Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1484/06.9BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/02/2023
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IVA
REGIME DA MARGEM
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - Cabe ao sujeito passivo, que aliene viaturas aplicando o regime da margem, demonstrar a reunião dos respetivos pressupostos.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO
A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 23.06.2019, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por F….., Lda (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento do recurso hierárquico do indeferimento da reclamação graciosa que, por seu turno, versou sobre as liquidações de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e as dos respetivos juros compensatórios, relativas aos anos de 2000 e de 2001.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Nas suas alegações, a Recorrente concluiu nos seguintes termos:

“A. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, porquanto considera existir erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por insuficiência ou défice de pronúncia, por errada valoração dos elementos de prova apresentadas e, consequente, erro no sentido da decisão final, bem como violação do princípio do inquisitório plasmado no artigo 411.º do CPC e dos princípios da investigação e do inquisitório consagrados nos artigos 13.º do CPPT e 99.º da LGT.

B. Entende a Fazenda Pública que os factos dados como provados nos autos poderiam e deveriam ter conduzido o tribunal a quo a um outros procedimentos, ao invés de centrar a sua decisão numa deficiente consideração e valorização da prova produzida pela AT, com o consequente erro no sentido da decisão final, bem como na violação do principio do inquisitório.

C. E que demonstram que a impugnante apesar de ter várias contas bancárias, as mesmas não se encontravam registadas na contabilidade, não permitindo aos SIT, alcançar os recebimentos e os pagamentos, de forma a realizar a conciliação dos registos bancários, por outro lado foram detetados empréstimos dos sócios à sociedade, desconhecendo-se por completo onde seria possível recorrer, para realizar tais empréstimos à sociedade, visto que nas declarações de rendimentos a título particular, auferem valores de categoria A, muito diminutos e ainda considerando que apesar deste contexto, os serviços de inspeção tributária acolheram positivamente aos argumentos vertidos pela impugnante no seu direito de audição, abstendo-se de realizar correções com recurso aos métodos indiretos.

D. Não obstante este cenário e como já supra exposto, não pode a Fazenda Pública aceitar a douta decisão, porquanto motiva a sua fundamentação na falta de prova e na parte que devria ter o ónus de a suscitar, neste campo aferimos que impendia sobre o Tribunal um poder-dever de requisitar os documentos que, em complemento dos já existentes nos autos, se mostrassem úteis ao correto apuramento da verdade material, nomeadamente quando afirma o constante no ponto 8, devendo socorrer-se da prerrogativa constante do artigo 140.º do CPC (atual 133.º do CPC).

E. Por conseguinte, tais factos devem ser dados como provados e aditados à matéria de facto dada como provada, pois estão provados pelos documentos juntos ao processo administrativo, em apenso aos autos e em parte devidamente traduzidos na informação da justiça contenciosa.

F. De facto, se a questão a decidir não for apenas de direito e o processo não fornecer os elementos necessários para decidir questões de factos suscitadas, haverá lugar à realização das diligências de prova que forem julgadas necessárias.

G. Pois, para além das diligências requeridas, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer, nos termos do n.º 1 do artigo 99.º da LGT e n.º 1 do artigo 13.º do CPPT.

H. Trata-se aqui da consagração do princípio da oficialidade e do princípio da investigação ou do inquisitório, que consiste na atribuição ao Juiz do poder de ordenar as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade.

I. Pelo que, a falta de realização oficiosa das diligências instrutórias úteis para o conhecimento dos factos alegados ou de factos suscetíveis de serem conhecidos também oficiosamente constitui um erro de julgamento porquanto se traduz numa errada não aplicação do preceito legal que a impõe.

J. Nestes termos caberá ainda indagar que tratando-se de factos cuja petição da impugnante suscita, não compreendemos por que razão o tribunal confere o ónus da prova à Fazenda Pública, quando acresce que estando em causa um regime especial de tributação de bens em segunda mão de IVA, que se reporta a um regime excecional, sempre se dirá que caberia à impugnante demonstrar o preenchimento de todos os pressupostos. O que não acontecendo deverá se repercutir na sua pretensão.

K. Pelo que e em conclusão, afigura-se-nos que a douta Sentença recorrida violou o disposto no n.º 1 do artigo 99.º da LGT, n.º 1 do artigo 13.º do CPPT o disposto no artigo 411.º do CPC e, ainda, a inversão do ónus da prova à luz das regras da sua distribuição.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada
JUSTIÇA”.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.
Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir
a) Verifica-se erro de julgamento, quanto à matéria de facto?
b) Há erro de julgamento, por não terem sido consideradas as regras de distribuição do ónus da prova e por ter sido violado o princípio do inquisitório?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:
“1.º - A fiscalização que deu origem às liquidações objeto da presente impugnação judicial foi determinada por despacho do Chefe da Divisão IV dos Serviços de Prevenção e Inspeção Tributária (SIT), afeta à Direção de Finanças de Lisboa, exarada na ordem de serviço n.º30737 de 27 de outubro de 2003 - cf. doc. de fls.75 do Processo Administrativo (PA) apenso a este processo de impugnação judicial, correspondente a fls.2 do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

2.º - A visita dos SIT à ora Impugnante teve por objetivo a inspeção ao exercício de 2001 - cf. doc. de fls.75 do PA apenso a este processo de impugnação judicial, correspondente a fls.2 do RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

3.º - Durante a inspeção foi aberta a ordem de serviço n.º34105 de 16 de março de 2004, referente ao ano de 2000.

4.º - A ora Impugnante tem por objeto a importação e comercialização de automóveis, CAE 50100 - cf. teor de fls.76 do PA apenso a este processo de impugnação judicial, correspondente a fls.3 do RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

5.º - A Impugnante nos exercícios de 2000 e 2001 procedeu à entrega das declarações Mod.22 do IRC, Declaração Anual (IRC, IRS e IVA) e ao envio das declarações periódicas de IVA ao SAIVA - cf. teor de fls.76 do PA apenso a este processo de impugnação judicial, correspondente a fls.3 do RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

6.º - A sociedade Impugnante em sede de IRC está enquadrada no regime Geral - cf. teor de fls.76 do PA apenso a este processo de impugnação judicial, correspondente a fls.3 do RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

7.º - Os SIT em sede de IVA, consideraram que, a atividade da ora Impugnante, é uma atividade sujeita a IVA, estando a venda das mercadorias sujeita à taxa normal - cf. teor de fls.76 do PA apenso a este processo de impugnação judicial, correspondente a fls.3 do RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

8.º - A empresa (ora Impugnante) desde o início da sua atividade encontra-se abrangida pelo regime normal de periodicidade trimestral - cf. teor de fls.76 do PA apenso a este processo de impugnação judicial, correspondente a fls.3 do RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

9.º - A Impugnante, não registou, nem declarou nos exercícios de 2000 e 2001, os seguintes valores referentes a aquisições intracomunitárias:

Ano de 2000
1º trimestre
Valor Aquisição VIES - €12.271,00
Base Tributável - €12.271,00
IVA devido à taxa de 17% - €2.086,07

Ano de 2001
3º trimestre
Valor Aquisição VIES - € 28.121,00
Base Tributável - € 28.121,00
IVA devido à taxa de 17%

10.º - As aquisições intracomunitárias supra referidas não foram contabilizadas, nem incluídas nas declarações periódicas de IVA pela Impugnante.

11.º - Os SIT ao procederem ao controlo das vendas das viaturas efetuadas pela ora Impugnante correspondentes ao exercício de 2000 e 2001 constataram, que, relativamente à venda de viaturas adquiridas na União Europeia a ora Impugnante aplicou aquando da venda dessas viaturas nos exercícios de 2000 e 2001, dois procedimentos para o apuramento do IVA:

a) Aplicou a umas viaturas o método da margem dos bens em segunda mão – encontrou a diferença entre o valor da venda e o somatório do preço de compra e do imposto automóvel e todos os serviços acessórios;

b) A outras viaturas aplicou o regime geral do Imposto sobre o Valor Acrescentado - cf. resulta do teor do RIT, ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
12.º - A Impugnante adquiriu em 1999, as viaturas objeto de correção em sede de IVA aos revendedores: “B.. A…”- NIPC: ….; “T…. Y….” - NIPC: …..; L… R…” - NIPC: ….; H…. V….. M…” - NIPC: ; “A…. P…” - “B…. A…. – …”; “B….-A…..”- NIPC:…., H… – …, sediados na A…., não tendo estes revendedores liquidado IVA nas respetivas faturas que emitiram - cf. resulta do teor do RIT, ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

13.º - Dado que a ora Impugnante liquidou IVA (taxa de 17%) pelo método da margem, incidindo o IVA sobre a diferença entre o valor da venda e o somatório do preço de compra e do imposto automóvel e todos os serviços acessórios, ao valor de venda das viaturas constantes das faturas emitidas pela empresa Impugnante, os SIT retiram o IVA que liquidou e, ao resultado, aplicaram o IVA à taxa de 17%, obtendo (no seu entender) deste modo o IVA em falta nos exercícios de 2000 e 2001- cf. resulta do teor do RIT, ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
14.º - A AF considerou que a ora Impugnante não registou nem declarou as seguintes aquisições:
- Aquisição intracomunitária efetuada no 1º trimestre de 2000, ao sujeito passivo B…..H…., NIPC: …, no valor de € 12.271,00.
- Aquisição no valor de €28.121,00, efetuada no 3º trimestre de 2001, ao sujeito passivo D…. A…. A…. - cf. teor de fls.76 do PA apenso a este processo de impugnação judicial, correspondente a fls.12 do RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

15.º - Os veículos com a matrícula portuguesa 70-…..-…., com o n.º de quadro VF…. e com a matrícula 43-…-…., com o n.º de quadro WW….. (vide docs. 3 e 4 e anexos n.º VII e VIII do doc.2), foram adquiridos a quem não era sujeito passivo de IVA pela ora Impugnante - cf. docs. 3 e 4, juntos com a douta petição inicial e posterior junção de tradução dos mesmos aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

16.º - A Impugnante foi notificada para exercer o seu direito de audição prévia.

17.º - O sócio gerente da Impugnante exerceu o direito de audição prévia - cf. última folha do RIT, ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

18.º - A presente impugnação foi precedida de reclamação graciosa (RG).

19.º - A mesma foi indeferida por despacho de 27.10.2005 notificado ao sujeito passivo (ora Impugnante) em 24.11.2005.

20.º - O processo de RG encontra-se apenso aos autos nos termos e para os efeitos do disposto no n.º3 do art.111.º, do CPPT (cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais).

21.º - Do indeferimento da RG foi apresentado RH em 22.12.2005 que não foi objeto de decisão no prazo previsto no art.66.º, n.º5, do CPPT - o qual se encontra apenso aos presentes autos (cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais).

22.º - Do indeferimento tácito do referido RH, foi apresentada a presente impugnação judicial”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:
“Não existem outros factos provados ou não provados com relevância para a apreciação da decisão em apreço”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:
“A matéria de facto, dada como assente nos presentes autos, foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, segundo a análise crítica dos documentos que constam do probatório que contribuíram para a formação da convicção do Tribunal, com a respetiva remissão para as folhas dos processos (PA, RG, RIT, RH) onde se encontram”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao valorar incorretamente a prova, dado ter sido demonstrado que os veículos cuja aquisição originou a correção em sede de IVA foram adquiridos a sujeitos passivos de tal imposto na Alemanha, sendo que cabia à Impugnante o ónus da prova de que estávamos perante a reunião dos pressupostos da aplicação do regime da margem. Refere ainda que o Tribunal a quo violou o princípio do inquisitório.

Vejamos, então.

Compulsado o relatório de inspeção tributária (RIT), do mesmo extrai-se designadamente o seguinte, quanto às correções objeto de apreciação (sendo perfeitamente irrelevante, neste caso, o que consta do relatório a propósito dos métodos indiretos e focado nas alegações, porquanto não é de tais correções que se trata):

a) A administração tributária (AT) constatou que houve viaturas às quais a Impugnante aplicou o método da margem, em situações cujos documentos de suporte eram faturas emitidas por revendedores sediados na Alemanha, em cujas faturas não foi liquidado IVA;

b) Neste contexto, considerou a AT que, não havendo indicação de que o regime aplicado tenha sido o da margem, deveria ter sido aplicado o regime geral;

c) Foi, a final, após o exercício do direito de audição, estruturada uma correção de IVA no valor de 27.542,18 Eur., para 2000, e de 5.767,60 Eur., para 2001;
Considerando os anexos do RIT relativos a esta correção, verifica-se que, para o ano de 2000, a mesma respeitava a sete veículos automóveis, um dos quais o a) veículo 70-…-…. mencionado em 15.º do probatório, e que, para o ano de 2001, a correção era relativa a dois veículos automóveis, um dos quais o veículo 43-….-… mencionado em 15.º do probatório.

O Tribunal a quo, em suma, considerou, de um lado, que, em relação aos veículos mencionados em 15.º, ficou provada a sua aquisição a pessoas que não eram sujeitos passivos de IVA.

Quanto ao restante, entendeu que a AT não logrou provar cabalmente os pressupostos em que assentou a correção.

Vejamos, então.

Na aquisição, para revenda, de um veículo usado em outro Estado-Membro da União Europeia, podem surgir diversas situações distintas, do ponto de vista do IVA, designadamente:

a) Pode ser adquirido a outro sujeito passivo de IVA, sendo aplicável o regime geral deste imposto;

b) Pode ser aplicado o Regime Especial de Tributação do IVA nos Bens em Segunda Mão, Objetos de Arte, de Coleção e Antiguidades (aprovado pelo DL n.º 199/96, de 18 de outubro), vulgo regime da margem, reunidos que estejam os respetivos pressupostos.

Olhando para este regime especial, o mesmo resultou da transposição para a nossa ordem jurídica da Diretiva 94/5/CE, do Conselho, de 14 de fevereiro de 1994, relativa à tributação, em IVA, das transmissões de bens em segunda mão, objetos de arte, de coleção e antiguidades.

Do mesmo, em síntese, destaca-se o seguinte:
a) A aquisição tem de ser feita, dentro da União Europeia:
· A uma pessoa que não seja sujeito passivo;
· A outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este tenha sido isenta de imposto, ao abrigo do n.º 33 do artigo 9.º do Código do IVA [33 - As transmissões de bens afetos exclusivamente a uma atividade isenta, quando não tenham sido objeto do direito à dedução, e bem assim as transmissões de bens cuja aquisição ou afetação tenha sido feita com exclusão do direito à dedução nos termos do nº 1 do artigo 21º], ou de disposição legal idêntica vigente no Estado membro onde tiver sido efetuada a transmissão;
· A outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este tenha tido por objeto um bem de investimento e tenha sido isenta de imposto, ao abrigo do art.º 53.º do Código do IVA, ou de disposição legal idêntica vigente no Estado membro onde tiver sido efetuada a transmissão;
· A outro sujeito passivo revendedor, desde que a transmissão dos bens por esse outro sujeito passivo revendedor tenha sido efetuada ao abrigo do disposto no diploma em causa, ou de regulamentação idêntica vigente no Estado membro onde a transmissão dos bens tiver sido efetuada;
a) As faturas emitidas relativas a transmissões no âmbito do regime da margem têm de ter essa menção.
No caso, os documentos que titulavam as aquisições em causa e que a AT analisou em sede inspetiva evidenciavam tratar-se de documentos emitidos na Alemanha, nos quais não foi liquidado IVA, concluindo tratar-se de sujeitos passivos revendedores. A Impugnante, por seu turno, afirmava não se tratarem de sujeitos revendedores, mas de meros comissários.
A questão aqui central respeita ao ónus da prova dos requisitos para efeitos de tributação.
Veja-se que todas as transações que estejam contabilizadas por um sujeito passivo devem estar cabalmente sustentadas.
No caso, cabia, desde logo, à Recorrida, atento o disposto no art.º 74.º da LGT, dispor dos elementos probatórios que permitissem demonstrar estarem reunidos os pressupostos para aplicar o regime da margem, como aplicou [cfr., a este propósito, v.g., o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 09.06.2009 (Processo: 02771/08) e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 22.09.2022 (Processo: 00340/14.1BEPRT)].
Se a Recorrida refere que as operações em causa tinham os pressupostos que lhe permitiam a aplicação do regime especial da margem e não do regime regra, tal tinha, ab initio, de ser por si demonstrado e de estar evidenciado nos elementos que sustentam a sua contabilidade – o que não sucedeu, exceto em relação a duas viaturas, cuja prova, já perante o Tribunal, permitiu que o mesmo desse como provado o facto 15.º, que, apesar de ressaltar nas alegações alguma discordância sobre o mesmo, não foi impugnado pela Recorrente nos termos exigidos no art.º 640.º do CPC.
Com efeito, ainda que estejamos perante faturas redigidas em alemão, não é posto em causa e, aliás, até está provado (cfr. facto 12.º) que as viaturas foram adquiridas a revendedores, que não liquidaram IVA, o que, prima facie, não revela a reunião dos pressupostos para aplicação do regime da margem, a que fizemos menção supra, dado estarmos perante compra de veículos destinados a revenda e não ter sido liquidado nenhum IVA na origem. Foi apenas alegado pelo Impugnante que adquirira os veículos a sujeitos particulares, o que, excecionando as situações provadas referidas em 15.º mencionado em II.A. do probatório, não ficou provado.
Logo, concorda-se com a Recorrente, exceto quanto às viaturas mencionadas em 15.º, que o ónus da prova da reunião dos pressupostos do regime especial da margem caberia à Impugnante, o que não ocorreu, revertendo tal inércia probatória contra si.
Nesta sequência, carece de pertinência apreciar o demais alegado pela Recorrente, relacionado com o princípio do inquisitório e o erro no julgamento de facto daí adveniente.
Assim, e em suma, assiste parcial razão à Recorrente.

Vencidas ambas as partes são as mesmas responsáveis pelas custas em ambas as instâncias (art.º 527.º do CPC), na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo de não haver lugar, por parte da Recorrida, ao pagamento de taxa de justiça na presente instância, por não ter contra-alegado (art.º 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais).

IV. DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Conceder parcial provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, exceto no que respeita à liquidação de IVA respeitante aos veículos mencionados em 15.º do probatório, julgando, no demais, a impugnação improcedente e, em conformidade, mantendo os atos impugnados nessa parte;
b) Custas por ambas as partes e em ambas as instâncias na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 83% pela Impugnante e 17% pela Fazenda Pública;
c) Registe e notifique.

Lisboa, 02 de novembro de 2023

(Tânia Meireles da Cunha)

(Vital Lopes)

(Ana Cristina Carvalho)