Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2427/19.5 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/02/2023
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:CESE
Sumário:O regime jurídico actual da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético não viola os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, da proporcionalidade, da igualdade na repartição dos encargos públicos, nem o princípio da especificação orçamental.
Votação:COM VOTO DE VENCIDA
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

S… SA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o acto de indeferimento da reclamação graciosa que teve por objecto a autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), relativa ao período de tributação de 2018, no montante de € 38.165,19 e liquidação dos juros de mora no valor de € 60,94.

Conclui as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

«B. A CESE foi estabelecida com a intenção de constituir uma medida extraordinária (conforme decorre, aliás, da sua própria designação), no âmbito e a propósito da negociação e cumprimento do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) acordado entre o Estado português, a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional, que vigorou entre 2011 e 2014 (vulgo “programa da Troika”). Assim sendo, era suposto que a CESE vigorasse por um período transitório e limitado. Porém, desde que foi criada, a medida tem vindo a ser prorrogada anualmente, até ao presente, estando já no nono ano de vigência (quase uma década). O período em causa nos presentes autos, 2018, foi o quinto ano em que a CESE esteve em vigor.

C. Quer agora, em 2022, quer no ano aqui em questão, 2018, estamos a falar de momentos por reporte aos quais foram há muito ultrapassadas as circunstâncias que justificaram a permanência excepcional e transitória da CESE na nossa ordem jurídica. De acordo com a jurisprudência mais recente do Tribunal Constitucional, essas circunstâncias reconduzem-se à situação de emergência financeira que a República Portuguesa atravessou entre o início e meados da década passada. Com efeito, apesar de até ao momento o Tribunal se ter colocado do lado da validade da CESE, não só teve apenas em conta o tributo vigente entre 2014 e 2017 como, das decisões conhecidas, é possível retirar como consequência que, a partir de 2018, a medida deixou de ter justificação constitucional para vigorar (extraordinariamente) no nosso ordenamento.

D. A essa luz, tanto os actuais nove anos de duração da CESE quanto os cinco que ela já levava em 2018 configuram uma situação óbvia de uso excessivo e inconstitucional do poder do Estado, que requer com urgência uma intervenção que o limite – pelo menos, como ultima ratio, uma intervenção judicial. É essa intervenção que se requer a este Tribunal, enquanto garante máximo dos princípios constitucionais em que se baseia a ordem jurídico-política portuguesa.

E. Segundo o Tribunal, a conformidade da CESE com a Constituição mantém-se apenas enquanto ela puder ser considerada uma medida extraordinária, pelo que saber se ela ainda merece ou não essa qualificação é uma questão central, um critério fundamental que deve orientar a apreciação da sua validade ou invalidade. Ora, à luz da jurisprudência, não faz sentido que, no quinto ano de vigência da medida, ainda se possa considerar admissível a permanência da CESE na ordem jurídica. É que não é só a urgência da receita gerada que despareceu (em 2018, Portugal não estava já na situação financeira de há dez anos. Nessa altura, aliás, o Governo inclusivamente celebrava o facto de termos ultrapassado essa situação); desapareceu também a urgência de o tributo existir naquelas condições – condições essas que, lembre-se, este Tribunal aceitou porque eram «de fácil implementação e aplicação para um período de aplicação transitório e certo, onde não se justificaria a implementação de critérios, porventura mais adequados (…), mas muito complexos e com elevados custos de cumprimento, ou seja, totalmente desajustados à urgência do caso pretendido».

F. Pois bem: para o Tribunal (por exemplo, no Acórdão n.º 532/2021), saber se a CESE reveste ou não natureza extraordinária é uma pergunta cuja resposta tem de ser determinada por um “critério conjuntural”, em cada ano de vigência, à luz da “verificação periódica de um certo estado de coisas”.

G. No entanto, esta circunstância de a validade da CESE tem de ser apreciada ano a ano, de acordo com a manutenção ou não do contexto que justificou a sua criação, implica que não nos possamos desviar de alguns princípios essenciais. Em primeiro lugar, sob pena de se abrir a porta à maior arbitrariedade possível, ao configurarem-se as razões que justificam a continuidade do tributo na ordem jurídica, não podemos estar permanentemente a pesquisar razões novas que sustentem, por exemplo, a natureza extraordinária da CESE.

H. É verdade que, potencialmente e em abstracto, em todos anos, até à eternidade, existirão por certo no Estado português circunstâncias (por exemplo, de índole orçamental) que poderão justificar a necessidade de receitas tributárias acrescidas, de natureza extraordinária; todavia, quando nos debruçamos sobre uma determinada medida concreta, para averiguar se ela é (ou ainda permanece) constitucionalmente válida – desde logo à luz da sua eventual natureza extraordinária – , não nos podemos afastar dos motivos que levaram o legislador a criá-la: é que, se optarmos por esse afastamento, estamos a aceitar que pode deixar de haver – ou deixar de ser impossível averiguar – qualquer correspondência entre a razão de ser do tributo e a necessidade de o exigir especificamente aos operadores económicos que são os seus sujeitos passivos.

I. Em vez de estarmos sempre a justificar a CESE com razões novas, ou com razões que, mesmo existindo à data da criação do tributo, não consta dos documentos legislativos ou de qualquer elemento do contexto da sua criação que tenham sido levadas em conta, aquilo a que estamos adstritos é a perguntar se as razões que presidiram à implementação do tributo se mantêm ou não, ou se foram cumpridas com a receita gerada pela medida. Caso contrário, estaremos perante uma medida violadora do princípio da proporcionalidade, por não existir correspondência entre a sua suposta necessidade e os objectivos determinado pelo legislador.

J. Nesse caso, só há duas hipóteses: ou a CESE tem de ser expurgada da ordem jurídica ou as suas regras têm de ser alteradas, com – nas palavras do TC – “a implementação de critérios, porventura mais adequados” à vigência do tributo posterior ao momento extraordinário da sua criação.

K. De resto, diga-se também, em segundo lugar, que não se pode dar justificações para a CESE que alterem natureza do tributo, a não ser que daí se retirem as devidas consequências, por exemplo e desde logo, considerando que não se trata de uma contribuição financeira, mas sim de um imposto. Lembre-se que a qualificação da CESE como uma contribuição, estabelecida no Acórdão n.º 7/2019, tinha por pressuposto que a actividade dos sujeitos passivos dava causa aos problemas que o tributo visava ajudar a resolver e/ou beneficiavam da actuação do Estado na resolução desses problemas. Porém, se a CESE passar a ser justificada sem apelo a essa ideia de bilateralidade, então é porque é um imposto e tem de ser tratada como tal, de acordo com os princípios que conformam a constitucionalidade da criação de impostos.

L. Ora, o único argumento que o TC avança para justificar a validade da CESE até 2017 é o das condições de emergência financeira em que a República Portuguesa se encontrava. Em concreto, o TC justifica a CESE com a situação de rescaldo do PAEF, durante o qual Portugal permanecia num contexto de fragilidade das contas públicas, e a manutenção do procedimento por défice excessivo, previsto no artigo 126º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (relativamente à CESE dos anos de 2015 e 2016, podemos referir as Decisões Sumárias n.ºs 358/2021 e 422/2021 e os Acórdãos n.ºs 436/2021, 437/2021, 438/2021, 513/2021 e 532/2021. Quanto a 2017, podemos citar o Acórdão 736/2021).

M. Antes de mais, analisada a jurisprudência em apreço, o que importa sublinhar é que o TC dá apenas uma justificação para a CESE de 2015, 2016 e 2017 – e essa justificação é a necessidade de consolidação orçamental. Esta circunstância transporta dois significados importantes para o caso vertente.

N. Em primeiro lugar, implica necessariamente que a CESE deve ser considerada como um verdadeiro imposto, na medida em que, se serviu simplesmente para consolidação orçamental, constitui afinal um tributo cobrado para os fins gerais dos impostos, sem qualquer efeito no financiamento de medidas de sustentabilidade do sector energético, seja na redução da dívida tarifária do Sistema Eléctrico Nacional ou em qualquer outra. Assim, é indispensável a medida ser apreciada à luz dos princípios constitucionais que regem a criação de impostos.

O. Aliás, insista-se, a partir de 2018 a CESE perdeu até a ligação à emergência da consolidação orçamental, que nessa altura deixou de se verificar, o que acarreta que deixou de existir qualquer correspectividade especial entre a CESE e uma necessidade do Estado que pudesse justificar, mesmo que temerariamente, a sua vigência extraordinária. Também por este facto se deve concluir, então, que falar hoje da CESE como um tributo bilateral – designadamente uma contribuição especial – é um erro.

P. Com efeito, em segundo lugar, levando em linha de conta a jurisprudência do Tribunal Constitucional, tem de se concluir que a CESE deixou de ser uma medida extraordinária em 2018, pois que nesse ano Portugal não só já tinha há muito deixado para trás o PAEF como havia fechado o procedimento por défice excessivo. Por reporte a 2017, o último ano analisado pelo Tribunal, este já só teve como pressuposto da natureza extraordinária da CESE a existência do procedimento por défice excessivo: se este terminou, terá de se concluir que com ele terminou igualmente a validade transitória e excepcional da CESE. Ao contrário do que sucedeu de 2014 a 2017, em 2018 e nos anos seguintes Portugal já não estava obrigado pela União Europeia à adopção de medidas orçamentais extraordinárias. Em 2018, o ano aqui em causa, o défice foi de 0,5% do PIB, que na altura o Governo celebrou como um «resultado histórico e virtuoso».Q. Portanto, se a jurisprudência do Tribunal Constitucional é a que é, e se os factos de 2018 são o que são, nada pode justificar a vigência da CESE nesse ano. O Tribunal sinaliza claramente uma aproximação da CESE ao limite do aceitável, já que a razão com a qual o tem identificado a justificação da validade temporária da medida – a emergência financeira de Portugal – não se verifica nos anos seguintes àqueles sobre os quais se debruçou a jurisprudência conhecida. O limite do aceitável, segundo o TC, foi ultrapassado em 2018.

R. É por isso que, precisamente a partir de 2018, o Governo foi dando sinais formais – nas sucessivas leis orçamentais – de que pretende uma revogação faseada da medida. Fê-lo mediante autorizações legislativas, para sinalizar uma alegada vontade do Estado português de, mais tarde ou mais cedo, remover a CESE do ordenamento jurídico. E fê-lo porque teve a noção do risco de constitucionalidade de o não fazer.

S. Porém, ao desaproveitar sistematicamente essas autorizações legislativas, o que o Governo demonstrou é que, em bom rigor, a sua intenção é fazer letra-morta da natureza extraordinária da CESE, que deste modo permanece ainda na ordem jurídica basicamente como foi aprovada em 2014.

T. Do exposto resulta que a CESE tem de ser apreciada como aquilo que verdadeiramente é – ou que verdadeiramente era já em 2018: um imposto especial sobre o sector da energia, sem natureza extraordinária.

U. Trata-se, sem dúvida, de uma medida inconstitucional.

V. A inconstitucionalidade decorre, antes de mais, de a CESE ser um imposto cujas bases de tributação subjectiva e objectiva violam o princípio da capacidade contributiva, concretização do princípio da Igualdade (artigo 13º da Constituição), desenvolvido também, no que respeita à base objectiva, pelo princípio da tributação das empresas pelo lucro real (n.º 2 do artigo 104º).

W. Sobre isso, deve começar-se por sublinhar que a Recorrente não exerce qualquer actividade no sector electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsector da electricidade, pelo que em nada contribui para o problema da dívida tarifária do Sistema Eléctrico Nacional (SEN) – que é o principal problema regulatório que o regime da CESE declara pretender resolver –, não beneficiando, pois, de nenhuma forma directa ou especial, da actividade do Estado exercida no âmbito do problema em causa (o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos do tributo).

X. Não tendo qualquer relação com a dívida tarifária do SEN, a Recorrente não contribuiu ou beneficiou das circunstâncias que geraram esse problema, pelo que não tem também relação com o consequente desequilíbrio orçamental que o Estado português assumiu igualmente como objectivo anular ou atenuar (o mesmo acontecendo, também aqui, com grande parte dos sujeitos passivos da CESE). A Recorrente não é parte da causa de tal desequilíbrio, nem retirará da actuação estadual nesse aspecto qualquer benefício que não seja partilhado, em princípio na mesma medida, por todos os particulares.

Y. Quanto ao financiamento de outras políticas sociais e ambientais do sector energético, em geral, que o legislador também inscreveu formalmente no regime como justificação da CESE, não se conhecem, com um grau mínimo de probabilidade objectiva, qual a natureza, o conteúdo e a importância das mesmas, razão pela qual nunca poderemos dar por demonstrada a sua indispensabilidade e, portanto, que os sujeitos passivos do tributo poderão em princípio, alguma vez, ser efectivos beneficiários de uma ou mais das políticas em causa.

Z. Aliás, mesmo que pudéssemos estabelecer uma ligação entre um benefício decorrente das políticas em questão e a actividade das empresas energéticas que não actuam no sector da produção de electricidade – no qual se gerou o problema da dívida tarifária do SEN e o consequente desequilíbrio orçamental –, sempre essa ligação seria insuficiente para assegurar a legitimidade da CESE, na medida em que aquelas empresas continuariam a suportar um tributo cuja receita (a restante receita) é afecta a um objectivo com o qual nada têm a ver (a redução da dívida tarifária do sector electroprodutor) e a um outro cuja solução beneficia de igual modo, geral e indiscriminadamente, todos os particulares – para além de ser ele próprio, em parte, uma consequência daquela dívida tarifária (a consolidação orçamental).

AA. Em face do exposto, a CESE não cabe no campo dos tributos bilaterais ou sinalagmáticos (taxas ou contribuições financeiras), por não respeitar o princípio da equivalência: os montantes exigidos não o são para o exercício de uma actividade do Estado de que os sujeitos passivos concretamente em causa beneficiem (directa ou indirectamente, efectiva ou presumivelmente, de modo suficientemente distinto da generalidade dos particulares não abrangidos pela incidência do tributo), não sendo sequer possível dizer que a actividade a financiar é originada, específica ou genericamente, pela daqueles sujeitos passivos.

BB. A CESE é, pois, um verdadeiro imposto – um imposto especial sobre alguns operadores de um sector de actividade específico, em razão da sua alegada capacidade contributiva particular.CC. Posto isto, a CESE é um imposto materialmente inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva, subprincípio em que se concretiza no campo dos impostos o princípio constitucional da Igualdade (artigo 13º da Constituição), porque a sua base de incidência subjectiva atinge contribuintes que pouco ou nada têm a ver com os fins declarados da “contribuição” (não são de todo beneficiados com as actividades estaduais que a receita pretende financiar nem deram origem aos problemas que aquela é suposto colmatar) – designadamente todos aqueles que não actuam no âmbito do sector da produção de electricidade, como é caso da ora Recorrente.

DD. Vista como um imposto sobre o rendimento, a CESE viola ainda o princípio da capacidade contributiva por, ao ter como base objectiva o valor dos activos das empresas abrangidas, constituir uma aproximação indirecta ou presumida aos lucros das mesmas – uma aproximação ou presunção fantasiosa, puramente conjecturada do rendimento real, que facilmente conduzirá a resultados arbitrários: com efeito, a CESE permite ao Estado apurar uma colecta sobre lucros ainda que nenhuma capacidade contributiva se revele efectivamente nessa forma, ou uma colecta igual ou superior aos lucros efectivamente obtidos, caso em que representará uma taxa de 100% ou mais de tributação do rendimento e, nessa medida, um imposto confiscatório.

EE. Além disso, a CESE tem um efeito de dupla tributação e sobreposição ao IRC que é inaceitável, acentuado pela decisão do legislador de impedir que aquela seja dedutível em sede do referido imposto, o que define com especial clareza a violência do tributo e a sua inconstitucionalidade, mesmo se considerado como um imposto sobre o património ou uma contribuição financeira, pelo menos por violação do princípio da proporcionalidade.

FF. E, na verdade, a CESE apresenta problemas inultrapassáveis também ao nível do respeito devido pelo princípio da proporcionalidade.

GG. Este princípio é violado, em primeiro lugar, na sua dimensão de idoneidade ou adequação, porque a CESE não é um instrumento tendente a resolver o problema da dívida tarifária do SEN – um dos objectivos legislativamente declarados da medida, ao qual é consignado uma parte importante da respectiva receita: não se trata de uma medida que possa assegurar a eliminação ou sequer uma atenuação séria, estrutural, dessa dívida tarifária (mediante uma alteração das regras vigentes em que assenta a sua existência), mas antes, simplesmente, de uma fonte de receita obtida a fim de o Estado continuar a assegurar o objectivo político central quanto à matéria em causa, ou seja, proteger os consumidores finais de electricidade do esforço de redução da dívida tarifária, impedindo o aumento dos preços em medida pelo menos aproximada à exigida por aquela redução.

HH. Neste sentido, a CESE é uma medida inócua e indiferente, tendo por referência a sua aproximação ao fim visado, e até contraproducente, porque produz o efeito negativo de adiar a resolução dos desequilíbrios do SEN e, assim, prolongar e acentuar o problema.

II. Depois, a CESE viola o princípio da proporcionalidade também porque é consignada em parte ao financiamento de políticas sociais e ambientais no mesmo ano em que, por exemplo e desde logo, foi reduzida a taxa de IRC em dois pontos percentuais, perdendo-se uma receita pública, já existente, que poderia obviamente servir para aquele fim (não está, assim, cumprida a dimensão da necessidade ou exigibilidade em que assenta a regra da proporcionalidade), e ainda porque, apesar de os objectivos declarados do legislador serem importantes, nunca poderão ser considerados como pretextos suficientes para justificar o prejuízo económico e patrimonial que a CESE inflige nos seus sujeitos passivos, ainda para mais de modo tão violador do princípio da igualdade: na incidência, lembre-se, são incluídas entidades – como a Recorrente – que pouco ou nada têm a ver com as causas dos problemas que suscitaram a criação do tributo ou que pouco ou nada beneficiarão, directa e especialmente, com a solução de tais problemas (desrespeita-se, assim, a dimensão da proporcionalidade em sentido estrito ou do equilíbrio).

JJ. Por fim, entende a Recorrente que caberá, nesta sede, invocar a ilegalidade do acto de (auto)liquidação por violação da regra da discriminação orçamental, uma vez que a receita proveniente da CESE não se encontra devida e suficientemente especificada, quer na Lei do Orçamento do Estado respeitante ao ano da CESE aqui em causa – 2018 –, quer, aliás, em qualquer uma das Leis do Orçamento do Estado desde a criação da CESE até à presente data – 2014 a 2023, como se demonstrará.

KK. Vício que, entende a Recorrente, é cominado com nulidade típica ou integral, por se reconduzir à previsão das alíneas k) e l) do artigo 161.º do CPA, como se demonstrará.

LL. Ora, a nulidade é, nos termos do disposto no número 2 do artigo 162.º do CPA e no número 1 do artigo 58.º do CPTA, invocável a todo o tempo, por qualquer interessado, e é suscetível de ser, oficiosamente, conhecida e declarada, termos em que é forçoso concluir pela inexistência de óbice à sua invocação no âmbito do presente Recurso.

MM. Sempre se dirá que as questões de constitucionalidade deverão ser susceptíveis de ser invocadas e conhecidas (ainda que oficiosamente) pelo Tribunal até ao trânsito em julgado dos presentes autos, dada a relevância das normas constitucionais violadas pela CESE, cf. o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa: “(…) até transitar em julgado a decisão final do processo em que se discute a validade do ato, a situação jurídica gerada com a sua prática está instável, pelo que não se podem gerar expectativas dignas de tutela jurídica relativas à validade do ato impugnado e sua manutenção. Por isso, uma vez impugnado o ato, a preclusão do direito de arguir novos vícios não se impõe por razões de segurança jurídica, mas essencialmente por razões de disciplina e economia processuais, para que o processo tenha a tramitação normal prevista na lei, presumivelmente a mais adequada para apreciação dos direitos em litígio. Nestas condições, não havendo prejuízo para a segurança jurídica, é aceitável que se admita a discussão das questões de constitucionalidade durante o processo, mesmo oficiosamente, atenta a relevância jurídica das normas constitucionais.” (cf. Lopes de Sousa, Jorge – Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado – Vol. III, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, pp. 445 e 446, nota 4 – sublinhado do Recorrente).

NN. A possibilidade de invocação, em sede de Recurso, de questões de inconstitucionalidade foi, com efeito, reconhecida pelo Supremo Tribunal Administrativo: “I - Em recurso interposto para o STA de decisão proferida pela 1ª instância pode ser alegada a inconstitucionalidade das normas que definem os elementos essenciais do tributo, mesmo que a questão não tenha, antes, sido suscitada, já que se trata de matéria que vem sendo entendida como de conhecimento oficioso.” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de Dezembro de 2000, proferido no processo n.º 024319, disponível em www.dgsi.pt).

OO. Assim, entende a Recorrente estar em tempo para invocar a nulidade de que padece a autoliquidação de CESE sub judice, por violação de lei e de normas constitucionais, nos termos em que, de seguida, se expõe.PP. O princípio orçamental da discriminação encontra-se previsto no artigo 8.º da Lei de Enquadramento Orçamental (“LEO”), aprovada pela Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto, e, a partir de 2015, nos artigos 15.º a 17.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro, decorrendo também da própria CRP a imposição da “discriminação das receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos”, conforme se dispõe no artigo 105.º, n.º 1, alínea a), da CRP.

QQ. Dentro do princípio da discriminação orçamental encontramos o subprincípio, ou regra orçamental, da especificação (a par das regras orçamentais da não compensação e da não consignação).

RR. O fundamento da regra da especificação orçamental reside nos requisitos de clareza e maior verdade e, bem assim, numa perspetiva de racionalidade financeira e controlo político (cf. SOUSA FRANCO, A. L.– Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume I e II, Almedina 2007, p. 353).

SS. Esta regra orçamental da especificação integra duas proibições: (i) a proibição, para o Governo, da apresentação de aglomerados de receita e despesa públicas e (ii) a proibição, para a Assembleia da República, de implementação de um sistema de votação global do Orçamento.

TT. Ora, poder-se-á concluir, como faz MARIA D’OLIVEIRA MARTINS, que a regra orçamental da especificação serve o princípio da publicidade do Orçamento, que “implica a obrigação de tornar públicos todos os documentos que se revelem necessários para assegurar a adequada divulgação e transparência do Orçamento do Estado e a sua execução.” (cf. p. 32 do Parecer Jurídico da Professora Doutora Maria D´Oliveira Martins, cit. ANEXO N.º 3).

UU. Acresce que, com vista à corporização do princípio da especificação orçamental, a Constituição e a LEO (esta última, tanto na versão de 2001, como na versão de 2015), preveem a existência de três classificações orçamentais: a económica, a orgânica e a funcional.

VV. Debruçando-nos sobre a classificação económica, que é a que mais releva para os presentes autos, recorde-se, estabelece o artigo 8.º da LEO de 2001 que “As receitas devem ser suficientemente especificadas de acordo com uma classificação económica” (cf. também artigo 17.º da LEO de 2015).

WW. Sucede, porém, que a CESE – tendo em conta a sua relevância orçamental e a sua natureza – não se encontra devidamente orçamentada de acordo com a regra da especificação orçamental.

XX. Embora a receita decorrente da CESE em causa se presuma prevista na Lei do Orçamento do Estado – neste caso, por referência ao ano de 2018 –, a especificação e o desdobramento orçamental desta receita não respeitam o disposto na CRP e na LEO, não se afigurando, à luz do que antecede, suficiente a inscrição global das receitas do FSSSE no Mapa V dos vários Orçamentos do Estado até 2020 e, em 2021, 2022 e 2023, da receita da presumivelmente apenas dentro da categoria de “impostos diretos diversos” do Mapa 5.

YY. Na Lei do Orçamento do Estado para 2014, a CESE não é mencionada, especificamente, nem nos mapas orçamentais, nem nos desenvolvimentos orçamentais sendo que, da consulta do Relatório do Tribunal de Contas n.º 3/2015, parece resultar que a CESE terá sido contabilizada, no Mapa I, no Capítulo 0.8 “Outras receitas correntes”.

ZZ. Todavia, tal como resulta do referido Mapa I, não é possível aferir se, realmente, tal contabilização se deu, uma vez que, como se referiu, a receita da CESE não se encontra especificada em nenhum dos mapas anexos à Lei do Orçamento do Estado para 2014.

AAA. A este respeito, no Mapa V da Lei do Orçamento do Estado para 2018, referente às Receitas dos Serviços e Fundos Autónomos, por classificação orgânica, com especificação das receitas globais de cada serviço e fundo, prevê-se, tão-só, a arrecadação pelo FSSSE do montante global de € 120.000.000 (cento e vinte milhões de euros).

BBB. Se é certo que, do artigo 3.º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, resulta que constitui receita do FSSSE, designadamente, o produto da CESE, assim como outras receitas provenientes de aplicações financeiras, de doações, heranças, entre outras, no aludido Mapa V, as receitas do FSSSE não estão individualizadas, nem suficientemente discriminadas, pois que não se especifica quais os montantes, a título de CESE, que, afinal, se autoriza que sejam cobradas durante o ano e consignados ao FSSSE, em clara violação da CRP (artigo 105.º, n.º 1, alínea a)) e da LEO (artigo 8,º da LEO de 2001 e 17.º da LEO de 2015).

CCC. De onde se conclui que não está, por isso, discriminado de que é constituído o valor inscrito no Mapa V, de 120 milhões de euros, e desse valor, assumindo que ali está incluída a CESE, qual o que lhe corresponde.

DDD. De facto, considerando os valores arrecadados com a CESE – aproximadamente 665 milhões de euros no período compreendido entre 2014 a 2017 (v.g. http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c324679595 842774f6a63334e7a637664326c75636d56785833426c636d6431626e52686379395953556c4a4c33442794e4451784c58687061576b744d7931684c6e426b5a673d3d&fich= pr441-xiii-3-a.pdf&Inline=true) – a mesma deveria ser objeto de suficiente especificação – o que, in casu, não se verifica.

EEE. Ora, só com o cumprimento efetivo das necessidades de individualização decorrentes do princípio da especificação, poderá a Assembleia da República promover o controlo, político e orçamental, devido e exigido pela CRP e pela LEO, razão pela qual existe este princípio.

FFF. Nesta medida, é forçoso concluir que a receita escapou, inevitavelmente, ao crivo parlamentar, razão pela qual a sua não especificação, concreta e individualizada, nos termos da CRP e da LEO, equivale, em termos práticos, à sua não inscrição – e à sua não autorização – no correspondente Mapa da Lei do Orçamento do Estado.

GGG. A este respeito, JOSÉ CASALTA NABAIS vai ainda mais longe, entendendo que “(…) o cumprimento do princípio da especificação obriga não só ao cumprimento das exigências constitucionais, mas também das exigências legais e destas decorre não apenas a necessidade da sua previsão no Orçamento do Estado, mas também a sua correcta especificação. Assim, as receitas da CESE teriam que constar dos Mapas I, ou seja, conjuntamente com as receitas dos serviços integrados, por classificação económica. Mas a verdade é que, apesar de uma análise muito cuidada não encontramos a sua menção na classificação respectiva, isto é, como receita corrente” (cf. pág. 9 do Parecer do Professor José Casalta Nabais, cit. ANEXO N.º 5), (sublinhado da Recorrente).

HHH. Por outro lado, esta deficiente inscrição orçamental das receitas da CESE atenta, não apenas contra o princípio da legalidade, por violação da regra orçamental da especificação das receitas, mas gera, também, o incumprimento de outros princípios orçamentais, nomeadamente os princípios da transparência, da unidade e da universalidade.

III. Acresce, ainda, referir que o facto de o recente Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/2019, de 8 de janeiro, ter (pese embora sem força obrigatória geral) qualificado a CESE como uma “contribuição financeira”, e não como uma taxa ou imposto, também não poderá justificar o aligeiramento da especificação orçamental quanto a estas receitas.

JJJ. Em primeiro lugar, porque quer a CRP, quer a LEO referem-se a receitas, sem especificar a sua origem.

KKK. Depois, porque as contribuições financeiras possuem características semelhantes aos impostos, tendo assim sido vistas, quer pelo Tribunal de Contas, que a qualificou, em 2015, na categoria dos “impostos diretos”, quer pelo Estado, que anulou a sua propriedade comutativa (determinante para o Tribunal Constitucional a ter qualificado como contribuição financeira) ao não transferir, em 2014 e em 2015, o produto da receita da CESE para o FSSSE, tendo, assim, servido finalidades públicas gerais.

LLL. Por tudo, verifica-se a violação do princípio da especificação orçamental, com a consequente ocultação desta receita do controlo parlamentar, uma vez que a votação da Assembleia da República, em todos os Orçamentos desde 2014 a 2023, foi efetuada sem o pleno e cabal conhecimento do montante de receita previsto cobrar a título de CESE.

MMM. Razão pela qual, a omissão da referência à CESE nos Orçamentos do Estado para 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023 corresponde a uma manifesta violação da regra orçamental prevista no artigo 8.º da LEO de 2001 (aplicável aos Orçamentos de Estado de 2014 e 2015) e do artigo 17.º da LEO de 2015 (aplicável aos Orçamentos de 2016 a 2023) e, bem assim, à violação do Decreto-Lei n.º 26/2002, na medida em que promove uma deficiente inserção dessa receita no classificador económico e, também, a sua inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 105.º da CRP.

NNN. Acresce referir que esta violação da regra orçamental da especificação põe, também, em crise os outros referidos princípios e regras orçamentais, em especial, aqueles que mais se relacionam com esta, como são os da proibição de compensação e da compensação.

OOO. Chegados aqui, não se poderá ignorar o teor do recentíssimo Acórdão n.º 411/2022, do Tribunal Constitucional (TC), no qual este Tribunal se dedica à análise da eventual violação do princípio da discriminação e da regra da especificação orçamental, pelo disposto no artigo 11.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE), disponível para consulta em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20220411.html.

PPP. Do referido aresto decorre que o TC relega a palavra final para os tribunais tributários, uma vez que, de acordo com o Acórdão em escrutínio, o vício decorrente da violação arguida adere ao ato de liquidação e não à norma que prevê a consignação do tributo, i.e., o 11.º, n.º 1, do RCESE (norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada pela ali Recorrente).

QQQ. Ora, como acima já se deixou referido, a violação do princípio da especificação conduz à nulidade dos “créditos orçamentais que possibilitem a existência de dotações para utilização confidencial ou para fundos secretos (…)”, conforme preveem o artigo 8.º n.º 6, da LEO de 2001 e o artigo 17.º, n.º 3, da LEO de 2015, o que deverá significar que esses créditos se devem ter por não escritos, reconstituindo-se a ordem jurídica como se a cobrança da CESE nunca tivesse sido prevista.RRR. Ora, como bem refere MARIA D’OLIVEIRA MARTINS, “implicando as inconstitucionalidades e as ilegalidades detetadas na sua orçamentação a invalidade e a total improdutividade (nulidade absoluta) dos créditos orçamentais relativos à Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, isso não pode deixar de ter como consequência que os atos de liquidação e cobrança fiquem sem base legal de apoio, por não haver previsão orçamental das mesmas. Sem previsão orçamental, a Autoridade Tributária deixa de ter autorização para cobrança desta receita.” (cf. p. 77 do Parecer Jurídico da Professora Doutora Maria D’Oliveira Martins, cit. ANEXO N.º 3).

SSS. Por este motivo, o ato de (auto)liquidação da CESE aqui em apreço enferma de um vício gerador de ilegalidade abstrata, porquanto a sua liquidação e cobrança não terão sido devidamente autorizados em conformidade com a CRP e a LEO.

TTT. No que respeita ao desvalor jurídico do acto de autoliquidação em crise, em resultado da violação das regras orçamentais acima descritas, deverá este conduzir-se à nulidade dos "créditos orçamentais que possibilitem a existência de dotações para utilização confidencial ou para fundos secretos (...)", conforme prevêem o artigo 8.° n.°6, da LEO de 2001 e o artigo 17.°, n.° 3, da LEO de 2015, o que deverá significar que esses créditos se devem ter por não escritos, reconstituindo-se a ordem jurídica como se a cobrança da CESE nunca tivesse sido prevista.

UUU. Neste sentido, merecem acolhimento as considerações do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, quando indica que “(…) A falta de inscrição orçamental de receita liquidada sujeita a tal inscrição será um vício do acto tributário gerador da sua ilegalidade abstracta, equiparável aos vícios de inexistência do tributo (…)” (cf. Lopes de Sousa, Jorge – Código de Procedimento e Processo Tributário – Anotado e Comentado, Volume III, 6.ª Edição, p. 451).

VVV. Com efeito, a ilegalidade, in casu, é abstracta pelo facto de a mesma não residir directamente no acto que faz a aplicação da lei ao caso concreto – rectius, acto de liquidação -, mas na lei cuja aplicação é feita (cf. Lopes de Sousa, Jorge, Código de Procedimento e Processo Tributário – Anotado e Comentado, Vol. III, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, pp. 443).

WWW. Ora, esta ilegalidade, decorrente da falta de previsão e de especificação das receitas proporcionadas pela CESE resulta, efectivamente, numa ilegalidade grave dos respectivos actos de liquidação e cobrança, a qual, salvo melhor opinião, nunca pode reconduzir-se à mera anulabilidade, devendo materializar-se numa nulidade típica ou integral.

XXX. Com efeito, com a entrada em vigor do Código de Procedimento Administrativo (CPA), publicado em 7 de janeiro de 2015, pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, o legislador procedeu à anulação da antiga cláusula geral de nulidade do antigo CPA, passando a prever quatro novos casos de nulidade no atual artigo 161.º daquele diploma, de entre os quais a alínea k), onde se dispõe que são nulos “Os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei”.

YYY. Assim, de acordo com esta norma, são nulos quaisquer atos que gerem uma obrigação de pagamento não prevista na lei – com desrespeito do princípio da legalidade ou da tipicidade –, garantindo-se, assim, que todas as receitas têm cabimento legal.

ZZZ. Como explicam FAUSTO DE QUADROS, JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA, RUI CHANCERELLE DE MACHETE, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, MARIA DA GLÓRIA DIAS GARCIA, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, ANTÓNIO POLÍBIO HENRIQUES e JOSÉ MIGUEL SARDINHA, dá-se assim “expressão e merecido relevo a uma regra constitucional, nos termos da qual os atos de imposição pela Administração de uma obrigação pecuniária aos particulares, designadamente a liquidação de um tributo (imposto, taxa ou outra contribuição), têm como pressuposto necessário a respetiva base legal impositiva” (cf. Comentários à Revisão do Código de Procedimento Administrativo, Coimbra: Almedina, 2016, p. 324).

AAAA. Ora, se um dos fundamentos legais da realização da receita da CESE é o Orçamento de Estado, então não devem gerar-se obrigações pecuniárias por meio de ato administrativo quando um tributo não foi adequadamente orçamentado.

BBBB. Donde é forçoso concluir-se que as deficiências de orçamentação da CESE, desde a sua criação até à presente data, são tão graves que este tributo deve ter-se, mesmo, por não orçamentado, com a consequente nulidade das respetivas (auto)liquidações, ao abrigo da alínea k) do artigo 161.º do CPA.

CCCC. Considerando as exigências do ónus de suscitação prévia e as particularidades dos vícios de inconstitucionalidade e ilegalidade, os quais aderem, em rigor, a todo o escopo normativo conducente à cobrança do crédito tributário nulo, elucida-nos TIAGO DUARTE que “Deverá, assim, ser suscitada ao Tribunal a quo a inconstitucionalidade da norma que no ano em causa tenha mantido em vigor a CESE, bem como as normas do regime jurídico da CESE (com a redação em vigor nesse ano) que serão aplicadas pelo Tribunal a quo (…). (…) Todas estas normas (na versão em vigor relativamente ao ano a que a impugnação judicial diga respeito) contribuem para a criação da receita não orçamentada e são normas que serão necessariamente aplicadas pelo Tribunal a quo no momento de decidir um litígio em torno da liquidação e cobrança da CESE no contexto de uma impugnação judicial do acto de liquidação da mesma” (cf. cit. DOCUMENTO Nº 4, pp. 23 e 24).

DDDD. Em face do exposto, e atenta a desconformidade da CESE – mormente do disposto nos artigos 228.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (que institui o Regime jurídico da CESE), 280.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro (que prorroga a vigência da CESE para o ano 2018), 1.º (objeto), 2.º (base de incidência subjetiva), 3.º (base de incidência objetiva), 6.º (determinação da taxa aplicável), 11.º (determinação da consignação da receita ao FSSSE) e 12.º (não dedutibilidade do tributo) do seu regime jurídico – com o disposto no artigo 17.º da LEO e com o artigo 105.º da CRP, é manifestamente ilegal e inconstitucional (indiretamente que seja) o ato de autoliquidação ora impugnado, devendo ser declarado nulo, nos termos da alínea k) do artigo 161.º do CPA, com todas as consequências legais.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as consequências legais, designadamente a anulação da Sentença recorrida.

Mais se requer a V. Exas., nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 651.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), se dignem admitir a junção aos presentes autos de recurso dos Pareceres da autoria do Prof. Rui Medeiros, do Prof. J. J. Gomes Canotilho, da Prof. Maria d´Oliveira Martins, do Prof. Tiago Pires Duarte e do Prof. José Casalta Nabais, identificados como Anexos n.º 1, n.º 2, n.º 3, n.º 4 e n.º 5, respetivamente.» *

Notificada da admissão do recurso interposto, a Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.


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A Digna Magistrada do Ministério Público, junto deste Tribunal Central, emitiu nos termos do artigo 289.º, n.º 1 do CPPT douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.Importa assim, decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar que a CESE referente ao ano de 2018 constitui uma contribuição mantendo a sua natureza extraordinária.

III - FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto


É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«1. A Impugnante exerce a atividade de transportes marítimos de mercadorias, com o CAE principal n.º 50200
2. Constatado o não pagamento da CESE referente ao ano de 2018 até 31-10-2018, foi emitida liquidação da CESE n.° 2018 0010000000074, em 29-10-2018, no valor de € 38.165,19, com data limite de pagamento em 12-11-2018, conforme nota de cobrança n.° 2018 9623003 (vide fls. 76 e 108 do processo de RG e fls. 4, 7 e 16 do Processo Administrativo apenso aos presentes autos).
3. Do não pagamento resultou a instauração do processo de execução fiscal em 13-11- 2018, suspenso com prestação de garantia (vide fls. 106 do processo de RG).
4. Ainda, na sequência do não pagamento da contribuição até ao termo do prazo limite para o efeito foi emitida a liquidação n.° 2018 307104, no montante de € 60,94 a título de juros de mora devidos conforme artigo 8.° do RCESE, com data limite de pagamento de 20-12-2018, de acordo com a nota de cobrança n.° 2018 9623004 (vide fls. 72 e 80 do processo de RG e fls. 7 a 9 do processo administrativo apenso aos presentes autos).
5. Verificada a falta de pagamento foi instaurado, em 26-12-2018, o processo de execução fiscal n.° 3263201801316249, suspenso com prestação de garantia (vide fls. 107 e 109 do processo de RG apenso aos presentes autos).
6. A Impugnante apresentou reclamação graciosa.
7. Atendendo aos fundamentos de facto e de direito constantes do projeto de decisão, foi exarado em 20/05/2019, despacho no sentido do indeferimento do pedido, pela Chefe de Divisão de Justiça Administrativa, por subdelegação, relativamente à liquidação n.° 2018 0010000000074, respeitante a CESE do ano de 2018, no valor de € 38.165,19 e da liquidação de juros de mora n.° 2018 307104, no valor de € 60,94.
8. O reclamante foi notificado, nos termos da al. b) do n.° 1 do artigo 60.° da LGT, para exercer o direito de audição prévia, no prazo de 15 (quinze) dias, através do ofício n.° 11863, de 2019-05-23, expedido através do registo CTT — RH 1048 8186 4 PT, datado de 2019-05-23. (vide fls. do processo de RG apenso aos presentes autos).
9. Em 26/06/2019 foi proferido despacho de Indeferimento, pelo Chefe de Divisão de Direção de Finanças, ao abrigo de Subdelegação de competências. (vide fls. do processo de RG apenso aos presentes autos).
10. Em sequência, o Impugnante apresentou a petição dos presentes autos.»

*
Consta ainda da mesma sentença que «Factos não provados:
Inexiste qualquer outra factualidade que, relevando para o exame e decisão da causa, tenha sido julgada como não provada. Alicerçou-se a convicção do tribunal, na consideração dos factos provados, no teor dos documentos juntos aos autos, dos ínsitos no processo administrativo, tudo conforme referido em cada um dos pontos do probatório.»
*

III – 2. Da apreciação do recurso

A recorrente não imputa diretamente nenhum vício à sentença, limitando-se a reiterar os argumentos esgrimidos na petição inicial para defender a sua tese relativamente à natureza jurídica CESE, pretendendo qualifica-la como imposto e reafirmar a sua argumentação em defesa da desconformidade constitucional da CESE.

No entanto, as questões de inconstitucionalidade que invoca foram objecto de apreciação, quer pelo Tribunal Constitucional, quer pelo STA.

Se não vejamos.

A primeira questão suscitada no presente recurso, resume-se ao seguinte: a CESE foi estabelecida com a intenção de constituir uma medida extraordinária no âmbito e a propósito da negociação e cumprimento do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) por um período transitório e limitado alegando que foram há muito ultrapassadas as circunstâncias que justificaram a permanência excepcional e transitória da CESE na nossa ordem jurídica.

Atentas as decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional, prossegue a recorrente, é possível retirar como consequência que, a partir de 2018, a medida deixou de ter justificação constitucional para vigorar (extraordinariamente) no nosso ordenamento questionando se as razões que presidiram à implementação do tributo se mantêm ou não, ou se foram cumpridas com a receita gerada pela medida.

No entanto, como se afirma na sentença recorrida, a Contribuição Extraordinária sobre Sector Energético (CESE) foi criada pelo artigo 228.º da Lei n.º 83.º- C/2013, de 31/12 (Lei do Orçamento do Estado para 2014), extraindo-se da letra do seu artigo 1.º que a mesma tem por objectivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético.

A sua vigência foi sendo prorrogada sucessivamente pelos artigos 237.º e 238.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31/12, com as inerentes adaptações, por forma a adequar o regime jurídico à extensão da sua vigência ao ano de 2015; através da Lei n.º 159-C/2015, de 30/12 que manteve a sua vigência para o ano de 2016 depois de se ter operado o alargamento da sua incidência subjetiva pela Lei n.º 33/2015, de 27/4; mantendo-se a CESE para os anos subsequentes por força do artigo 264.º, da Lei n.º 42/2016, de 28/12, do artigo 280.º da Lei n.º 114/2017, para o ano de 2018, aqui em causa.

Ora, recentemente o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 296/23, de 25 de Maio de 2023, apreciou no Proc. 1288/21 a (auto)liquidação de Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) referente ao ano de 2018: «Cabe relembrar que um dos principais problemas setoriais que a CESE se dirigiu a resolver (e não o único, como já vimos) respeita à necessidade de assistência financeira a um problema transitório e excecional relativo ao setor energético, a dívida tarifária acumulada (cfr. artigo 2.º, alínea b) do Decreto-Lei n.º 55/2014 de 9 de abril). No pressuposto – que, imaginamos, será incontroverso – que a dívida tarifária continuou a constituir um problema grave no setor da energia, que se prolongou no tempo e mesmo conheceu agravamento face a 2014 em alguns dos anos posteriores (2015 e 2016), não vemos, pois, como seja possível afirmar com propriedade no segundo dos sentidos possíveis: no ano de lançamento da contribuição (2014), a dívida tarifária ascendia a € 4.690 M, em 2017 (ano em que foi aprovada a norma sob sindicância), cifrava-se em € 4.397 M e, no encerramento do exercício de 2018 (ano a que respeita a incidência), fixava-se em € 3.654 M. Se se denota uma ligeira amortização – ao que não será estranha, na conta do ano de 2018, a receita angariada pela contribuição cuja constitucionalidade aqui se discute –, não merece dúvidas que a sujeição a CESE no ano em referência continuou a compreender-se também por este problema transitório, já que o stock de dívida tarifária continuou a ensombrar o setor energético português.

De maior importância, ainda que se acedesse a que a contribuição adquiriu estabilidade, que foi desprovida de natureza extraordinária e que deve hoje ser considerada uma componente permanente do sistema tributário, daqui apenas resultaria que o seu regime jurídico se converteu em algo mais próximo, face ao inicialmente consagrado, daquele que caracteriza as demais contribuições financeiras do ordenamento jurídico português. O princípio geral é o da revisibilidade da legislação e não se divisa princípio constitucional que impusesse, sem outras considerações, imobilismo ou estaticidade ao legislador a respeito do regime contributivo do setor energético, como não vemos qualquer contexto que pudesse ter sedimentado expectativas jurídicas sobre a não-implementação (ou cessação de efeitos a prazo) de um tributo com os carateres daquele que está sob fiscalização.

“não se afigura decisivo o elemento da excecionalidade para um julgamento de não inconstitucionalidade do regime jurídico da CESE. Tal caraterística reforça a argumentação plasmada no Acórdão n.º 7/2019, mas está longe de constituir o seu único pilar de sustentação. Para o juízo de não inconstitucionalidade então proferido – e que agora se renova – contribui, sobretudo, a caraterização dogmática do tributo como contribuição financeira, e o objetivo de financiamento de mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor da energia, já que este permite afirmar a sinalagmaticidade do tributo, ainda que não referida a uma contraprestação específica” (v. acórdão do TC n.º 437/2021, também chamado à colação no acórdão do TC n.º 736/2021, que procedeu à fiscalização da norma do artigo 264.º da Lei n.º 42/2016 de 28.12 [vigência da CESE em 2017]) (…) A CESE responde à necessidade de oferecer estabilidade ao setor energético (que a recorrente integra) e, como se viu, resulta claro que os operadores nesse campo disso extraem vantagem: o benefício de não se acharem confrontados com um setor instável (desorganizado ou em rutura, fosse para com o contexto económico, social ou ambiental, que os envolve) é, sem dúvida, uma mais-valia económica para as entidades que nele operam, daí se compreendendo a chamada a financiamento da ação pública nesse domínio.»

Concluindo aquele alto Tribunal pela improcedência da imputação de vício de inconstitucionalidade material.

Este julgamento foi reafirmado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 372/23, de 7/06/2023 proferido no Processo n.º 623/22, mantendo-se o juízo de não inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da CESE, criada pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013 de 31.12, em vigor durante o exercício fiscal de 2018 por força do artigo 280.º da Lei n.º 114/2017, de 29/12.Também o STA tem reiterado este entendimento, de modo uniforme, citando-se o recente Acórdão proferido no processo n.º 1074/22.9BEPRT datado de 11/10/2023 em cujo sumário se pode ler «Em face da jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional e deste Supremo Tribunal Administrativo quanto à natureza jurídica de contribuição financeira da CESE e da não inconstitucionalidade do seu regime impõe-se decidir em conformidade com tal jurisprudência.» Ali se declarou que a jurisprudência constitucional, apreciando CESE de períodos posteriores ao analisado no primo acórdão do TC sobre a matéria [Acórdão n.º 7/2019] «sempre reiterou a natureza jurídica de contribuição financeira, e não de imposto, da imposição em causa – cf., entre outros, os Acórdãos n.ºs 436/21, 437/21, 438/21, 513/21, 532/21, 736/21, 756/21, 204/22, 214/22, 231/22, 232/22, 305/22, 411/22, 580/22, 581/22, 597/22, 658/22 e 782/22 -, posição esta também acolhida por este Supremo Tribunal, não havendo razão que justifique o afastamento deste rumo jurisprudencial uniforme (pois a posição sufragada no Acórdão do TC n.º 101/2023, de 16 de março, não parece ter vingado na jurisprudência constitucional – cf. os Acórdão do TC n.º 296/23 de 25 de maio e n.º 372/23, de 7 de junho).

Reitera-se pois, quanto à natureza jurídica da imposição e sua não desconformidade constitucional o rumo jurisprudencial já fixado, remetendo-se em especial para a fundamentação do Acórdão deste STA de 5 de julho de 2023, proc. n.º 0765/22, por recente e relativo ao ano de 2019, cuja cópia se dispensa porquanto disponível no sítio da internet dgsi.»

No que se refere à alegada falta de especificação ou não discriminação orçamental, subscrevemos aqui a fundamentação dos Acórdãos do STA de 8/09/2021, proferidos nos proc. n.º 0545/19.9BEPRT e n.º 1587/18.7BEPRT: «3.2. Na impugnação judicial cuja decisão agora se aprecia em sede de recurso foi também suscitada uma questão ainda não tratada na jurisprudência antes invocada, a saber: a alegada violação do princípio da especificação orçamental, i. e. o facto de a CESE e as respectivas receitas não estarem alegadamente orçamentadas nos termos exigidos pelo artigo 17.º da Lei de Enquadramento Orçamental (Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro) e, como tal, daí resultar, consequentemente, um vício de inconstitucionalidade por violação do artigo 105.º da CRP.

Sobre este específico fundamento da impugnação, que o Tribunal a quo igualmente julgou improcedente, sustentou-se a decisão recorrida nos seguintes argumentos.

Primeiro, no princípio da plenitude orçamental ou da plenitude do Orçamento do Estado. De acordo com este princípio, o que as regras da alínea a) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 105.º da CRP pretendem impedir é a desorçamentação de verbas e não eventuais desacertos quanto às respectivas rubricas de inscrição. E apoiou-se, para o efeito, no acórdão do TC n.º 414/2011.

Segundo, invocou a suficiência da conjugação dos critérios da classificação do tributo como contribuição, da autonomia do FSSSE decorrente do seu regime legal (Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril), dos critérios legais de incidência objectiva da CESE e da previsão das receitas (globais) do FSSSE no Mapa V do orçamento, e assim fundamentou, in casu, o respeito pelo princípio da suficiência da especificação orçamental.

Cumpre sublinhar que o que a Recorrente pretende essencialmente questionar com este argumento é a conformidade constitucional e legal, no plano orçamental, da circunstância de estas contribuições serem cobradas pela AT, não obstante a lei as configurar como receitas consignadas do FSSSE. E reconduz depois a complexidade deste circuito tributário-financeiro e a sua configuração no plano orçamental a uma violação do princípio constitucional da especificidade orçamental.

Ora, para além de acompanharmos os fundamentos da decisão recorrida, aditamos ainda uma terceira razão pela qual o recurso há-de também improceder quanto a este fundamento. Um argumento extraído da jurisprudência constitucional sobre a interpretação do princípio da especificidade orçamental, segundo a qual, para efeitos constitucionais (designadamente do exercício de poderes reservados ao Parlamento no âmbito do orçamental), este princípio é relevante, sobretudo, para efeitos de despesas e não tanto de orçamentação de receitas. Neste sentido v. acórdão n.º 206/87, no qual pode ler-se o seguinte:

«[…] A análise, ainda que superficial, deste preceito [à data, artigo 108.º, n.º 1, al. a) e n.º 5 da CRP] logo mostra que a CRP se preocupa muito mais em precisar o grau de especificação das despesas que o grau de especificação das receitas, talvez porque, no respeitante às receitas, e uma vez discriminadas as suas fontes, uma maior ou menor especificação, para além disso - e diferentemente do que sucede com as despesas - é desprovida de consequências jurídicas de qualquer ordem, pelo menos para o Estado. Assim é que, por exemplo, a cobrança de receitas pode ser efectuada mesmo para além do montante inscrito (artigo 17.º, n.º 2, da Lei n.º 40/83) […]».

Ora, mantendo-se hoje em vigor, quer uma redacção semelhante das normas constitucionais em matéria de exigência constitucional quanto à discriminação de receitas e despesas do Estado [a actual alínea a) do n.º 1 do artigo 105.º da CRP)], quer uma formulação normativa idêntica quanto à admissibilidade em sede de LEO de liquidação e cobrança de receitas para além do previsto na respectiva inscrição orçamental, devemos considerar que se mantém válida a interpretação jurisprudencial veiculada no aresto antes mencionado quanto à relativa desconsideração para efeitos jurídicos das exigências de especificação orçamental em matéria de receitas.»

Quanto aos demais vícios imputados relativos à conformidade constitucionalidade das normas constantes do regime jurídico da CESE por violação dos princípios da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real, da proporcionalidade, da igualdade na repartição dos encargos públicos constituem questões que o Supremo Tribunal Administrativo, tem decidido de modo reiterado e uniforme nos acórdãos n.ºs 415/16.2BEVIS; 386/17.8BEMDL; 387/17.6BEMDL; e 314/18.3BEVIS todos integralmente disponíveis em http://www.dgsi.pt, para os quais se remete, seguindo jurisprudência firmada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 7/2019, de 8/01/2019, proferido no n.º Processo n.º 141/16 também integralmente disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt).

Do exposto se conclui pela total improcedência do recurso.


*
No que se refere às custas, o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual custas são pagas pela parte que lhes deu causa.

Atendendo à improcedência do recurso, considera-se que foi a recorrente que deu causa às custas do presente processo (cf. n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas custas (cf. n.º 1, 1.ª parte).

IV – CONCLUSÕES

O regime jurídico actual da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético não viola os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, da proporcionalidade, da igualdade na repartição dos encargos públicos, nem o princípio da especificação orçamental.

V – DECISÃO

Termos em que, acordam as juízas da subsecção do Contencioso Tributário Comum do TCA Sul em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 2 de Novembro de 2023.



Ana Cristina Carvalho - Relatora

Tânia Meireles da Cunha – 1ª Adjunta com voto de vencida

Vital Lopes – 2º Adjunto



Voto vencida, por aderir ao entendimento plasmado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 101/2023, de 16.03.2023.

Lisboa, 02.11.2023


(Tânia Meireles da Cunha)