Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:154/18.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/02/2023
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IRC
FATURAS FALSAS
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - A contabilidade dos sujeitos passivos, desde que se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, goza da presunção de veracidade.
II - Com efeito, nos termos do artigo 75/1 da Lei Geral Tributária (LGT), o contribuinte beneficia da presunção de veracidade das suas declarações fiscais e dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
III - Tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira suportado as correções efetuadas em indícios meramente opinativos e de crítica a opções de gestão da sociedade não cumpre o ónus probatório que lhe incumbe na recolha de indícios sérios e suficientes de que as operações subjacentes às faturas não são reais.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

B…, Lda., com os sinais dos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2017 8310030733, de 21 de agosto de 2017, relativo ao exercício de 2013, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente, formula as seguintes conclusões:

A) «A. A questão que subjaz aos presentes autos é a de aferir da legalidade dos atos de tributários de liquidação de IRC e correspetivos juros compensatórios e moratórios, relativos ao ano de 2013, traduzidos na não aceitação dos gastos registados pela IMPUGNANTE em tais anos, no processo de determinação do lucro tributável em sede de IRC, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC.

B) Em causa estão as operações comerciais estabelecidas entre a RECORRENTE e a sociedade P…, SA e com a sociedade M… - Comércio de Rochas Ornamentais, S.A., as quais foram qualificadas pela AT como sendo tituladas por faturas emitidas pelas sociedades aí identificadas, (...) consubstanciam fortes indícios de que as transações não ocorreram, ou que não ocorreram nos exatos termos que constam dos registos contabilísticos e nos documentos que os suportam. (...) Os valores das faturas (...) foram registados (...) calculado (...) no processo de apuramento do resultado líquido dos períodos em causa. Face ao exposto o valor constante dessas faturas deve ser expurgado do resultado líquido apurado pelo SP, o que consequentemente afeta o Lucro Tributável, em sede de IRC, na medida em que não respeita o estatuído no artigo 23.º do CIRC.” (sublinhado nosso)

C) A RECORRENTE é uma empresa que desenvolve como atividade o comércio a retalho de peças e acessórios para veículos automóveis e a manutenção e reparação de veículos automóveis.

D) A B… pretendia expandir a sua atividade comercial, no sentido de promover os negócios e diversificar as atividades em que atuava, carecendo para o efeito de instalações mais adequadas aos fins preconizados pelos seus sócios.

E) Em maio de 2012, a RECORRENTE encontrou na área de Leiria o prédio que veio a arrendar, o qual satisfazia as suas necessidades, sem prejuízo o mesmo carecer de obras de adaptação e melhoramento ao exercício do comércio/das atividades da sociedade, o qual corresponde a um a um Pavilhão de cave e Rés do Chão, destinado a comércio e logradouro sito na Estrada Nacional n.º 1/IC2 n.º 1… (ao Km 1…,4), P…, distrito de Leiria, concelho de Porto de Mós.

F) Para adaptar as instalações às finalidades pretendidas, ficou desde logo estipulado entre as partes que mesmas seriam consideradas nos termos e condições do arrendamento dessas mesmas instalações, celebradas entre a RECORRENTE e o Senhorio, tendo este autorizado e aceite as referidas obras e estipulado um valor da renda mensal do arrendamento mais baixo, que se cifrou em € 200,00

G) As obras destinaram-se a adequar a zona comercial do rés-do-chão à receção de Clientes, e visavam a aquisição de ladrilho de mármore, rodapé polido, aplicação de soleiras, vitrificação do chão, tendo a escolha do material aplicado no chão por racional as características da atividade aí desenvolvida, nomeadamente devido ao peso das peças usadas para realização da reparação de veículos pesados.

H) As obras em causa, vieram a concretizar com a aquisição, pela SOCIEDADE de ladrilho de mármore e soleiras, tal como rodapé, aos dois fornecedores P…, S.A. e M… - Comércio de Rochas Ornamentais, S.A., aquisição essa que se mostra titulada através da fatura 2/2013, no valor de € 11.307,50, emitida pela P…, S.A., e da fatura 2/2013, no valor de € 23.380,00, emitida pela M… - Comércio de Rochas Ornamentais, S.A.

I) A sociedade M… - Comércio de Rochas Ornamentais, S.A. levou a cabo os trabalhos de remodelação das instalações, nomeadamente, de colocação do ladrilho de mármore e soleiras. [cfr. pontos 97 a 96 das presentes alegações de recurso]

J) A operacionalização da alteração de sede obrigou à deslocação da totalidade dos equipamentos e materiais (peças automóveis, equipamentos, mobiliário, etc…) das anteriores instalações da RECORRENTE para as novas, o que apenas foi possível recorrendo ao camião grua e ao empilhador que a RECORRENTE alugou, e mais tarde ao empilhador que a mesma adquiriu.

K) A RECORRENTE incorreu em gasto titulado com a fatura n.º 3/2013, no valor de 16.500,00, emitida pela P…, S.A., relativa ao aluguer camião grua e ao empilhador (HYUNDAI). [cfr. pontos 133 a 143 das presentes alegações de recurso]

L) A AT qualificou as operações comerciais estabelecidas entre a RECORRENTE e a sociedade P..., SA e com a sociedade M… - Comércio de Rochas Ornamentais, S.A., como sendo tituladas por faturas emitidas pelas sociedades aí identificadas, (...) consubstanciam fortes indícios de que as transações não ocorreram, ou que não ocorreram nos exatos termos que constam dos registos contabilísticos e nos documentos que os suportam.

M) Os fundamentos aduzidos pela AT em sede de RIT são, em suma:

No que respeita à realização das obras:
i. Na aparência geral do pavimento existente à data da realização da Inspeção Tributária;
ii. Na ausência de menção ao transporte dos bens aplicados;
iii. No facto da RECORRENTE não ter registado numa conta de ativos os custos incorridos com as obras realizadas no edifício que permita a sua depreciação; e
iv. No suposto pagamento recorrendo a cheque que não é apresentado na câmara de compensação e é debitado na conta bancária da RECORRENTE na mesma data em que ocorre um depósito em numerário de igual montante, sendo ainda que as notas de pagamento à M…, elaboradas pela RECORRENTE suportam registos contabilísticos relativos ao ano 2015, onde é debitada a conta caixa, sendo manifesta a discrepância entre as datas.
v. No valor dos gastos suportados com a aplicação de mármore nas instalações arrendadas representarem 35% (€ 34.687,50 I € 98.957,55) do valor patrimonial tributário do imóvel.
vi. Os gastos não foram registados numa conta de ativos que permita a sua depreciação conforme prevê a alínea d) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro (Regime das Depreciações e Amortizações).
No que respeita ao aluguer e aquisição de equipamento:
vii. Evidente falta de racionalidade económica do aluguer face à aquisição de equipamentos (alegadamente) semelhantes aos alugados por valores de magnitude semelhante ao valor pago pelo aluguer;
viii. Não justificação do tratamento contabilístico dado ao empilhador adquirido, que não consta nos registos de venda nem nos inventários fornecidos,
ix. O SP apenas releva em 2015 (dois anos depois) documentos de quitação emitidos pelo fornecedor em 2013, por contrapartida da conta caixa, justificando que apenas em 2015 verificou que não se encontravam registados apesar de totalizarem € 28.757,40, o que dada a magnitude se estranha, e que em momento algum o SP justifica a falta de apresentação de cheques emitidos à câmara de compensação do Banco de Portugal, não justifica os depósitos efetuados em numerário nas datas em que os cheques terão sido levantados, não apresenta justificação credível para as discrepâncias entre as datas constantes dos documentos, e tão pouco apresenta justificação para os pagamentos supostamente efetuados em numerário.

N) O Douto Tribunal a quo veio a pronunciar-se pela improcedência da Impugnação Judicial apresentada com fundamento em questões que não encontram qualquer assento no RIT, nem tão pouco aí se encontram fundamentadas, quais sejam:

i. a RECORRENTE não logrou fazer prova quanto às quantidades e montantes constantes das faturas, concluindo que bem andou a Autoridade Tributária ao desconsiderar tais faturas e, em consequência, determinar as respetivas correções, e
ii. a RECORRENTE não logrou produzir prova no sentido de que o aluguer das viaturas tenha ocorrido nos termos titulados pelas faturas, acrescentando que ‘efetivamente provou-se o aluguer, porém não se provaram os valores e condições constantes da fatura’.

O) A AT nunca questionou as quantidades dos materiais fornecidos ou aos montantes titulados pelas faturas relativas à realização das obras, nem tão pouco colocou em causa valores e as condições em que ocorreram os alugueres do camião grua e do empilhador (HYUNDAI), titulados pela respetiva fatura, tendo apenas fundamentado as correções em meros juízos de valor que questionavam a concreta aquisição dos materiais, serviços e equipamentos.

P) Deste modo, extravasou o Tribunal a quo os poderes que lhe estão conferidos nos termos da lei, por manifestamente se ter substituído à AT na sua atuação.

Q) Ao decidir com tal fundamento, o Tribunal a quo violou o Princípio da Separação de Poderes, previsto nos termos do art.º 111.º da CRP, nos termos do qual, não pode este decidir sobre a manutenção de atos que deveriam ser anulados com base em fundamentação diferente da utlizada pela administração tributária, sob pena de assumir-se como órgão de administração ativa dos impostos. (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.º 058/11, de 1 de junho de 2011).

R) Mais, o Douto Tribunal a quo baseou a sua decisão em fundamentos e em elementos que nunca foram questionadas pela AT em sede de RIT, numa evidente substituição da AT, no que ao dever de fundamentação sobre os pressupostos de facto respeita, dever este que recai exclusivamente sobre a AT, numa clara violação do Princípio da Separação de Poderes.

S) Aceitar que tal pudesse efetivamente ser feito constituiria uma violação do Princípio da Igualdade de Armas, na medida em que o Tribunal a quo está a impor um ónus à RECORRENTE completamente desproporcional ao ónus imposto à AT para abalar a presunção da veracidade das declarações daquela, o que lhe está legalmente vedado. (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo 305/16.9BELSB, de 21 de setembro de 2017)

T) Nestes termos, deve a sentença recorrida ser anulada por violadora do Princípio da Separação de Poderes e do Princípio da Igualdade de Armas, devendo a douta sentença ser anulada e substituída por uma que determine a procedência da impugnação, por provada.

Sem conceder,

E apesar das conclusões expostas nas alíneas A. a T. supra serem suficientes para decidir no sentido favorável ao do provimento do presente Recurso, não queremos deixar de salientar outras conclusões igualmente relevantes que confluem para a boa decisão da causa:


U) A AT limitou-se a fundamentar as correções propostas em indícios que para além de não corresponderem à verdade, não podia esta desconhecer, não sendo de suficientes, per se, para abalar a presunção da veracidade das operações, tal como refere o próprio Tribunal a quo na sentença recorrida, afirmando que “[a]preciando os invocados fundamentos cumpre referir que, quando individualmente considerados, nenhum destes indícios de per si, seria suficiente para colocar em causa as declarações da Impugnante.

V) A AT não logrou cumprir com propriedade, seriedade, consistência e relevância o seu ónus probatório com vista a ilidir a presunção de veracidade das declarações e escrita da RECORRENTE, pelo que nenhum ónus mais se imporia à ora RECORRENTE.

W) Face ao exposto, deve Douta Sentença ser anulada com fundamento em violação do dever fundamentação o qual constitui corolário, no direito tributário, do princípio constitucional do dever de fundamentação dos atos administrativos (art.º 268.º, n.º 3, da CRP), e por não se verificarem pressupostos de facto suficientes que legitimem a atuação da AT.

X) A RECORRENTE demonstrou que os bens e serviços titulados pelas faturas em crise respeitam a operações reais com substância comercial e económica, conforme resulta dos documentos juntos aos autos bem como dos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento.

Y) O ónus da prova que recai sobre a RECORRENTE, em consonância com a jurisprudência unânime proferida pelos Tribunais Superiores, deve ser tão rigorosa como a que se reclama à AT para provar a falsidade das faturas, e deve lograr abalar a prova ou os elementos em que se fundou a administração para prática do ato tributário.

Z) A RECORRENTE demonstrou cabalmente, como bem resulta da sentença recorrida, a materialidade das operações.

AA) Além disso, abalou seriamente através da prova documental junta e da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, toda a prova e elementos em que a AT fundamentou as correções à matéria coletável, a título de obras efetuadas no edifício e de aluguer e aquisição de equipamentos, tendo cumprido escrupulosamente, com rigor e seriedade, o ónus probatório que sobre si impendia.

BB) Fazer impender sobre a RECORRENTE um ónus diverso daquele que é imposto à AT para fundamentar os pressupostos de facto em que assenta a sua atuação, seria o mesmo que onerar o contribuinte com a produção de uma verdadeira prova diabólica, além de se mostrar manifestamente violador do Princípio da Igualdade de Armas.

CC) A RECORRENTE provou cabalmente através da prova documental e da prova testemunhal produzida, quanto à realização de obras no edifício, que:

i. As obras foram efetivamente realizadas, através da aquisição de ladrilho de mármore, rodapé polido, aplicação de soleiras, vitrificação do chão às sociedades P…S.A., e à M….
ii. O transporte dos materiais adquiridos foi realizado pelas sociedades fornecedoras do material.
iii. Os bens e os serviços prestados encontrando-se titulados pelas faturas n.º 2/2013 da P…, Lda., no valor de € 11.307,50, acrescido de IVA [no total de € 13.908,23] e pela fatura n.º 2/2013 da M… no valor de € 23.380,00, acrescido de IVA [no total de € 28.757,40].
iv. As faturas foram pagas através de pagamentos parcelares realizados pelo Gerente da sociedade, em conformidade com as declarações de recebimento de valores emitidas pela P…S.A., e pela M… e respetivos extratos bancários anexos, que totalizam o valor titulado pelas faturas, conforme se demonstrou:

(Imagem, ver original nos autos)

v. Dos pagamentos realizados apenas um valor de € 624,00 foi realizado em numerário, o que na realidade representa 1,46 % do valor que as duas faturas em discussão totalizam (€ 624,00 / € 42.665,63 *100%).
vi. Contrariamente ao que acontece no caso da M…, os pagamentos efetuados à sociedade P…, S.A. não se encontravam relevados na conta corrente do Fornecedor por um erro do Gerente, o qual não entregou à contabilidade os talões dos pagamentos realizados por ATM. No entanto tal erro foi posteriormente corrigido.
vii. O facto da RECORRENTE não ter registado numa conta de ativos os custos incorridos com as obras realizadas no edifício que permita a sua depreciação, resulta da RECORRENTE ter manifestado à sua Contabilista Certificada a intenção de procurar um novo espaço face ao crescimento da atividade. A mesma, associando a intenção do RECORRENTE ao facto do imóvel ser arrendando, entendeu ser o procedimento de considerar a totalidade do valor das obras como custo do exercício, o mais correto.
viii. De acordo com o critério preconizado pela AT – registar as obras efetuadas numa conta de ativos que permitisse a sua depreciação – e atendendo ao facto do contrato de arrendamento ter sido celebrado em 2012, pelo prazo de 5 anos, e considerando que as obras apenas foram finalizadas no ano de 2013, a utilidade esperada do bem seriam os restantes 4 anos de duração do referido contrato de arrendamento, pelo que no final do ano de 2016, a RECORRENTE já teria esgotado o valor dos custos amortizáveis, isto é, estaria a RECORRENTE numa situação equivalente àquela em que se encontrava, pelo que já teria deduzido a totalidade dos custos em que incorreu com as obras.

DD) A RECORRENTE provou cabalmente, através da prova documental e da prova testemunhal produzida, quanto ao aluguer e aquisição de equipamento, que:

i. O aluguer do camião grua e do empilhador (HYUNDAI) e a aquisição do empilhador (NISSAN SD 22) foram efetivamente realizadas à sociedade P..., S.A.
ii. Os bens e os serviços adquiridos encontram-se titulados pela fatura n.º 3/2013 emitida pela P..., S.A. no valor total de € 16.500,00 acrescido de IVA (€ 20.295,00).
iii. A fatura foi paga através de pagamentos parcelares realizados pelo Gerente da sociedade, em conformidade com a declaração de recebimento de valores emitida pela P... S.A. e respetivos extratos bancários anexos, que totalizam o valor titulado pelas faturas, conforme se demonstrou:






iv. Dos pagamentos realizados apenas um valor de € 1.700,99 foi realizado através de encontro de contas, o que na realidade representa 8,38 % do valor que da fatura em discussão (€ 1.700,00 / € 20.295,00 *100%).
v. Contrariamente ao que acontece no caso da M…, os pagamentos efetuados à sociedade P…, S.A. não se encontravam relevados na conta corrente do Fornecedor por um erro do Gerente, o qual não entregou à contabilidade os talões dos pagamentos realizados por ATM. No entanto tal erro foi posteriormente corrigido.
vi. A RECORRENTE justificou o tratamento contabilístico dado ao empilhador adquirido, que não consta nos registos de venda nem nos inventários fornecidos, por virtude do mesmo ter acabado por ficar na empresa quando o cliente a quem se destinava desistiu da sua aquisição, tendo-se, entretanto, avariado.

EE) A RECORRENTE demonstrou cabalmente que as faturas selecionadas pela AT e postas em causa não titulam operações simuladas, correspondendo antes a transações que ocorreram, porque existiram e existiram nos exatos termos que foram descritos e que se mostram suportadas por documentos, tendo sido realizados entre operadores económicos residentes para efeitos fiscais em território nacional, no pleno e justificado exercício do comércio. P…, S.A.

FF) A AT apenas não concluiu deste modo em sede de Inspeção Tributária por não ter cumprido com o dever-poder de atuação que sobre ela recaia, não tendo realizado, como lhe competia, todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material em conformidade com o artigo 58.º, da LGT.

GG) Se a AT tivesse desencadeado a ação inspetiva, no respeito pelo princípio da verdade material e da boa fé, tudo teria sido mais fácil, mais célere e dignificante, evitando uma atuação que se veio a traduzir, assim, numa inaceitável violação dos princípios da verdade material e da boa fé, aos quais, a AT está – por obrigação legal – vinculada e que constituem alguns dos seus principais deveres.

HH) As Liquidações Adicionais de IRC relativas ao ano de 2013, assentam na preterição – notória e aqui demonstrada – da verdade e justiça material, as quais constituem uma obrigação geral da vinculação da Autoridade Tributária aos princípios da verdade e da justiça material, carecendo assim de ser anuladas, para reposição da legalidade.

II) Face ao exposto, não pode a IMPUGNANTE conformar-se com os juízos de valor da AT que sustentam as correções vertidas no RELATÓRIO, sendo forçoso concluir que devem os atos de liquidação adicional de IRC, relativos aos anos de 2013, ser anulados, por padecerem de ainda de vício de ausência de fundamentação do ato e de violação das regras do ónus da prova consignadas no artigo 74.º, da LGT bem como do Princípio da Separação de Poderes e do Princípio da Igualdade de Armas.


NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEL E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES, DEVE O PRESENTE RECURSO COLHER PROVIMENTO, REVOGANDO-SE A DECISÃO ORA SOB RECURSO, COM FUNDAMENTO EM ERRO DE JULGAMENTO, POR ERRÓNEA VALORAÇÃO DA PROVA E ERRO NA APLICAÇÃO DO DIREITO POR INSUFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO,
MOSTRANDO-SE VIOLADOS, NOMEADAMENTE OS ART.OS 23.º DO CÓDIGO DO IRC, 125.º DO CPPT, BEM COMO O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES POSITIVADO NO ART.º 111.º DA CRP E O PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE ARMAS NOS TERMOS DO ART.º 4.º CPC, APLICÁVEL EX VI AL. E) DO ART.º 2º DO CPPT, ANULE A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO, COM AS NECESSÁRIAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
DESTA FORMA, SERÁ FEITA A ESPERADA JUSTIÇA!


Notificada para o efeito, a Recorrida não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito suspensivo.

O Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo as de saber se a sentença padece erro de julgamento na seleção, apreciação e valoração da matéria de facto e na aplicação do direito, o que implica responder à questão submetida à apreciação do Tribunal sobre se a Autoridade Tributária e Aduaneira reuniu indícios suficientes de se estar perante uma situação de as faturas em causa não corresponderem ao fornecimento de bens e prestação de serviços efetivamente adquiridos e depois, em caso de resposta afirmativa, se a Impugnante e ora Recorrente, por sua vez, conseguiu comprovar a materialidade das operações em causa.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

1. «A impugnante foi objeto de uma ação inspetiva externa, de âmbito parcial – IRC – abrangendo o exercício de 2013, no âmbito das ordens de serviço n.os OI201601676/77/78, que culminou com o relatório final de 04/08/2017, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos; [Cfr. Processo Administrativo Tributário / Relatório de Inspeção Tributária – folhas 92-94, 94-124, 127-146, 149-188, 191-246, 249-266, 269-300, 303-336, 339-364, 367-395, 398-426, 429-468 do SITAF]

2. No referido Relatório de Inspeção Tributária (doravante, RIT), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos, consta, além do mais, que:

“(...)

1. Conclusões da ação inspetiva

1.1 Correções meramente aritméticas ao lucro tributável em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), nos anos 2013 (...)
Ano
2013
(...)
(...)
Lucro Tributável Declarado
1.973,43 €
(…)(…)
Correções
51.187,50 €
(…)(…)
Lucro Tributável Corrigido
53.160,93 €
(…)(…)

(...) [Cfr. página 9 do RIT – folhas 94-124 do SITAF]

3. Do ponto “11.3.5 Diligências efetuadas” do RIT, cujo teor se dá qui por integralmente reproduzido, consta, além do mais, que:

“(...)

No dia 3/3/2017 foi realizada uma visita às instalações onde o SP exerce atividade, em instalações arrendadas, e que, à data da visita, correspondiam ao local da sua sede. Constatou-se que no local existe um edifício constituído por rés-do-chão e cave, com um parque na entrada principal e outro nas traseiras. No parque da entrada principal, com acesso pela estrada nacional N.º 1, estavam parqueados alguns veicules pesados de mercadorias, em estado que aparentava ser de desmantelamento em curso. No r/c há um balcão, sendo a maior parte do espaço ocupado por estantes com peças, onde se observa alguma desarrumação com muitas peças e caixas distribuídas de forma casuística pelo pavimento. No r/c existe ainda uma casa de banho e pequeno escritório com secretárias e algumas estantes, delimitado do restante espaço por uma estrutura em alumínio. Na cave, o espaço é reservado para oficina, apresentando um pavimento degradado e coberto de resíduos, sendo certo que se encontrava maioritariamente ocupado por peças em estantes, aparentemente usadas. No momento da visita circulavam na cave três indivíduos, identificados pelo gerente Marco como trabalhadores do SP, sem aparentar estar a desenvolver alguma atividade. No parque das traseiras além de mais peças estavam alguns veículos pesados de mercadorias, em desmantelamento ou em reparação. O gerente Marco, informou que considera as instalações desapropriadas e que está a tentar encontrar local mais apropriado. O aspeto geral das instalações é mais coincidente com o aspeto das sucatas do que do comércio de peças para veículos. Durante a visita elaborou-se um termo de declarações, resumindo algumas das declarações prestadas.

(...)” [Cfr. páginas 11-12 do RIT – folhas 94-124 do SITAF]

4. Do ponto “III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas” cujo teor se dá qui por integralmente reproduzido, consta, além do mais, que:

“(...)

III.1 IRC

III.1.1 Relações com a sociedade P…, S.A.

Os registos contabilísticos do SP, e a respetiva documentação de suporte, evidenciam que durante os exercícios de 2013, 2014 e 2015 existiram relações com a sociedade P…., S.A., NIPC 50…., atualmente com sede na Avenida do A…, Edi Panoramic, Lote 1….., …° Piso, Esc …, Parque das Nações, Lisboa. A P…., S.A. consta nos registos contabilísticos do SP simultaneamente como cliente e fornecedora. Algumas das eventuais transações e correspondentes registos contabilísticos foram objeto de análise, conforme se passar a descrever.

O registo contabilístico com o identificador "2013-01-31 0008 000100055" foi efetuado com base na Fatura n.º 2/2013 emitida pela P…, S.A., NIPC 5…., cuja cópia consta no anexo I, e traduz o registo de um gasto na conta 6226313 (Cons.Rep.Terr.Ed.c/IVA Dedut. Tx Normal), no valor de € 11.307,50 (anexo II). Na referida fatura consta a aquisição de 236 m2 de "Ladrilho Mármore Extra serrado 60x40" e de 25 m2 de "Soleiras Moleanos Polido a 3 cm". Nada consta relativamente à forma como terá sido efetuado o transporte dos bens.

O registo contabilístico com o identificador "2013-01-31 0008 000100056" foi efetuado com base na Fatura n.º 3/2013 emitida pela P..., S.A., cuja cópia consta no anexo III, e traduz o registo de um gasto na conta 6261413 (Alug.Equipam.c/IVA Dedutível Tx normal), no valor de € 16.500,00 (anexo IV). Refere-se ao aluguer durante o primeiro trimestre de 2013, de um empilhador da marca HYUNDAI, modelo 30D-7E e ao aluguer de um camião grua, marca MAN, com a matrícula 81-94-IG.

O registo contabilístico com o identificador "2014-02-28 0008 000200042" foi efetuado com base na Fatura n.º 2014/13 emitida pela P..., S.A., cuja cópia consta no anexo V, e traduz o registo de um gasto na conta 626131 (Aluguer de Viaturas Cliva Ded.), no valor de € 21 .000,00 (anexo VI), de um gasto na conta 6261413 (Alug.Equipam.c/IVA Dedutível Tx normal), no valor de € 12.000,00 (anexo VII) e releva a aquisição de mercadorias, na conta 311113 (Mercadorias e/IVA Dedutivel Tx Normal) no valor de € 15.000,00 (anexo VIII). Refere-se ao aluguer durante o semestre de 2014, de um empilhador da marca HYUNDAI, modelo 30D-FE e ao aluguer de um camião grua, marca MAN, com a matrícula 81-94-IG. Regista ainda a aquisição de um empilhador da marca NISSAN, reparado, modelo FORKLIFT SD22 (€ 11 .500,00), e de um "Lote de ferramentas usadas composto por 312 peças" (€ 3.500,00).

Relativamente às transações tituladas pelas faturas identificadas, importa realçar:

 O SP registou gastos no valor de € 6.000,00 em 2013 (...), relativos ao aluguer de um empilhador HYUNDAI, durante 3 meses em 2013 (...). Em 2014 adquire, e regista como mercadoria, um empilhador NISSAN, pelo valor de € 11 .500,00. Do exposto resulta evidente falta de racionalidade económica, uma vez que o valor do aluguer durante apenas 6 meses, excede o valor de aquisição de um equipamento de características que aparentam ser semelhantes.

 (...)

 O imóvel onde o SP exerce atividade é arrendado (anexo XVI), suportando o SP uma renda mensal no valor de € 200,00. O imóvel foi inscrito na matriz predial em 2003 e tem o valor patrimonial tributário atual de € 98.957,55. Em deslocação ao local, no dia 3 de março de 2017, constatou-se que apenas o r/c do imóvel tem o pavimento em mármore sendo que as áreas do pavimento visíveis apresentam evidentes sinais de uso e desgaste, fazendo supor existência no local superior a quatro anos. O valor da fatura 2/2013 da P... (€ 11.307 ,50), mesmo sem ter em conta outros gastos a incorrer para a aplicação dos mármores, é significativo face ao valor do imóvel e ainda mais díspar quando se tem em conta o valor da renda mensal. Como anteriormente evidenciado, o SP registou este valor numa conta de gastos (6226313), não o fazendo numa conta de ativos que permita a sua depreciação conforme prevê a alínea d) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro (Regime das Depreciações e Amortizações).

 Consultando os extratos de conta corrente do fornecedor P..., S.A. (anexos IX, X e XI), constata-se que no ano 2013 não há registo de movimentos a débito, no ano 2014 a contabilidade do SP tem quatro movimentos a débito e no ano 2015, três movimentos:

 (...)

 (...)

 O movimento com o identificador "2014-07-31 0008 000700026'', registado contabilisticamente a débito na conta da P... pelo valor de€ 3.690,00 tem origem numa nota de crédito, emitida pela P..., e não tem correspondência com as faturas acima mencionadas.

 O movimento com o identificador "2014-09-30 0004 000900030", registado contabilisticamente a débito na conta da P... pelo valor de € 5.535,00, também não tem relação com as faturas em apreço.

 (...)

 O movimento com o identificador "2015-04-30 0013 000400048", registado contabilisticamente a débito na conta da P... pelo valor de € 5.009,44, consta com a descrição "N/N.L._ 48", suportada na Nota de Pagamento n.º 150048, emitida pelo SP e que consta no anexo XV. Na Nota de Pagamento o SP fez constar que o pagamento foi efetuado através de "Enc. Contas: recibo 150156".

 O movimento com o identificador "2015-04-30 0013 000400049", registado contabilisticamente a débito na conta da P... pelo valor de € 3. 107,26, consta com a descrição "N/N.L._49", suportada na Nota de Pagamento n.º 150049, emitida pelo SP e que consta no anexo XV. Na Nota de Pagamento o SP regista que o pagamento foi efetuado numerário.

 A generalidade dos cheques emitidos pelo SP, consta nos extratos emitidos pelo Banco Montepio com a descrição "CHQ. COMP. LISBOA XXXXXXXX", onde XXXXXXXX se refere ao número do cheque. No entanto, e como referido, os cheques que o SP supostamente utilizou para efetuar pagamentos à P..., constam dos extratos bancários com a descrição "DEBITO CHEQUE XXXXXXXX", onde XXXXXXXX se refere ao número do cheque. Esta descrição revela que os cheques não foram apresentados à Compensação através do sistema instituído pelo Banco de Portugal, ao contrário do que ocorre com os cheques emitidos para outros fornecedores do SP.

 Os registos contabilísticos do SP permitem afirmar que uma das faturas mais antigas emitida pela P... (fatura 3/2013, emitida em 21-1-2013) não mereceu qualquer pagamento por parte SP, até ao dia 31-12-2015. As outras duas faturas mereceram os pagamentos descritos, que ainda assim, não satisfazem totalmente os valores delas constantes.

A sociedade P... S.A. efetuou vários pedidos de reembolso de IVA. No âmbito da análise dos pedidos, consta em informação elaborada pela Direção de Finanças de Lisboa que: "surgiram dúvidas quanto à realização daquelas relações económicas, em virtude de não ter sido apresentada prova credível do pagamento efetuado por vários clientes, já que muitos daqueles pagamentos são efetuados por "encontro de contas"". Em conformidade foram propostas ações externas de inspeção que, pelos dados disponíveis, ainda decorrem.

As situações descritas consubstanciam fortes indícios de que as transações não ocorreram, porque não existiram ou pelo menos não existiram nos exatos termos que aparentam, pelo que os gastos registados não podem ser aceites no processo de determinação do Lucro Tributável, em sede de IRC, na medida em que não respeitam o estatuído no artigo 23.ºdo CIRC. Em conformidade propõem-se correções aos lucros tributáveis apurados pelo SP relativos aos exercícios de 2013 e 2014:

(...)” [Cfr. páginas 12-16 do RIT – folhas 94-124 do SITAF]

5. Do ponto “III.Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas” cujo teor se dá qui por integralmente reproduzido, consta, além do mais, que:

“(...)

III.1 IRC

(...)

III.1.2 Relações com a sociedade M... - Comércio de Rochas Ornamentais, S.A.

Durante os períodos em análise os registos contabilísticos do SP revelam a existência de movimentos relacionados com a sociedade M... - Comércio de Rochas Ornamentais, S.A., NIPC 50..., atualmente com sede na Urb C…, Rua B…, 18, Loja 3, Venteira, Amadora. Algumas das eventuais transações e correspondentes registos contabilísticos foram objeto de análise, conforme se passar a descrever.

O registo contabilístico com o identificador "2013-01-31 0008 000100057" foi efetuado com base na Fatura n.º 2/2013 emitida pela M... - Comércio de Rochas Ornamentais, S.A., NIPC 50..., cuja cópia consta no anexo XVII, e traduz o registo de um gasto na conta 6226313 (Cons.Rep.Terr.Ed.c/IVA Dedut. Tx Normal), no valor de€ 23.380,00 (anexo II). Na referida fatura consta a aquisição de 187 m de "Rodapé polido com 7 cm de altura", a "Aplicação de rodapé em mármore", a "Aplicação de soleiras em Moleanos", a "Vitrificação e aplicação de mármore 60x40" numa superfície de 201 m2 e a "Montagem de painéis em pedra de WC". Nada consta relativamente à forma como terá sido efetuado o transporte dos bens (rodapé polido).

Relativamente à transação titulada pela fatura identificada, importa realçar:

 Atendendo ao valor da fatura 2/2013 da P... (€ 11 .307,50), a que acrescem os gastos agora relatados (€ 23.380,00), conclui-se que o SP registou em 2013, € 34.687,50 relativos a gastos com a aplicação de mármore nas instalações arrendadas. Este valor representa 35% (€ 34.687,50 I € 98.957,55) do valor patrimonial tributário do imóvel, onde o SP exerce atividade, e pelo qual paga uma renda mensal de€ 200,00.

 O SP registou o valor constante da fatura identificada numa conta de gastos (622631 3), não o fazendo numa conta de ativos que permita a sua depreciação conforme prevê a alínea d) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro (Regime das Depreciações e Amortizações).

 Consultando os extratos de conta corrente do fornecedor M... - Comércio de Rochas Ornamentais, S.A., constata-se que nos anos 2013 e 2014 não há registo de movimentos a débito. No ano 2015 há 11 movimentos a débito (anexo XVIII) que correspondem a pagamentos efetuados pelo SP. Conclui-se que o SP durante os anos 2013 e 2014 não efetuou pagamentos à M... - Comércio de Rochas Ornamentais, S.A. Os registos mencionados, alicerçam-se em Notas de Pagamento emitidas pelo SP (anexo XIX), sem referência ao meio de pagamento utilizado. Estes registos contabilísticos relevam os pagamentos por contrapartida da conta 111 (Caixa) que é creditada pelo montante de cada pagamento. Os correspondentes recibos emitidos pela M... - Comércio de Rochas Ornamentais, S.A. (anexo XX), tem data de 2013, ou seja foram emitidos dois anos antes do pagamento efetuado pelo SP. Nos recibos constam como meio de pagamento "tpa", "atm" ou, noutros, nada costa.

Na sequência de um pedido de reembolso de IVA formulado pela M... - Comércio de Rochas Ornamentais, S.A., a análise realizada pela Direção de Finanças de Lisboa culminou com a elaboração de uma informação onde consta que "surgiram dúvidas na realização das referidas exportações, em virtude de não ter sido apresentada prova credível do pagamento efetuado pelos clientes. Os pagamentos são registados nas contas dos clientes com base em talões de depósitos efetuados em numerário, pelo gerente da empresa. Sr. M…". Em conformidade foram propostas ações externas de inspeção que, pelos dados disponíveis, ainda decorrem.

Os factos descritos consubstanciam fortes indícios de que as transações não ocorreram, ou pelo menos não ocorreram nos exatos termos que aparentam, pelo que os gastos registados não podem ser aceites no processo de determinação do Lucro Tributável, em sede de IRC, na medida em que não respeitam o estatuído no artigo 23. 0 do CIRC. Em conformidade propõem-se correções aos lucros tributáveis apurados pelo SP relativos aos exercícios de 2013 e 2014:

Gastos registados com base em documentos emitidos pela M... - Comércio de Rochas Ornamentais, S.A.


(Imagem, original nos autos)

(...)” [Cfr. páginas 16-18 do RIT – folhas 94-124 do SITAF]

6. Do ponto “IX Direito de audição - fundamentação” do RIT, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, consta além do mais que:

“(...)

• Obras no edifício

(...)

O SP refere no ponto 24.º a existência de autos de medição demonstrativos da realização das obras, sendo certo que deles não junta cópia. Refere que a realização das obras no local "e sendo nele visíveis é reconhecido pelo Inspetor" não refutando que o pavimento evidencia sinais de uso por período superior a quatro anos, conforme explanado no ponto III.1.1 do presente relatório. No ponto 34.º a requerente requer uma avaliação do valor de mercado do imóvel, bem como do seu potencial valor de renda mensal, o que segundo o SP levaria à conclusão que as obras teriam justificação económica. Não se compreende este argumento, na medida em que o que se coloca em crise é a efetiva realização da obra e não as eventuais motivações. Releva-se que na fatura n.º 2/2013, emitida pela M..., constam € 2.875,00 relativos à montagem de painéis em pedra de WC, o que representa um valor superior ao valor pago a título de renda durante um ano. Relativamente ao aludido, as correções propostas e que constam dos pontos III.1.1 e III.1.2 do presente documento alicerçam-se na aparência geral do pavimento existente, na ausência de menção ao transporte dos bens aplicados, no facto de o SP não ter registado o gasto numa conta de ativos que permita a sua depreciação (considerando para efeitos fiscais gastos que não se esgotam num só período/ano, antes assumindo as características de ativo fixo tangível devendo merecer o tratamento inerente e prescrito no Decreto Regulamentar n.25/2009 de 14/09 atualizado pelo Decreto Regulamentar n.º 4/2015 de 22/04, confluindo na correção por empolamento de gastos não aceites fiscalmente) e no suposto pagamento recorrendo a cheque que não é apresentado na câmara de compensação e é debitado na conta bancária do SP na mesma data em que ocorre um depósito em numerário de igual montante, sendo ainda que as notas de pagamento à M..., elaboradas pelo SP suportam registos contabilísticos relativos ao ano 2015 onde é debitada a conta caixa, sendo manifesta a discrepância entre as datas. Estas circunstâncias constituem indícios suficientes de que os bens e serviços titulados pelas referidas faturas não foram efetivamente prestados, não tendo o SP apresentado prova que permita afastar os indícios recolhidos, pelo que se mantêm a proposta de correções.

(...)” [Cfr. páginas 36-38 do RIT – folhas 127-146 do SITAF]

• Faturas 3/2013 e 1312014 da P...

(...)

Relativamente aos negócios titulados pelas faturas identificadas a requerente afirma que os alugueres foram realizados por "opções de negócio que num determinado momento faziam sentido". Esta justificação para a evidente falta de racionalidade económica do aluguer não pode merecer acolhimento pois poderia o SP adquirir equipamentos semelhantes aos alugados por valores de magnitude semelhante ao valor pago pelo aluguer, pelo que a aquisição seria sempre mais racional (na fatura FA 2014/13 emitida pela P... consta o aluguer de um empilhador por seis a um custo de€ 12.000,00 e a aquisição de um empilhador por € 11 .500,00). Também não justifica o tratamento contabilístico dado ao empilhador adquirido, que não consta nos registos de venda nem nos inventários fornecidos.

Face ao exposto, subsistem indicies suficientes de que os bens titulados pelas referidas faturas não foram efetivamente adquiridos, não tendo o SP apresentado prova que permita afastar os indícios recolhidos, pelo que se mantêm a proposta de correções.

(...)” [Cfr. páginas 38-39 do RIT – folhas 127-146 do SITAF]

• Pagamentos às sociedades M... e P...

(...)

A requerente começa por referir que a forma de pagamento foi "um dos critérios usados para se promover a desconsideração das faturas" emitidas pelas M... e pela P..., admitindo a existência de divergências entre os documentos emitidos por aquelas sociedades e os documentos produzidos pelo SP. Alegar que as emitentes são unânimes "no facto de nada lhes ser devido pela REQUERENTE" corresponde a um comportamento expectável em situações como as que se detetaram.

Dar cumprimento ao solicitado pelo SP e oficiar junto daquelas sociedades (ponto 49.º) para que juntem comprovativos dos valores recebidos nada acrescentaria porquanto na contabilidade do SP já constam documentos por elas produzidos (anexos XIV e XX) e seguramente não iriam aquelas acarretar elementos contraditórios. Digno de nota o facto de, nesta data, a sede do SP e da P... se situarem no mesmo edifício. A realidade patente nos registos e suportes contabilísticos do SP é que um suposto fornecedor emite documentos de quitação em 2013, fazendo deles constar como meio de recebimento "TPA" ou "ATM", relativos a pagamentos que o SP apenas releva em 2015 (dois anos depois), por contrapartida da conta caixa, justificando que apenas em 2015 verificou que não se encontravam registados apesar de totalizarem € 28.757,40, o que dada a magnitude se estranha. A ser como o alega o SP teriam sido detetados os movimentos financeiros que ele diz terem ocorrido, e deles não junta prova. Em momento algum o SP justifica a falta de apresentação de cheques emitidos à câmara de compensação do Banco de Portugal, não justifica os depósitos efetuados em numerário nas datas em que os cheques terão sido levantados, não apresenta justificação credível para as discrepâncias entre as datas constantes dos documentos, e tão pouco apresenta justificação para os pagamentos supostamente efetuados em numerário, registados por crédito da conta caixa, sendo que nestes casos os supostos fornecedores emitem documentos de quitação fazendo constar que o pagamento foi efetuado por outros meios. Se é certo que a falta de pagamento de uma determinada fatura não indicia a sua falsidade, é também certo que não foram detetadas situações semelhantes para as relações com outros fornecedores além dos evidenciados no projeto de relatório notificado ao SP.

Face ao exposto, conclui-se que o SP não apresentou prova que permita afastar os indicias recolhidos, pelo que se mantêm a proposta de correções.

(...)” [Cfr. páginas 40-45 do RIT – folhas 127-146 do SITAF]

7. Em 25/01/2012, a Impugnante tomou de arrendamento o Prédio Misto correspondente a um Pavilhão de cave e R/C destinado a comércio e logradouro sito na E.N. n.° 1/IC2, Pedreiras 2…. Porto de Mós, freguesia de Pedreiras, concelho de Porto de Mós, descrito na Conservatória do Registo Predial de Porto de Mós com o n.º …../19930702 e, inscrito na matriz predial urbana, n.º …. e com a licença de utilização n.º …/2000, pela Câmara Municipal Porto de Mós, tendo sido acordado valor de renda de 200,00 €. [Cfr. páginas 108-109 do RIT – folhas 191-213 do SITAF]

8. Em data anterior a 06/03/2013, a Impugnante colocou chão em pedra mármore e soleiras no imóvel referido no ponto anterior. [Cfr. explanado na motivação]

9. No primeiro trimestre de 2013, a Impugnante alugou um empilhador e um camião grua. [Cfr. explanado na motivação]

10. Da «N/Pagamento [A] Nº 150048» emitida pela Impugnante, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, consta além do mais que:

“(...)


(Imagem, original nos autos)

(...)” *Cfr. páginas 105 do RIT – folhas 191-213 do SITAF]

11. Do «Encontro de contas n.º 09/2014» emitido pela P..., S.A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, consta além do mais que:

“(...)


(Imagem, original nos autos)

(...)” *Cfr. documento 7 - folhas 547-563 do SITAF]

12. Da «N/Pagamento [A] Nº 150049» emitida pela Impugnante, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, consta além do mais que:

“(...)


(Imagem, original nos autos)

(...)

(...)” Cfr. páginas 106 do RIT – folhas 191-213 do SITAF]

13. Do «Recebimento n.º 6/2013» emitido pela P..., S.A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, consta além do mais que:


14. (Imagem, original nos autos)

(...)” *Cfr. documento 7 - folhas 547-563 do SITAF]


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

a) A Impugnante adquiriu os materiais nas quantidades e pelos valores constantes da fatura n.º 2/2013 emitida pela sociedade P..., S.A..
b) A Impugnante alugou os equipamentos referidos e pelos valores constantes da fatura n.º 3/2013 emitida pela sociedade P..., S.A..
c) A Impugnante adquiriu os serviços e materiais nas quantidades e pelos valores constantes da fatura n.º 2/2013 emitida pela sociedade M... – Comércio de Rochas Ornamentais, S.A.


E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se:

«Em cumprimento do artigo 123.º, n.º 3, 2.ª parte do CPPT, conjugado com o artigo 607.º, n.º 4 do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e) e 110.º, n.º 7 do CPPT, os factos que foram julgados provados resultaram do exame crítico dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, cujo teor não foi impugnado, nos termos expressamente referidos no final de cada facto, sopesando a posição veiculada pelas Partes nos respetivos articulados.

Para a convicção do tribunal, quanto ao facto indicado sob o ponto 8. do probatório, contribuiu o teor do documento «Compromisso de aceitação de obras», junto pela Impugnante e constante de folhas 36 do SITAF, sem que tenham sido considerados os valores e afirmações constantes dos respetivos anexos, uma vez que não vinculam o Senhorio, ali declarante, admitindo-se, à luz da experiência, que o Senhorio, perante a verificação da benfeitoria a aceitaria, acresce que o orçamento junto é apenas relativo à alegada colocação do chão, não tendo sido feita qualquer referência aos custos com a alegada aquisição do mármore, circunstância que não abona a favor da tese da Impugnante, já que, sendo um contraponto pelo valor da renda, conforme depoimento do Senhor M…, a inquilina teria interesse em demonstrar ao Senhorio e consignar junto deste o montante efetivo da benfeitoria. Na omissão, poder-se-ia concluir que o montante do alegado “(...) contraponto (...)” *Cfr. depoimento de Marco Paulo Cordeiro da Silva] se aproxima do referido naqueles anexos. Porém, a Impugnante dispensou ouvir a testemunha a apresentar, J…, Senhorio, que na data da audição não se encontrava presente.

Também o teor da reportagem fotográfica junta aos autos como documento 5 (prova documental que não foi impugnada) [Cfr. folhas 496-507 do SITAF] contribuiu para a formação da convicção do tribunal.

Os depoimentos das testemunhas M…, empresário, que, à data dos factos, era sócio gerente da Impugnante e interveniente na celebração dos contratos em apreço e P…, Técnico de Minas, que, à data dos factos, era sócio gerente das sociedades M... – Comércio de Rochas Ornamentais, S.A. e P..., S.A., que também interveio na celebração dos negócios entre a Impugnante e as referidas sociedades, como representante destas, ambos com conhecimento direto dos factos, foram apreciados e valorados.

Assim, e pese embora o interesse que ambos apresentam na presente lide, até porque quanto aos mesmos factos correm inquéritos criminais [Cfr. folhas 70-83 do SITAF], importa esclarecer que os depoimentos em apreço foram na generalidade prestados de forma coerente, fluída, espontânea e com encadeamento lógico de ideias e raciocínio, num relato que se afigurou verosímil e consentâneo com a realidade. Porém, tais depoimentos podendo ser valorados quanto à racional subjacente à necessidade, adequação dos atos materiais e equipamentos subjacentes aos negócios em apreço, não o podem ser quanto aos montantes, quantidades e valores escriturados e declarados, nem tampouco quanto à racionalidade alegada e carreada para os autos quanto às formas, prazos e meios de pagamento e regularização contabilística.

Na verdade, observa-se um depoimento mais expansivo e aberto quanto à racional dos negócios, que contrasta com um teor mais difuso quanto aos pagamentos, limitando-se a testemunha M…a afirmar, com um contraste lacónico em relação a todo o depoimento, que efetuou os pagamentos a título pessoal, argumentando que a sociedade não possuía, à data, a disponibilidade financeira necessária por ser “jovem”.

Em esclarecimento à Representante da Fazenda Pública, desconfortável com o que entendeu ser uma redundância sobre o já explanado, reiterou que apenas posteriormente verificou e procedeu à regularização dos pagamentos, que julgava regularizados, mas que afinal não estavam, e acrescentou que tal se ficou a dever ao facto de, ao mudarem de software de contabilidade houve saldos que não transitaram, afirmando que pensou que só na sua contabilidade existiriam estas omissões de registo, julgando ter enviado os documentos de pagamento para a contabilidade, porém quando verificou que a situação não estava regularizada no software da contabilista e a conta de fornecedor se encontrava em aberto, procedeu a esse lançamento com os documentos que pediu às entidades a quem efetuou os pagamentos para comprovar/documentar tais pagamentos e assim regularizar a situação junto da contabilidade, algo que contrasta com o relato lapidar e lacónico constante da audiência prévia em sede de RIT [Cfr. artigo 61.º da AP constante de folhas 43-44 do RIT – folhas 127-146 do SITAF].

Também quanto aos pagamentos, o depoimento de Paulo Jorge da Silva Germano se revela comparativamente lacónico e difuso, suportando-se nos documentos que lhe foram apresentados, afirmando, porém, que, em regra, não há pagamentos em numerário, sem desconsiderar essa possibilidade, e que o pagamento por ATM é um meio com vantagens para si enquanto fornecedor, uma vez que o dinheiro fica logo disponível na conta, asseverando que é sua a assinatura que consta das declarações juntas como documentos 6 e 7 [Cfr. folhas 508-546 do SITAF] e que não há dívidas às sociedades ali indicadas.

Quanto ao depoimento de P…, importa sublinhar a titubeante indicação do tipo de mármore “ruivina”, repetindo-se como que convencendo-se, bem como o denotar, com surpresa e aparente incredulidade, a inexistência nas faturas de qualquer indicação da matrícula da viatura que havia feito os respetivos transportes.

Em face do que antecede, os referidos depoimentos contribuíram de forma indelével para a formação da convicção do tribunal no sentido de dar como provados os factos indicados sob os pontos 8. e 9. do probatório.

Por outro lado, os mesmos depoimentos não lograram demonstrar os factos constantes dos pontos B. a), B. b) e B. c) do probatório, que assim se consideram como não provados e que vinham alegados pela Impugnante e cuja prova lhe competia.

Acresce, que do cotejo entre os documentos agora juntos como documentos 6 e 7 [Cfr. folhas 508-546 do SITAF], não impugnados, com aqueles já constantes do anexo XV ao RIT, também não impugnados, designadamente a «N/Pagamento [A] Nº 150048» não se encontra correspondência com nenhum dos recibos emitidos pela P..., S.A., nem com nenhum dos alegados pagamentos. Nem tampouco se encontra qualquer recibo do alegado pagamento em numerário no valor constante da «N/Pagamento [A] Nº 150049» , sendo certo que o recibo n.º 6/2013 corresponde a um pagamento por TPA/ATM nesse mesmo valor, porém, com um saldo de documento diferente.

De referir ainda, quanto à «N/Pagamento [A] Nº 150048» que o valor nela indicado corresponde ao montante total do somatório do recibo n.º 9/2014 emitido pela P..., S.A. e agora junto como documento 7 [Cfr. folhas 508-546 do SITAF], porém este é relativo às faturas n.os 13/2014 e 3/2013.

Situação que a Impugnante não esclareceu, limitando-se a desenvolver a sua narrativa na forma mais lógica que entendeu, não cuidando de justificar estas incoerências nos seus registos.

Ora, em termos de repartição de ónus da prova, no que a operações simuladas respeita, encontra-se estabilizado o entendimento segundo o qual uma vez afastada a presunção de veracidade das declarações de que o contribuinte beneficia, é a ele que cabe provar, para além de qualquer dúvida, que as operações em crise efetivamente tiveram lugar, sendo esta factualidade que passa a ser assim alegada por si.

Ora, sendo estes factos alegados pela Impugnante e não tendo esta logrado fazer a prova que sobre si impendia, na dúvida, i.e., perante a ausência de uma certeza e cabal afastamento de incongruências e incoerências, devem os factos alegados ser julgados contra si. [Cfr. artigo 414.º, do CPC]

À restante matéria alegada não se respondeu, uma vez que a mesma não reveste qualquer interesse para a decisão a proferir ou constitui matéria conclusiva ou de direito.»



II.2 Do Direito

A Impugnante e ora Recorrente, impugnou judicialmente as liquidações adicionais de IRC e de juros compensatórios respeitantes ao exercício do ano de 2013.

As liquidações impugnadas têm origem no relatório dos Serviços de Inspeção Tributária, elaborado na sequência de procedimento inspetivo, que desconsiderou, para efeitos de apuramento do lucro tributável, como custo ou gasto as faturas emitidas por M... e P... a favor da ora Recorrente, e corrigiu a matéria coletável declarada pelo sujeito passivo.

Em causa estão, pois, as faturas contabilizadas pela Impugnante e ora Recorrente, e que a ora Recorrida, em ação inspetiva, considerou não dedutíveis, por não corresponderem a efetivas operações de fornecimento de bens e prestação de serviços.

E a sentença recorrida não lhe deu razão, entendendo que a Impugnante não fez prova da efetividade das operações subjacentes à emissão das faturas desconsideradas.

É contra este entendimento vertido na sentença que vem interposto o presente recurso, alegando a Recorrente que houve erro na apreciação da prova produzida, defendendo que a Autoridade Tributária e Aduaneira não comprovou que as faturas desconsideradas não correspondiam a operações reais e ter efetuado a contraprova que lhe competia no sentido de as faturas desconsideradas corresponderem a fornecimento de bens e serviços efetivamente prestados.

Alega, pois, em suma, a ora Recorrente, que a sentença recorrida, que julgou improcedente a impugnação judicial, incorreu em erro de julgamento na seleção e apreciação da matéria de facto, aduzindo argumentos que não constavam da fundamentação contemporânea do ato de liquidação.

Defende a ora Recorrente nas conclusões O), P), Q), R), S) e T) das alegações de recurso, que a sentença deve ser anulada por na decisão ter feito apelo a «fundamentos» e que não foram questionadas pela Autoridade Tributária no relatório da inspeção (RIT), numa «clara» violação do Princípio da Separação de Poderes.

Vejamos, então, se se verifica o alegado erro de julgamento na apreciação dos factos e na aplicação do direito, ou seja, se a sentença errou ao julgar improcedente a impugnação.

A contabilidade dos sujeitos passivos e, logo a da Impugnante, ora Recorrente, desde que se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, goza da presunção de veracidade.

Com efeito, nos termos do artigo 75º da Lei Geral Tributária (LGT), na redação anterior à introduzida pela Lei nº 80-C/2013, de 31 de dezembro:

1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;
(…)

Em primeira linha, cabe pois à Autoridade Tributária e Aduaneira ilidir a presunção de veracidade de que goza a contabilidade da Impugnante e ora Recorrente, reunindo para o efeito indícios suficientes que deve levar à motivação do ato.

Assim, quando a Administração Tributária desconsidera faturas por considerar fictícias as operações que elas titulam, são aplicáveis ao caso as regras do ónus da prova constantes do artigo 74º da LGT, nos termos do qual o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

Tal como alega a Recorrente, recai sobre a Administração Fiscal fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transação.

Todavia, citando o decidido no recente acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 2022.09.29, com o qual concordamos e que a relatora subscreveu na qualidade de 1ª adjunta, é entendimento jurisprudencial pacífico e uniforme que a Autoridade Tributária e Aduaneira não tem de provar, em sede de ação inspetiva, a efetiva simulação nos termos constantes do artigo 240.º do Código Civil. É assim bastante a demonstração da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais(1). Assim, reunidos e demonstrados que estejam tais indícios, cessa a presunção de veracidade prevista no artigo 75.º da LGT, competindo ao sujeito passivo alegar e provar a efetividade das operações.

Como ensina Castro Mendes, citado por Saldanha Sanches (2), os indícios são os factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência" (3)
Os indícios devem ser analisados de forma contextualizada e articulada entre si, nunca de forma isolada ou atomística.

Vejamos, então se a Autoridade Tributária e Aduaneira reuniu indícios sérios de se estar perante faturação fictícia.

Vejamos o decidido na sentença recorrida no segmento que aqui interessa:

«Como vimos em causa nos presentes autos estão duas faturas – n.os 2/2013 e 3/2013 –emitidas pela sociedade P..., S.A. [Cfr. ponto 4. do probatório] e uma fatura – n.º 2/2013 – emitida pela sociedade M... – Comércio de Rochas Ornamentais, S.A. [Cfr. ponto 5. do probatório].
Atente-se que a presente ação de inspeção não é alheia à situação particular das sociedades P..., S.A. e M... – Comércio de Rochas Ornamentais, S.A., relativamente às quais “[n]o âmbito da análise dos pedidos [de reembolso de IVA], consta em informação elaborada pela Direção de Finanças de Lisboa que: "surgiram dúvidas quanto à realização daquelas relações económicas em virtude de não ter sido apresentada prova credível do pagamento efetuado por vários clientes, já que muitos daqueles pagamentos são efetuados por "encontro de contas"".”, no caso da primeira; e “[n]o âmbito da análise dos pedidos [de reembolso de IVA], consta em informação elaborada pela Direção de Finanças de Lisboa que: "surgiram dúvidas quanto à realização das referidas exportações em virtude de não ter sido apresentada prova credível do pagamento efetuado pelos clientes. Os pagamentos são registados nas contas dos clientes com base em talões de depósitos efetuados em numerário, pelo gerente da empresa. Sr. M...".”, no caso da segunda; sendo este um dos fundamentos que vem aduzido no RIT para a desconsideração das faturas em apreço.
As faturas n.º 2/2013 emitida pela sociedade P..., S.A. e n.º 2/2013 emitida pela sociedade M... – Comércio de Rochas Ornamentais, S.A., respeitam respetivamente “(...) a aquisição de 236 m2 de "Ladrilho Mármore Extra serrado 60x40" e de 25 m2 de "Soleiras Moleanos Polido a 3 cm" (...)” e “(...) a aquisição de 187 m de "Rodapé polido com 7 cm de altura", a "Aplicação de rodapé em mármore", a "Aplicação de soleiras em Moleanos", a "Vitrificação e aplicação de mármore 60x40" numa superfície de 201 m2 e a "Montagem de painéis em pedra de WC". (...)”.
As referidas faturas são relativas à realização da obra no imóvel tomado de arrendamento pela Impugnante [Cfr. ponto 7. e 8. do probatório], pelo que os vícios que nesta parte vêm imputados ao ato impugnado devem ser analisados em conjunto.
Ora, a Autoridade Tributária decidiu desconsiderar a fatura n.º 2/2013 emitida pela sociedade P..., S.A. com os seguintes fundamentos:
“(...)
O imóvel onde o SP exerce atividade é arrendado (anexo XVI), suportando o SP uma renda mensal no valor de € 200,00. O imóvel foi inscrito na matriz predial em 2003 e tem o valor patrimonial tributário atual de € 98.957,55. Em deslocação ao local, no dia 3 de março de 2017, constatou-se que apenas o r/c do imóvel tem o pavimento em mármore sendo que as áreas do pavimento visíveis apresentam evidentes sinais de uso e desgaste, fazendo supor existência no local superior a quatro anos. O valor da fatura 2/201 3 da P... (€ 11.307 ,50), mesmo sem ter em conta outros gastos a incorrer para a aplicação dos mármores, é significativo face ao valor do imóvel e ainda mais díspar quando se tem em conta o valor da renda mensal. Como anteriormente evidenciado, o SP registou este valor numa conta de gastos (6226313), não o fazendo numa conta de ativos que permita a sua depreciação conforme prevê a alínea d) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro (Regime das Depreciações e Amortizações).
(...)
O movimento com o identificador "2015-04-30 0013 000400048", registado contabilisticamente a débito na conta da P... pelo valor de € 5.009,44, consta com a descrição "N/N.L._48", suportada na Nota de Pagamento n.º 150048, emitida pelo SP e que consta no anexo XV. Na Nota de Pagamento o SP fez constar que o pagamento foi efetuado através de "Enc. Contas: recibo 150156".
O movimento com o identificador "2015-04-30 0013 000400049", registado contabilisticamente a débito na conta da P... pelo valor de € 3. 107,26, consta com a descrição "N/N.L._49", suportada na Nota de Pagamento n.º 150049, emitida pelo SP e que consta no anexo XV. Na Nota de Pagamento o SP regista que o pagamento foi efetuado numerário.
(...)” *Cfr. ponto 4. do probatório]
Por sua vez a fatura n.º 2/2013 emitida pela sociedade M... – Comércio de Rochas Ornamentais, S.A. sido desconsiderada com os seguintes fundamentos:
“(...)
• Atendendo ao valor da fatura 2/2013 da P... (€ 11.307,50), a que acrescem os gastos agora relatados (€ 23.380,00), conclui-se que o SP registou em 2013, € 34.687,50 relativos a gastos com a aplicação de mármore nas instalações arrendadas. Este valor representa 35% (€ 34.687,50 I € 98.957,55) do valor patrimonial tributário do imóvel, onde o SP exerce atividade, e pelo qual paga uma renda mensal de € 200,00.
• O SP registou o valor constante da fatura identificada numa conta de gastos (6226313), não o fazendo numa conta de ativos que permita a sua depreciação conforme prevê a alínea d) do n.º 2 do artigo 5. do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro (Regime das Depreciações e Amortizações).
• Consultando os extratos de conta corrente do fornecedor M... - Comércio de Rochas Ornamentais, S.A., constata-se que nos anos 2013 e 2014 não há registo de movimentos a débito. No ano 2015 há 11 movimentos a débito (anexo XVIII) que correspondem a pagamentos efetuados pelo SP. Conclui-se que o SP durante os anos 2013 e 2014 não efetuou pagamentos à M... - Comércio de Rochas Ornamentais, S.A. Os registos mencionados, alicerçam-se em Notas de Pagamento emitidas pelo SP (anexo XIX), sem referência ao meio de pagamento utilizado. Estes registos contabilísticos relevam os pagamentos por contrapartida da conta 111 (Caixa) que é creditada pelo montante de cada pagamento. Os correspondentes recibos emitidos pela M... - Comércio de Rochas Ornamentais, S.A. (anexo XX), tem data de 2013, ou seja foram emitidos dois anos antes do pagamento efetuado pelo SP. Nos recibos constam como meio de pagamento "tpa", "atm" ou, noutros, nada costa.
(...)” *Cfr. ponto 5. do probatório]
Atento os fundamentos expendidos, entendeu a Autoridade Tributária que se encontravam reunidos os pressupostos para se terem por verificados “(...) fortes indícios de que as transações não ocorreram, ou pelo menos não ocorreram nos exatos termos que aparentam (...)” e, nesta sequência, propor correções aos lucros tributáveis apurados pelo SP relativos ao exercício de 2013.
Apreciando os invocados fundamentos cumpre referir que, quando individualmente considerados, nenhum destes indícios de per si, seria suficiente para colocar em causa as declarações da Impugnante, porém, quando apreciados no seu conjunto, as inconsistências ao nível dos pagamentos e respetivos registos adquirem uma consistência e seriedade, porque transversais, da qual emana uma forte probabilidade de que as faturas em crise não traduzem as operações económicas que titulam.
Na verdade, estes indícios acentuam-se em relação à fatura n.º 2/2013 emitida pela P..., S.A., uma vez que não existe uma aproximação à efetiva comprovação da regularização daqueles alegados pagamentos, ao contrário do que se verifica quanto à fatura n.º 3/2013 emitida pela M... – Comércio de Rochas Ornamentais, S.A..
No entanto, esta última, acaba por se colocada em causa e desconsiderada, porque relativa à mesma alegada intervenção na instalação, ignorando inicialmente o RIT indagar quanto à racional subjacente à regularização, referindo apenas pagamentos em 2015, tecendo considerações de racional económica percentuais forçando a conclusão que assim parece surgir pré-determinada e não uma decorrência da ação inspetiva.
Já após a fase de audiência prévia, no RIT a Autoridade Tributária esclarece que os lapsos na escrituração de tais montantes teriam que ter sido detetados em momento anterior, não tendo a Impugnante esclarecido o porquê do indevido registo.
Por se entender assim, concluiu-se que a argumentação da Autoridade Tributária e os indícios por si carreados são suficientes para colocar em causa quer a fatura n.º 2/2013 emitida pela P..., S.A., quer a fatura n.º 3/2013 emitida pela M... – Comércio de Rochas Ornamentais, S.A..
Destarte, encontrando-se preenchidos os pressupostos para que sejam colocadas em causa as declarações da impugnante, passa a ser seu exclusivo ónus comprovar, sem margem para qualquer dúvida, que foram efetivamente realizadas as operações económicas tituladas pela fatura n.º 2/2013 emitida pela P..., S.A. e pela fatura n.º 2/2013 emitida pela M... – Comércio de Rochas Ornamentais, S.A., circunstanciando as respetivas condições de tempo, modo e lugar, designadamente quanto à forma e tipologia dos pagamentos e quantidades.
Porém, a Impugnante, não obstante, ter logrado criar a convicção ao tribunal de que a intervenção no imóvel arrendado efetivamente ocorreu [Cfr. ponto 8. do probatório], não logrou fazer essa prova quanto às quantidades e montantes constantes das faturas, [Cfr. pontos B. a) B. c) do probatório], pelo que não o tendo feito, bem andou a Autoridade Tributária em desconsiderar estas faturas e em consequência determinar as respetivas correções, não padecendo assim o ato impugnado de vício de violação de lei por erro sobre os respetivos pressupostos.
Termos em que improcede o alegado vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos, devendo a Entidade Impugnada ser absolvida do pedido quanto a este vício.
A fatura n.º 3/2013 emitida pela P..., S.A. respeita ao “(...) aluguer durante o primeiro trimestre de 2013, de um empilhador da marca HYUNDAI, modelo 30D-7E e ao aluguer de um camião grua, marca MAN, com a matrícula 81-94-IG.”
A Autoridade Tributária decidiu desconsiderar a referida fatura com os seguintes fundamentos:
“(...)
 SP registou gastos no valor de € 6.000,00 em 2013 (...), relativos ao aluguer de um empilhador HYUNDAI, durante 3 meses em 2013 (...). Em 2014 adquire, e regista como mercadoria, um empilhador NISSAN, pelo valor de € 11 .500,00. Do exposto resulta evidente falta de racionalidade económica, uma vez que o valor do aluguer durante apenas 6 meses, excede o valor de aquisição de um equipamento de características que aparentam ser semelhantes.
 Os registos contabilísticos do SP permitem afirmar que uma das faturas mais antigas emitida pela P... (fatura 3/2013, emitida em 21-1-2013) não mereceu qualquer pagamento por parte SP, até ao dia 31-12-2015. As outras duas faturas mereceram os pagamentos descritos, que ainda assim, não satisfazem totalmente os valores delas constantes.
(...)” Cfr. ponto 4. do probatório]
Atento os fundamentos expendidos, entendeu a Autoridade Tributária que se encontravam reunidos os pressupostos para se terem por verificados “(...) fortes indícios de que as transações não ocorreram, ou pelo menos não ocorreram nos exatos termos que aparentam (...)” e, nesta sequência, propor correções aos lucros tributáveis apurados pelo SP relativos ao exercício de 2013.
Apreciando os invocados fundamentos e recuperando tudo o que acima já se disse, conclui-se que arguir a “(...) a falta de racionalidade económica (...)” não constitui indício suficientemente forte para que se possa afirmar estarmos perante uma operação simulada ou cuja real operação económica não corresponda ao titulado pela fatura.
Porém, o outro argumento, ou seja, a inexistência na contabilidade de registo que permita aquilatar dos pagamentos a ela relativos antes de 31/12/2015, conjugado com a defesa em bloco vertida pela Impugnante em sede de audiência prévia quanto à totalidade das faturas relativas à P..., S.A., i.e., contribuindo a Impugnante para contaminar a possibilidade de regularização, justificação e comprovação individualizada da operação económica titulada por esta fatura, com as inconsistências e irregularidades das restantes operações, outra alternativa não poderia ter a Autoridade Tributária que não a de desconsiderar esta fatura e em consequência determinar as respetivas correções, mostrando-se acertado o seu juízo de subsunção ao facto índice.
(…)


Desde já adiantaremos que não podemos sufragar inteiramente o decidido na sentença relativamente à demonstração da existência de indícios sérios e suficientes para afastarem a presunção de veracidade de que goza a contabilidade da Impugnante e ora Recorrente, e legitimarem a desconsideração dos custos titulados pelas faturas em causa e que concorreram para a determinação do lucro tributável.

Os indícios recolhidos pelos Serviços de Inspeção Tributária e elencados no relatório, relativamente ao emitente das faturas P..., no que respeita à fatura nº 2/2013, respeitam essencialmente à escolha do material para pavimentar o rés-do-chão da loja e escadas de acesso à oficina (mármore), ao elevado valor despendido no mesmo, ao estado degradado do chão aquando da visita da inspeção tributária e à forma como foram contabilizados os gastos e ao pagamento faseado das obras. Relativamente à fatura nº 3/2013, o principal argumento é o da falta de racionalidade económica da opção pelo aluguer da máquina.

Relativamente ao fornecedor M... – Comércio de Rochas Ornamentais, SA, e à fatura nº 2/2013, a não inclusão na fatura da menção ao meio de transporte dos materiais utilizados e a que o pagamento da fatura foi contabilizado mais de dois anos após a emissão desta.

Nenhum destes argumentos, porque opinativos, e de crítica a opções de gestão da sociedade tem a virtualidade de afastar a presunção de veracidade de que goza a contabilidade da Impugnante.

Quanto ao fornecedor P... o argumento mais forte respeita ao pagamento ter sido efetuado por meio de cheque que não é apresentado na câmara de compensação e é debitado na conta bancária do SP na mesma data em que ocorre um depósito em numerário de igual montante.

Dos índices elencados pela Autoridade Tributária e Aduaneira no relatório apenas este tem realmente a potencialidade de colocar em causa a veracidade da transação efetuada, mas é apenas um indício que, como referimos supra, tem de ser contextualizado não devendo ser considerado de forma isolada ou atomística.

Anote-se que, na senda do decidido no recente Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, no processo nº 219/18.8BELRS, da mesma Impugnante e ora Recorrente, que incidiu sobre as liquidações de IRC dos anos de 2014 e 2015, com base no mesmo relatório de inspeção, foi verificado, através da análise aos movimentos constantes dos extratos bancários, um erro de análise.

Com efeito, do supra citado acórdão, também citado no recente acórdão de 1 de junho de 2023, proferido no processo nº 179/18.5BELRS (disponível em www.dgsi.pt), das mesmas partes mas em que era impugnada a liquidação de IVA dos mesmos anos e que resultou da mesma ação inspetiva, transcreve-se:
(…)
«No respeitante ao débito do cheque n.º 65447959, no valor de €35.000,00, emitido em nome do fornecedor P..., SA, seguido de um influxo, em numerário, de semelhante valor, mediante depósito na conta bancária da Recorrida -e que permitiria, alegadamente, indiciar a inexistência de qualquer pagamento- padece de um erro base na sua análise.
Com efeito, analisando o extrato bancário que atesta os aludidos movimentos-integrantes dos Anexos XII e XIII, ao Relatório de Inspeção Tributária evidenciado em 16-, verifica-se que a descrição financeira não tem respaldo no teor do mesmo, na medida em que inexiste uma saída de dinheiro de €35.000,00, seguida de uma entrada, em numerário, no mesmo valor, verificando-se, justamente, o inverso, ou seja, existe uma entrada de €35.000,00, seguida de um pagamento a um fornecedor.
Note-se, ademais, que não é sindicada a existência da visada entrada e os motivos a ele subjacentes, mas, tão-só, as prognoses dimanantes desses movimentos, não relevando, portanto, o aduzido em IX), porquanto, como é bom de ver, o que subjaz é, desde logo, um erro interpretativo com influência notória na conclusão retirada. // E por assim ser, tal errónea interpretação dos movimentos financeiros faz claudicar a simulação apontada pela AT, estando, ademais, a proveniência e necessidade dessa entrada contemplada no probatório.
No mesmo sentido, apontam as demais situações retratadas pela AT no seu Relatório de Inspeção Tributária, ou seja, mediante consulta dos extratos bancários constata-se que na data em que é efetuada a cobrança do cheque emitido, inexiste uma imediata devolução de valor igual ou similar, verificando-se, por conseguinte, uma errónea interpretação dos respetivos extratos bancários, que acarretou uma deficiente interpretação das premissas inerentes aos fluxos financeiros, e naturalmente na conclusão atinente à, alegada, simulação.
Mais importa relevar que, conforme resulta da factualidade assente resultou demonstrado o pagamento integral da fatura, no caso de €59.040,00 (valor com IVA incluído), em quatro tranches, corporizando duas delas, concretamente, as de valor mais expressivo, nos montantes, respetivamente, de €35.000,00 e €19.743,55, cheques nominativos, à ordem do visado fornecedor e cuja compensação resulta provada, conforme se atesta da cópia dos cheques melhor evidenciados em 39.
De relevar, in fine, que face ao supra expendido, em nada pode relevar, neste e para este efeito, o facto de o recibo ter sido emitido em data anterior ao pagamento, desde logo, porque não contende com a materialidade da operação, não afastando o pagamento integral da visada fatura, promanando, ademais, de uma conduta exógena. Igual conclusão se terá de extrair quanto às questões atinentes ao encontro de contas e à convocada nota de pagamento, sem qualquer substrato que possa fundamentar, de forma fidedigna, a simulação das transações.
Uma última nota para sublinhar que não se perceciona como é que a Recorrente qualifica a documentação carreada aos autos pela Recorrida, como documento 11 e concatenada com o pagamento, como documento interno, quando a mesma é constituída pelos respetivos meios de pagamento, designadamente, cheques, transferências bancárias, e recibos de quitação.
E por assim ser, há que, efetivamente, sancionar a falta de cumprimento do ónus probatório por parte da AT, porquanto os evidenciados indícios não permitem abalar a presunção da veracidade da escrita, não podendo ser entendidos e qualificados como razoáveis e suficientes».
(…)


Volvendo ao caso dos autos, a falta de referência no relatório de inspeção tributária ao nº do cheque, que apenas é identificado como XXXXXXXX, dificulta a análise que se possa aqui fazer, não permitindo que o tribunal sindique aqui o constante do relatório, por confronto com os extratos bancários a ele anexos.

Na verdade, no relatório nada se refere quanto à relação entre estes emitentes das faturas e as relações com a Impugnante e ora Recorrente quanto à materialidade ou efetividade das operações tituladas pelas faturas, ou sobre o circuito económico subjacente, apenas se refere que o valor dos materiais adquiridos ou do aluguer são muito elevados quando comparados com o valor patrimonial do edifício ou o preço de aquisição da máquina, ou que no ano em que foi efetuada a ação de inspeção o chão ou piso se encontrava muito degradado, com isto se pretendendo insinuar que as obras de beneficiação ou não se realizaram ou não tiveram a dimensão correspondente ao descritivo das faturas.

E, logo, que as operações tituladas pelas faturas desconsideradas não correspondem a transações efetivas.

Nesse sentido é destituído de sentido a crítica à sentença recorrida relativa à utilização de argumentos diferentes dos constantes do relatório de inspeção tributária, porquanto não são novos, pois têm base no que se insinua no relatório de inspeção tributária, no sentido de não ter sido realizada qualquer obra de beneficiação ou melhoramento no local. Mas não foi com base nesses argumentos que a sentença decidiu no sentido em que se decidiu e por isso a crítica efetuada nas alegações de recurso revela-se infrutífera.

Foi sim com base nos erros de contabilização das faturas e no que respeita à não apresentação dos cheques à camara de compensação e ao registo de movimentos de saída, em simultâneo.

Tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira, porém, suportado as correções efetuadas ao Impugnante e ora Recorrente sem identificar o cheque em questão nem permitindo que se sindique a saída em numerário do montante em questão, concluímos que não cumpre o ónus probatório que lhe incumbe na recolha de indícios sérios e suficientes de que as operações subjacentes às faturas não são reais.

E, logo, não têm força bastante para afastar a presunção de veracidade de que goza a contabilidade da Impugnante e ora Recorrente.

Em face da conclusão a que se chegou, de não ter a Autoridade Tributária e Aduaneira carreado indícios suficientes e bastantes para afastar a presunção de veracidade de que goza a contabilidade da Impugnante e ora Recorrente, desnecessário se torna verificar se este logrou provar a materialidade subjacente aos gastos desconsiderados.

Fica, pois, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.

A sentença recorrida não se pode manter, procedendo desde já o recurso.


Sumário/Conclusões:

I. A contabilidade dos sujeitos passivos, desde que se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, goza da presunção de veracidade.
II. Com efeito, nos termos do artigo 75/1 da Lei Geral Tributária (LGT), o contribuinte beneficia da presunção de veracidade das suas declarações fiscais e dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
III. Tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira suportado as correções efetuadas em indícios meramente opinativos e de crítica a opções de gestão da sociedade não cumpre o ónus probatório que lhe incumbe na recolha de indícios sérios e suficientes de que as operações subjacentes às faturas não são reais.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar procedente a impugnação.

Custas pela Recorrida, que decaiu, com dispensa da taxa de justiça por não ter alegado.


Lisboa, 2 de novembro de 2023

Susana Barreto

Jorge Cortês

Ana Cristina Gomes de Carvalho


(1)Vejam-se, exemplificativamente, os Acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 01.02.2016 (Processo: 0591/15), de 16.03.2016 (Processos: 0400/15, 0587/15), de 19.10.2016 (Processo: 0511/15), de 16.11.2016 (Processo: 0600/15) e de 27.02.2019 (Processo: 01424/05.2BEVIS 0292/18).
(2)Castro Mendes, citado por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2 edição, pág. 311.
(3)Aut. Cit., A QUANTIFICAÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA, 2 edição, pág. 311.