Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:500/19.9 BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:11/02/2023
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:OPOSIÇÃO Á EXECUÇÃO FISCAL
JUROS COMPENSATÓRIOS
PROCESSO-CRIME
EXIGIBILIDADE
Sumário:A liquidação e cobrança do imposto e dos juros cabe à ATA e não aos Tribunais de Instrução Criminal, a questão de saber se uma concreta liquidação de juros compensatórios tem subjacente um correto juízo de culpa entre a atuação do sujeito passivo e o retardamento da liquidação do imposto, é matéria que contende com a legalidade da liquidação dos juros compensatórios e não com a sua exigibilidade.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

S......., LDA., melhor identificada nos autos, veio, deduzir OPOSIÇÃO judicial, à execução fiscal n.º ...........30, instaurada no Serviço de Finanças de Leiria 2, para cobrança coerciva de Juros Compensatórios referentes ao IRC do exercício de 2009 no valor de € 6.349,50.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por sentença de 31 de outubro de 2020, julgou improcedente a oposição.

Inconformada, S......., LDA., veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«A) - A douta sentença recorrida julgou improcedente a oposição com fundamento na improcedência da causa de pedir invocada na p.i., mais concretamente a inexigibilidade da dívida exequenda, quanto ao pagamento de juros compensatórios.

B) - Improcedência da causa de pedir da inexigibilidade quanto ao pagamento de juros compensatórios fundamentada no entendimento por parte do Tribunal "a quo”, segundo o qual, por um lado, os juros compensatórios fazem parte da dívida global de imposto, nos termos do n° 8 do artigo 35° da LGT e, por outro lado, o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, previsto no n° 2 do artigo 30° da LGT, não permite a extinção das execuções além das previstas nas leis tributárias.

C) - Fundamentação de direito contida na douta sentença recorrida da qual, no entanto, a recorrente discorda pelos seguintes motivos:

D) - Em primeiro lugar, importa ter presente o teor do douto despacho proferido, em 18 de dezembro de 2018, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Juízo de Instrução Criminal de Leiria (Juiz 2) no processo n° 178/12.0JALRA, constante do facto provado n ° 2, segundo o qual a recorrente apenas tem de pagar a título de “imposto em dívida à Administração Tributária pelos factos narrados na acusação, (o) montante global de € 733.184,99 (setecentos e trinta e três mil cento e oitenta e quatro euros e noventa e nove cêntimos), ...”

E) - Douto despacho proferido, em 18 de dezembro de 2018, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Juízo de Instrução Criminal de Leiria (Juiz 2), transitado em julgado, em 29 de novembro de 2019, que conforme resulta do mesmo foi informado à Autoridade Tributária (Direção de Finanças de Leiria).

F) - Importa ainda ter presente o facto provado n ° 6, o teor do douto despacho proferido, em 20 de fevereiro de 2019, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Juízo de Instrução Criminal de Leiria (Juiz 2), segundo o qual "os valores apreendidos e depositados nos autos (€ 52.425 em numerário - fls. 67 e 333 - e € 80.000 em depósitos autónomos - fls. 2021 a 2023 e 2069 a 2071) sejam remetidos à Autoridade Tributária e aí afectados ao pagamento dos impostos em dívida (anos de 2007 a 2012). Em conformidade com o já decidido, tais valores deverão ser afectados ao pagamento do valor dos impostos já fixado (€ 733.184,99) e não ao pagamento de quaisquer coimas, custas ou outros legais acréscimos de impostos em dívida.",

G) - Douto despacho proferido, em 20 de fevereiro de 2019, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Juízo de Instrução Criminal de Leiria (Juiz 2), transitado em julgado, em 29 de novembro de 2019, que conforme resulta do mesmo foi notificado à Direção de Finanças de Leiria.

H) - Deste modo, tendo a Autoridade Tributária aceite o pagamento da quantia de € 733.184,99, não pode vir, em sede de execução fiscal reclamar a quantia de € 6.349,50, sob a alegação de se tratar de juros compensatórios.

I) - Em segundo lugar, importa ter presente que o entendimento segundo o qual os juros compensatórios fazem parte da dívida global de imposto, nos termos do n° 8 do artigo 35° da LGT não equivale a transformar a obrigação do seu pagamento numa responsabilidade objetiva.

J) - Com efeito a liquidação dos juros compensatórios depende de facto imputável ao sujeito passivo, prova de culpa do sujeito passivo cuja sede própria é o inquérito, situação esta que se aplica à aqui recorrente, na medida em que os impostos relativos aos períodos de 2007 a 2012 foram-lhe apurados no inquérito instaurado sob o processo n° 178/12.0JALRA.

L) - Inquérito este no âmbito do qual foi elaborado o relatório final de apuramento de impostos e vantagem patrimonial, pela Direção de Finanças de Leiria e datado de 21 de julho de 2017, no qual apenas consta a referência a montantes de impostos, nomeadamente IRC, IVA e retenção na fonte de IRS, não constando em parte alguma do referido relatório qualquer referência a juros compensatórios, pelo que foi a própria Direção de Finanças que no referido inquérito se absteve da obrigação de demonstrar qualquer obrigação de liquidação de juros compensatórios, relativos aos impostos quantificados no referido relatório final.

M) - Em terceiro lugar, importa referir que a inexigibilidade dos juros compensatórios na presente execução fiscal não pode ser avaliada pelo prisma do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, previsto no n° 2 do artigo 30° da LGT, na medida em que a mesma resulta dos doutos despachos proferidos em 18 de dezembro de 2018 e em 20 de fevereiro de 2019, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Juízo de Instrução Criminal de Leiria (Juiz 2), no âmbito do processo 178/12.0JALRA, transitados em julgado em 29 de novembro de 2019.

N) Teor do douto despacho proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Juízo de Instrução Criminal de Leiria (Juiz 2) no processo n° 178/12.0JALRA do qual a recorrente, na sua p.i., protestou junta a respetiva certidão judicial e que só agora junta como documento um, da qual resulta que o referido despacho transitou em julgado em 29 de novembro de 2019.

O) - A douta decisão recorrida fez incorreta interpretação e aplicação do n ° 2 do artigo 30° e n° 8 do artigo 35° da LGT.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, ordenando-se a extinção da execução fiscal.
R. ainda a junção do documento um e a aplicação de multa pela sua junção nesta fase, pelo mínimo legal.»


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Devidamente notificada para o efeito, a recorrida, Fazenda Publica (FP), não contra-alegou.
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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, veio oferecer o seu parecer, no sentido de que o recurso deverá improceder.

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Com dispensa dos vistos legais, vem os autos submetidos à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

2 - OBJETO DO RECURSO

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir das alegações que definem, o objeto dos recursos que nos vêm submetidos e consequentemente o âmbito de intervenção do Tribunal “ad quem”, com ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua apreciação (cfr. artigos 639.º, do CPC e 282.º, do CPPT).

Na situação sub judice as questões suscitadas pela recorrente (FP) consistem, por um lado, em saber se a sentença errou ao considerar que a divida referente a juros compensatórios respeitantes ao IRC de 2009 é exigível à oponente, qui recorrente, não obstante o despacho proferido nos autos judiciais de inquérito n.º 178/12.0JALRA que correu termos no Juízo de Instrução Criminal de Leiria (Juiz 2) do Tribunal Judicial da respetiva Comarca.


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3 - FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1. Em 21 de junho de 2017 foi pela Direção de Finanças de Leiria elaborado o relatório final (apuramento de impostos e vantagem patrimonial), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no âmbito do processo de inquérito criminal NUIPC: 178/12.0JALRA, instaurado à Sociedade “ S..........., Lda” e respetivos gerentes, com fundamento numa alegada ocultação de rendimentos e de falta de liquidação e pagamento de impostos, configurando um eventual crime de fraude fiscal qualificada nos termos do artigo 104.°, n.° 1, alíneas a) e d) e n.° 2 do RGIT, decorrente de uma inspeção tributária aos anos de 2007 a 2012, em sede de IVA, IRC e IRS (retenção na fonte) - cfr. relatório final, a fls. 5 a 9 dos autos (em suporte de papel).

2. Em 18 de dezembro de 2018 foi pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Instrução Criminal de Leiria - Juiz 2, proferido despacho de suspensão provisória do processo n.° 178/12.0JALRA, quanto a vários arguidos ora gerentes, e a Sociedade “S..........., Lda”, sob as seguintes condições: “
“(…)
a) pagamento pela arguida S..........., Lda e pelos arguidos seus gerentes do valor de imposto em dívida à Administração Tributária pelos factos narrados na acusação, no montante global de €733 184,99 (setecentos e trinta e três mil cento e oitenta e quatro euros e noventa e nove cêntimos), nos seguintes termos:
a. 1) em prestações trimestrais no mínimo de €40.000 (quarenta mil euros) cada uma;
a. 2) a 1.a prestação no valor de €52 425 (cinquenta e dois mil, quatrocentos e vinte e cinco euros), vencida em 15-08-2018, será paga afectando tal pagamento a valores em numerário apreendidos à ordem dos autos (fls. 67 e 333);
a.3) a 2.a prestação, vencida em 15/11/2018, foi paga pelo valor de €40 000 mediante depósito autónomo (fls. 2020 a 2023) e tal valor será afectado ao pagamento dos impostos aqui em causa assim que feita a liquidação da parte pela autoridade tributária;
2.4) a última prestação será no valor do que ainda estiver em dívida à data de 15/05/2020;
b) os prazos de pagamento trimestrais serão feitos, respectivamente até às seguintes datas: 15-08-2018 (1.aprestação), 15-11-2018 (2.aprestação), 15-02-2019 (3.aprestação), 15-052019 (4.aprestação), 15-08-2019 (5Fprestação), 15-11-2019 (6.aprestação), 15-02-2020 (7.a prestação) e 15-05-2020 (8F prestação);
c) a autoridade tributária procederá, no mais curto espaço de tempo possível, à liquidação dos impostos em conformidade com a informação de 19/11/2018, subscrita pelo Sr. Inspector Tributário O…….. e aprovada superiormente, constantes de fls. 2025 a 2029;
d) feitas as liquidações, os valores pagos nos termos acima definidos serão afectados, exclusivamente e até ao valor referido em a), ao pagamento dos impostos em dívida e não ao pagamento de coimas, custas e outros legais acréscimos de impostos em dívida;
e) até ao prazo máximo da suspensão provisória do processo, cada uma das sociedades arguidas, S......., Lda, R..........., Lda e J..........., S.A., pagará o valor de € 1500 (mil e quinhentos euros) a uma IPSS à sua escolha e cada um dos arguidos pessoas singulares, J…….. e E..........., pagará o valor de €1000 (mil euros) a instituição similar;
f) os arguidos comprovarão nos autos o cumprimento de tais injunções, devendo os comprovativos das entregas às referidas instituições mencionarem expressamente tratar-se de injunção penal e não de donativo.
Notifique e com cópia deste despacho, solicite à Autoridade Tributária (Direção de Finanças de Leiria) que proceda como referido em c), informando os autos assim que as liquidações se mostrem feitas.
(...)” - cfr. despacho, a fls. 10-v a 11 dos autos.

3. Em 14 de março de 2019 foi autuado pela Direção de Finanças de Leiria o processo de execução fiscal n.° …….30, em nome da Sociedade “S..........., Lda”, para cobrança coerciva de uma dívida de IRS (retenção na fonte), do ano de 2009, no montante de imposto de 18.056,73€, e de juros compensatórios, no montante de 6.349,50€, no montante total de 24.406,23€, com data limite de pagamento de 07 de março de 2019 - cfr. autuação, certidão de dívida e doc. “Quantia Exequenda”, a fls. 50 e seguintes dos autos no SITAF.

4. 4. Através de ofício também datado de 14 de março de 2019 foi remetido à Oponente a citação pessoal no âmbito do processo de execução fiscal n.° ……30, para cobrança coerciva de uma dívida de IRS, do ano de 2009, no montante de 24.406,23€, acrescida de custas no montante de 163,53€, no montante total de 24.569,76€ - cfr. ofício, a fls. 50 e seguintes dos autos no SITAF.

5. Em 27 de março de 2019 foi proferido pelo Chefe de Finanças de Leiria 2, despacho de deferimento do pedido de pagamento em 24 prestações da dívida exequenda em cobrança coerciva nos processos de execução fiscal n.°s ………..30 e ………..06, sem prejuízo das obrigações decorrentes dos despachos proferidos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Instrução Criminal, Juiz 2, datados de 18 de dezembro de 2018 e de 20 de fevereiro de 2019 - cfr. despacho e informação, a fls. 102 e seguintes dos autos no SITAF.

6. Em 20 de fevereiro de 2020 foi proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Instrução Criminal de Leiria, Juiz 2, no âmbito do processo n.° 178/12.0JALRA, o seguinte despacho:
“ (…)
Uma vez que já se mostram efectuadas as liquidações tributárias dos impostos devidos pela arguida S..........., LDA, diligencie no sentido de que os valores apreendidos e depositados nos autos (€52 425 em numerário - fls. 67 a 333 - e €80 000 em depósitos autónomos - fls. 2021 na 2023 e 2069 a 2071) sejam remetidos à Autoridade Tributária e aí afectados ao pagamento dos impostos em dívida (anos de 2007 a 2012). Em conformidade com o já decidido, tais valores deverão ser afectados ao pagamento do valor dos impostos já fixado (€733 184,99) e não ao pagamento de quaisquer coimas, custas ou outros legais acréscimos de impostos em dívida.
(...)” - cfr. despacho, a fls. 11-v dos autos.


Factos não provados


Não existem quaisquer outros factos que importe fixar como não provados.


Motivação da matéria de facto


A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto provada assentou na análise da documentação constante dos autos e no processo de execução fiscal integrado nos autos em suporte físico e no SITAF, conforme discriminado no probatório supra.»

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De direito

Da leitura das alegações recursivas, damos conta que a recorrente vem, agora, juntar aos autos um documento, que compreende a certidão dos despachos proferidos em 18/12/2018, 20/02/2019 e em 22/10/2019, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo de Instrução Criminal de Leiria (Juiz 2), emitida em 13/01/2020, que já havia protestado juntar na petição inicial.

Com a junção de tal documento pretende, a apelante, que o Tribunal faça incluir no probatório o trânsito em julgado dos despachos a que aludem os pontos 2. e 6., do probatório, o que para si assume importância na contraposição da análise feita pelo TAF de Leiria, a propósito da indisponibilidade dos créditos tributários - concl. M) e N)

Termos em que a título de questão prévia há que apreciar e decidir da respetiva admissão.

Importa referir, que, como sabemos, em regra, o recurso não é, o meio próprio para juntar documentos aos autos, já que que a instrução da causa cabe ao tribunal de primeira instância e a reapreciação das decisões, em sede de recurso é restritiva, visando apenas este, o reexame da causa julgada em primeira instância, o que limita o seu âmbito aos meios de prova e às circunstâncias constantes dos autos no momento da prolação da decisão recorrida.

Emerge do que se deixa dito, que a acoplagem de documentos nesta fase do processo reveste natureza excecional e é o que decorre da leitura do artigo 425.º aplicável por remissão do 651.º, ambos, do Código de Processo Civil (CPC) aqui aplicável ex vi do artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tribuário (CPPT).

Diz-se ali que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o citado artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

Ressaltando da norma supracitada que “[D]depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.

Compulsados os autos, verificamos que a certidão de que ora se pretende fazer uso e que foi preteritamente protestado juntar na petição inicial (ponto 7), tem data de emissão anterior à sentença, mas posterior à notificação que, no âmbito deste processo, foi dirigida à oponente, para, querendo, apresentar alegações (artigo 120.º do CPPT), pelo que se verifica a superveniência objetiva do documento.

Termos em que, se admite o documento, ora apresentado e, por via dele, adita-se ao probatório o seguinte facto – artigo 662º nº1 do CPC:

7. Os despachos enunciados em 2. e 6., fazem parte integrante do processo n° 178/12.0 JALRA, do Juízo de Instrução Criminal, Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, no qual foi proferido despacho de arquivamento, em 22/10/19, que transitou em julgado em 29/11/19 - cfr. certidão de fls. 61 a 64v dos autos, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.


De notar que no ponto 6., do probatório foi mencionado que o despacho ali transcrito foi proferido em 20/02/2020, certamente por lapso, porque da certidão que ora se admitiu juntar consta que o mesmo foi proferido em 20/02/2019, situação que aqui se deixa retificada, ficando ali a constar que:

“Em 20 de fevereiro de 2019 foi proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Instrução Criminal de Leiria, Juiz 2, no âmbito do processo n.° 178/12.0JALRA, o seguinte despacho:
(…)”

Estabilizada que está a matéria de facto, avancemos.

Ao encetar a apreciação de mérito do pedido que nos vem dirigido no salvatério, damos conta que este tribunal de recurso já teve, oportunidade de se pronunciar, em diversos processo, sobre a matéria que aqui nos vem colocada, onde intervêm as mesmas as partes processuais, são idênticas as fundamentações e conclusões recursivas, divergindo apenas quanto ao ano e montantes em divida.

São exemplo disso os processos os n.ºs 499/19.1 BELRA e n.º 501/19.7BELRA, tendo aqui relatora intervindo no primeiro com adjunta e relatado, também, quanto a esta matéria o processo n.º 503/19.3BELRA, termos em que, em consonância com a solução a que ali se chegou, seguiremos de perto, no intuito de obter uma interpretação e uniformidade na aplicação do direito conforme é imposta pelo n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil.

Vejamos então

Em sede de aplicação de direito, o Tribunal a quo julgou improcedente a oposição, por ter considerado que não se verifica a alegada (in)exigibilidade da dívida exequenda suscitada quanto ao pagamento de juros compensatórios, uma vez que a expressão “outros legais acréscimos de impostos em dívida" constante nos despachos proferidos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Instrução Criminal de Leiria (Juiz 2), nos termos do artigo 9.°, n.° 3 do Código Civil não abarca os juros compensatórios.

Aludiu ainda o TAF de Leiria que o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários previsto no artigo 30. °, n.º 2 da LGT, decorre, a inadmissibilidade, em execuções fiscais em que esteja em causa a sua cobrança, de causas de extinção da execução não previstas nas leis tributárias. estendendo-se, por identidade de razões, a todos os outros vínculos creditícios da relação jurídica tributária, nomeadamente, o direito a juros.

Conforme decorre do texto recorrido, a Fazenda Pública, veio defender-se com o fundamento de que os juros compensatórios têm natureza de compensação/indemnização e que integram o imposto, cujo princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, prevalece sobre legislação especial e apenas permite a sua redução ou extinção de acordo com os princípios da igualdade e da legalidade, não podendo os despachos proferidos por um Juiz de instrução contrariar tais limiares.

Acompanhado este entendimento, o TAF de Leiria, julgou a oposição improcedente.

Para assim concluir, a sentença encetou por esmiuçar a figura da “suspensão provisória do processo” prevista no artigo 281.º do Código de Processo Penal (CPP), passando pela noção, natureza e taxa dos juros compensatórios, para depois se debruçar sobre a ordem de imputação dos pagamentos feitos no que respeita às dívidas tributárias, e concluir, aduzindo que: “(…) cremos que a alusão expressa a juros compensatórios previstos no artigo 40.°, n.° 4, alínea c) da LGT, resulta do facto de, à luz do disposto no artigo 35.°, n.° 8 também da LGT, estes juros não terem autonomia em relação à dívida de imposto, limitando-se o legislador a esclarecer que, para efeitos de imputação dos pagamentos parciais, os juros compensatórios não devem ser integrados no conceito de “outros encargos legais” (alínea b) do n.° 4), mas sim na dívida tributária, na dívida de imposto.

Pelo que se nos afigura que a solução mais razoável para efeitos interpretativos da expressão “outros legais acréscimos de impostos em dívida” constante nos despachos proferidos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Instrução Criminal de Leiria (Juiz 2), nos termos do artigo 9.°, n.° 3 do Código Civil (Cód. Civ.), é a de que os acréscimos legais aí referidos são os encargos legais ora descritos, pelo que tendo os juros compensatórios a mesma natureza do imposto, integrando-se na própria dívida tributária/imposto e com esta são conjuntamente liquidados, não podem ser considerados acréscimos/encargos legais, mas “imposto” a pagar (cfr. o referido artigo 35.°, n.° 8 da LGT).

Por outro lado, do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários previsto no artigo 30.°, n.° 2 da LGT, decorre a inadmissibilidade, em execuções fiscais em que esteja em causa a sua cobrança, de causas de extinção da execução não previstas nas leis tributárias, entendendo-se, por identidade de razões, a todos os outros vínculos creditícios da relação jurídica tributária, nomeadamente, o direito a juros - vide neste sentido, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo n.° 04497/11, de 08 de fevereiro de 2011, integralmente disponível em www.dgsi.pt.

Em face do exposto, improcede a alegada (in)exigibilidade da dívida exequenda suscitada quanto ao pagamento de juros compensatórios.”

Divergindo deste entendimento a recorrente vem apelar ao teor do douto despacho proferido, em 18/12/2018, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo de Instrução Criminal de Leiria (Juiz 2) no processo nº 178/12.0JALRA, segundo o qual a Sondalis apenas tem de pagar a título de “imposto em dívida à Administração Tributária pelos factos narrados na acusação, (o) montante global de € 733.184,99 (setecentos e trinta e três mil cento e oitenta e quatro euros e noventa e nove cêntimos), …”. – concl. D)

Refere ainda que “… tendo a Autoridade Tributária aceite o pagamento da quantia de € 733.184,99, não pode vir, em sede de execução fiscal reclamar a quantia de € 6.349,50, sob a alegação de se tratar de juros compensatórios.” - concl. H)

Aqui chegados, transcrevemos por concordância e facilidade a fundamentação exarada em termos de conclusão no processo 501/19.7BELRA, que vimos e que é a seguinte:

“(…)
Adianta-se, desde já, que a Recorrente nenhuma razão tem naquilo que aqui defende, afigurando-se-nos, salvo o devido respeito, existir alguma confusão entre o âmbito dos diferentes processos, isto é, o criminal e o tributário.

Não serve o processo-crime para liquidar impostos devidos pelos sujeitos passivos, tarefa que cabe, genericamente falando, à ATA, a quem compete, igualmente, a sua cobrança.

Com efeito, de acordo com o Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de dezembro (que aprovou a orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira), entre as atribuições da AT conta-se a de “assegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo, dos direitos aduaneiros e demais tributos que lhe incumbe administrar, bem como arrecadar e cobrar outras receitas do Estado ou de pessoas colectivas de direito público” (cfr. artigo 2º do referido diploma). À AT, enquanto órgão executivo da administração pública, compete a execução da política fiscal do Estado, aí se compreendendo a função referida de assegurar a liquidação e cobrança dos impostos e, bem assim, o controlo e fiscalização do cumprimento das obrigações fiscais.

Isto é assim, independentemente da participação da ATA no processo-crime, como aqui aconteceu, no sentido do apuramento dos impostos em falta, com vista à apreciação da requerida suspensão provisória do processo.

A suspensão provisória do processo, prevista no artigo 281º do Código de Processo Penal (CPP), é uma medida pré-sentencial que visa evitar o prosseguimento do processo penal até à fase de julgamento, aplicada por iniciativa do Ministério Público, com a concordância do Juiz de Instrução Criminal, verificados diversos pressupostos. No âmbito de tal instituto, se o arguido cumprir as injunções e regras de conduta, o Ministério Público arquiva o processo, não podendo ser reaberto; caso contrário ou se o arguido cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado, o processo prossegue.

Percebe-se, pois, e sem dificuldade, que a suspensão provisória não visa a liquidação e cobrança de impostos, sem prejuízo de, pela natureza do crime em causa (fraude fiscal qualificada), se justificar o apuramento do imposto em falta cujo pagamento vem fixado como condição (entre outras possíveis) para a manutenção da referida medida.

A liquidação e cobrança das prestações tributárias cabe – repete-se – à ATA, o que, no presente caso, não deixou de ser observado, como o demonstra o circunstancialismo de facto por nós aditado, atinente à emissão das liquidações.

No que às liquidações de juros compensatórios respeita, no montante de € 24.189,57, ou seja, aquilo a que a Sondalis aqui se opôs, temos que as mesmas foram emitidas e liquidadas pela ATA, como legalmente se prevê, o que, aliás, não vem contrariado pela Recorrente. Com efeito, pretender (erradamente) que no processo-crime foi liquidado o imposto, não equivale a dizer que os juros compensatórios não foram liquidados e, consequentemente, notificados pela entidade com competência para tal.

É importante lembrar que o fundamento de oposição correspondente à inexigibilidade da dívida exequenda consiste, grosso modo, na afirmação de que a liquidação subjacente à dívida exequenda não foi notificada para efeitos de pagamento voluntário, sabido que a dívida só pode ser exigida coercivamente depois de ter sido facultada ao responsável pelo seu pagamento a possibilidade de a pagar voluntariamente e num determinado prazo para esse efeito.

No caso concreto, a invocação de tal fundamento afigura-se algo enviesada, pois reconduz-se à circunstância de o pagamento do valor em causa não ter sido incluído nas condições estabelecidas pelo Juiz de Instrução Criminal, no âmbito da suspensão provisória do processo. E quanto a isto – insiste-se – não foi nem tinha que ser.

Por tanto, até aqui, não se vê uma réstia de razão que possa abalar a sentença, a qual, ainda que com uma fundamentação não inteiramente coincidente com aquela que aqui preconizamos, não deixou se balizar devidamente o alcance da medida correspondente à suspensão provisória do processo.

Diga-se, ainda, que, em 14/03/19, foi instaurado em nome da Recorrente o processo de execução fiscal n.º ………..22, para cobrança coerciva de dívida, além do mais, de juros compensatórios, de € 24.189,57, cuja data limite de pagamento voluntário terminou em 07/03/19 (cfr. alínea D dos factos provados). Trata-se justamente da data limite para o pagamento das liquidações de juros compensatórios, tal como resulta das alínea I do probatório.

(…)” – fim de citação

Assim, tal como ali, considerando desnecessários maiores desenvolvimentos conclui-se pela improcedência das conclusões que vimos de analisar.

Prosseguindo

Como no acórdão que vimos acompanhando, também aqui a recorrente vem contrariar o decidido arguindo, que “a liquidação dos juros compensatórios depende de facto imputável ao sujeito passivo, prova de culpa do sujeito passivo cuja sede própria é o inquérito”, situação que, em seu entender, se lhe aplica na medida em que os impostos relativos aos períodos de 2007 a 2012 foram-lhe apurados no inquérito instaurado sob o processo nº 178/12.0JALRA. Acrescentando que o inquérito, “… no âmbito do qual foi elaborado o relatório final de apuramento de impostos e vantagem patrimonial, pela Direção de Finanças de Leiria e datado de 21 de julho de 2017, no qual apenas consta a referência a montantes de impostos, nomeadamente IRC, IVA e retenção na fonte de IRS, não constando em parte alguma do referido relatório qualquer referência a juros compensatórios, pelo que foi a própria Direção de Finanças que no referido inquérito se absteve da obrigação de demonstrar qualquer obrigação de liquidação de juros compensatórios, relativos aos impostos quantificados no referido relatório final”. - concls. J) e L).

Quanto a este item, responde o acórdão 501/19.7 BELRA que vimos citando, com o seguinte: “Tal alegação está votada ao insucesso, pois – repete-se – a liquidação e cobrança do imposto e dos juros cabe à ATA, nos termos já vistos, e não aos Tribunais de Instrução Criminal. Por outro lado, saber se uma concreta liquidação de juros compensatórios tem subjacente um correto juízo de culpa entre a atuação do sujeito passivo e o retardamento da liquidação do imposto, é matéria que contende com a legalidade da liquidação dos juros compensatórios e não com a sua exigibilidade.”

Fazendo, também aqui, nossa a fundamentação exposta julgamos improcedentes as conclusões assim analisadas.

Por fim, quanto ao princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, previsto no nº 2 do artigo 30º da LGT, invocada na conclusão M) do salvatério face aos despachos proferidos em 18/12/2018 e em 20/02/2019, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria.
Diz-nos o enlaçado aresto que “… , enquanto “pressuposto ínsito nas normas constitucionais, desde logo, atenta a necessidade de assegurar os princípios da legalidade e da igualdade da sujeição a tributação dos cidadãos, com idêntica capacidade contributiva” (vide, Lei Geral Tributária, comentada e anotada, J. M. Fernandes Pires, Almeidina, anotação ao artigo 30º), impõe-se ao credor tributário o princípio da indisponibilidade do crédito tributário, nos termos do qual “o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”.
Assim, é com acerto que se escreveu na sentença, seguindo jurisprudência firme dos Tribunais Superiores, que, do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários previsto no artigo 30º, n.º 2 da LGT, decorre a inadmissibilidade, em execuções fiscais em que esteja em causa a sua cobrança, de causas de extinção da execução não previstas nas leis tributárias, entendendo-se, por identidade de razões, a todos os outros vínculos creditícios da relação jurídica tributária, nomeadamente, o direito a juros.”

Termos em que estando em causa nos presentes autos uma divida de juros compensatórios encontra, como vimos, os limites nas leis tributárias, não ficando à mercê de quaisquer decisões de natureza diferente.

Assim, e por não vislumbrarmos razões para mais delongas julgam-se improcedentes in totum, as conclusões recursivas, negando provimento ao recurso e mantendo-se a sentença recorrida, ao que se provirá no dispositivo do presente acórdão.

4 - DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes desta Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário deste TCA Sul em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 02 de novembro de 2023


Hélia Gameiro Silva – Relatora
Isabel Vaz Fernandes – 1.ª Adjunta
Catarina Almeida e Sousa – 2.ª Adjunta
(Assinado digitalmente)