Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1176/13.2BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2020
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL;
IRS;
AJUDAS DE CUSTO.
Sumário:I- A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que suportou a favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspectividade entre a sua percepção e a prestação do trabalho.
II- A lei exclui do conceito de rendimento da categoria A para efeitos de IRS, as ajudas de custo que não excedam os limites legais, tal como definidos para os servidores do Estado.
III- É sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que as quantias declaradas como ajudas de custo constituem retribuição.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por M................ e D................ com referência à liquidação de IRS relativa ao ano de 2008 no valor de € 4.276,00.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“A) Iniciada uma ação de fiscalização nem por isso os serviços de inspeção se encontram determinados à realização de uma correção que imponha a submissão de um DC e a consequente emissão de uma liquidação adicional;
B) À luz da jurisprudência citada, liquidação adicional é o ato através do qual a Administração Fiscal fixa, no âmbito das suas atribuições e poderes legalmente previstos, um quantitativo que acresce a um montante de imposto inicialmente declarado ou apurado;
C) Foi dado por assente no probatório - facto provado 4 - que a ação de inspeção, aberta por Ordem de serviço 01201203559, com despacho de 2012.07.20 resultou de informação do Departamento de Fiscalização do Instituto da Segurança Social que apurou serem de natureza remuneratória os valores pagos a título de ajudas de custo ao sujeito passivo, enquanto trabalhador da empresa C................, Lda. (...), e não declarados, artigo 57/4 CIRS, no ano de 2008. Que ao abrigo do dever de colaboração, foi enviada através do ofício n° 38153 de 2012.05.09 (...), a notificação ao sujeito passivo para regularizar a situação tributária. E que: Para o ano em análise, o sujeito passivo submeteu, dentro do prazo legal estabelecido para o efeito, a declaração de rendimentos Mod3/IRS.
D) A primeira asserção a retirar é que a sentença errou na sua apreciação, entrando em contradição quando, logo no primeiro parágrafo da Motivação de Direito parte do pressuposto, afirmou, que “Da ação de inspecção resultaram liquidações adicionais de IRS aos trabalhadores que prestaram a força do seu trabalho no Reino Unido e no Reino de Espanha, liquidações impugnadas, porquanto, não foram realizadas correções à matéria tributável, tendo a liquidação resultado da regularização voluntária efetuada pelos Impugnantes.
E) E, pelo mesmo motivo, é manifesta contradição do facto provado D com o facto provado C quando se afirma neste último que "Na sequência de inspecção à sociedade C................, Lda, os rendimentos dos Impugnantes foram corrigidos e aditados rendimentos no montante de € 24.675,14.
F) Por outro lado, foi levado ao probatório um facto (Facto provado C) sem prova que o suporte pois que não se vislumbra em que parte da decisão proferida em sede de recurso hierárquico se afirma, ou assume, que os rendimentos dos Impugnantes foram corrigidos e aditados naquele montante. Enuncia-se, é certo, uma proposta de correção, que pode, ou não, evoluir para a correção. Mas não se diz que o foram.
G) Se a douta sentença dá por provado que "Na sequência de inspecção à sociedade C................, Lda, os rendimentos dos Impugnantes foram corrigidos e aditados rendimentos no montante de € 24.675,14, com isto pretendendo dizer, por hipótese remota que as correções decorrem de ação de fiscalização à própria sociedade, então cumpria ao próprio tribunal identificar o procedimento inspetivo (e a correspondente Ordem de Serviço) no seio do qual essas correcções foram efectuadas, caso contrário, é manifesta a contradição, pois que a abertura da Ordem de Serviço, dado por provado na sentença recorrida, decorre não de inspeção à entidade patronal do Impugnante, mas da recolha de informação do Departamento de Fiscalização do Instituto da Segurança Social (facto provado 4).
H) Decorre do referido RIT, e a AT tem vindo a afirmar sucessiva e consistentemente, desde o procedimento administrativo até à contestação, que o ato tributário impugnado pelos Impugnantes resulta não de correção realizada pelos serviços de inspeção, que não houve (inexiste DC), mas da entrega voluntária da declaração de substituição efectuada pelos Impugnantes.
I) Foram eles quem, em virtude dos indícios recolhidos, declararam que aqueles rendimentos se reportavam a rendimentos sujeitos a tributação em sede de IRS, pelo que, havendo regularização voluntária, não é possível defender a ideia de que, no caso em apreço, estejamos perante uma correcção. Nem é possível afirmar (nem tal foi dado por provado, sequer alegado) que os Impugnante foram coagidos ou aliciados a entregar a declaração de substituição.
J) Também não é possível infirmar a ideia de que a proposta que acompanha a notificação para entrega da declaração de substituição (e que não constitui sequer um projecto de correção) fundamenta o ato tributário, se, como já dissemos, não é ela própria a última palavra da Administração Fiscal, nem que o contribuinte tenha aderido à posição da AT se essa é a que resulta do Relatório de Inspeção Tributária. Isso, configuraria uma impossibilidade lógico-dedutiva de aderir a algo que temporariamente ainda não ocorreu.
L) Se a liquidação impugnada brota da entrega da declaração de substituição, só esta pode constituir o seu fundamento.
M) A proposta notificada ao inspeccionado (que nem configura um projeto de correcção tal como é dado a conhecer aos inspecionados no âmbito do direito de audição (art. 60° da LGT/RCPIT) de entrega da declaração de substituição não espelha nem tem de espelhar qualquer posição da Administração Fiscal,
N) O que se propõe não é que o inspeccionado adira a uma posição da AT, pois que ainda não há, mas que o próprio proceda à entrega da declaração de substituição, dando, tão só, ao inspecionado a possibilidade de, perante os indícios recolhidos, definir ou qualificar, ele próprio, voluntariamente, os rendimentos sujeitos a tributação.
O) Foram os próprios sujeitos passivos quem se determinaram à alteração da sua situação tributária, afirmando que o rendimento nela declarado, constitui rendimento sujeitos a tributação, nos termos do art. 2º, n° 1, alínea a) do CIRS.
P) Por outro lado, face ao probatório, há evidente erro de julgamento na apreciação jurídica, pois que se elege como objecto da decisão supostas ajudas de custo supostamente qualificadas como tal pela Administração Fiscal, quando o alvo da apreciação é uma liquidação proveniente de rendimento tributável como tal declarado pelos Impugnantes.
Q) Concluindo-se que a posição enunciada na sentença recorrida de exigir à Administração Fiscal que seja ela a alegar factos e a fundamentar a prova negativa de algo declarado positivamente pelo contribuinte, pois que os pressupostos da tributação foram declarados pelo próprio - é, do ponto de vista legal, simplesmente inadmissível. Não só porque não há forma mais cristalina de julgar verificados os pressupostos da tributação senão aqueles que decorrem do próprio ato declarativo do contribuinte, mas também porque é um contrassenso exigir à Administração Tributária que seja ela a fundamentar um ato ou suportar um facto por ela não alegado e que, cabe em primeira mão ao contribuinte, pois que é ele quem, agora, alega o oposto do que declarou.
R) E não faz sentido do ponto de vista jurídico, perante uma liquidação suportada na fundamentação de uma declaração entregue pelos Impugnantes que a insuficiência da fundamentação, ou o déficit instrutório, tal como configurados pelo tribunal a quo, corram contra, ou, em desfavor, da AT.
S) O erro da fundamentação veiculada pela sentença recorrida, foi de não ter entendido que quem tem de provar os factos constitutivos do seu direito, in casu (e contrariamente às sentenças proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja juntas pelo Impugnante e que aí, sim, o objecto das impugnações terão sido liquidações adicionais) são os próprios Impugnantes - pois que são eles quem, contrariamente ao que declararam, afirmam, agora, que aquele rendimento cujo montante os próprios apuraram provém de ajudas de custo, e como tal, não tributados.
T) E não se alcança a afirmação produzida na sentença de que a Fazenda Pública (na contestação, presume-se...) se socorreu de outros conceitos reticulares, o de domicílio necessário e o regime de atribuição das ajudas de custos abonadas aos servidores do Estado, quando esta, alicerçada que está na declaração do contribuinte, em momento algum expende entendimento ou se suporta nos citados regimes.
U) Ainda que assim não se entenda, e partindo da evidência intransponível de que a liquidação em causa resultou da entrega de declaração de substituição por parte dos impugnantes, se afirmam os próprios que o rendimento tributável que declararam, afinal, refere-se a ajudas de custo - então a conclusão a retirar é que as declarações por si produzidas no cumprimento das suas obrigações acessórias tributárias simplesmente não oferecem credibilidade.
V) A apresentação da declaração de rendimentos, sem erros, omissões ou imprecisões constitui um dever que, uma vez violado, faz cessar, inexoravelmente, a possibilidade dos Impugnantes poderem vir a beneficiar de uma presunção de boa-fé sobre quaisquer declarações ou alegações que agora pretendam ou entendam dever produzir, nos termos do art. 75°, n° 2, alínea a), da LGT.
X) Se os Impugnantes alegam agora que os rendimentos tributáveis (art. 2º, n° 1, alínea a), do CIRS) por si inscritos na declaração de substituição donde resultou a liquidação impugnada, afinal, constituem ajudas de custo, e como tal, não tributáveis em sede de IRS em virtude da ausência de efeito remuneratório, então sempre impenderia sobre eles (e não sobre a AT) a demonstração dos factos alegados, nos termos do art. 74°, n° 1, da LGT;
Z) Tendo a sentença recorrida feito recair sobre a AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação, quando esses mesmos pressupostos já se mostram verificados, pois que suportados na declaração de substituição Mod 3 dos impugnantes - incorreu em erro de julgamento, porquanto, nestas situações, e à luz da jurisprudência nela citada, antes caberá aos Impugnantes a prova da existência dos factos tributários que alegam como fundamento do seu direito.
AA) A sentença recorrida, ao assim não entender, anulando a liquidação de IRS n°……………., referente a 2008, tendo logo por base o errado pressuposto de que o ato tributário impugnado consubstancia uma liquidação adicional fruto de uma correcção realizada pela Administração Tributária sem suporte probatório nesse sentido; não levando ao probatório este facto se deu por provada a entrega da declaração de substituição pelos Impugnantes, dando, ademais, por assente factualidade vertida em C) contraditória com D) do probatório e com a incorrecta apreciação da prova dela resultante, incorreu em erro de julgamento, violando o disposto nos arts. 2º, n° 1, alínea a), do CIRS e art. 74°, da LGT, não podendo ser confirmada.
AB) E, à luz da jurisprudência do Colendo STA (01480/03 de 14-01-2004), dando por provado o facto 4 do probatório, também não fez correta apreciação da matéria do direito em que assenta, pois que fez impender sobre a AT o ónus da prova dos pressupostos da tributação os quais já se mostram suportados na declaração dos contribuintes, quando o que se impunha era que fizesse impender sobre estes os factos que agora alegam como fundamento do seu direito.
AC) Nesta perspectiva, não poderá deixar de ser revogada e substituída por acórdão que, reconheça que: o facto 3 foi levado ao probatório sem o necessário suporte; deveria ter sido levado ao probatório o facto do ato tributário impugnado ter sido emitido por via da entrega da declaração de substituição por parte dos Impugnantes na esteira do facto provado 4, que reconheça o erro por contradição dos factos dados por provados (3 e 4) e, finalmente, erro na apreciação jurídica sobre a quem impende o ónus da prova - julgando procedente o presente recurso, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, mantendo na O.J. o ato tributário impugnado.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença nos segmentos em que se recorre, como é de Direito e Justiça.”.
* *
Os Recorridos apresentaram contra-alegações, tendo formulado conclusões nos seguintes termos:

“I. A sentença ora recorrida determinou a anulação da liquidação de IRS do ano 2008 por vício de violação de lei consubstanciado na insuficiência da fundamentação e errónea interpretação da citada norma de incidência no que respeita à desconsideração dos rendimentos auferidos pelo recorrido marido a título de ajudas de custo por parte da AT, tendo determinado, pois, que sempre caberia à Autoridade Tributária (AT) demonstrar que aos valores pagos aos aqui Recorridos pela sua entidade patronal a título de ajudas de custo não corresponderam efectivas deslocações e/ou que os montantes pagos excediam os limites previstos na lei.
II. A questão essencial trazida a recurso prende-se, de uma forma geral, com a questão de perceber a quem caberia, neste caso concreto, instruir a base probatória necessária o procedimento de liquidação de IRS aqui discutido, isto para que se pudesse inferir o carácter remuneratório ou meramente compensatório dos montantes pagos a título de ajudas de custo.
III. A declaração de substituição referida foi entregue pelos ora recorridos na sequência de uma notificação perpetrada pelos serviços de Inspecção da AT, no dia 09.05.2012 - Ofício n°38153 - a qual consubstanciou uma proposta de apresentação de declaração de substituição relativa ao IRS de 2008, pelo que não foi deliberadamente submetida pelos Recorridos, na consciência de uma qualquer lapso na declaração original, pois que estes foram, de facto, impelidos (ou, pelo menos, convidados) pelos serviços de inspecção da AT a alterar a declaração inicialmente submetida.
IV. Os Recorridos não se podem conformar com a qualificação de valores remuneratórios das ajudas de custos que foram pagas pela entidade patronal, nem com a tributação correspondente.
V. A apresentação de uma declaração de substituição não decorreu de acto de iniciativa do contribuinte, como se este quisesse corrigir um dado que inserira na sua declaração inicial de rendimentos, mas na sequência da instauração de uma acção inspectiva e após terem os Recorridos sido instados pela Administração Tributária para corrigir os valores nos termos que ela própria o indicou.
VI. O facto de ter sido apresentada a declaração de substituição não faz - nem poderá fazer - com que o contribuinte fique privado de vir posteriormente a demonstrar que alguns dos dados que constam da declaração, não obstante terem sido por si indicados, não correspondem à verdade, isto é, não se infere a sua vontade de, voluntariamente e em consciência, corrigir ou regularizar a sua situação tributária, o que resulta até de os recorridos nunca terem reputado incorrecta a sua situação tributária no ano em questão.
VII. A declaração de substituição aqui discutida foi entregue unicamente em resultado da proposta de correcção notificada pela AT, e em manifestação de boa-fé e vontade de colaborar activamente com a administração.
VIII. A apresentação da referida declaração de substituição era, portanto, uma faculdade que assistia aos aqui recorridos não podendo nunca da mesma resultar, para si, qualquer preclusão de direitos, até porque aqueles são leigos em questões fiscais e legais, limitando-se a seguir as indicações da Administração Tributária na convicção de que a verdade tributária jamais seria afectada.
IX. Aliás a discordância dos Recorridos com os termos da proposta da AT resulta patente do facto de, uma recebida a liquidação adicional que plasmou o entendimento da mesma, se terem feito valer de todos os meios conferidos por Lei de forma a contrariar os seus fundamentos, conseguindo inclusivamente fazer valer em juízo a sua tese.
X. Ou seja, em conclusão, a opção pela adesão a uma proposta endereçada pela AT, e na estrita medida da mesma, não poderá significar que passará a caber aos Recorridos o ónus de sustentar facticamente a liquidação adicional que daí resultar, uma vez que esta plasmará, unicamente, entendimentos que a Administração, e só a Administração, pretende fazer valer, sendo que, pretender fazer valer o inverso seria contrário às regras da distribuição do ónus da prova no procedimento tributário [artigo 74º da LGT).
XI. Cite-se, à míngua de melhor exposição que pudesse ser feita, e em face da identidade de situações, o lapidar Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo nº 0901/14 de 28.01.2015, de que foi relatora a Conselheira Ana Paula Lobo:
"Na sequência de uma acção inspectiva veio a AT a considerar que tinham os ditos montantes a natureza remuneratória, convidando os contribuintes a apresentar uma declaracão de substituição que serviu de base à elaboração dos actos de liquidação impugnados.
Entendem os contribuintes que, pese embora tenham apresentado as declarações de substituição, não se conformam com a qualificação de valores remuneratórios das ajudas de custo que lhe foram pagas pela sua entidade patronal, nem com a tributação correspondente.
A apresentação de uma declaração de substituição, como resulta dos autos não decorreu de acto de iniciativa do contribuinte que com ele visasse corrigir um dado que inserira na sua declaração inicial de rendimentos. Ela surge na sequência de uma acção inspectiva e após ter sido instado pela AT para corrigir os valores, nos termos que ela indicou.
Não estamos, verdadeiramente a falar de uma confissão de dívida, nem de uma confissão de rendimento, muito menos de uma confissão da sua ocultação. Movemo-nos no âmbito do direito tributário em que o legislador entendeu que, nestes casos, deve ser apresentada uma declaração de substituição e a sua não apresentação é punível com coima. Mas da apresentação dessa declaração não decorre que, sem possibilidade de discussão contenciosa do que dela conste, o contribuinte afirma e aceita a legalidade da tributação que com base nela ocorre.
(...)
A questão do ónus da prova nestas situações foi já apreciado e decidido de forma reiterada e uniforme em numerosos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente, Acs. do STA, de 06.03.2008 - Processos nºs 01043/07 e 01063/07, de 12.03.2008 - Processos nºs 01042/07 e 01065/07 e de 23.04.2008 - Processos nºs 01055/07 e 01044/07 e no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 8/11/06, no recurso 01082/04, todos acessíveis em www.dgsi.pt. Parafraseando este último referido acórdão, diremos; «Na estrutura do IRS visa-se tributar apenas o rendimento efectivo dos contribuintes, embora esses rendimentos efectivos possam ser presumidos.
(...)
Compete à Administração Tributária demonstrar a existência dos factos constitutivos dos seus direitos, ou seja, a verificação de situações susceptíveis de serem tributadas, designadamente ao abrigo do artigo 2º do Código do IRS. (destacados e sublinhados nossos)’’.
XII. Ora não deixa de ser caricato que os Serviços da Administração Tributária venham, em nome próprio, propor ao contribuinte que altere a sua situação tributária quando essa proposta "não espelha nem tem de espelhar qualquer posição da Administração Fiscal (...)", sendo, por isso, patente a má-fé com que litiga a Administração Tributária nesta sede.
XIII. Não é pelo facto de a AT não se reconhecer no entendimento de uma missiva por si endereçada aos contribuintes (!) que passarão estes, apenas por a esta aderirem, a ter o ónus de suportar a fundamentação do ato liquidação que se lhe seguirá, confessando e precludindo o direito constitucional à tutela jurisdicional efectiva, tendo tal notificação necessariamente de espelhar o entendimento e a posição da Administração Tributária, sob pena de o contribuinte ser um barco à deriva nos desígnios arbitrários da AT, que usa e abusa do direito.
XIV. Subsumindo, os Recorridos, totalmente leigos nestas matérias, são notificados de que se encontra a correr termos um procedimento de inspecção, sendo impelidos, por meio de notificação, a substituir a declaração de rendimentos, o que de pronto fizeram, na convicção de que tal alteração não alteraria a qualificação e a configuração dos seus rendimentos, gerando, injustificadamente, mais imposto a pagar.
XV. Seja como for, os ora Recorridos levaram aos autos os elementos necessários para a prolacção de uma decisão materialmente justa, que sempre consideraria os montantes auferidos como meras ajudas de custo sem natureza remuneratória.
XVI. E a verdade é que a Administração Tributária não elenca factos suficientes para concluir que as importâncias em causa não devem ser qualificadas como compensação ou ajudas de custo, sendo certo que os Recorridos provaram a existências de factos tributários que fundamentam o seu direito.
XVII. Mais se refira não ser perceptível qual o facto provado 4, pelo que desde já se impugna, para todos os legais efeitos, o artigo 53° das alegações da Recorrente.
XVIII. O facto provado C tem concreta referência no aresto recorrido, isto é, 21 a 23-v do PA - RH, nada colhendo quanto a uma putativa e singela alegação das partes como base probatória.
XIX. Quanto à questão do ónus da prova e da falta de fundamentação que sempre caberia à AT veja-se as primeiras sentenças favoráveis proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da C....... em identidade de circunstâncias nos processos n.^s 342/13.5BEBJA, 338/13.7BEBJA, 341/13.7BEBJA, 339/13.5BEBJA, 289/13.5BEBJA e 335/13.2BEBJA.
Nestes termos, e nos que V.s Exªs muito doutamente suprirão, com os fundamentos expostos, deve ser considerado totalmente improcedente, por não provado, o Recurso, mantendo-se a sentença recorrida que determinou a anulação da liquidação adicional de IRS do ano de 2008.
Assim se fazendo inteira e sã
JUSTIÇA!”
* *
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter julgado procedente a impugnação judicial apresentada por M................ e D................, referente à liquidação de IRS de 2008.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“a) Factos provados
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão:

A) O impugnante M................ trabalha para C.......–............., Lda. (cf. fls. 25 a 26 do processo – numeração do suporte físico);

B) Em 2008.03.17, o impugnante M................ e C.......–............., Lda., outorgaram contrato de trabalho a termo incerto, constante de fls. 25 a 26 do processo (numeração do suporte físico), que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se transcreve:
a. (…);
b. Cláusula Primeira (objeto e funções): C....... que tem a atividade de trabalhos e serviços de manutenção e reparação de fábricas, transformações e reparações industriais e navais, industria e montagens de estruturas metálicas de tubagens, soldaduras, serralharia e eletricidade, instalações de gás e ar condicionado, admite ao seu serviço [M................] para exercício das funções inerentes à categoria profissional de Serralheiro Civil de 1ª, podendo ainda desempenhas outras funções afins e compatíveis com a sua qualificação, de acordo com a lei aplicável;
c. Cláusula Segunda (prazo e justificação): o presente contrato de trabalho a termo incerto tem início em 17 de Março de 2008 (…);
d. Cláusula Terceira (horário de trabalho): o período normal de trabalho será de 40 horas semanais, distribuídas de segunda-feira a sexta-feira, no horário das 08h00 às 17h00, com intervalo de descanso e refeições das 12h00 às 13h00, e com descanso semanal ao sábado e domingo, ou outro a definir pela C......., dentro dos condicionalismos legais;
e. Cláusula Quarta (local de trabalho, deslocações e destacamento):
i. 1- [M................] é contratado para as oficias no local da sede da C......., obrigando-se, porém, a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C....... exerça ou venha a exercer a sua atividade, a fim de realizar a prestação de trabalho ora contratada;
ii. 2- No início da execução do presente contrato,
[M................] deslocar-se-á para as instalações/obra da S………… s.r.l., em Southampton, podendo esta, a todo o tempo e nos termos previstos no número anterior, indicar outro local para a realização da prestação do trabalho;
iii. 3- [M................] obriga-se ainda a realizar todas as deslocações, dentro e fora do território nacional, necessárias para a execução das suas funções, com as correspondentes despesas a cargo da C.......;
iv. 4- Em eventual situação de destacamento, [M................] receberá uma ajuda de custo mensal, de valor a fixar de acordo com o local da obra, a que acrescerá uma ajuda de custo diária suplementar para transportes locais;
f. (…);

C) Na sequência de inspeção à sociedade C....... – ............., Lda., os rendimentos dos Impugnantes foram corrigidos e aditados rendimentos no montante de € 24 675,14 (cf. 21 a 23-v do PA - RH);

D) Do relatório elaborado em 2012.08.20, constante de fls. 21 a 23-v do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzido, transcreve-se:
a. (…);
b. II – Objetivos, âmbito e extensão da ação inspetiva
i. II.1 - Credencial e período em que decorreu a ação
1. Foi aberta a Ordem de serviço OI201203559, com despacho de 2012.07.20 (…);
ii. II.2 – Motivo, âmbito e incidência temporal
1. Motivo:
2.
3. A ação de inspeção resultou de informação do Departamento de Fiscalização do Instituto da Segurança Social que apurou serem de natureza remuneratória os valores pagos a título de ajudas de custo ao sujeito passivo, enquanto trabalhador da empresa C....... , Lda. (… ), e não declarados, artigo 57/4 CIRS, no ano de 2008;
4. (… );
iii. II.3 - Outras situações
1. Diligências Efetuadas
2. Ao abrigo do dever de colaboração, foi enviada através do ofício nº 38153 de
2012.05.09 (…), a notificação ao sujeito passivo para regularizar a situação tributária;
3. Obrigações declarativas:
4. Para o ano em análise, o sujeito passivo submeteu, dentro do prazo legal estabelecido par ao efeito, a declaração de rendimentos Modelo 3/IRS (… );
c. III – Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas
i. Não aplicável
d. VI – Regularizações efetuadas pelo sujeito passivo no decurso da ação de inspeção
i. Na sequência das diligências efetuadas por estes Serviços de Inspeção, em particular a notificação remetida (…), o sujeito passivo substituiu a declaração de rendimentos Mod. 3 de IRS/2008, procedendo à correção do valor auferido enquanto trabalhador dependente da empresa C......., Lda. (…)
ii. (…);
iii. De referir que a investigação desenvolvida pelos inspetores do Instituto da Segurança Social, com base na consulta e apreciação exaustiva de documentos fiscalmente relevantes, nomeadamente contratos de trabalho, mapas de vencimentos, mapas de controlo de ajudas de custo e boletins de itinerários resultou na conclusão de que as ajudas de custo pagas no âmbito da atividade da empresa não assumem natureza compensatória, mas remuneratória, pelo que devem ser consideradas rendimento sujeito a tributação, nos termos do artigo 2/1.a) CIRS;
iv. De acordo com os valores constantes dos recibos de vencimentos enviados pela Direção de Finanças de Setúbal, verifica-se a concordância com o valor corrigido e declarado pelo sujeito passivo, o qual inclui a quantia alegadamente paga a título de ajudas de custo no montante de € 24 765,14;
v. (…);
vi. A regularização voluntária deu origem à liquidação nº ............., de 2012.06.23. (…)

E) Dos recibos de vencimento constantes de fls. 27 a 31-v do processo (numeração do suporte físico) e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, transcreve-se:
a. (…);
b. Recibo 1232, 2008.03.31:
i. (…);
ii. Ajudas de custo:
1. Quantidade: 9;
2. Valor base: € 108,00;
3. Total: € 972,00;
iii. (…);
c. Recibo 1470, 2008.04.30:
i. (…);
ii. Ajudas de custo:
1. Quantidade: 25;
2. Valor base: € 108,73;
3. Total: € 2 718,25;
iii. (…);
d. Recibo 2067, 2008.05.31:
i. (…);
ii. Ajudas de custo:
1. Quantidade: 6;
2. Valor base: € 108,73;
3. Total: € 652,38;
iii. (…);
e. Recibo 2005, 2008.05.31:
i. (…);
ii. Ajudas de custo:
1. Quantidade: 10;
2. Valor base: € 108,73;
3. Total: € 1 087,30;
iii. (…);
f. Recibo 2522, 2008.06.30:
i. (…);
ii. Ajudas de custo:
1. Quantidade: 30;
2. Valor base: € 108,73;
3. Total: € 3 261,90;
iii. (…);
g. Recibo 3056, 2008.07.31:
i. (…);
ii. Ajudas de custo:
1. Quantidade: 31;
2. Valor base: € 108,73;
3. Total: € 3 370,63;
iii. (…);
h. Recibo 3479, 2008.08.31:
i. (…);
ii. Ajudas de custo:
1. Quantidade: 29;
2. Valor base: € 108,73;
3. Total: € 3 153,17;
iii. (…);
i. Recibo 3903, 2008.09.30:
i. (…);
ii. Ajudas de custo:
1. Quantidade: 29;
2. Valor base: € 108,73;
3. Total: € 3 153,17;
iii. (…);
j. Recibo 4193, 2008.10.31:
i. (…);
ii. Ajudas de custo:
1. Quantidade: 31;
2. Valor base: € 108,73;
3. Total: € 3 370,63;
iii. (…);
k. Recibo 4563, 2008.11.30:
i. (…);
ii. Ajudas de custo:
1. Quantidade: 27;
2. Valor base: € 108,73;
3. Total: € 2 935,71;
iii. (…);

F) Em 2012.0804, foi emitida a demonstração de liquidação de IRS de 2008 nº ............., com valor a pagar de € 3940,92 (cf. fls. 17 do processo – numeração do suporte físico);

G) Com data de compensação de 2012.07.02, foi emitida a demonstração e acerto de contas nº ............., com saldo a pagar de € 4 276,00 e data limite de pagamento de 2012.08.08;

H) Em 2012.10.26, no Serviço de Finanças de Oeiras-3, deu entrada reclamação graciosa contra as liquidações adicionais de IRS nº ............. e ............., constante de fls. 4 a 5 do PA - RG, e que aqui se dá por integralmente reproduzida;

I) Por despacho de 2012.11.16, da Chefe de Finanças, a reclamação graciosa foi indeferida (cf. fls. 35 do PA - RG);

J) Por carta registada com aviso de receção assinado em 2012.11.23, foi comunicado aos Impugnantes o indeferimento da reclamação graciosa, identificado na alínea anterior (cf. fls. 43 a 44 do PA - RG);

K) Em 2012.12.06, no Serviço de Finanças de Oeiras-3, deu entrada recurso hierárquico contra o indeferimento da reclamação graciosa, constante de fls. 2 a 12-v do PA-RH e que aqui se dá como integralmente reproduzida;

L) Por despacho de 2013.05.06, da Diretora de Serviços do IRS, por Subdelegação, foi negado provimento ao recurso (cf. fls. 31 do PA- RH);

M) O indeferimento do recurso foi comunicado aos Impugnantes por carta registada com aviso de receção assinado em 2013.06.11 (cf. fls. 30 a 33 do PA-RH);

N) Em 2013.09.09, a presente impugnação foi enviada a este Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (cf. fls. 3 do processo – numeração do suporte físico).

b) Factos não provados
Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam o circunstancialismo que, em face do alegado nos autos, se mostra provado nos autos com relevância, necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.
IV – Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto, consoante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo.”
* *
Nas alegações, bem como nas conclusões do recurso jurisdicional apresentado pela Fazenda Pública, são indicados os factos 3 e 4 (cfr. conclusões C, G e AC), desconhecendo o tribunal a que se referem porquanto o probatório encontra-se elencado por alíneas, razão pela qual não nos pronunciaremos sobre os mencionados factos 3 e 4.

Vem a Fazenda Pública invocar manifesta contradição entre o facto D) e o facto C) constantes do probatório porquanto “quando se afirma neste último que "Na sequência de inspecção à sociedade C................, Lda, os rendimentos dos Impugnantes foram corrigidos e aditados rendimentos no montante de € 24.675,14.”, quando do facto D) resulta que não foram realizadas correcções à matéria tributável, tendo a liquidação resultado da regularização voluntária efectuada pelos impugnantes.

Invoca ainda que foi levado ao probatório o facto C) sem prova que o suporte, “pois que não se vislumbra em que parte da decisão proferida em sede de recurso hierárquico se afirma, ou assume, que os rendimentos dos Impugnantes foram corrigidos e aditados naquele montante.”.


No que diz respeito à matéria de facto, perante as alegações apresentadas pela Fazenda Pública, e após a reapreciação da prova produzida nos autos, ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi do art. 281º do CPPT:

i) - corrige-se a redação do facto C) nos seguintes termos:
C) – Foi aberta Ordem de Serviço OI201203559 para ação inspectiva a M................, resultante “de informação do Departamento de Fiscalização do Instituto da Segurança Social que apurou serem de natureza remuneratória os valores pagos a título de “ajudas de custo ao sujeito passivo, enquanto trabalhador dependente da empresa C......., Lda. – NIPC………, e não declarados, art,. 57º, nº 4 do CIRS, no ano de 2008” – cfr. fls. 22 do PA – RH.

ii) e aditam-se ao probatório os seguintes factos:
O) Em 09/05/2012 foi emitido ofício dirigido a M................ com o seguinte teor:
De acordo com informação recolhida junto da sociedade C.......-………….., Lda., NIF –……….., auferiu no ano de 2008 a quantia de € 24675,14 a título de “ajudas de custo” a qual não assume natureza compensatória mas sim remuneratória, estando sujeita a IRS nos termos da alínea a) do nº 1 do nº 1 do art. 2º do CIRS.
Consultada a base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira, verificámos que os referidos rendimentos não foram declarados na declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, prevista no artigo 57º do CIRS.
Assim, ficam notificados para no prazo de 10 (dez) dias, entregar ou submeter electronicamente, a declaração de rendimentos de substituição, na qual deverão acrescer os referidos rendimentos.
A falta de apresentação da referida declaração no prazo ora fixado, determina a correcção dos rendimentos declarados, com base nos elementos disponíveis nestes serviços, nos termos do nº 4 do art. 65º e levantar-se-á o competente auto de notícia para aplicação da coima prevista, nos termos do art. 116º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) para o referido ano.” (cfr. teor de fls. 24 do PA – RH.


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Os Recorridos impugnaram junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra a liquidação de IRS e juros compensatórios do ano de 2008 no montante total de € 4.276,00, invocando violação do dever de fundamentação do acto tributário e, errónea interpretação/aplicação das normas de incidência de IRS, quanto à tributação das ajudas de custo.

A sentença recorrida concluiu que a liquidação de IRS e respetivos juros compensatórios padecia de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos e julgou a impugnação judicial procedente, anulando a liquidação de IRS e, bem assim, os juros compensatórios correspondentes.

Inconformada, a Fazenda Pública no presente recurso jurisdicional invoca que o Tribunal a quo assentou a sua decisão num pressuposto errado, a saber, que se trataria de uma liquidação adicional decorrente de correções à matéria tributável efectuadas no âmbito de uma ação de inspecção, quando na realidade se trata de uma liquidação resultante de uma declaração de rendimentos de substituição apresentada voluntariamente pelos impugnantes.

Mais afirma que se os impugnantes alegam em sede de impugnação que os rendimentos tributáveis por si inscritos na declaração de substituição, donde resultou a liquidação impugnada constituem ajudas de custo e como tal não tributáveis em sede de IRS por não terem carácter remuneratório, então, sempre impenderia sobre eles, e não sobre a administração tributária, a demonstração dos factos alegados, nos termos do art. 74º, nº 1 da LGT. E acrescenta que, tendo a sentença recorrida feito recair sobre a administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação, quando esses mesmos pressupostos já se mostram verificados, porquanto assentes na declaração de substituição mod. 3 apresentada pelos impugnantes, ocorreu erro de julgamento dado que impendia sobre os impugnantes a prova de que os rendimentos que declararam auferir constituem ajudas de custo, o que não lograram fazer.

Vejamos então.

Do probatório resultou que, no âmbito de uma ação inspetiva ao Recorrido que teve origem na informação do Departamento de Fiscalização do Instituto da Segurança Social que apurou serem de natureza remuneratória os valores pagos a título de “ajudas de custo” no ano de 2008 no montante de € 24.765,14 ao sujeito passivo, enquanto trabalhador dependente da empresa C.......- ............., Lda.

Na sequência dessa constatação, foi enviado ofício ao Recorrido no sentido de regularizar a situação, através da entrega de declaração de substituição mod. 3 de IRS, sob pena de correção oficiosa dos rendimentos declarados e levantamento de auto de notícia para aplicação de coima (cfr. alínea O) do probatório).

Tendo o Recorrido apresentado essa declaração de substituição, na qual veio a incluir como rendimento o valor que lhe foi pago a título de ajudas de custo (€ 24.765,14), foi efectuada a respectiva liquidação de IRS, que após compensação, resultou o montante a pagar de € 4.276,00 (cfr. alíneas F) e G) do probatório).

Contudo, por não concordarem com a referida liquidação os Recorridos apresentam junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra impugnação judicial invocando para o efeito violação do dever de fundamentação do acto tributário e, errónea interpretação/aplicação das normas de incidência de IRS, quanto à tributação das ajudas de custo.

Sobre situação idêntica à dos presentes autos, o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou no Acórdão de 28/01/2015 no rec. 0901/14 nos seguintes termos “(…) A sentença recorrida face ao pedido e causa de pedir identificou como questão fulcral da impugnação a decisão sobre se as quantias abonadas aos Impugnantes pela sua entidade patronal a título de ajudas de custo revestirem efectivamente essa natureza ou se, ao invés, teriam natureza remuneratória.
Os impugnantes apresentaram uma declaração de IRS em que consideravam aquelas ajudas de custo sem natureza remuneratória.
Na sequência de uma acção inspectiva veio a AT a considerar que tinham os ditos montantes a natureza remuneratória, convidando os contribuintes a apresentar uma declaração de substituição que serviu de base à elaboração dos actos de liquidação impugnados.
Entendem os contribuintes que, pese embora tenham apresentado as declarações de substituição, não se conformam com a qualificação de valores remuneratórios das ajudas de custo que lhe foram pagas pela sua entidade patronal, nem com a tributação correspondente.
A apresentação de uma declaração de substituição, como resulta dos autos não decorreu de acto de iniciativa do contribuinte que com ele visasse corrigir um dado que inserira na sua declaração inicial de rendimentos. Ela surge, na sequência de uma acção inspectiva e após ter sido instado pela AT para corrigir os valores, nos termos que ela indicou.
Não estamos, verdadeiramente a falar de uma confissão de dívida, nem de uma confissão de rendimento, muito menos de uma confissão da sua ocultação. Movemo-nos no âmbito do direito tributário em que o legislador entendeu que, nestes casos, deve ser apresentada uma declaração de substituição e a sua não apresentação é punível com coima. Mas da apresentação dessa declaração não decorre que, sem possibilidade de discussão contenciosa do que dela conste, o contribuinte afirma e aceita a legalidade da tributação que com base nela ocorre.
A declaração de substituição, como a declaração inicial não priva o contribuinte de vir posteriormente a demonstrar que alguns dos dados que dela constam, pese embora hajam por si sido indicados, não correspondem à verdade.
A questão do ónus da prova nestas situações foi já apreciado e decidido de forma reiterada e uniforme em numerosos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente, Acs. do STA, de 06.03.2008 - Processos nºs 01043/07 e 01063/07, de 12.03.2008 - Processos nºs 01042/07 e 01065/07 e de 23.04.2008 - Processos nºs 01055/07 e 01044/07 e no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 8/11/06, no recurso 01082/04, todos acessíveis em www.dgsi.pt. Parafraseando este último referido acórdão, diremos: «Na estrutura do IRS visa-se tributar apenas o rendimento efectivo dos contribuintes, embora esses rendimentos efectivos possam ser presumidos.
Por isso, o artigo 2° do CIRS que define os rendimentos do trabalho, tem de ser interpretado a esta luz, como abrangendo apenas hipóteses em que as atribuições pecuniárias feitas aos trabalhadores por conta de outrem visem proporcionar-lhe um acréscimo patrimonial, afastando a incidência do imposto relativamente a atribuições patrimoniais que visam apenas compensar o trabalhador de despesas que teve de suportar para assegurar o exercício adequado da função».
Compete à Administração Tributária demonstrar a existência dos factos constitutivos dos seus direitos, ou seja, a verificação de situações susceptíveis de serem tributadas, designadamente ao abrigo do artigo 2° do Código do IRS. (…)
Tratando-se, como se trata, de uma verdadeira norma de delimitação negativa de incidência ou de exclusão de tributação de IRS, competia à Administração Tributária alegar, para poder provar em seguida, ou, que as quantias pagas a título de ajudas de custo não se destinaram a reembolsar os recorridos de despesas decorrentes da sua deslocação, porque elas não tinham tido lugar ou não ocorreram com a extensão apresentada, o que não decorre simplesmente da verificação de que o seu valor se repete ao longo dos meses, ou, que ultrapassaram os limites legais estabelecidos para a exclusão da respectiva tributação, dado que estes elementos são ainda factos fundamentadores ou enformadores do ato tributário. (…)”. (sublinhado nosso)

Concordando com o entendimento jurisprudencial supra exposto e regressando ao caso dos presentes autos, entendemos que a apresentação pelos Recorridos de uma declaração de substituição, como resulta dos autos, não decorreu de um acto de iniciativa dos mesmos com vista a corrigir valores anteriormente declarados, mas essa entrega surge, na sequência de uma acção inspectiva e após notificação pela administração tributária para efeitos de correcção dos valores anteriormente declarados, sob pena de correcção oficiosa dos mesmos e levantamento de auto de notícia com a consequente aplicação de coima.

E na verdade, a apresentação de uma declaração de substituição, tal como a declaração inicial, não impede os contribuintes de virem posteriormente a demonstrar que alguns dos dados que delas constam, (muito embora por si declarados), não correspondem à verdade.


A apresentação dessa declaração de substituição não preclude o direito de discutir contenciosamente os valores que dela constem ou questionar a legalidade da tributação dos mesmos, nem tão-pouco inverte o ónus probatório.

E quanto ao ónus probatório importa recordar que é sobre a administração tributária que recai o ónus de demonstrar que as quantias declaradas como ajudas de custo constituem retribuição (cfr. Acórdão do TCA Norte de 07/06/2018 – rec. 01070/08.9BEBRG).

Destarte compete à administração tributária demonstrar a verificação de situações susceptíveis de serem tributadas, designadamente ao abrigo do artigo 2° do Código do IRS.

Reafirma-se à semelhança do Acórdão do STA acima transcrito que ”tratando-se de uma verdadeira norma de delimitação negativa de incidência ou de exclusão de tributação de IRS, competia à administração tributária alegar, para poder provar em seguida, ou, que as quantias pagas a título de ajudas de custo não se destinaram a reembolsar os recorridos de despesas decorrentes da sua deslocação, porque elas não tinham tido lugar ou não ocorreram com a extensão apresentada”.

Importa salientar que no caso em apreço a administração tributária não logrou provar a natureza remuneratória das ajudas de custo que os Recorridos declararam.

E ao invés os impugnantes lograram provar que as ajudas de custo auferidas pelo Recorrido têm natureza compensatória e não remuneratória.

Senão vejamos.

Do contrato de trabalho a termo incerto celebrado entre o impugnante marido e a sua entidade empregadora, verificamos, na sua cláusula 4ª que o impugnante marido foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da C......., Lda., obrigando-se a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a entidade empregadora exerça ou venha a exercer a sua actividade, a fim de realizar a prestação de trabalho contratada (cfr. alínea B) do probatório).

Resulta ainda do contrato de trabalho a termo incerto que a entidade empregadora tem sede em Amora – Seixal, e que no início da execução do contrato o impugnante se deslocará para as instalações da obra da S………, SRL, em Southampton (Inglaterra), podendo a entidade empregadora a todo o tempo indicar outro local para a realização da prestação do trabalho (cfr. alínea B) do probatório).

Resulta provado que o impugnante marido foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da “C.......”, em Amora, Seixal, obrigando-se, todavia, a efectuar todas as deslocações, dentro e fora do território nacional, necessárias para a execução das suas funções, com as correspondentes despesas a cargo da entidade empregadora. O mesmo contrato de trabalho estabelece ainda na cláusula 4ª que o ora impugnante receberá uma ajuda de custo mensal de valor afixar de acordo com o local da obra, a que acrescerá uma ajuda de custo diária suplementar para transportes locais.

Em suma, o impugnante foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da sociedade C......., na Amora, sem prejuízo, porém, de aquele funcionário se deslocar para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C....... exerça, ou venha a exercer, a sua actividade, a fim de aí realizar a prestação de trabalho contratada.

Ora foi precisamente para a obra da S………, s.r.l. em Southampton para onde, desde início, ficou acordada a deslocação do funcionário em causa, pelo que são admissíveis as importâncias pagas como ajudas de custo, porque se deslocou para Inglaterra (Southampton) para exercer funções de serralheiro civil de 1ª, numa obra ao serviço da sua entidade empregadora.


O principal pressuposto para a atribuição de ajudas de custo é a existência de deslocação do funcionário em serviço para local diferente do seu domicílio necessário.

No caso em apreço o Recorrido marido foi contratado para prestar serviço em Portugal e aceitou trabalhar deslocado em qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a entidade empregadora exercesse ou viesse a exercer a sua actividade, incluindo no estrangeiro. O centro da sua actividade funcional é nas oficinas de Amora/Seixal, sendo dentro ou fora do território português os locais onde aceitou deslocar-se para realização da prestação de trabalho, dependendo onde a entidade empregadora tinha obras e trabalhos adjudicados, por períodos que podiam ser mais ou menos longos.

O que verdadeiramente releva no caso vertente é que o impugnante marido prestara serviço à sua entidade patronal, com sede em Portugal, em obra sita na Inglaterra, isto é, que se encontrava deslocado do seu local de trabalho. E, efectivamente, mostra-se provado nos autos que o impugnante celebrou contrato de trabalho com a “C....... Lda.”, para exercer a actividade profissional de serralheiro civil de 1ª tendo, no âmbito desse contrato, exercido funções em várias obras, nomeadamente em Southampton (Inglaterra).

Portanto, o que releva é que as despesas foram efectuadas ao serviço da entidade patronal e por causa desse serviço, e estando o recorrido efectivamente deslocado, essa deslocação, segundo as regras da experiência comum, implica geralmente despesas.

Destarte se conclui que a administração tributária não logrou provar que as importâncias auferidas pelo Recorrido a título de ajudas de custo constituem rendimento e por sua vez os Recorridos em sede de impugnação judicial lograram provar que as ajudas de custo auferidas no ano de 2008 têm natureza compensatória.

Ao decidir no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 25 de Junho de 2020


Luisa Soares


Mário Rebelo


Patrícia Manuel Pires