por ex., o rácio entre ativos e passivos (…).
Assim, nos termos da lei, as entidades adjudicantes podem estabelecer os requisitos de capacidade financeira (os indicados na Diretiva nos termos que vimos, ou outros) que se revelem adequados em função do objeto do contrato a celebrar e proporcionados em função do valor deste”.
A norma em discussão, a Cláusula 14ª do PP, onde se definem os requisitos mínimos de capacidade financeira, prevê:
“1. Apenas são admitidos os candidatos que cumpram cumulativamente os seguintes requisitos mínimos de capacidade financeira. No caso dos candidatos se apresentarem em consórcio, todos os membros do mesmo devem cumprir individualmente com os seguintes requisitos mínimos de capacidade financeira:
a) Um resultado líquido positivo à data de 31 de dezembro de 2020;
b) Um volume de negócios médio (média aritmética), referente aos exercícios de 2018, 2019 e 2020, igual ou superior a 5.500.000,00EUR, conforme forma de cálculo constante no Anexo 6 do presente Programa do Procedimento;
c) Uma autonomia financeira média (média aritmética), referente aos exercícios de 2018, 2019 e 2020, igual ou superior a 60%, conforme forma de cálculo constante no Anexo 6 do presente Programa de Procedimento;
d) Uma liquidez geral média (média aritmética), referente aos exercícios de 2018, 2019 e 2020, igual ou superior a 4,0 conforme forma de cálculo constante no Anexo 6 do presente Programa de Procedimento;
e) Solvabilidade geral positiva, igual ou superior a 200%, à data de 3l de dezembro de 2020.
2. O cumprimento dos requisitos mínimos de capacidade financeira será aferido pelos documentos exigidos na cláusula 15.ª.
3. Nos termos e para os efeitos previsto no n.º 3 do artigo 179.º do CCP, considera-se que equivale ao preenchimento dos requisitos mínimos de capacidade financeira supra exigidos, a apresentação de declaração bancária, conforme modelo constante do Anexo VI do CCP (Anexo 7 ao presente PP). (d/n)”.
Como se aludiu, o programa do concurso pode indicar requisitos mínimos de capacidade financeira, sujeitos ao limite previsto no n.º 3 do artigo 165.º do CCP. Sendo que os requisitos relativos ao volume de negócios “não podem exceder o dobro do valor do contrato (…) e devem reportar-se à aptidão estimada dos candidatos para mobilizar os meios financeiros previsivelmente necessários para o integral cumprimento das obrigações resultantes do contrato a celebrar”.
A propósito do citado art. 165º, nº 3, diz-nos Pedro Gonçalves “O preceito define um limite concreto e taxativo ao poder de que as entidades adjudicantes dispõem para formular, em geral, os requisitos mínimos de capacidade financeira. Mas fá-lo de forma incorreta. Na verdade, um limite que se traduz em os requisitos mínimos da capacidade financeira não poderem exceder o dobro do contrato não se adapta à formulação de quaisquer requisitos de capacidade financeira. De resto, é apenas em relação ao requisito de volume de negócios que o limite se encontra estabelecido no artigo 58º, nº3, 2º par., da Directiva 2014/24: aqui se estabelece que o “volume de negócios anual mínimo que é exigido ao operadores económicos não pode exceder o dobro do estimado do contrato, salvo em casos devidamente justificados como os que se prendem com os riscos especiais associados `a natureza das obras, serviços ou fornecimentos” (assim, se o contrato tiver um valor estimado de 2,5 milhões de euros, a entidade adjudicante pode definir como requisito mínimo de capacidade financeira que os candidatos tenham um volume anual mínimo de 5 milhões de euros)” – in obra citada, p. 742.

O presente dissídio assenta apenas nas exigências prescritas nas citadas alíneas c), d) e e) do nº 1 da Cláusula 14ª do PP, concretamente:
- Autonomia Financeira média (média aritmética) referente aos exercícios de 2018, 2019 e 2020: igual ou superior a 60% [alínea c];
- Liquidez Geral média (média aritmética) referente aos exercícios de 2018, 2019 e 2020: igual ou superior a 4,0 [alínea d];
- Solvabilidade Geral Positiva: igual ou superior a 200% [alínea e].

Densificando tais requisitos/conceitos:

i. Autonomia financeira de 60% nos últimos 3 anos: significa que o candidato possui uma base sólida de recursos próprios, que o capital próprio representou, em média, 60% do total do activo nesse período.
ii. Solvabilidade Geral Positiva: igual ou superior a 200%: mede a capacidade da empresa de pagar as suas obrigações a longo prazo. Ou seja, a empresa possui activos suficientes para cobrir pelo, menos duas vezes, o valor total das suas obrigações no longo prazo.
iii. Liquidez Geral média (média aritmética) referente aos exercícios de 2018, 2019 e 2020, igual ou superior a 4,0: representa a medida de capacidade da empresa de pagar as suas obrigações de curto prazo. A empresa tem activos líquidos para cobrir apenas 4% do total das suas obrigações no curto prazo.
Em suma, exige-se, pois, que a empresa candidata tenha uma boa base sólida de recursos próprios (autonomia financeira de 60%) e uma boa capacidade de cumprir as suas obrigações no longo prazo (solvabilidade geral positiva igual ou superior a 200%). Sendo que foi considerada uma baixa liquidez geral (4%).
Neste contexto, não se vislumbra que tais requisitos mínimos se revelem desproporcionados ou desnecessários face ao contrato a celebrar, obra pública cujo preço base é de €2.750.312,42.
Ademais, os requisitos mínimos foram perfeitamente justificados como consta do Relatório Final,
“(…) 2.4 Os requisitos mínimos de capacidade financeira estipulados na cláusula 14.ª do Programa do Procedimento foram os requisitos que o Município de São Vicente considerou como adequados, proporcionais e justos visando uma seleção de concorrentes capazes de mobilizar os meios financeiros previsivelmente necessários para o bom e integral cumprimento das obrigações resultantes do contrato a celebrar, conforme estipulado no n.º 3 do artigo 165.º do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro na sua atual redação; Se não vejamos, 2.5. A crise económica e financeira que conduziu ao PAEF afetou especialmente o sector da construção civil, tendo deixado um rasto de insolvências de empresas de construção civil, algumas das quais consideradas grandes e médias empresas; 2.6. Atualmente, vivemos uma época de instabilidade e insegurança, causadas pelos efeitos económicos e financeiros da pandemia, cujo impacto nos preços dos materiais pode provocar problemas de cumprimento às empresas em situação de vulnerabilidade; 2.7. Foram por estas razões que a Câmara Municipal de São Vicente ao fixar os requisitos mínimos de capacidade financeira constantes do Programa do Procedimento procurou unicamente garantir a boa e regular execução do contrato, principalmente face à sua dimensão que se repercute por todo o Concelho de São Vicente, com grandes reflexos na vida do dia-adia dos munícipes por os riscos de incumprimentos serem suscetíveis de causar graves inconvenientes e prejuízos na circulação de pessoas e bens;
2.8. A Câmara Municipal de São Vicente quis assegurar com um grau de certeza e razoabilidade que selecionaria um candidato com aptidão e idoneidade para executar a obra em questão, pelo que procurou garantir que não seria confrontada com uma empresa a contratar sem capacidade (financeira e técnica) e que pudesse apresentar um cenário de dificuldades financeiras, com riscos de se repercutir na boa execução do contrato, gerando, com isso, consequências gravosas e transtornos para a entidade adjudicante Câmara Municipal de São Vicente;
2.9. Além de que num cenário de incumprimento de contrato por falta de capacidade financeira, todo o concelho de São Vicente seria também afetado uma vez que as intervenções desta empreitada são executadas em vários arruamentos do Concelho pelo que, nessa hipótese, provocaria adversidades, contrariedades e prejuízos no âmbito da população e circulação concelhia provocada pelas obras suspensas/paradas;
2.10. Relativamente aos requisitos mínimos de capacidade financeira exigidos no Programa do Procedimento, foi exigido um resultado líquido positivo à data de 31 de dezembro de 2020, o que se considera completamente normal;
2.11. Foi exigido um volume de negócios médio (média aritmética), referentes aos exercícios de 2018, 2019 e 2020, igual ou superior a 5.500.000,00€, o que não excede o dobro do valor do contrato, em observância do disposto no n.º 3 do art.º 165.º do CCP;
2.12. Relativamente à autonomia financeira média (média aritmética) exigida, referente aos exercícios de 2018, 2019 e 2020, igual ou superior a 60%, não é excessiva e é aquela que a Câmara Municipal de São Vicente considerou oferecer garantias de estabilidade, tendo em conta o colapso e o rasto de insolvências no sector da construção civil nos últimos anos, bem como por ser especialmente necessário, atenta a natureza e objeto da empreitada, evitar riscos de incumprimentos suscetíveis de causar graves transtornos à normal e regular circulação de pessoas e bens;
2.13. A liquidez geral média (média aritmética) exigida referente aos exercícios de 2018, 2019 e 2020, igual ou superior a 4,0 não é desproporcional e a exigência de solvabilidade geral positiva igual ou superior a 200% à data de 31 de dezembro de 2020 também não é excessiva atentos os fins de interesse público que urge com a boa execução da empreitada”.
Ora, nenhum destes argumentos foi refutado pelas Autoras/Recorridas, em sede de petição inicial, designadamente explicitando, para que o Tribunal o pudesse analisar, de que forma os sobreditos requisitos plasmados nas alíneas c), d) e) do nº 1 da Cláusula 14ª colidiam com o princípio da proporcionalidade ou da concorrência, sendo certo que, pelas características do procedimento em análise sempre teriam de ser afastados quem não satisfaça o grau mínimo de capacidade financeira que a entidade administrativa, no exercício das suas prerrogativas, entendeu definir no presente procedimento como requisitos mínimos de capacidade financeira para a melhor forma prosseguir o interesse público.
Alegam as Recorridas que tais requisitos seriam impossíveis de atingir.
Todavia, confrontando os Relatórios Preliminar e Final, verifica-se que uma das empresas que compõe o agrupamento, a F... – Sociedade de Construções S.A, demonstrou quanto ao requisito de autonomia financeira uma média de 69,02% e quanto ao requisito de solvabilidade geral positiva indicou 204,71% - vide ponto 12 e 14 do probatório.
Donde se extrai que, no caso em apreço, inexistem razões para desconsiderar as citadas alíneas da Clª. 14ª, atentos os riscos associados à execução do contrato e da importância de um efectivo e cadenciado cumprimento do contrato de empreitada a realizar; considerando que o objecto do procedimento consiste na empreitada de reparação de pavimentos betuminosos em vários caminhos, estradas e ruas que integram a rede viária do Município de São Vicente, mais concretamente:
(i) Estrada da Serra d’Água – Fajã do Penedo, Freguesia da Boaventura, Concelho de São Vicente;
(ii) Caminho dos Currais – Freguesia da Boaventura, Concelho de São Vicente;
(iii) Caminho da Eira – Lameiros – Freguesia e Concelho de São Vicente;
(iv) Caminho do Ribeirinho – Freguesia da Boaventura, Concelho de São Vicente;
(v) Estrada dos Lameiros – Freguesia e Concelho de São Vicente;
(vi) Estrada Municipal Padre José Teixeira Marques – Freguesia e Concelho de São Vicente;
(vii) Estrada das Lombadas – Freguesia da Ponta Delgada, Concelho de São Vicente;
(viii) Caminho da Ribeira Grande, Freguesia e Concelho de São Vicente;
(ix) Rua Dr. Horácio Bento Gouveia, Freguesia da Ponta Delgada, Concelho de São Vicente;
(x) Pavimentações diversas no concelho. (Vide cláusula 1.ª do CE).
Em conformidade com a Lista de Quantidades original, antes da respetiva rectificação na sequência da revisão do projeto de execução, a quantidade de total de m2 da empreitada era de cerca de 70.000 m2.
Factores que justificam uma maior criteriosa escolha no que concerne à capacidade e estabilidade financeira do futuro adjudicatário, tal como entendeu a Recorrente e que não foi afastado de modo justificado ou convincente por parte das Autoras/Recorridas.
Por outro lado, prescreve o artigo 179.º, do CCP sob a epígrafe “Modelo simples de qualificação”, seguinte:
1 - No caso de a qualificação não assentar no sistema de seleção, previsto no artigo 181.º, são qualificados todos os candidatos que preencham os requisitos mínimos de capacidade técnica e de capacidade financeira.
2 - Quando, para efeitos do preenchimento dos requisitos mínimos de capacidade técnica, o candidato recorra a terceiras entidades, a capacidade destas apenas aproveita àquele na estrita medida das prestações objeto do contrato a celebrar que essas entidades se comprometam a realizar.
3 - Exclusivamente para os efeitos do disposto no n.º 1, considera-se que equivale ao preenchimento do requisito mínimo de capacidade financeira:
a) A apresentação de declaração bancária conforme modelo constante do anexo vi ao presente Código e do qual faz parte integrante; ou
b) No caso de o candidato ser um agrupamento, um dos membros que o integram ser uma instituição de crédito que apresente documento comprovativo de que possui sede ou sucursal em Estado membro da União Europeia, emitido pela entidade que exerça a supervisão bancária nesse Estado. (d/n).
Donde, sempre poderiam as Autoras/Recorridas fazer uso do disposto no n.º 3 da Cláusula 14.ª do PP, que corresponde à citada al. a) do nº 3 do art. 179º do CCP, que constitui um meio alternativo a quem não conseguisse demonstrar as condições mínimas prescritas no nº 1, da Clª 14ª, ou seja, cuja finalidade é exactamente a de possibilitar a apresentação de candidaturas por candidatos que, eventualmente, não preenchessem os requisitos mínimos de capacidade exigidos, sendo certo que tal possibilidade é inteiramente admissível no procedimento sub judice, por ter sido adoptado o modelo simples de qualificação.
Ou seja, no presente procedimento de concurso limitado qualquer empresa que não preenchesse os requisitos mínimos de capacidade financeira poderia apresentar uma declaração bancária, conforme modelo do anexo VI ao CCP, considerando-se que tal equivaleria ao respetivo preenchimento para efeitos de qualificação.
O que significa que perante esta via alternativa de preencher os requisitos mínimos de capacidade financeira, as Recorridas/Autoras, ou outras empresas que não preenchessem os requisitos mínimos de capacidade financeira poderiam ser qualificadas mediante a apresentação da identificada declaração bancária. Nem as Recorridas/Autoras alegaram, nem lograram provar, factos concretos demostrativos da impossibilidade de obter a mencionada declaração.
Por último, atenta a consolidação das outras causas subjacentes à decisão de exclusão das Recorridas/Autoras, porquanto a sentença sub iudice considerou que não padecia das ilegalidades por si imputadas, sempre se manteria o acto de exclusão independentemente da (i)legalidade das citadas alíneas c), d) e e) da Cláusula 14ª do PP.
Termos em que será de conceder provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida, na parte em que declarou a ilegalidade da cláusula 14.ª, n.º 1, als. c), d) e e) do Programa do Procedimento, anulando os termos subsequentes do procedimento e condenou a Recorrente/Entidade Demandada a reconstitui-lo sem reincidir na dita ilegalidade. E, em consequência, julgar a acção totalmente improcedente.


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Ø Dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente – art. 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP)

Veio a Recorrente requerer a dispensa do pagamento da taxa remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, segundo o qual «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».

Todavia, não obstante o montante elevado do contrato a celebrar, no âmbito do presente Concurso, acima de 2 milhões de euros, o valor da causa fixado, em sede de despacho saneador, foi de 30 000,01€ (trinta mil euros e um cêntimo) - cfr. fls. 554 e ss. SITAF – pelo que não se justifica avaliar da referida dispensa.


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III. Decisão

Em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes desta Subsecção, em:

i) conceder provimento ao presente recurso,

ii) revogar a sentença recorrida, na parte em que declarou a ilegalidade da cláusula 14.ª, n.º 1, als. c), d) e e) do Programa do Procedimento, anulando os termos subsequentes do procedimento e condenou a Recorrente/Entidade Demandada a reconstitui-lo sem reincidir na dita ilegalidade, e em consequência,

iii) julgar a acção totalmente improcedente.

Custas a cargo das Recorridas (Autoras) - cf. arts. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA.

R.N.
Lisboa, 09 de Novembro de 2023


Ana Cristina Lameira (relatora)

Catarina Gonçalves Jarmela

Paula de Ferreirinha Loureiro