Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:504/10.7 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/19/2023
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:OPOSIÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
DECISÃO EM PROCESSO PENAL
AMPLIAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR/ PR. DA ESTABILIDADE DA INSTÂNCIA
PRESUNÇÃO DE CULPA
Sumário:I - A nulidade por omissão de pronúncia [também prevista no artigo 615º, nº1, alínea d) do CPC], só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar.
II - Do regime previsto nos artºs 47º e 48º do R.G.I.T. resulta que existe uma opção legislativa no sentido da preferência da jurisdição fiscal em relação à jurisdição criminal para apreciação de questões de natureza tributária, preferência essa que é corolário da atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada (artº 212º, nº 3, da C.R.P.) e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais.

III - Não existe qualquer norma legal que atribua força de caso julgado no processo de impugnação judicial (ou de oposição à execução fiscal) às decisões proferidas em processo criminal.

IV - Sendo na petição inicial que o Oponente deve invocar os factos e as razões de direito que suportam a pretensão deduzida em juízo, de extinção da execução fiscal e não se subsumindo a questão dos autos (gerência de facto) em questão superveniente, ou de conhecimento oficioso, a invocação de novos factos suscetíveis de integrar fundamento de oposição em sede das alegações previstas no artigo 120.º do CPPT, ex vi artigo 211.º do mesmo diploma legal, envolvendo alteração da causa de pedir, não pode ser objeto de conhecimento, por violar o princípio da estabilidade da instância.

V - A culpa do gerente deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.

VI – Cabia ao Revertido provar que encetou todas as diligências e quais as diligências para proceder ao pagamento das dívidas fiscais pendentes, e não limitar-se a remeter para a conjuntura e para as consequências dela decorrentes, competindo-lhe fazer prova positiva de quais as ações, em concreto, por si desenvolvidas enquanto gerente, nomeadamente se desenvolveu todos os esforços que lhe eram exigíveis e se empregou o melhor da sua experiência e conhecimento para ultrapassar tais dificuldades.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO

C …………………, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a oposição intentada pelo Recorrente, no âmbito do processo de execução fiscal nº …………….450 e apensos, inicialmente instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 2 contra a sociedade “M…………..-ESTUDOS …………………, LDA”, e contra si revertido, para a cobrança de dívidas Imposto sobre o valor acrescentado [IVA], Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas [IRC] e Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares [IRS], dos exercícios de 1994, 1995, 1996, 2003, 2004 e 2005, no montante global de €360.818,42.

Parte das dívidas foram consideradas prescritas – “As dívidas referidas nos factos provados 5 e 7, por seu turno, referentes a dívidas de Fevereiro de 1995 e Março de 1996” - mantendo-se as demais.

É, pois, contra a restante dívida e contra a sentença que manteve a execução tendente à sua cobrança que o presente recurso se dirige.

O Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

a. A sentença recorrida padece do vício de nulidade, na medida em que não se pronunciou sobre questões que deveria ter apreciado (a não gerência de facto pelo Recorrente), o que se invoca nos termos do artigo 125.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil (ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário);

b. No caso em apreço, não obstante o Recorrente não tenha invocado na petição inicial o não exercício da gerência no período em que foram constituídas e não foram pagas as quantias em dívida, tal facto resulta da inquirição de testemunhas e ainda da sentença proferida no processo crime contra a Segurança Social, pelo que o mesmo deveria ter sido relevado pelo Tribunal a quo, ao abrigo do princípio do efeito extraprocessual das sentenças, nos termos do artigo 619.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário);

c. Nos termos dos artigos 619.º e 621.º do Código de Processo Civil, a sentença transitada em julgado passa a ter força obrigatória dentro e fora do processo, constituindo caso julgado (material) nos termos em que julga, o qual abrange não só a parte final da sentença (ou decisão arbitral) como também os fundamentos ou motivos da decisão “necessário(s) para interpretar o verdadeiro sentido da decisão e o seu exacto conteúdo”, respeitantes a pontos suscetíveis de serem objeto de processo autónomo e que constituem antecedente lógico, necessário e indispensável da decisão;

d. O alcance do caso julgado que induz a doutrina a autonomizar aquilo que vem sendo designado por “efeito preclusivo do caso julgado” e que se traduz na impossibilidade de uma nova ação - e decisão - ter como objeto uma qualquer questão (facto / pedido) que na ação já decidida por sentença transitada em julgado não foi invocada pelas partes, podendo tê-lo sido;

e. No processo judicial tributário vigora o princípio do inquisitório pleno, previsto nos artigos 13.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 99.° da Lei Geral Tributária, pelo que o juiz deve ordenar todas as diligências que se mostrem necessárias para a descoberta da verdade material;

f. Da inquirição das testemunhas efetuada no âmbito do processo n.º 502/10.0BELRS e aproveitada no presente processo e da análise da sentença proferida no processo-crime intentado contra o Recorrente pela Segurança Social, pelo crime de abuso de confiança fiscal contra aquela entidade, constata-se que ficou provado que o Recorrente não exerceu as funções de gerente da M................... no período compreendido entre julho de 2002 e agosto de 2006;

g. O Recorrente provou, igualmente, que em virtude de diversos problemas de saúde, esteve afastado da realidade societária por diversos anos, após setembro de 2001, sendo que a devedora originária era autogerida pelos seus diversos funcionários;

h. Ainda que se entendesse que o Recorrente não provou o não exercício da gerência no período em discussão nos presentes autos, o que sem conceder se admite, verifica-se que o Recorrente é parte ilegítima na presente execução, na medida não criou ou agravou artificialmente ativos ou passivos e, enquanto gerente – antes do período a que respeitam as dívidas tributárias e no período em que exerceu, de direito, as funções –, não fez uso dos créditos da sociedade para satisfazer interesses de terceiros, não trabalhou contabilidades fictícias, não fez desaparecer documentos ou omitiu a contabilidade, nem dispôs de bens da sociedade em proveito pessoal ou de terceiros e não fez uso de créditos contrários aos interesses da sociedade, pelo que iludiu a presunção de culpa pela falta de pagamento que pende sobre si, nos termos do artigo 23.º e 24.º da Lei Geral Tributária;

i. Constata-se, assim, que a sentença recorrida é ilegal, por violação do disposto nos artigos 23.º, 24.º e 99.º da Lei Geral Tributária, 13.°, 125.º, n.º 2 e 204.º, n.º 1, alínea b) Código de Procedimento e de Processo Tributário e 615.º, n.º 1, alínea d) e 619.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, pelo que se requer a sua anulação por Vossas Excelências e, em consequência, ser ordenado a extinção do presente processo de execução fiscal, nos termos do artigo 176.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como procedente, por provado, e em consequência ser anulada a decisão recorrida, por ilegal, e substituída por outra que contemple as interpretações de Direito acima explanadas, dando-se provimento à pretensão do Recorrente, tudo com as legais consequências.


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A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

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Neste TCA, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

1. Em 30 de Setembro de 1996, foi instaurado o PEF ……………….090, por dívida de IVA e Juros Compensatórios dos meses de Abril, Junho, Julho e Agosto de 1995, e no montante de € 33.861,67 – cfr. capa do PEF, a fls. 167 do suporte físico dos autos;

2. Em 15 de Outubro de 1996, foi instaurado o PEF ………………..450, referente a IVA do 4o trimestre de 1994 e no montante de € 25.978,62 – cfr. capa do PEF, a fls. 106 e 107 do suporte físico dos autos;

3. Em 30 de Outubro de 1996, foi instaurado o PEF …………………878, por dívida de IVA e Juros Compensatórios de Setembro, Outubro e Dezembro de 1995, e no montante de € 27.985,27 – cfr. capa do PEF, a fls. 174 do suporte físico dos autos;

4. Em 25 de Novembro de 1996, foi instaurado o PEF …………………083, por dívida de IVA e Juros Compensatórios de Janeiro de 1996, e no montante de € 4.160,71 – cfr. capa do PEF, a fls. 181 do suporte físico dos autos;

5. Em 31 de Dezembro de 1996, foi instaurado o PEF …………………….922, por dívida de IVA e Juros Compensatórios de Março de 1996, no montante de € 2.249,23 – cfr. capa do PEF, a fls. 184 do suporte físico dos autos;

6. Em 31 de Janeiro de 1997 foi carimbado, pelo SF Lisboa 2, um “Requerimento de Regularização de Dívidas a que se refere o n° 1 do artigo 14° do Decreto-Lei n° 124/96, de 10 de Agosto”, em nome de “M................... – Estudos ……………….., Lda.”, solicitando o pagamento dos PEF ……………..570, ………………742, ……………….450, ……………326, ……………666, ……………450, ……………150, …………...090, …………………878, ……………..083 e ……………658 em 150 prestações – cfr. requerimento, a fls. 111 a 118 do suporte físico dos autos;

7. Em 10 de Setembro de 1997, foi instaurado o PEF …………….975, por dívida de IVA e Juros Compensatórios de Fevereiro de 1995, no montante de € 1.708,37 – cfr. capa do PEF, a fls. 186 do suporte físico dos autos;

8. Em 18 de Julho de 2004, foi instaurado o PEF .……………….461, por dívida de IVA de Janeiro de 2004, no montante de € 2.497.80 – cfr. capa do PEF, a fls. 189 do suporte físico dos autos;

9. Em 18 de Julho de 2004, foi instaurado o PEF ……………….024, por dívida de IVA de Março de 2004, no montante de € 10.032.88 – cfr. capa do PEF, a fls. 191 do suporte físico dos autos;

10. Em 31 de Julho de 2004 foi Instaurado o processo de execução fiscal n° …………….852, por dívida do IVA de Abril de 2004, no montante de € 9.337,82 – cfr. capa do PEF, a fls. 193 do suporte físico dos autos;

11. Em 13 de Agosto de 2004 foi instaurado o PEF ……………………….646, por dívida de IVA de Janeiro e Dezembro de 2003, no montante de € 1.879,20 – cfr. capa do PEF, a fls. 195 do suporte físico dos autos;

12. Em 10 de Setembro de 2004, foi instaurado o PEF ……………………254, por dívida de IVA de Junho de 2004, no montante de € 13.433,09 – cfr. capa do PEF, a fls. 198 do suporte físico dos autos;

13. Em 14 de Dezembro de 2004, foi instaurado o PEF ………………..520, por dívida de IVA de Junho, Julho e Agosto de 2004, no montante de € 14.029,69 – cfr. capa do PEF, a fls. 200 do suporte físico dos autos;

14. Em 18 de Dezembro de 2004, foi instaurado o PEF ………………014, por dívida de IVA e Juros Compensatórios de Agosto e Dezembro de 2003, no montante de € 117,81 – cfr. capa do PEF, a fls. 204 do suporte físico dos autos;

15. Em 20 de Janeiro de 2005, foi instaurado o PEF ………………..017, por dívida de IVA de Outubro de 2004, no montante de €4.010,34 – cfr. capa do PEF, a fls. 207 do suporte físico dos autos;

16. Em 23 de Fevereiro de 2005, foi instaurado o PEF …………………575, por dívida de IVA de Novembro de 2004, no montante de €14.784,28 – cfr. capa do PEF, a fls. 209 do suporte físico dos autos;

17. Em 25 de Março de 2005, foi instaurado o PEF …………………..833, por dívida de IRC, do ano 2003, no montante de € 4.730,32 – cfr. capa do PEF, a fls. 211 do suporte físico dos autos;

18. Em 16 de Abril de 2005, foi instaurado o PEF ………………987, por dívida de IRS de Retenções da Fonte do ano de 2003, no montante de €16.614,89 – cfr. capa do PEF, a fls. 213 do suporte físico dos autos;

19. Em 17 de Abril dc 2005 foi instaurado o PEF …………………092, por dívida de IRS de Retenções da Fonte do ano de 2004, no montante de €15.014,73 – cfr. capa do PEF, a fls. 217 do suporte físico dos autos;

20. Em 23 de Abril de 2005 foi Instaurado o PEF ……………591, por dívida de IRS de Retenções da Fonte do ano de 2004, no montante de € 22.059,33 – cfr. capa do PEF, a fls. 219 do suporte físico dos autos;

21. Em 23 de Abril de 2005 foi instaurado o PEF 3247200501040154, por dívida de IRS de Retenções da Fonte do ano de 2004, no montante de €5.826,99 – cfr. capa do PEF, a fls. 222 do suporte físico dos autos;

22. Em 18 de Junho de 2005 foi instaurado o PEF ………………..580, por dívida de IRS de Retenções da Fonte do ano de 2004, no montante de € 14.450.11 – cfr. capa do PEF, a fls. 224 do suporte físico dos autos;

23. Em 19 de Junho de 2005 foi instaurado o PEF ………………..943, por dívida de IRS de Retenções da Fonte do ano de 2004, no montante de €5.235.81 – cfr. capa do PEF, a fls. 230 do suporte físico dos autos;

24. Em 20 de Junho de 2005 foi instaurado o PEF ………………..271, por dívida de IRS de Retenções da Fonte do ano de 2004, no montante de €9.348,81 – cfr. capa do PEF, a fls. 232 do suporte físico dos autos;

25. Em 24 de Junho de 2005 foi instaurado o PEF ………………….600, por dívida de IRS de Retenções da Fonte do ano de 2004, no montante de €5.269.48 – cfr. capa do PEF, a fls. 235 do suporte físico dos autos;

26. Em 25 de Junho de 2005 foi instaurado o PEF …………….959, por dívida de IRS de Retenções da Fonte do ano de 2004, no montante de € 5.625.34 – cfr. capa do PEF, a fls. 238 do suporte físico dos autos;

27. Em 30 de Junho de 2005 foi instaurado o PEF ………………..818, por dívida de IVA do primeiro trimestre de 2005, no montante de € 15 240.02 – cfr. capa do PEF, a fls. 240 do suporte físico dos autos;

28. Em 04 de Agosto de 2005 foi instaurado o PEF …………….776, por dívida de IRS de Retenções da Fonte do ano de 2004 no montante de € 12.737.15 – cfr. capa do PEF, a fls. 242 do suporte físico dos autos;

29. Em 06 de Agosto de 2005 foi instaurado o PEF ……………678, por dívida de IRS de Retenções da Fonte dos anos de 2004 e 2005, no montante de €6.354,20 – cfr. capa do PEF, a fls. 244 do suporte físico dos autos;

30. Em 11 de Agosto de 2005, foi instaurado o PEF …………….306, por dívida de IRS de Retenções da Fonte do ano de 2005, no montante de €4.254,20 – cfr. capa do PEF, a fls. 247 do suporte físico dos autos;

31. Em 07 de Setembro de 2005, foi instaurado o PEF …………………379, por dívida de IRS de Retenções da Fonte do ano de 2005, no montante de €4.254,20 – cfr. capa do PEF, a fls. 249 do suporte físico dos autos;

32. Em 07 de Setembro de 2005, foi instaurado o PEF …………….696, por dívida de IRS de Retenções da Fonte do ano de 2005, no montante de € 8.579,48 – cfr. capa do PEF, a fls. 251 do suporte físico dos autos;

33. Em 05 de Outubro de 2005, foi instaurado o PEF ……………….845, por dívida de IVA do segundo trimestre de 2005, no montante de €5.540,39 – cfr. capa do PEF, a fls. 254 do suporte físico dos autos;

34. Em 17 de Outubro de 2005, foi instaurado o PEF ……………….063, por dívida de IRS de Retenções da Fonte do ano de 2005, no montante de €9.781,67 – cfr. capa do PEF, a fls. 256 do suporte físico dos autos;

35. Em 28 de Abril de 2006, foi instaurado o PEF ……………..417, por dívida de IRS de Retenções da Fonte do ano de 2005, no montante de € 23.834,52 – cfr. capa do PEF, a fls. 259 do suporte físico dos autos;

36. Os processos referidos em 1) a 5) e 7) a 34) foram instaurados em nome de “M................... Estudos …………… Lda.”, NIPC ………….., que declarou iniciada a sua actividade em 31 de Agosto de 1988 e cessada, em sede de IVA, em 25 de Setembro de 2006-09-25 – cfr. “declaração de cessação de actividade” e “acta n.º 30”, a fls. 96 a 98 do suporte físico dos autos;

37. Por ofício datado de 12 de Janeiro de 2007, a sociedade referida em 36) foi informada que, “Atendendo a que as consequências que decorrem da exclusão são extremamente gravosas, decidiu-se conceder ainda, nos termos do despacho supra indicado, a V Exª (essa entidade) o prazo de 30 (trinta) dias a contar desta notificação, para proceder à integral regularização da situação identificada: - Prestações em Falta: 41 Prestações no valor de 134.274,89 EUR. Caso finde este prazo sem que a situação tributária se encontre totalmente regularizada, concretizar-se-á a exclusão do Dec Lei nº 124/96 com efeitos definitivos e irreversíveis, acarretando, necessariamente para V Exª (essa entidade), efeitos nefastos e indesejáveis, dado que inviabiliza em absoluto a oportunidade de regularização da situação tributária no quadro da excepção estabelecido no Dec Lei n° 124/96.” – Cfr. Ofício 359, a fls. 103 do suporte físico dos autos;

38. Em 10 de Novembro de 2009, foi elaborado auto de diligências, onde se escreveu que “a fim de prosseguir a tramitação do processo executivo acima referenciado, verifiquei o seguinte: - Apenas consta no SIPA Outros Valores e Rendimentos, não constando qualquer resposta positiva, no entanto foi solicitado no presente processo em 28.08.2009 a penhora de saldo da C.G.Depósitos, não tendo igualmente sido averbada qualquer resposta até à presente data. - Pesquisando todos os sistemas informáticos existentes, não foram encontrados quaisquer bens, direitos ou rendimentos penhoráveis; fls. (47 a 49). Em face ao exposto, é do meu parecer que se proceda à reversão contra os responsáveis subsidiários, a fim de se cumprirem os requisitos estipulados no art. 153° do CPPT.” – Cfr. Auto de diligências, a fls. 154 do suporte físico dos autos;

39. Em 03 de Dezembro de 2009 a Chefe de Finanças proferiu “Despacho de Reversão” contra o ora oponente – Cfr. despacho, a fls. 162 do suporte físico dos autos, e que se dá por integralmente reproduzido;

40. No dia 09 de Dezembro de 2009 foi assinado o aviso de recepção com o registo RM……………….PT, endereçado ao Oponente e proveniente do Serviço de Finanças de Lisboa 2 – cfr. aviso de recepção, a fls. 165 [verso] do suporte físico dos autos;

41. Em 11 de Dezembro de 2009, foi enviado ao Oponente o ofício 18086 do Serviço de Finanças de Lisboa 2, referente a “Processo: ………………..450” e onde se lê que “Fica V Ex*., por este meio notificado de que se encontra concretizada a citação nos processos supra identificados, tendo o AR sido assinado por pessoa diferente, no dia 2009/12/09 conforme fotocópia do AR que junto, por força do art° 236°, 238° e 241° do Código do Processo Civil” – cfr. ofício, a fls. 166 do suporte físico dos autos;

42. Em 11 de Janeiro de 2010 foi carimbada, no Serviço de Finanças de Lisboa 2, a petição inicial do presente processo – cfr. carimbo, a fls. 6 do suporte físico dos autos;

43. A sociedade mencionada em 36) apresentou, em 2002, “Resultado Líquido do Exercício” no montante de €481.447,02 – cfr. documento 3 junto com a contestação, a fls. 301 do suporte físico dos autos;

44. A sociedade mencionada em 36) apresentou, em 2003, “Resultado Líquido do Exercício” no montante de €-381.215,92, tendo declarado na sua declaração de informação contabilística e fiscal o montante de 1.582.440,49€ a título de imobilizações corpóreas e o montante de 543.654,51€ respeitante a investimentos financeiros – cfr. documentos 5 e 6 juntos com a contestação, a fls. 303 e 304 do suporte físico dos autos;

45. A sociedade mencionada em 36) atribuiu ao Oponente “rendimentos de trabalho dependente” nos anos de 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006.

***

Factos não provados

Não se provou, com relevância para a decisão da causa, quaisquer outros factos.

Motivação da decisão sobre a matéria de facto

Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.

A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental oferecida pelas partes e indicada a seguir a cada um dos factos.

No que respeita à prova testemunhal, a testemunha A ………………, não obstante o seu depoimento se ter revelado espontâneo e credível, respondeu a algumas questões com base em depoimento indirecto, de "ouvi dizer", ou deu respostas conclusivas, como a sua afirmação de que o Oponente sempre foi um gestor diligente.

Quanto à testemunha F …………………., o seu depoimento relevou para a confirmação de que o Oponente auferiu rendimentos da sociedade devedora originária, embora não pudesse concretizar os valores em causa. No restante, as suas respostas mostraram-se também revestidas de carácter genérico e conclusivo, baseadas em opiniões pessoais.

***”


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Adita-se aos factos provados o seguinte (artigo 662º do CPC):

46 - A 16 de Julho de 2012 foi proferida sentença pelo Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa - 5.º Juízo, 3ª Secção, absolvendo o ora Oponente da prática, como autor material, do crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, pelo qual era acusado, e condenando a arguida M................... - ESTUDOS ………………., LDA, pela prática de abuso de confiança em relação à Segurança Social [cf. fls. 316 a 324 dos autos].


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- De Direito





No caso que aqui nos ocupa, temos que o Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou parcialmente procedente a oposição deduzida no âmbito do processo de execução fiscal nº ……………..450 e apensos, inicialmente instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 2 contra a sociedade “M...................-ESTUDOS ………………………, LDA”.


De acordo com o disposto nos artigos 639º, do CPC e 282º, do CPPT, são as conclusões das alegações do recurso que definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.


Assim sendo, considerando as conclusões formuladas, as questões que se colocam são as de saber se:


- a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia;


- em caso negativo, se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, porquanto:


- não apreciou a gerência de facto, interpretando erradamente o princípio da estabilidade da instância e descurando a decisão prolatada no processo crime;


- valorou erroneamente a prova produzida nos autos, e com base nessa errónea interpretação, apreciou indevidamente os pressupostos da reversão, e violou o princípio do inquisitório ínsito nos artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT.


Vejamos, então, começando pela alegada nulidade por omissão de pronúncia que o Recorrente sintetiza do seguinte modo: “não obstante o Recorrente não tenha invocado na petição inicial o não exercício da gerência no período em que foram constituídas e não foram pagas as quantias em 25 dívida, tal facto resulta da inquirição de testemunhas e ainda da sentença proferida no processocrime contra a Segurança Social, pelo que o mesmo deveria ter sido relevado pelo Tribunal a quo, ao abrigo do princípio do efeito extraprocessual das sentenças, nos termos do artigo 619.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário)”.


Nos termos do disposto no artigo 125º, nº1 do CPPT, constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.


Como é sabido, a nulidade por omissão de pronúncia [também prevista no artigo 615º, nº1, alínea d) do CPC], só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar. Tal significa, no que concerne aos deveres de cognição do Tribunal, que ao juiz se impõe a obrigação de conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas, naturalmente, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.


Assume, assim, especial importância o conceito de questões, o qual, nas palavras de J. Lopes de Sousa (in CPPT, anotado e comentado, 6º edição, II Volume, Áreas Editora, págs. 363 e 364) “abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e à controvérsia que as partes sobre elas suscitem”. O conhecimento de todas as questões não equivale à exigência imposta ao Tribunal de conhecer de todos os argumentos e razões invocadas pela parte, pois que, como ensinava Alberto dos Reis, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CPC, anotado, I Vol. págs. 284, 285 e V Vol. pág. 139).


Ora, no caso em apreciação, temos, tal como resulta daquilo que deixámos dito, que a alegada omissão de pronúncia radica no apontado não conhecimento do não exercício da gerência de facto da devedora originária, fundamento este que, apesar de não ter sido invocado em sede de p.i, não poderia – segundo o Recorrente - deixar de ser apreciado.


Sem hesitações, não restam dúvidas que o Recorrente não tem razão.


Atentando na posição do Tribunal recorrido quanto ao invocado não exercício da gerência, temos que o Mmo. Juiz alinhou o seguinte discurso:


“Não obstante o Oponente tentar introduzir, nas suas alegações finais, a questão do não exercício da gerência de facto da sociedade devedora originária, a verdade é que tal fundamento não foi alegado na petição inicial, e por isso não pode ser considerado como fundamento da presente oposição, integrado na ilegitimidade do Oponente, previsto na alínea b) do artigo 204° do CPPT, pelo que não será conhecido.”


Ora, como, com inteira aplicação aos presentes autos, se escreveu no acórdão proferido em 09/06/21, no processo nº 503/10.9 BELRS (com identidade das partes e das questões a apreciar), “…atentando nas transcrições supra dimana inequívoco que a questão foi expressamente abordada pelo Tribunal a quo, sendo que se a questão foi correta, ou incorretamente, abordada não traduz nulidade por omissão de pronúncia, quando muito erro de julgamento.


Note-se que é o próprio Recorrente que reconhece, de forma expressa, que não invocou “[n]a petição inicial o não exercício da gerência no período em que foram constituídas e não foram pagas as quantias em dívida”.


É certo que aduz que tal facto resulta da inquirição de testemunhas e ainda da sentença proferida no processo-crime contra a Segurança Social, pelo que o mesmo deveria ter sido relevado pelo Tribunal a quo, ao abrigo do princípio do efeito extraprocessual das sentenças, nos termos do artigo 671.°, n.° 1 do CPC, ex vi artigo 2.°, alínea e), do CPPT, no entanto, tal situação em nada pode configurar nulidade da decisão, podendo, no limite, redundar, como já evidenciado anteriormente, em erro de julgamento e que será analisado em sede própria.


Em face de todo o exposto e sem necessidade de outros considerandos dimana evidente que não padece de nulidade por omissão de pronúncia a decisão recorrida, visto que conheceu de todas as questões que devia conhecer, resolvendo-as, ainda que a descontento do Recorrente.”


Idêntica conclusão é aqui retirada, sem necessidade de maiores considerandos.


Assim, improcedem as primeiras conclusões que vimos de analisar.



*




Prosseguindo para as conclusões c) e d) cujo teor se dá por reproduzido e que, no essencial, respeitam à circunstância de o Tribunal a quo não ter valorado a decisão de absolvição do Recorrente em processo penal, quanto à acusação do crime de abuso de confiança fiscal contra a Segurança Social (processo 8204/10.1 TDLSB, 2ª secção; 5º Juízo do Tribunal Criminal de Lisboa).


É bom ter presente que, “a decisão foi proferida no âmbito de um processo crime, no qual foi deduzida acusação, sufragada por pronúncia do Ministério Público contra a sociedade comercial e o seu representante legal, concretamente, o ora Recorrente, imputando ao mesmo a prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social previsto e punido pelo artigo 107.º, números 1 e 2 do RGIT, conjugado com o artigo 105.º, nº4 do mesmo diploma legal, imputando à sociedade a prática da mesma infração nos termos do artigo 7.º, nº1 do RGIT.


Por outro lado, importa ter presente que essa ilisão da responsabilidade constitui facto objetivo cuja possibilidade de conhecimento é patente, não dependendo de quaisquer circunstâncias subjetivas, mormente, as contempladas na aludida decisão a que vimos fazendo alusão.


Mais importa sublinhar que, pese embora o exercício da gestão de facto e a culpa sejam ambos pressupostos legitimadores da efetivação da responsabilidade subsidiária, a verdade é que são estanques, díspares, com densificações e ónus probatórios distintos, logo em nada podem ser considerados como uma decorrência ou um desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.


Ademais, inexiste qualquer norma legal que atribua força de caso julgado no processo de oposição à execução fiscal às decisões proferidas em processo criminal. Com efeito, o artigo 84.º do CPP apenas atribui relevância extraprocessual ao caso julgado no caso de decisões penais que apreciam pedidos cíveis e os artigos 674.ºB e 675.º do CPC apenas atribuem a decisões penais efeitos em processos de natureza cível e não de natureza tributária.


Com efeito, dimana do, à data, 674.º A do CPC, a propósito da eficácia da decisão penal absolutória que:


“1 - A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer ações de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário. 2 - A presunção referida no número anterior prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil.”


Neste sentido, importa convocar excerto do sumário do Aresto STA, proferido no processo nº 0115/07, disponível para consulta em www.dgsi.pt, segundo o qual:


“ Do regime previsto nos artºs 47º e 48º do R.G.I.T. resulta que existe uma opção legislativa no sentido da preferência da jurisdição fiscal em relação à jurisdição criminal para apreciação de questões de natureza tributária, preferência essa que é corolário da atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada (artº 212º, nº 3, da C.R.P.) e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais.”


Esclarecendo, depois, na fundamentação jurídica que se perfilha que:


“…[e]stabelece o artº 47º do R.G.I.T. que «se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respetivas sentenças».


“A sentença proferida em processo de impugnação judicial e a que tenha decidido da oposição de executado, uma vez transitadas, constituem caso julgado para o processo penal fiscal apenas relativamente às questões nelas decididas e nos precisos termos em que o foram (arts. 51º do R.J.I.F.N.A. e 48º do R.G.I.T.).


Esta suspensão do processo criminal tem em vista as situações em que a existência de infração criminal depende da resolução de uma questão de natureza fiscal, reconhecendo-se à jurisdição fiscal a competência exclusiva para decidir essa matéria.


Infere-se claramente deste regime que existe uma opção legislativa, ínsita nestas normas do R.J.I.F.N.A. e do R.G.I.T., no sentido da primazia da jurisdição fiscal para apreciação de questões tributárias, o que tem plena justificação no carácter especializado das questões desta natureza, que está subjacente à atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada (art. 212.º, n.º 3, da C.R.P.) e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais.


Assim, em sintonia com essa opção legislativa, deve entender-se que não se justificará a suspensão de processos tributários de impugnação judicial (ou de oposição à execução fiscal) para aguardar decisões que sejam proferidas em processos criminais sobre factos que relevem para decisão daqueles processos.


Por outro lado, no caso em apreço, em que está em causa no processo de impugnação judicial a apreciação da falsidade ou não de faturas, a formulação de um juízo pelo tribunal tributário não depende da decisão que for proferida em processo criminal sobre a mesma matéria, pois, enquanto no processo criminal as dúvidas sobre a matéria de facto são valoradas a favor do arguido, no processo de impugnação judicial (ou de oposição à execução fiscal), havendo indícios de irregularidades de escrita, o ónus da prova da veracidade desta cabe ao contribuinte (arts. 121º., n.º 2, do C.P.T. e 100.º, n.º 2, do C.P.P.T.).


Para além disso, apesar da maior exigência probatória do processo criminal para dar como provados factos integradores de infração que é corolário do princípio in dúbio por reo, não existe qualquer norma legal que atribua força de caso julgado no processo de impugnação judicial (ou de oposição à execução fiscal) às decisões proferidas em processo criminal. Com efeito, o art. 84.º do C.P.P. apenas atribui relevância extraprocessual ao caso julgado no caso de decisões penais que apreciam pedidos cíveis e os arts 674.º-A e 674.º-B do C.P.C. apenas atribuem a decisões penais efeitos em processos de natureza cível e não de natureza tributária .” Neste sentido, vide, igualmente, o recente Aresto prolatado por este Tribunal, com intervenção do mesmo coletivo, no processo nº 102/20, datado de 27.05.2021 (destaque e sublinhado nosso).


Em face do exposto, conclui-se que, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, a aludida decisão não tem alcance de caso julgado nos presentes autos, não vinculando este Tribunal, nem constituindo, como visto, facto passível de ser qualificado enquanto superveniente, donde, suscetível de invocação apenas em sede de alegações escritas” – vide, acórdão já citado deste TCA Sul, de 09/06/21, processo nº 503/10.9 BELRS, relativo às mesmas partes e no qual foram apreciadas, ao menos em parte, as questões que aqui nos ocupam.


O que se transcreveu é aqui inteiramente aplicável e responde às críticas que, neste recurso, se dirigem à sentença e à apontada errada ponderação do alcance da sentença penal.


Chama-se ainda à colação, e a este propósito, o acórdão do STA, de 09/06/21, proferido no processo nº 540/10.3BELRS, relativo ao mesmo oponente (e aqui Recorrente), do qual se extrai que o seguinte:


“(…) o acórdão recorrido reconheceu (Aliás, ao arrepio da jurisprudência deste Supremo Tribunal, que tem vindo a afirmar que «a lei não atribui relevância em processo de oposição fiscal ao caso julgado absolutório formado em processo penal», sem prejuízo de consubstanciar um elemento de prova, a valorar pelo tribunal tributário «de acordo com o princípio da livre apreciação da prova», nos termos do disposto no n.º 5 do art. 607.º do CPC, aplicável subsidiariamente. Vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - de 16 de Fevereiro de 2005, proferido no processo com o n.º 08/05, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/f63b2b772eb3746f80256fb600369fc6; - de 8 de Outubro de 2014, proferido no processo com o n.º 1930/13, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/1dfb448d8899d9f980257d6d0048ff84.) que a sentença penal absolutória produzia efeitos no processo de oposição à execução fiscal, ao abrigo do disposto no art. 624.º, n.º 1, do CPC, traduzindo-se esse reconhecimento na inversão do ónus da prova quanto aos factos que naquela sentença foram dados como provados”.


E na verdade, nos acórdãos citados no aresto do STA parcialmente transcrito, pode ler-se, no que para aqui releva, que:


“I – Infere-se do regime previsto nos arts. 51º e 51º do R.J.I.F.N.A. (a que correspondem os arts. 47º e 48º do R.G.I.T.) que existe uma opção legislativa no sentido da preferência da jurisdição fiscal em relação à jurisdição criminal para apreciação de questões de natureza tributária, preferência essa que é corolário da atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada (art. 212º, nº 3, da C.R.P.) e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais.


II – Por outro lado, não atribuindo a lei qualquer relevância em processo de impugnação judicial ao caso julgado formado em processo criminal, não se pode justificar que aquele processo aguarde que ocorra o trânsito em julgado de decisão a proferir em processo criminal sobre factos que importe apreciar também no primeiro.


III – Sendo assim, independentemente de o tribunal tributário poder e dever aproveitar provas produzidas em processo criminal, não se pode justificar que se aguarde que nesse processo seja proferida decisão com trânsito em julgado”.


E, ainda, que:


“I - A lei não atribui relevância em processo de oposição fiscal ao caso julgado absolutório formado em processo penal.


II - Apenas se consubstancia num elemento de prova, que pode ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do disposto no art. 655.º, n.º 1 do CPC (velho)”.


Ora, o que se disse é, cremos, suficiente para que se perceba que o Recorrente não tem razão na questão e conclusões que acabámos de apreciar.


Improcedem, assim, as conclusões correspondentes.



*




Atentemos, agora, no erro de julgamento de facto e direito.


“O Recorrente evidencia, como visto, que face ao teor da sentença de absolvição do processo crime prolatada em data posterior à dedução da presente oposição, e inclusive face ao teor da prova testemunhal produzida ter-se-ia de analisar, preliminarmente, a ilegitimidade do responsável subsidiário, por o mesmo, à data da prática do facto tributário, não ter exercido as funções de gerente de facto.


Como visto, o Tribunal a quo, não analisou a aludida questão convocando o princípio da estabilidade da instância e relevando, para o efeito, que não tendo sido invocada tal questão em sede própria, entenda-se em sede de petição inicial, estava precludida a sua apreciação.


E, de facto, entendemos que nenhuma censura merece o aludido entendimento, estando o mesmo estribado na lei e no aludido princípio da estabilidade da instância.


Mas explicitemos, com pormenor, porque assim o entendemos, começando por convocar o quadro jurídico aplicável ao caso vertente.


Importa por evidenciar, ab initio, que o CPPT não tem norma própria sobre a ampliação e alteração da causa de pedir, dispondo, apenas, o artigo 108.º do CPPT os requisitos da petição inicial para efeitos da impugnação judicial, e no atinente ao processo de oposição tal matéria está regulada no artigo 206.º do CPPT, o qual dispõe que:


“1 - Com a petição em que deduza a oposição, que será elaborada em triplicado, oferecerá o executado todos os documentos, arrolará testemunhas, requererá as demais provas e declarará se pretende que a prova seja produzida no órgão ou no tribunal tributário.


2 - Se o contribuinte nada disser, a prova é produzida no tribunal.


3 - O tribunal pode ordenar que nele se produza diretamente a prova nos casos em que a petição deva ser apresentada na área do serviço periférico local do concelho da sede.”


Razão pela qual importa convocar o CPC, enquanto regime subsidiário prevalente no âmbito do processo de execução fiscal, o qual regulamenta, em concreto, a alteração e ampliação da causa de pedir convocando, para o efeito, os artigos 272.º e 273.º do CPC (atuais 264.º e 265.º do CPC)


Preceituava o referido artigo 272.º, sob a epígrafe de “Alteração do pedido e da causa de pedir por acordo” que: “Havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito.”


Por seu turno, consignava o artigo 273.º do CPC relativamente à alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo que:


“1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir, a não ser que a alteração ou ampliação seja consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor.


2 - O pedido pode também ser alterado ou ampliado na réplica; pode, além disso, o autor, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.


3 - Se a modificação do pedido for feita na audiência de discussão e julgamento, ficará a constar da ata respetiva.


4 - O pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 829.º-A do Código Civil, pode ser deduzido nos termos da segunda parte do n.º 2.


5 - Nas ações de indemnização fundadas em responsabilidade civil, pode o autor requerer, até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em 1.ª instância, a condenação do réu nos termos previstos no artigo 567.º do Código Civil, mesmo que inicialmente tenha pedido a condenação daquele em quantia certa.


6 - É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.”


De convocar, outrossim, o normativo 506.º do CPC (atual 588.º do CPC) a propósito da superveniência, o qual estatui:


“1 - Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.


2 - Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.”


Como doutrina JORGE LOPES DE SOUSA, a “[i]ndicação do pedido ou pedidos e dos factos em que se fundamentam, bem como a indicação dos vícios que o impugnante imputa ao acto impugnado deve ser feita na petição, não podendo posteriormente, em regra, formular-se novos pedidos ou invocados novos factos ou imputados outros vícios, designadamente nas alegações previstas no art. 120 .° do CPPT.


Este entendimento, que tem vindo a ser adoptado quase generalizadamente pelo STA, baseia-se no princípio da estabilidade da instância (art. 268.° do CPC), e no ónus imposto ao impugnante de expor na petição de impugnação os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido (n.°1 deste art. 108.º do CPPT).


Por outro lado, os vícios geradores de mera anulabilidade, só podem ser arguidos no prazo previsto na lei (art. 136.º, n.º 2, do CPA), pelo que se não forem imputados ao acto nesse prazo, o interessado perderá o direito de os arguir.


Assim, só em casos excepcionais, quando se esteja perante questões de conhecimento oficioso ou quando factos subjectivamente supervenientes para o impugnante lhe proporcionem a tomada de conhecimento de vícios de que não podia ter conhecimento no momento da apresentação da petição, será permitido ao impugnante invocar novos factos ou imputar novos vícios ao acto impugnado, o que está em sintonia com o preceituado nos art. 86.º e 91.º, n.º 5, do CPTA (e, para os processos anteriores a este diploma, no art. 506.° do CPC), sobre a admissibilidade de articulados supervenientes, que deve ser subsidiariamente aplicável, com adaptações, ao processo de impugnação judicial, por força do disposto na alínea c) do art. 2.º do CPPT.”3 . (destaques e sublinhados nossos).


In casu, como visto, inexistem dúvidas de que a ilegitimidade por falta de exercício da gestão de facto nunca foi alegada na petição inicial, -aliás, de uma leitura atenta da p.i. resulta que a gestão foi, expressamente, assumida como dimana, designadamente, dos artigos 7.º, 8.º e 19.º- tendo apenas e só sido arguida nas suas alegações escritas. É certo que a mesma é consubstanciada em decisão de absolvição prolatada em processo crime, no entanto, como veremos, tal decisão não reveste superveniência que legitime a sua arguição em momento ulterior à entrada da petição inicial.


Pese embora o artigo 506.º do CPC (atual 588.º, números 1 e 2) abranja um núcleo de factos supervenientes capazes de legitimarem o oferecimento de novo articulado - factos ocorridos posteriormente (superveniência objetiva) e factos verificados antes, mas cuja ocorrência só mais tarde veio ao conhecimento da parte (superveniência subjetiva) – a verdade é que, in casu, não pode aceitar-se a existência de uma superveniência, seja ela objetiva ou subjetiva, devidamente justificada.


E isto porque, a aludida decisão em nada pode configurar uma superveniência que permita legitimar uma alteração da causa de pedir, porquanto a falta de exercício da gerência podia ter sido alegada na petição inicial, nada justificando que a mesma seja apenas alegada com a prolação da aludida decisão.


A decisão contemplada na alínea Y) do probatório não se pode subsumir no aludido conceito de superveniência, desde logo, porquanto o âmbito e abrangência em que a decisão foi proferida não é, de todo, o concatenado com os pressupostos da reversão para efeitos de extinção da execução fiscal.


Com efeito, a decisão foi proferida no âmbito de um processo crime, no qual foi deduzida acusação, sufragada por pronúncia do Ministério Público contra a sociedade comercial e o seu representante legal, concretamente, o ora Recorrente, imputando ao mesmo a prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social previsto e punido pelo artigo 107.º, números 1 e 2 do RGIT, conjugado com o artigo 105.º, nº4 do mesmo diploma legal, imputando à sociedade a prática da mesma infração nos termos do artigo 7.º, nº1 do RGIT.


Por outro lado, importa ter presente que essa ilisão da responsabilidade constitui facto objetivo cuja possibilidade de conhecimento é patente, não dependendo de quaisquer circunstâncias subjetivas, mormente, as contempladas na aludida decisão a que vimos fazendo alusão.


Mais importa sublinhar que, pese embora o exercício da gestão de facto e a culpa sejam ambos pressupostos legitimadores da efetivação da responsabilidade subsidiária, a verdade é que são estanques, díspares, com densificações e ónus probatórios distintos, logo em nada podem ser considerados como uma decorrência ou um desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.


Ademais, inexiste qualquer norma legal que atribua força de caso julgado no processo de oposição à execução fiscal às decisões proferidas em processo criminal. Com efeito, o artigo 84.º do CPP apenas atribui relevância extraprocessual ao caso julgado no caso de decisões penais que apreciam pedidos cíveis e os artigos 674.ºB e 675.º do CPC apenas atribuem a decisões penais efeitos em processos de natureza cível e não de natureza tributária.


Com efeito, dimana do, à data, 674.º A do CPC, a propósito da eficácia da decisão penal absolutória que:


“1 - A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer ações de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário.


2 - A presunção referida no número anterior prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil.”


Neste sentido, importa convocar excerto do sumário do Aresto STA, proferido no processo nº 0115/07, disponível para consulta em www.dgsi.pt, segundo o qual:


“ Do regime previsto nos artºs 47º e 48º do R.G.I.T. resulta que existe uma opção legislativa no sentido da preferência da jurisdição fiscal em relação à jurisdição criminal para apreciação de questões de natureza tributária, preferência essa que é corolário da atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada (artº 212º, nº 3, da C.R.P.) e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais.”


Esclarecendo, depois, na fundamentação jurídica que se perfilha que:


“…[e]stabelece o artº 47º do R.G.I.T. que «se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respetivas sentenças».


“A sentença proferida em processo de impugnação judicial e a que tenha decidido da oposição de executado, uma vez transitadas, constituem caso julgado para o processo penal fiscal apenas relativamente às questões nelas decididas e nos precisos termos em que o foram (arts. 51º do R.J.I.F.N.A. e 48º do R.G.I.T.).


Esta suspensão do processo criminal tem em vista as situações em que a existência de infração criminal depende da resolução de uma questão de natureza fiscal, reconhecendo-se à jurisdição fiscal a competência exclusiva para decidir essa matéria.


Infere-se claramente deste regime que existe uma opção legislativa, ínsita nestas normas do R.J.I.F.N.A. e do R.G.I.T., no sentido da primazia da jurisdição fiscal para apreciação de questões tributárias, o que tem plena justificação no carácter especializado das questões desta natureza, que está subjacente à atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada (art. 212.º, n.º 3, da C.R.P.) e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais.


Assim, em sintonia com essa opção legislativa, deve entender-se que não se justificará a suspensão de processos tributários de impugnação judicial (ou de oposição à execução fiscal) para aguardar decisões que sejam proferidas em processos criminais sobre factos que relevem para decisão daqueles processos.


Por outro lado, no caso em apreço, em que está em causa no processo de impugnação judicial a apreciação da falsidade ou não de faturas, a formulação de um juízo pelo tribunal tributário não depende da decisão que for proferida em processo criminal sobre a mesma matéria, pois, enquanto no processo criminal as dúvidas sobre a matéria de facto são valoradas a favor do arguido, no processo de impugnação judicial (ou de oposição à execução fiscal), havendo indícios de irregularidades de escrita, o ónus da prova da veracidade desta cabe ao contribuinte (arts. 121º., n.º 2, do C.P.T. e 100.º, n.º 2, do C.P.P.T.).


Para além disso, apesar da maior exigência probatória do processo criminal para dar como provados factos integradores de infração que é corolário do princípio in dúbio por reo, não existe qualquer norma legal que atribua força de caso julgado no processo de impugnação judicial (ou de oposição à execução fiscal) às decisões proferidas em processo criminal. Com efeito, o art. 84.º do C.P.P. apenas atribui relevância extraprocessual ao caso julgado no caso de decisões penais que apreciam pedidos cíveis e os arts 674.º-A e 674.º-B do C.P.C. apenas atribuem a decisões penais efeitos em processos de natureza cível e não de natureza tributária4 .”(destaque e sublinhado nosso).


Em face do exposto, conclui-se que, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, a aludida decisão não tem alcance de caso julgado nos presentes autos, não vinculando este Tribunal, nem constituindo, como visto, facto passível de ser qualificado enquanto superveniente, donde, suscetível de invocação apenas em sede de alegações escritas.


De relevar, outrossim, que a convocação da prova testemunhal não pode ter o alcance que lhe é almejado pelo Recorrente para efeitos de fundamento da apreciação do aludido pressuposto da responsabilidade subsidiária, porquanto a alegada inexistência da gerência poderia/deveria ter integrado a causa de pedir da p.i.


Mais importa sublinhar que o princípio da aquisição processual não tem esse alcance e desiderato. Ademais, e sem embargo do exposto, sempre se dirá que não sendo impugnada a matéria de facto cumprindo os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC, e não tendo sido requerido qualquer aditamento por complementação nunca lograria provimento a esteira de argumentação do Recorrente.


Ainda, neste conspecto, importa relevar que não logra, igualmente, provimento, neste e para este efeito, a alegada violação do princípio do inquisitório, previsto nos artigos 13.° do CPPT e 99.° da LGT.


E isto porque, ainda que da interpretação conjugada dos citados normativos advenha que o princípio do inquisitório é um dos princípios basilares do processo tributário, acarretando, por conseguinte, que o juiz realize ou ordene todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade material, quer requeridas pelas partes, quer mesmo oficiosamente.


A verdade é que tal não determina que o Juiz possa substituir-se às partes, mormente, analisando vícios não convocados em sede e momentos próprios, e subverter quaisquer formalismos legais, bem pelo contrário, surgindo os mesmos, natural e necessariamente, como pilar e garantia da igualdade das partes.


Como é consabido, o princípio do dispositivo traduz-se na liberdade das partes de decisão sobre a propositura da ação e sobre os exatos limites do seu objeto (quer quanto à causa de pedir aos pedidos, e às exceções perentórias). Noutra formulação, dir-se-á que o princípio do dispositivo significa que as partes dispõem do processo como da relação jurídica material, sendo o processo visto como um negócio das partes e limitando-se o juiz a controlar a observância das normas legais.


Nessa medida, sendo na petição inicial que o Oponente deve invocar os factos e as razões de direito que suportam a pretensão deduzida em juízo, de extinção da execução fiscal, regra que só conhece as exceções previstas nos citados normativos, aplicáveis por força do preceituado na alínea e) do artigo 2.º do CPPT, e não se subsumindo a questão dos autos em questão superveniente, ou de conhecimento oficioso, a invocação de novos factos suscetíveis de integrar fundamento de oposição em sede das alegações previstas no artigo 120.º do CPPT, ex vi artigo 211.º do mesmo diploma legal, envolvendo alteração da causa de pedir, não pode ser objeto de conhecimento, por violar, conforme propugnou o Tribunal a quo, o princípio da estabilidade da instância.


Na verdade, conforme doutrinado no Aresto do STA proferido no processo nº 0895/13, de 25 de setembro de 2013, a questão inerente à indicação de todos os vícios em sede de petição inicial, está concatenada com o princípio da estabilidade da instância consignado no artigo 268.º do CPC (atual 260.º do CPC), referindo, na parte que para os autos releva e convocando doutrina que entende aplicável ao caso vertente que: “[a]legações destinam-se a discutir a matéria de facto e as questões jurídicas que são já objecto do processo, o que torna, em princípio, inadmissível a invocação superveniente de novos vícios nessa peça processual”.


E por assim ser, nenhuma censura merece a decisão recorrida quando propugnou que a ilegitimidade do responsável subsidiário se teria de ater ao pressuposto da culpa, não competindo, nessa medida, tecer quaisquer considerações acerca da gerência de facto, carecendo, por isso, de qualquer relevância o aduzido, neste e para este efeito, nas conclusões recursórias. – fim de citação do acórdão proferido no processo 503/10.9 BELRS


Improcede, assim, o arguido erro de julgamento do Tribunal a quo, limitando-se, por isso, a apreciação da ilegitimidade do ora Recorrente à aferição do pressuposto da culpa.



*




Chegamos agora à última questão que nos ocupa: saber se a sentença padece de erro de julgamento quando ajuizou que o Recorrente não tinha logrado ilidir a presunção de culpa cujo ónus se circunscrevia na sua esfera jurídica.


A sentença recorrida, a este propósito, alinhou o seguinte discurso fundamentador:


Ora, na petição de oposição o Oponente limita-se a invocar factos genéricos relacionados com a sua actividade, que não concretizam de que forma a sociedade devedora originária se tornou incapaz de satisfazer as suas obrigações fiscais de pagamento.


É certo que em sede de audiência de julgamento a testemunha A………………..invocou situações concretas ocorridas na vida da sociedade, mas que de modo algum permitem concluir pela existência de nexo causal entre os mesmos e a impossibilidade de pagamento das dívidas.


Mas se dúvidas houvessem, a matéria dada como provada nas alíneas Q) a T) [factos provados 43) e 44)] do probatório mostrar-se-iam clarificadoras da questão ora em causa.


Com efeito, não esquecendo que as dívidas exequendas compreendem tributos respeitantes aos anos de 2002 e 2003, daqueles factos dados como provados resulta que, não só a sociedade devedora originária teve um resultado líquido do exercício de valor considerável em 2002 (481.447,02€), como em 2003, não obstante ter tido um resultado líquido do exercício negativo, possuía no seu activo investimentos financeiros avultados (543.654,51€), como igualmente possuía um valor de imobilizado corpóreo também considerável (1.582.440,49€), quando comparado com o valor que deixou de pagar a título de impostos.”


Vejamos, tendo presente que o Recorrente aduz que é parte ilegítima na presente execução, na medida não criou ou agravou artificialmente ativos ou passivos e, enquanto gerente - antes do período a que respeitam as dívidas tributárias e no período em que exerceu, de direito, as funções -, não fez uso dos créditos da sociedade para satisfazer interesses de terceiros, não trabalhou contabilidades fictícias, não fez desaparecer documentos ou omitiu a contabilidade, nem dispôs de bens da sociedade em proveito pessoal ou de terceiros e não fez uso de créditos contrários aos interesses da sociedade, pelo que iludiu a presunção de culpa pela falta de pagamento que pende sobre si, nos termos do artigo 23° e 24° da LGT.


Lançando mão, uma vez mais, do acórdão deste TCA de 09/06/21, proferido no processo nº 503/10.0 BELRS, aqui inteiramente aplicável, dir-se-á o que se segue:


“De harmonia com o consignado no n.º 2 do artigo 23.º da LGT “a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão”.


Quanto à questão da ilegitimidade, dispõe o artigo 204.º, n.º 1, al. b), do CPPT, que a oposição pode ter como fundamento a “[i]legitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida”.


Encontramo-nos, assim, perante uma ilegitimidade substantiva, assente na falta de responsabilidade do citado pelo pagamento da dívida exequenda. Quanto à questão da legitimidade do responsável subsidiário encontramo-nos face a leis sobre a prova de atos ou factos jurídicos que simultaneamente afetam o fundo ou substância do direito, repercutindo-se, assim, sobre a própria viabilidade deste, pertencendo, por isso, ao direito substancial.


É, com efeito, pacífica a jurisprudência no sentido da aplicação a cada situação da lei que rege sobre o ónus da prova vigente no momento em que se verificam os pressupostos de tal responsabilidade, visto se estar perante norma de cariz substantivo e atento o princípio tradicional da não retroatividade da lei substantiva, consagrado no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil.


In casu, é aplicável o regime constante no artigo 24.º LGT.


Convoquemos, então, o que o referido preceito legal refere.


De harmonia com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, da LGT:


“[o]s administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:


a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;


b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”


Do teor do normativo legal supratranscrito resultam dois regimes distintos da responsabilidade do gestor, classificados de acordo com o fundamento pelo qual o gestor é responsabilizado, a saber, a responsabilidade pela diminuição do património e a responsabilidade pela falta de pagamento.


Concretizando.


Enquanto, a responsabilidade pela diminuição do património se encontra regulada na alínea a), do nº1, do artigo 24.º da LGT, a responsabilidade pela falta de pagamento está consagrada na alínea b), do nº1, do artigo 24º da LGT.


O citado artigo 24.º da LGT, introduziu nas suas alíneas a) e b), uma repartição do ónus da prova da culpa, distinguindo entre:


- As dívidas vencidas no período do exercício do cargo relativamente às quais se estabelece uma presunção legal de culpa na falta de pagamento (cfr. a parte final da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT);


- As demais previstas como geradoras de responsabilidade, concretamente, aquelas cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do cargo (e não se vençam neste) e aquelas cujo prazo legal de pagamento ou entrega termine já após o termo do exercício do cargo. Nestas situações o ónus da prova impende sobre a Administração Tributária, ou seja, os gerentes ou administradores podem ser responsabilizados desde que seja feita prova de culpa dos mesmos na insuficiência do património social.


Convoque-se, neste particular, o Acórdão do STA proferido no recurso nº 0944/10, de 2 de março de 2011, disponível para consulta em www.dgsi.pt, que refere que:


“I - Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respetivas funções.


II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efetivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.


III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova.


IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência.”


Como doutrinado no citado Aresto, não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efetivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário, resultando apenas uma presunção legal, mas apenas da culpa do administrador pela insuficiência do património da sociedade originária devedora.


No caso vertente, conforme resulta do recorte probatório dos autos o despacho de reversão da execução fundamentou-se na alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º da LGT.


Assim, (…) o artigo 24.º, nº1, alínea b), do LGT, onera o Recorrente com a presunção de culpa na insuficiência do património da empresa para satisfação dos créditos fiscais.


Cabe, então, apurar se o Recorrente logrou ilidir a presunção de culpa que sobre ele recai nos termos desta disposição legal, da qual resulta ser-lhe assacado o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.


Dir-se-á, em abono da verdade, que o que se presume é que o gestor não atuou com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial as contempladas no artigo 64.º do CSC, que lhe impõem a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.


A culpa, aqui em causa, deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.


Competindo, assim, aquilatar, apelando à teoria da causalidade, se a atuação do ora Recorrente como gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em atos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. “[o]perando com a teoria da causalidade adequada que se consagra no nosso ordenamento jurídico, para que a atuação do recorrente se pudesse dizer causa do prejuízo era mister que, em abstrato, aquela fosse adequada a produzi-lo, que o prejuízo fosse uma consequência normal típica daquela. E para se poder dizer que a ação ou omissão do recorrente foi adequada à insuficiência do património da empresa para a satisfação dos créditos parafiscais, deve seguir-se o processo lógico da prognose póstuma, ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a ação se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo ex ante. É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano e que não pode existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto.”


Vejamos, então, se assiste razão ao Recorrente quando sustenta que é parte ilegítima por ter ilidido a presunção de culpa.


Importa, desde já, evidenciar que o Recorrente ao invés de alegar factualidade que permitisse concluir que administrou a empresa com observância dos seus deveres legais e contratuais destinados à proteção dos credores e que a falta de pagamento dos créditos tributários não resulta do incumprimento dessas disposições, limitou-se a alegar as circunstâncias de facto que determinaram a situação de crise e de dificuldades de tesouraria, não dando conta de quaisquer medidas concretas que tenha adotado.


Com efeito, atentando na sua p.i., verifica-se que as alegações se coadunam com as razões que levaram à insuficiência patrimonial e insusceptibilidade de pagamento das dívidas tributárias, ou seja, quebra acentuada das vendas e prestações de serviços, e bem assim a uma alegação absolutamente genérica de que “não criou ou agravou activos ou passivos”, “não fez uso dos créditos da sociedade para satisfazer interesses de terceiros”, “não fez uso de créditos contrários contraídos aos interesses da sociedade e nunca prosseguiu uma exploração deficitária e muito menos com a consciência de conduzir a sociedade a uma situação de insolvência”, quando, como visto, o que era curial para efeitos de ilisão da culpa, é que tivesse sido feita prova de quais as medidas concretas que adotou para obstar à situação de crise e insusceptibilidade de pagamento das dívidas tributárias, em execução.


O Recorrente teria de provar que encetou todas as diligências e quais as diligências para proceder ao pagamento das dívidas fiscais pendentes, e não limitar-se a remeter para a conjuntura e para as consequências dela decorrentes, competindo-lhe fazer prova positiva de quais as ações, em concreto, por si desenvolvidas enquanto Gerente, nomeadamente se desenvolveu todos os esforços que lhe eram exigíveis e se empregou o melhor da sua experiência e conhecimento para ultrapassar tais dificuldades.


Porém, do probatório não se retira qualquer realidade fática que permita concluir no sentido da ilisão da culpa. Aliás, do cotejo das alíneas D) a K), e na linha do propugnado pelo Tribunal a quo, que, ora, se valida ficam por explicar realidades que permitem inclusive inferir que a gestão não foi prudente e diligente, mormente, os investimentos e o incremento em investimento em ativo imobilizado corpóreo e incorpóreo, e bem assim o pagamento de remunerações em gradual crescendo. Notese, neste conspecto que, dizem-nos as regras da experiência, que em tempos de crise e de dificuldade financeira o corte nas remunerações, mormente, dos membros de órgãos estatutários é uma medida de gestão ajustada e idónea, e não, naturalmente, o seu aumento.


Note-se que, pese embora o Recorrente aluda nos artigos 50 e seguintes ao depoimento das testemunhas, e convoque, de forma expressa, os depoimentos de A ……………….. e F……………………, a verdade é que não procedeu à impugnação da matéria de facto de acordo com os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC, não indicando, com a devida particularização no competente registo áudio, as passagens concretas desses mesmos depoimentos, nem, tão-pouco, concretiza o teor, devidamente substanciado, do(s) facto(s) que entende pertinente o seu aditamento por via de complementação ou mesmo de supressão, o que para além revestir uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova.


E por assim ser, sendo a factualidade a considerar a contemplada no probatório, então, face ao seu teor, ter-se-á de concluir que nada se provou quanto à desresponsabilização do Recorrente pela criação e manutenção de uma situação de crise financeira, que levou a que ficassem por pagar as dívidas em causa. Destarte, ficou por provar que não foi por culpa do Recorrente que os créditos fiscais não foram pagos” – fim de citação.


Ora, o aqui transcrito é, com as adaptações necessárias, inteiramente aplicável ao caso que nos ocupa. Por assim ser, sem necessidade de mais delongas face à exaustão e clareza do acórdão que vimos acompanhado, há que julgar improcedentes também as conclusões que por último vínhamos analisando.


Sufragamos, pois, o sentido decisório da sentença recorrida que considerou estarem reunidos os pressupostos legais para responsabilizar o aqui Recorrente pelo pagamento das quantias exequendas cobradas coercivamente no processo de execução fiscal nº…………………450 e apensos, pelo que se nega provimento ao recurso jurisdicional.



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III - Decisão





Termos em que, acordam os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.


Custas pelo Recorrente, o qual, porém, beneficia de apoio judiciário.


Registe e notifique.


Lisboa, 19/10/23



(Catarina Almeida e Sousa)


(Hélia Gameiro)


(Isabel Fernandes)