Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:119/22.7 BEALM-B
Secção:CA
Data do Acordão:11/09/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SANÇÃO DISCIPLINAR
ORDEM DOS MÉDICOS DENTISTAS
PENA EXPULSIVA
Sumário:I – A acusação deve expor os factos um a um, circunstanciados, precisos, concretizados pelo modus operandi, pela indicação cabal das circunstâncias de modo, lugar e tempo em que tenham ocorrido, sob pena de nulidade insuprível.
Não tendo sido produzida qualquer prova sobre factos concretos, limitando-se quer a acusação quer os depoimentos prestados a meras imputações vagas, genéricas e abstratas, não podia o arguido ser punido como foi pela prática de infração disciplinar, mostrando-se por isso inválido o ato punitivo.
II - Por maioria de razão, num processo de natureza Cautelar e perante a mera alegação de um facto, tal não determina que o tribunal tenha de o dar por assente, uma vez que alegar não é provar, como decorre do brocardo latino - Allegatio et non probatio quasi non allegatio - Alegar e não provar é quase não alegar.”
III – Importa não perder de vista que impende sobre o recorrente, em sede de recurso, o ónus de invocar, também no domínio da aplicação da lei, os argumentos (jurídicos) que na sua ótica justificam o afastamento dos fundamentos constantes da decisão recorrida para sustentar o modo como interpretou e/ou aplicou a lei, de tal modo que o tribunal superior os possa apreciar, no sentido de lhes dar ou não sustentação.
Versando o recurso predominantemente a matéria de direito, deve o Recorrente, para além de indicar nas conclusões as normas jurídicas violadas, referir também o sentido que, no seu entender, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (artigo 639.°, n.° 2, c) CPC).
IV - Também o incumprimento dos ónus previstos no artigo 640.° n.° 1, als. a) e c) CPC é suficiente para que se dê por verificado o incumprimento dos ónus previstos de impugnação da matéria de facto.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
A Ordem dos Médicos Dentistas, com os demais sinais nos autos, no âmbito da Providência Cautelar apresentada por A........., tendente à suspensão da eficácia do acórdão do Conselho Deontológico e de Disciplina da Entidade Requerida, de 25 de fevereiro de 2012, que, no âmbito do procedimento disciplinar n.° 36/2011, lhe aplicou a sanção disciplinar de expulsão da Ordem dos Médicos Dentistas, inconformado com a decisão proferida no TAF de Almada, de 30 de junho de 2023, através da qual foi julgado “(…) procedente o processo cautelar e, consequentemente, decreto a providência cautelar requerida”, veio, em 19 de julho de 2023, recorrer da decisão proferida para esta instância, tendo concluído:
“I- Na ação originária de declaração de nulidade em que o aqui apelado impugnou a decisão sancionatória de que foi alvo, postulou, este, a nulidade de ato administrativo por vários motivos (que agora o tribunal recorrido diz serem causas de mera anulabilidade e como tal já não poderem ser fundamentadores de uma nova ação depois da deserção da primeira por estarem sujeita a prazo), mas não por ter sido violado o seu direito de defesa por falta de audição de testemunhas, algo que até agora nunca invocou.
II- Esse argumento de nulidade só foi usado na ação de que o presente processo cautelar é dependência (119/22.7 BEALM), a qual foi instaurada em 2022.
III- Quando a tutela dos interesses a que a providência cautelar se destina seja assegurada por via contenciosa não está sujeita a prazo, o requerente deve para efeitos de impedir a caducidade da providência usar essa via no prazo de 90 dias contados desde o trânsito em julgado da decisão. (123°, n° 2 do CPTA)
IV- Ora, decretada a providência destinada a acautelar os direitos do apelado no processo e, tendo esta transitado em julgado há anos, a verdade é que nem antes nem depois dos 90 dias seguintes a tal decretamento o apelado deu entrada de ação de nulidade que tivesse por motivo de nulidade a preterição de audição de testemunhas, único motivo que sustenta o fumus boni iuris da providência ora decretada.
V- Isso significa que para o efeito de tutela cautelar aquele vício teria feito caducar aquela providência se dela dependesse assim como não pode estar na base do decretamento da presente, por estar precludido.
VI- A mesma caducou pela deserção da ação principal, mas quanto a esta causa concreta de caducidade também se encontra caduca porque a ação com aquele concreto fundamento não chegou a ser intentada naquele prazo e aquela ação na qual foi decretada a deserção da instância não continha esta causa de invalidade em concreto no seu cardápio argumentativo.
VII- Por conseguinte, a decisão que decretou a caducidade da providência cautelar pelo motivo em causa nunca poderia ter sido decretada com base na nulidade da violação da prova da defesa, porque tal nunca foi invocado no processo principal, nem noutro 90 dias após o trânsito em julgado do decretamento daquela.
VIII- Por isso, para efeitos de decretamento do processo cautelar, a nulidade derivada da falta injustificada de inquirição das testemunhas está precludida porque ficou abrangida pelo caso julgado que decretou a caducidade a primeira providência cautelar concedida.
IX- Os efeitos de ter deixado decorrer o prazo de 90 dias para intentar ação principal por este fundamento, postulando a nulidade do ato sancionatório repercutem-se naquela providência cautelar se não tivesse vindo a caducar por outro motivo, como se repercute da mesma forma em qualquer outra providência cautelar que tenha por objeto o mesmo ato administrativo, como é o caso da presente.
X- Deve por este motivo ser revogada a decisão cautelar apelada.
XI- Mas se, como é defendido pela doutrina mais representativa junto dos tribunais administrativos, a causa de pedir nas ações em que é postulada a invalidação de um dado ato administrativo abrange a pretensão invalidatória e não a concreta causa de invalidade usada pelo autor dessa ação, então, será forçoso concluir que o caso julgado da ação deserção ainda que sendo meramente formal abrange o que foi alegado e o que podia ter sido alegado, mas não foi, pelo que a decisão de deserção por força do caso julgado da mesma põe em causa, também, os vícios que geram nulidade e que não dependam de prazo de arguição contra o mesmo ato administrativo.
XII- Assim, consequentemente, não pode ser decretada providência cautelar de suspensão assente num fumus boni iuris que já não seria invocável pelo autor ou requerente aqui apelado pelo menos para efeitos cautelares ou para fins principais, atenta a formação do caso julgado da de deserção que abrange também aqui o alegado e o que podia ter sido alegado mas não foi.
XIII- A providência cautelar ora decretada é precisamente igual ou idêntica à não decretada neste mesmo tribunal neste mesmo processo.
XIV- A mesma não foi decretada, então, por estar pendente a decisão sobre a caducidade da providência cautelar decretada pela primeira vez, a propósito do ato administrativo sancionatório de expulsão notificado ao apelado em 2012.
XV- Tal decisão transitou em julgado, mantendo-se a mesma e a deserção da instância que a justificou
XVI- Quando transitou em julgado a providência cautelar caducada, é patente que, atendendo-se à identidade entre ambas não é possível ao tribunal a quo decretar providência cautelar idêntica à caducada e idêntica aquela que o tribunal julgou litispendente da caducada.
XVII- Havendo identidade, como há, de providências cautelares, tem de socorrer-se o tribunal do regime de proibição de repetição de providências cautelares.
XVIII- Quando uma providência cautelar não é decretada, o requerente da mesma pode impugná-la verticalmente juntos dos tribunais superiores e acatar no fim qualquer uma das partes a decisão ali tomada.
XIX- O que não pode é intentar tantas providências cautelares idênticas quantas vezes lhe apetecer relativamente sempre ao mesmo ato, até haver alguém que a decrete, porque esse resultado é precisamente o que se pretende evitar com a proibição de repetição de providências cautelares vertido no CPC, preceito, esse, que o tribunal a quo ao decretar a presente e providência antes caducada desrespeitou, ignorando-o e, por isso, decretou a presente providência cautelar.
XX- É que esta é a terceira providência cautelar que o aqui apelado intenta para o mesmo fim com o mesmo objetivo do mesmo ato e com os mesos fundamentos, sendo que a primeira foi decretada, mas depois julgada definitivamente caducada; a segunda foi indeferida por litispendência, sendo certo que o processo pendente que deixou de o estar por caducidade da providência cautelar decretada em primeira mão.
XXI- Por isso, não é admissível que um outro tribunal ou até o mesmo, como é o caso, venha a decretar uma providência cautelar que antes julgou litispendente com a caducada ainda não transitada e que agora deveria pura e simplesmente ter indeferido por esta transitado em julgado a caducidade daquela mesma providência cautelar.
XXII- Violou por isso o tribunal a quo o artigo 362o, 4 do CPC, aplicável ex vi artigo 1° do CPTA.
XXIII- Sendo certo que não podendo ser sequer admitida e decidida a presente e providência pelos motivos expostos neste recurso, o tribunal a quo ao decretá-la violou o artigo 362o, n° 4 do CPC, produzindo erro de julgamento.
Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e, assim, revogada a decisão recorrida.”

O Recorrido/A…. veio apresentar as suas Contra-alegações de recurso em 2 de agosto de 2023, concluindo:
“1. Inconformada com a Douta Sentença de 30.06.2023 que julgou procedente o processo cautelar interposto e decretou a providência cautelar requerida, veio a Recorrente oferecer suas Alegações.
2. Porém, sem que lhe assista razão, porquanto o Tribunal a quo não errou de facto ou de direito e nenhum vício pode ser assacado à decisão recorrida que que se louva pela sua justeza e se acolhe pelo seu rigor, e nos termos conjugados dos artigos 607°, 608°, n° 1 e 2, 615° n° 1 al d) todos do CPC, não há que suprir qualquer vício da decisão revogando-a.
3. E por vencida (e não convencida por em desacordo com o decidido), veio a Recorrente alegar que o julgador se enganou, e as suas conclusões, no essencial resumem-se à não concordância desse decretamento provisório, mais parecendo pretender alcançar uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção do que espera a decisão.
4. Em bom rigor, o único erro que, in casu, se verifica é o da sanção de um inocente, como a Recorrente bem sabe e não pode desconhecer.
5. A Recorrente defende “a caducidade do direito de ação de um ato nulo, defende a impossibilidade de repetição de providência cautelar, atento o caso tulelado nela deserção da instância”.
6. E conclui: “violou por isso o tribunal a quo o artigo 362º, 4 do CPC, aplicável ex vi artigo 1°do CPTA.”, quando estamos perante uma providência cautelar de suspensão da eficácia do ato já executado, prevista nos termos do art.° 129° do CPTA.
7. E a falta de seriedade e de fundamento ressalta da inane manifestação de inconformismo da Recorrente
8. Não se entende como pode a Recorrente vir invocar o erro de julgamento de direito do Tribunal, quando, desde logo, não impugna as normas que constituem fundamento jurídico da decisão, ou sequer aponta qualquer lapso na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos.
9. Não se entende como pode a Recorrente insurgir-se contra a decisão recorrida quando não impugna os factos que o Tribunal julgou provados ou assinala os que impunham decisão diversa, ou ataca a motivação.
10. Na verdade, a Recorrente discorda da douta decisão, por a mesma ser contrária ao seu interesse nos autos, o que não deixa de ser legítimo, mas juridicamente não basta.
11. Com interesse para a decisão da questão suscitada pela Recorrente quanto à impossibilidade de repetição de providência cautelar, atento o caso julgado pela deserção da instância o Tribunal a quo julgou provados. por acordo e documentos, os factos de 1. a 19, justificando na sua motivação: “Como já referimos na sentença que decidiu o processo cautelar n.°119/22.7BEALM, a decisão que declara a extinção da instância por deserção não produz caso julgado material, uma vez que o tribunal não chega a pronunciar-se sobre o mérito da ação, pelo que, uma vez transitada a decisão que declara a deserção da instância, o autor pode propor uma nova ação ainda que nos exatos termos da anterior (artigos 89.°, n.°s 2 e 4, alínea l), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 279.°, n.° 2, e 619.°, n.° 1, 577.°, alínea i), e 580.°, n.°s 1 e 2, Código de Processo Civil) (...)o Requerente não está impedido de propor uma nova ação dirigida à declaração de nulidade do acórdão do Conselho Deontológico e de Disciplina da Ordem dos Médicos Dentistas(...) Sendo certo que o artigo 129.°, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, prevê expressamente que a execução de um ato não obsta à suspensão da sua eficácia quando desta possa advir, para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender, no processo principal, utilidade relevante no que toca aos efeitos que o ato ainda produza ou venha a produzir, encontrando-se o Requerente impossibilitado de exercer a sua profissão por força do ato suspendendo.”
12. E com interesse para decisão quanto à questão da intempestividade do ato suscitada pela Recorrente o Tribunal a quo deu por provados os factos em RR) e SS) e RR), mais justificando na motivação: ”Por decisão de 04-02-2021, o TAC de Lisboa declarou a caducidade da providência cautelar decretada, com fundamento na deserção da instância (...). Nesta data encontrava-se pendente o recurso (,..) quando foi intentado o processo cautelar n.° 119/22.7BEALM, (....)Tendo o Requerente imputado ao ato também vícios suscetíveis de conduzir à nulidade do ato (...) temos de concluir que não se verifica a causa de extinção do processo cautelar prevista na alínea a), do n. ° 1, do artigo 123.°,do CPTA.”
13. Ora, óbvio é, e dúvidas inexistem que, encontrando-se o recurso pendente, “indicando a eventual procedência deste recurso a eliminação da ordem jurídica da decisão que declarou a deserção da instância”, a ação não estava, caducada., porquanto, somente por decisão de 28 de setembro de 2022, o Tribunal Central Administrativo Sul julgou válida e eficaz a desistência e declarou a extinção da instância recursiva.
14. E não só não se operou a caducidade do direito da ação, como ainda a consignar-se a anulabilidade do ato punitivo, sempre a ação de impugnação seria tempestiva, atento a interposição da ação principal em 29.03.2022, conforme facto provado em 10.
15. Porém, o ato administrativo impugnado enferma de nulidade, vício que se apresenta incontroverso, patente e irrefragável.
16. O ato administrativo é nulo, nos termos do art.° 133.°, n. 2, al. d) do CPA, por violação do direito fundamental de defesa, consagrado no artigo 32°, n° 10 da CRP, por preterição de realização das diligências probatórias, tendo ainda sido recusada, sem fundamentação, a produção da prova testemunhal requerida, essencial à prova dos factos alegados na defesa, conforme Acórdãos do STA de 11.01.94, rec. 32183, rec. 32366, de 06.10.93, rec. 30463 e de 24.10.2002, rec. 44052 ,e Acórdão TCAS proc. 1619/09.0BELRA-A . E assim o Tribunal a quo, sumariamente o verificou.
17. O ato administrativo é nulo, nos termos do n.° 1 do art. 133° do CPA/91, por ofensa de lei expressa, nomeadamente do comando do art .77° , do à data vigente Estatuto da Ordem dos Médicos Dentistas (EOMD), nos termos do qual a acusação deve indicar, por artigos, os factos imputados e as circunstâncias de tempo, modo e de lugar em que os mesmos ocorreram, sob pena de nulidade. conforme Acórdão STA proc. n.° 369/02, Acórdãos TCAN proc.00412/11.4BEPRT , proc.00770/08.8BEBRG e Acs. do S.T.A. de 13.10.83, de 7.3.89, de 23.2.90 e de 16.11.95.
E assim também, sumariamente, o Tribunal a quo o verificou!
18.O ato administrativo punitivo é nulo, nos termos do n° 1, e alínea f), do n.° 2, do art. 133° do CPA/91, por ausência de elementos essenciais ao ato que, por afetar o conteúdo de direitos fundamentais, consignados no art.° 47.° n.° 1 da CRP, sempre impunha a fundamentação de facto, sob pena de nulidade, conforme Acórdão TCAN proc. 01026/14.2BEAVR, Acórdãos TCAN proc.00412/11.4BEPRT e proc.° n.° 00770/08.8BEBRG, e Acs. do S.T.A. de 13.10.83, de 7.3.89, de 23.2.90 e de 16.11.95.E assim o Tribunal a quo, sumariamente, o verificou!
19. E atenta a natureza da tutela cautelar e o mero summario cognitio, não atentou o Tribunal a quo, e nem tinha de o fazer em sede cautelar, que o ato administrativo punitivo ainda é nulo, nos termos do art.° 133.° n.° 2 alínea d), por violação do n.° 2 do art.° 13.° da Lei Fundamental, art.° 14° da CEDH, art.° 21° da CDFEU e 18° do TFUE, atento a ofensa do direito à não discriminação, ofensa devidamente identificada na ação principal, conforme Acórdão TC proc.° n.° 771/2001 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo:111/06.9BESNT .
20. Por último, o ato administrativo é nulo por conteúdo impossível, nos termos do art.° 133° n.° 1 e n.° 2 alíneas c) e d) do CPA, por aniquilado decisivamente o direito fundamental ao livre exercício da profissão a um Trabalhador responsabilizado pelo funcionamento da entidade patronal: “proprietário/Diretor Clínico/responsável pelas clínicas de medicina dentária ”Dental Group (...)tais irregularidades foram detetadas nas clínicas de medicina dentária Dental Group, da propriedade e responsabilidade do arguido(...).O arguido é médico dentista e foi (ou é) proprietário de uma sociedade com o seu nome (...) Não cuidando, como diretor clínico que era, aliás de todas as clínicas, mas pelo menos de 5 delas(..)”.
21. E o ato punitivo de expulsão sempre seria NULO, porquanto advém de um manifesto propósito ilícito e ilegal, incompatível com o impositivo dever de respeito pelo princípio do primado, designadamente o disposto no n.° 1 do artigo 11.° da Declaração Universal dos Direitos Humanos que tem como dever primeiro a proteção de inocentes, daqueles que são acusados de algo que não fizeram e com ofensa do núcleo essencial de um direito fundamental, conforme Acórdão TCAN proc.00014/16.9BEPRT, Processo n.° 00235/11.0BEPNF e proc. n.° 1665/10, de 8.01.2016.
22. E perante a Constituição da República Portuguesa, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem não é permitido sancionar, seja disciplinar ou criminalmente, cidadãos inocentes e nunca, sequer, acusados judicialmente dos crimes que ela contém, não cabendo ao Estado e aos Tribunais proteger quem assim age, mas sim proteger os cidadãos de tais agressões.
23. A Recorrente não impugnou os factos julgados provados por acordo e documentos, não impugnou os factos julgados provados em RR) e SS), ou impugnou os factos provados em C), D), E) , F) , G) , H), I ), J) e K), estes últimos que bem atestam a ilegalidade do ato de expulsão.
24. Nenhum ataque a Recorrente fez à decisão recorrida ou aos fundamentos jurídicos em que esta assentou!
25. In casu, nem no corpo das alegações, nem nas conclusões, indicou a Recorrente quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e não o fez nem por referência à numeração ínsita na sentença recorrida, nem por reprodução desses concretos pontos, como não indicou os concretos meios probatórios, constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, ou sequer a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os mesmos.
26. E é unânime a jurisprudência que verifica que quando falte a especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, deva ser rejeitado o recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, o mesmo sucedendo quanto aos restantes dois requisitos, incumprimento do estatuído no art.° 640.°, n°s 1 e 2, que acarreta a rejeição total ou parcial do recurso, não havendo, nestes casos, lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento, nos termos do art.° 652.°, n.° 1, al. a), do CPC, que limita os poderes do relator ao despacho de aperfeiçoamento “das conclusões das alegações, nos termos do n.° 3 do artigo 639.°", conforme Acórdão de 02-06-2016, processo n.° 781/07.0TYLSB.L1.S1, Acórdão de 1407-2016, processo n.° 111/12.0TBAW.G1.S1: “A inobservância deste ónus de alegação, quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, implica, como expressamente se prevê, no art. 640.°, n.° 1, do NCPC, a rejeição do recurso, que é imediata, como se acentua na al. a), do n.° 2, desse artigo. ”, Acórdão de 27-10-2016, processo n.° 3176/11.8TBBCL.G1.S1, Acórdão de 08-10-2019, Revista n.° 581/15.4T8ABT.E1.S2 - 1.a Secção, Acórdão de 02-06-2020, Revista n.° 1678/12.8TBMCN.P2.S2 - 6.ª Secção :“I - Os ónus primários descritos nas três alíneas do n.° 1 do art. 640.° são indispensáveis à concretização do objeto da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. II - O incumprimento de qualquer um deles implica a imediata rejeição do recurso de apelação, nos termos da referida norma.”.
27. Por sua vez, e percorrendo-se as conclusões apresentadas, no que à aplicação do direito diz respeito, constata-se que a Recorrente, tampouco avançou com quaisquer efetivos argumentos jurídicos tendentes a infirmar aqueles que se fizeram constar da sentença recorrida, assim nomeadamente erro na interpretação ou aplicação da lei, no sentido de explicar a razão por que a decisão deveria ter sido outra - no caso aquela com que conclui, no final, assim que “deve ser revogada a decisão recorrida”., também aqui incumprindo com o ónus de invocar, no domínio da aplicação da lei, os argumentos (jurídicos) que na sua ótica justificam o afastamento dos fundamentos constantes da decisão recorrida para sustentar o modo como interpretou e/ou aplicou a lei, de tal modo que o tribunal superior os possa apreciar, no sentido de lhes dar ou não sustentação - versando o recurso sobre matéria de direito, deve o Recorrente, para além de indicar nas conclusões as normas jurídicas violadas, referir também o sentido que. no seu entender, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (artigo 639.°, n.° 2, c).
28. A Recorrente incorreu numa omissão absoluta e indesculpável de cumprimento dos ónus previstos no artigo 639.° n.° 1 e n.° 2, alíneas a), b) e c) e do art.° 640.°, n.° 1, als. a), b) e c) e n.° 2, al.) b), ambos do CPC, sendo o incumprimento dos ónus previstos no artigo 640.°, n.° 1, als. a) e c) suficiente para que proceda a questão prévia do incumprimento dos ónus previstos de impugnação da matéria de facto.
29. Em suma, o porquê da discordância da sentença, nomeadamente quanto aos fundamentos de facto e de direito nela contidos, nada é dito seja no corpo de alegação seja no enunciado das conclusões e a petição de recurso não adianta nenhuns fundamentos, não traz quaisquer questões reconduzíveis a vício substancial ou a erro de julgamento sobre as quais o tribunal ad quem haja que emitir pronúncia em sede de reexame da causa ou revisão da decisão recorrida, sendo certo que nem uma coisa nem outra vêm peticionadas.
30. E não existe razão e/ou fundamento para que a sentença recorrida não se mantenha, nos termos aí decididos, na ordem jurídica, devendo o Recurso ser rejeitado.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Ex.as. doutamente suprirão, deve o Recurso ser rejeitado, mantendo-se a decisão recorrida.
Só assim farão V. Exas., Venerandos Desembargadores, a costumada JUSTIÇA!!

O Recurso Jurisdicional veio a ser admitido por Despacho de 4 de agosto de 2023.

O Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal, notificado em 10 de agosto de 2023, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente/Ordem, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, suscitando-se “erro de julgamento de direito”: ao se afirmar que “o Requerido aqui Apelante considera que a decisão cautelar decretada assenta em erros de julgamento de direito e, por isso, deve ser revogada.”

III – Fundamentação de Facto
Dá-se por reproduzida a matéria de facto fixada em 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 .
IV - Do Direito
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão recorrida:
“(…) O presente processo cautelar depende da ação administrativa que corre termos neste Tribunal sob o n.° 119/22.7BEALM-A, na qual o Requerente impugna o acórdão do Conselho Deontológico e de Disciplina da Ordem dos Médicos Dentistas de 25.02.2012, cuja suspensão da eficácia vem requerida, pedindo, a final, a declaração de nulidade do ato impugnado e a condenação da Ordem dos Médicos Dentistas a pagar ao Autor uma indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, e «a uma retratação pública quanto ao erro de expulsão do A., por edital e nos meios de comunicação social que utilizou para divulgar a sua expulsão».
O ato punitivo impugnado é contenciosamente impugnável, o que, de resto, a Entidade Requerida não contesta, tendo suscitado a inimpugnabilidade do ato que, em execução do ato punitivo, determinou a devolução da cédula profissional, não constituindo este ato objeto da ação principal, na qual o Requerente não deduziu qualquer pretensão anulatória contra atos jurídicos de execução.
Sendo certo que, como já anteriormente referimos, o Requerente não estava impedido de propor a ação principal de que depende o presente processo cautelar, nem de requerer a adoção de providências cautelares adequadas a assegurar a utilidade da eventual sentença de procedência da ação principal, nomeadamente a suspensão da eficácia do acórdão do Conselho Deontológico e de Disciplina da Ordem dos Médicos Dentistas de 25.02.2012, que lhe aplicou, no âmbito do processo disciplinar n.° 36/2011, a sanção disciplinar de expulsão da Ordem dos Médicos Dentistas, impugnado na ação principal e cuja suspensão da eficácia requer nos presentes autos de processo cautelar.
E, como também referimos aquando da apreciação da alegada impossibilidade do Requerente intentar o presente processo cautelar, o artigo 129.°, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, prevê expressamente que a execução de um ato não obsta à suspensão da sua eficácia quando desta possa advir, para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender, no processo principal, utilidade relevante no que toca aos efeitos que o ato ainda produza ou venha a produzir, encontrando-se o Requerente impossibilitado de exercer a sua profissão por força do ato suspendendo.
Como vimos, na ação administrativa de que depende o presente processo cautelar, o Requerente pede a declaração de nulidade do ato punitivo suspendendo, cumulando com este pedido um pedido indemnizatório, que não releva nesta sede, importando apenas, para indagar sobre a verificação do requisito do fumus boni iuris, os fundamentos da pretensão anulatória, a que respeitam os factos alegados no requerimento cautelar, no qual o requerente deve alegar todos os factos constitutivos do direito à tutela cautelar requerida (artigo 114.°, n.° 3, alínea g), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Conforme já referimos aquando da análise da alegada intempestividade da impugnação contenciosa do ato suspendendo, a causa de pedir da pretensão impugnatória é a concreta ilegalidade do ato impugnado, independentemente da qualificação que dela faça o autor - vd. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24-06-2021, proferido no processo n.° 01049/13.9BEBRG, sendo que, como então também deixámos referido, para efeitos de verificação do requisito do fumus boni iuris, o Tribunal não pode conhecer, dos vícios geradores de mera anulabilidade, por a ação principal ter sido intentada depois do decurso do prazo de três meses previsto na alínea b), do n.° 1, do artigo 58.°, do CPTA, para a impugnação contenciosa de atos anuláveis, mas apenas dos vícios suscetíveis de conduzir à nulidade do ato, cuja impugnação não se encontra sujeita a prazo (artigos 161.°, n.° 2, alínea d), do Código do Procedimento Administrativo, e 58.°, n.° 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
O Requerente alegou, para além do mais, que não foram realizadas diligências probatórias essenciais à descoberta da verdade material, tendo sido recusada, sem fundamentação, a produção da prova testemunhal que requereu, que reputa essencial à prova dos factos alegados na defesa, e que foi punido disciplinarmente sem que tivessem ficado provados factos suscetíveis de integrar as infrações disciplinares imputadas, baseando-se a condenação em meros indícios.
Como também já anteriormente referimos, tal alegação traduz a invocação de vícios de violação de lei geradores de nulidade da decisão final punitiva, nos termos da alínea d), do n.° 2, do mesmo artigo 133.°, do CPTA, designadamente por ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental de defesa do arguido no procedimento disciplinar, consagrado no artigo 32.°, n.° 10, da Constituição.
A Entidade Requerida, na sua oposição, disse, para além do mais, que a decisão punitiva assentou na prova colhida diretamente pela Entidade Reguladora da Saúde que demonstra que o Requerente praticou os factos que lhe foram imputados.
O artigo 32.°, n.° 10, da Constituição, determina que «[n]os processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa».
Em concretização do citado preceito prescreve o artigo 82.°, n.°s 2 e 4 no Estatuto da Ordem dos Médicos Dentistas, aprovada Lei n.° 44/2003, de 22 de agosto, em vigor à data (EOMD), sob a epígrafe «Apresentação de defesa», que «[c]om a defesa deve o arguido apresentar o rol de testemunhas, juntar documentos e requerer quaisquer diligências», podendo estas «ser recusadas pelo relator, em despacho fundamentado, quando se mostrem impertinentes ou desnecessárias para o apuramento da verdade, assim como quando sejam a repetição de outras já realizadas».
Os citados preceitos garantem, assim, ao arguido em processo disciplinar - enquanto processo de natureza sancionatória -, o direito a requerer todas diligências probatórias que considere relevantes para a sua defesa, não podendo estas ser recusadas, exceto quando legalmente inadmissíveis, não permitam obter a prova a que se destinam, repitam outras diligências probatórias já realizadas ou já estiverem suficientemente provados os factos alegados pelo arguido.
O artigo 67.°, n.° 1 do EOMD, estabelece que «[n]a instrução do processo disciplinar deve o relator tentar atingir a verdade material, remover os obstáculos ao seu regular e rápido andamento e recusar o que for impertinente, inútil ou dilatório, sem prejuízo do direito de defesa».
Trata-se da consagração do princípio do inquisitório, exigindo-se igualmente que o instrutor procure apurar a verdade material dos factos em que se irá basear a acusação e reunir prova suficiente que permita concluir, sem margem para dúvidas, a ocorrência da conduta do arguido que é configurada como ilícito disciplinar.
A omissão de diligências probatórias imprescindíveis para a descoberta da verdade determina a nulidade da decisão punitiva, quando coloque em causa o núcleo essencial do direito fundamental de defesa do arguido, determina a nulidade da decisão que aplique uma sanção de disciplinar de carácter expulsivo.
Como se referiu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22 de junho de 2010, proferido no processo n.° 01091/08, «[r]evestindo-se o direito constitucional de audiência e defesa de natureza instrumental - só assumindo a natureza de direito fundamental se o dominante o for, o que acontece nos procedimentos disciplinares que culminem com a aplicação de penas de carácter expulsivo que, como tais, atingem o cerne ou o núcleo do direito fundamental à manutenção do emprego (...)».
Em sede de defesa, o Requerente juntou documentos e ofereceu testemunhas. O instrutor do processo admitiu a junção de documentos e recusou a produção da prova testemunhal requerida, por entender que esta diligência não se revelava «pertinente e útil à boa decisão da causa», considerando que «a documentação constante dos autos, designadamente a que acompanha o auto de averiguação revela-se suficiente e clara na identificação da factualidade em análise e das respetivas infrações». Concluiu, assim, que a diligência requerida correspondia a «um expediente meramente dilatório.
Na sua defesa, o Requerente colocou em causa as imputações que lhe eram feitas no âmbito da acusação e indicou serem falsos os factos constantes dos relatórios de fiscalização das clínicas. Neste sentido, entre outras questões, o Requerente (i) alegou que era diretor clínico apenas da clínica sita na Av. Almirante Reis, não tendo qualquer responsabilidade sobre as restantes clínicas; (ii) negou que as irregularidades referidas no despacho de acusação e nos relatórios das ações de fiscalização se verificassem efetivamente; (iii) alegou que na clínica da Av. Almirante Reis não trabalhava como médico dentista qualquer funcionário sem habilitação para o efeito; (iv) referiu que não colocava implantes dentários falsificados aos pacientes, nem tinha qualquer relação com a gráfica que alegadamente os produzia; e (iv) indicou que a contratação de pessoal e a publicidade eram asseguradas pela gerência do «Dental Group», não sendo responsável por qualquer uma destas áreas.
Com a produção de prova testemunhal pretendia o Requerente demonstrar, em sede de processo disciplinar, a sua versão dos factos, sendo este meio probatório adequado para fazer prova do conjunto de factos alegados por este. Esta diligência permitiria ao Requerente contraditar a versão dos factos apresentada pela Requerida OMD e, desta forma, exercer efetiva defesa em processo disciplinar.
Com a recusa da produção da prova testemunhal requerida, o Instrutor limitou-se a aceitar a versão dos factos decorrente dos relatórios de fiscalização das clínicas, das reclamações de pacientes das clínicas e de notícias de jornais, sem permitir que esta fosse contraditada pelo arguido, sendo certo que não colhe o argumento de que os relatórios de inspeção, provindo de autoridade com competência para o efeito, teriam força probatória plena que não poderia ser afastada com a produção de prova testemunhal.
A força probatória dos documentos em causa, apesar de se presumirem autênticos - artigo 370.°, n.° 1, do Código Civil (CC) -, pode ser afastada mediante alegação e prova de que são falsos, ou seja, através de alegação e prova de que «nele se atesta como tendo sido objeto da perceção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer ato que na realidade o não foi» (artigo 372.°, n.°s 1 e 2, do CC). Assim, apenas caso não fosse provada a falsidade do documento autêntico, este faria prova plena «dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora», nos termos do artigo 371.°, 1.a parte, do CC.
Não sendo as diligências requeridas impertinentes, desnecessárias ou repetidas, antes essenciais para a descoberta da verdade material, a sua omissão viola os direitos e garantias de defesa do Requerente, nomeadamente o direito fundamental de defesa do arguido em processo disciplinar consagrado no artigo 32.°, n.° 10, da Constituição, sendo que o ato punitivo suspendendo aplica uma pena de expulsão da OMD, que afeta o invocado direito fundamental do Requerente ao livre exercício da profissão, consagrado no artigo 47.°, n.° 1, da Constituição (vd. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 2007, Coimbra Editora, pág. 658).
Perante o exposto, temos de concluir, ainda que com base numa análise perfunctória, dos factos e do direito, atenta a natureza da tutela cautelar, que é provável que o pedido de declaração de nulidade do ato punitivo suspendendo deduzido na ação principal venha a ser julgado procedente com fundamento na alegada violação do conteúdo essencial do direito fundamental de defesa, mostrando-se, assim, preenchido o requisito do fumus boni iuris previsto no n.° 1, do artigo 120.°, do CPTA.
Verificado o requisito do fumus boni iuris, a concessão da medida cautelar requerida encontra-se depende da existência de periculum in mora e da ponderação de interesses a que alude o n.° 2, do artigo 120.°, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Como vimos, o requisito do periculum in mora encontra-se formulado em duas vertentes: fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (artigo 120.°, n.° 1, 1ª parte, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Conforme se referiu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 5 de Fevereiro de 2015 (Processo n.° 01122/14), o requisito do periculum in mora encontrar-se-á preenchido «sempre que exista fundado receio que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objeto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis».
Com relevância para aferir da existência de periculum in mora, o Requerente alegou, para além do mais, que a privação do exercício da sua profissão e a iminência de perder a sua casa de família, por falta de meios para fazer face aos encargos mensais, provocaram-lhe forte abalo psíquico, forçando-o a ter acompanhamento clínico.
Ficou indiciariamente provado que o Requerente é seguido em consulta de psiquiatria, apresentando sintomas depressivos e de ansiedade traduzidos por instabilidade do sono e agitação psicomotora, com ideação suicida, aparentemente precipitados pela situação de inocupação e impossibilidade de exercer a atividade profissional de médio dentista (alínea III), do probatório), tendo-lhe sido prescrita a toma diária de medicamentos antidepressivos e antipsicóticos (alínea JJJ), do probatório).
Perante o exposto, não podemos deixar de concluir que a execução imediata do ato punitivo, com a consequente impossibilidade de o Requerente exercer a sua profissão de médico dentista, poderá acarretar prejuízos irreparáveis ou, pelo menos, de difícil reparação, pelo que consideramos preenchido, também, o requisito do periculum in mora.
Como já anteriormente referimos, mesmo que se verifiquem os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, como sucede no caso, as providências devem ser recusadas sempre que os prejuízos que resultariam da sua adoção se mostrem superiores aos prejuízos que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências (artigo 120.°, n.° 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
A Entidade Requerida, sobre quem impende o ónus da alegação e da prova da circunstância impeditiva a que se refere o n.° 2, do artigo 120.°, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (artigo 120.°, n.° 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), não alegou factos concretos que permitam concluir que se impõe, nomeadamente por razões de interesse público, a recusa da providência cautelar requerida, o que também não resulta dos elementos disponíveis nos autos.
Decorre da factualidade provada que o despacho de acusação e o ato punitivo se referem a um conjunto de irregularidades detetadas nas clínicas exploradas pela «Dental Group», as quais se relacionam com a respetiva gestão, em que alegadamente figurava como diretor clínico o requerente.
Com efeito, refere-se no despacho de acusação e no ato punitivo, nomeadamente, a presença de «medicamentos e produtos fora de prazo; deficiências graves na cadeia de esterilização; reutilização de material cirúrgico de uso único; deteção de instrumentos dentários em mau estado de conservação; deficiências quanto à proteção radiológica; não utilização única de artigos descartáveis; acondicionamento de instrumentos e produtos em péssimas condições de higiene; deteção de matérias com validade expirada»; inexistência de «caixas e carros fechados para manipulação, recolha e transporte de dispositivos potencialmente contaminados; acabamentos que não permitem a manutenção de um grau de higienização compatível com a atividade desenvolvida»; inexistência «de sala de descontaminação para lavagem e desinfeção do material de uso clínico; deteção de material dentário fora de prazo de validade ou sem inscrição da data de validade; deteção de material descartável, reutilizáveis; deteção de seringas de anestesia não embaladas nem esterilizadas». Foi ainda detetada a falta de habilitações para o exercício da profissão por funcionários das mencionadas clínicas, entre os quais não se inclui o Requerente.
É ainda referida a distribuição de folhetos publicitários referentes às clínicas dos quais consta a menção «orçamento gratuito» e «consulta gratuita» e que foram apresentadas reclamações de utentes das clínicas que reportam situações em que lhes foram prestados maus serviços de medicina dentária, sem que se refira que tais serviços tenham sido prestados pelo Requerente.
A factualidade descrita no despacho de acusação e no ato punitivo levou ao decretamento da suspensão de funcionamento das clínicas em causa pela ERS.
Não resulta, no entanto, dos mencionados documentos a imputação de quaisquer infrações ao requerido pelo exercício da sua profissão, não lhe tendo sido apontada a falta de habilitação para o exercício da profissão ou a violação da legis artis.
Note-se ainda que o ato suspendendo, que determinou a expulsão do Requerente, esteve suspenso entre 7 de outubro de 2012 e 4 de fevereiro de 2021, tendo a ordem de expulsão sido executada apenas em março de 2021. Durante este lapso temporal, o Requerente não esteve impedido de exercer funções como médico dentista, não tendo sido alegado, nem se encontrando indiciariamente provado que este, durante o período em causa, tenha colocado em risco a vida ou saúde dos seus pacientes ou tenham sido detetadas quaisquer infrações no exercício da sua profissão.
Neste contexto, não se mostra previsível que o Requerente, ao deixar novamente de estar impedido de exercer a profissão de médico dentista, coloque em risco a vida e saúde dos seus pacientes.
Não se encontra, como tal, indiciariamente provada qualquer factualidade que permita concluir que os prejuízos para a requerida com o decretamento da providência sejam mais gravosos do que aqueles que resultariam para o requerente caso esta não fosse decretada.
Perante o exposto, temos de considerar que se mostra preenchido, também, o requisito negativo previsto no n.° 2, do artigo 120.°, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Verificados os pressupostos de que a lei faz depender a adoção da medida cautelar requerida, previstos no artigo 120.°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, deve ser decretada a suspensão da eficácia do acórdão do Conselho Deontológico e de Disciplina da Entidade Requerida, de 25 de fevereiro de 2012, que, no âmbito do procedimento disciplinar n.° 36/2011, lhe aplicou a sanção disciplinar de expulsão da Ordem dos Médicos Dentistas.

Correspondentemente, decidiu-se em 1ª Instância julgar “(…) procedente o processo cautelar e, consequentemente, decreto a providência cautelar requerida.

Perante a referida decisão veio a referida Ordem recorrer para esta instância, assentando o seu entendimento na alegada circunstância de se verificar erro de julgamento de direito.

Refira-se desde já que se não vislumbra que mereça censura a decisão cautelar objeto de recurso, tanto mais que foram concretizados suficiente e adequadamente os fundamentos de facto e de direito da parte dispositiva da Sentença, tendo, ainda, feito uma correta subsunção dos factos ao direito.

Defende a Recorrente a caducidade do direito de ação de um ato nulo, afirmando singelamente que “Por conseguinte, para efeitos de decretamento do processo cautelar, a nulidade derivada da falta injustificada de inquirição das testemunhas está precludida (...) ”.

Defende ainda a impossibilidade de repetição de providência cautelar, atento o caso julgado pela deserção da instância. Concluindo que “(…) não pode ser decretada providência cautelar de suspensão assente num fumus boni iuris que já não seria invocável pelo autor ou requerente aqui apelado pelo menos para efeitos cautelares ou para fins principais, atenta a formação do caso julgado da de deserção que abrange também aqui o alegado e o que podia ter sido alegado mas não foi.”.

Mais defende a Recorrente que “A sentença proferida no processo cautelar n.° 119/22.7BEALM, do TAF de Almada, recusou a providência cautelar com fundamento na verificação da exceção da litispendência, por se encontrar ainda pendente, na data em que foi proferida, a ação administrativa especial n.° 1460/12.2BELSB, do TAC de Lisboa(...)”, o que determinaria que nenhum outro tribunal viesse a decretar “uma providência cautelar que antes julgou litispendente com a caducada ainda não transitada e que agora deveria pura e simplesmente ter indeferido por esta transitado em julgado a caducidade daquela mesma providência cautelar”, concluindo que ”violou por isso o tribunal a quo o artigo 362°, 4 do CPC, aplicável ex vi artigo 1° do CPTA.”.

Acontece que ambas as Providencias cautelares tinham natureza diversa, sendo que a presente visa, ao contrário da anterior, a suspensão da eficácia de ato já executado, nos termos do art.° 129° do CPTA, não tendo sequer aqui sido impugnados os factos que o Tribunal julgou provados.

Na anterior Providência Cautelar o Tribunal não recusou a mesma por inverificação do requisito do fumus boni iuris, mas, porque então entendeu existir litispendência entre o procedimento cautelar e a ação principal 1460/12. 2BELSB, do TAC de Lisboa, objeto de recurso que, à data, se encontrava pendente.

Sintomaticamente, no seu discurso fundamentador, o Tribunal a quo afirmou que ”Como já referimos na sentença que decidiu o processo cautelar n.°119/22.7BEALM, a decisão que declara a extinção da instância por deserção não introduz caso julgado material, uma vez que o tribunal não chega a pronunciar-se sobre o mérito da ação, pelo que, uma vez transitada a decisão que declara a deserção da instância, o autor pode propor uma nova ação ainda que nos exatos termos da anterior (artigos 89.°, n.°s 2 e 4, alínea l), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 279.°, n.° 2, e 619.°, n.° 1, 577.°, alínea i), e 580.°, n.°s 1 e 2, Código de Processo Civil) - vd., entre muitos outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-11-2018, proferido no processo n.° 38/16.6T8NZR.C1. Assim, tendo sido proferida decisão, transitada em julgado, que declarou a deserção da instância na ação administrativa especial n.° 1460/12.2BELSB, do TAC de Lisboa, o Requerente não está impedido de propor uma nova ação dirigida à declaração de nulidade do acórdão do Conselho Deontológico e de Disciplina da Ordem dos Médicos Dentistas de 25.02.2012, que lhe aplicou, no âmbito do processo disciplinar n.° 36/2011, a sanção disciplinar de expulsão da Ordem dos Médicos Dentistas, cuja suspensão da eficácia requer no presente processo cautelar, intentado como incidente da ação administrativa que corre termos neste TAF de Almada sob o n.° 119/22.7BEALM-A, na qual o Requerente peticionou, para além do mais, a declaração de nulidade do ato punitivo suspendendo. Sendo certo que o artigo 129.°, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, prevê expressamente que a execução de um ato não obsta à suspensão da sua eficácia quando desta possa advir, para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender, no processo principal, utilidade relevante no que toca aos efeitos que o ato ainda produza ou venha a produzir, encontrando-se o Requerente impossibilitado de exercer a sua profissão por força do ato suspendendo. Perante o exposto, temos de concluir que o Requerente não estava impedido de propor a ação principal de que depende o presente processo cautelar, nem de requer a adoção de providências cautelares adequadas a assegurar a utilidade da eventual sentença de procedência da ação principal, nomeadamente a suspensão da eficácia do acórdão do Conselho Deontológico e de Disciplina da Ordem dos Médicos Dentistas de 25.02.2012, que lhe aplicou, no âmbito do processo disciplinar n.° 36/2011, a sanção disciplinar de expulsão da Ordem dos Médicos Dentistas, impugnado na ação principal e cuja suspensão da eficácia requer nos presentes autos de processo cautelar.”.

Por outro lado, o Tribunal a quo deu por provados nos factos em RR) e SS) que ”A decisão do TAC de Lisboa, de 18 de novembro de 2020, proferida na ação administrativa especial n.° 1460/12.2BELSB, que julgou deserta a instância, transitou em julgado (cf. fls. 4552, da ação n.° 1460/12.2BELSB, do TAC de Lisboa, e documento de fls. 663, e seguintes, junto com o requerimento apresentado pelo Requerente em 19-12-2022). SS) Em 31 de agosto de 2022, o Requerente apresentou em juízo o requerimento inicial que deu origem ao presente processo cautelar para suspensão da eficácia do acórdão do Conselho Deontológico e de Disciplina da Entidade Requerida(...).”.
Quanto a esta questão, sustentou ainda o Tribunal na sua motivação que Por decisão de 04-02-2021, o TAC de Lisboa declarou a caducidade da providência cautelar decretada, com fundamento na deserção da instância (...). Nesta data encontrava-se pendente o recurso que o Requerente interpôs em 30-09-2021)(...)
Na resposta à matéria de exceção deduzida na oposição que apresentou a fls. 623, e seguintes, o Requerente disse a ação principal tem de considerar-se tempestiva, mesmo que se entenda que o ato suspendendo é anulável, porquanto a decisão que julgou deserta a instância, proferida na ação n.° 1460/12.2BESB, do TAC de Lisboa, que se encontrava pendente quando foi intentado o processo cautelar n.° 119/22.7BEALM, (....) A alegada omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade material, falta de fundamentação de facto, não indicação circunstanciada dos factos imputados na acusação e violação, a verificarem-se, geram a nulidade da decisão final punitiva, nos termos da alínea d), do n.° 2, do mesmo artigo 133.o, do CPTA, designadamente por ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental de defesa do arguido no procedimento disciplinar, consagrado no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição. Tendo o Requerente imputado ao ato também vícios suscetíveis de conduzir à nulidade do ato, cuja impugnação não se encontra sujeita a prazo (artigos 161.º, n.º 2, alínea d), do Código do Procedimento Administrativo, e 58.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), temos de concluir que não se verifica a causa de extinção do processo cautelar prevista na alínea a), do n. ° 1, do artigo 123. °.do CPTA”.

Acresce que se admite que o ato administrativo objeto de impugnação enferma de nulidade, por limitação da intervenção processual do arguido no procedimento.

Efetivamente, o ato administrativo é nulo, nos termos do art.° 133.°, n.° 2, al. d) do CPA, por violação do direito fundamental de defesa, consagrado no artigo 32° n.° 10 da CRP, por preterição de realização das diligências probatórias, tendo ainda sido recusada, sem fundamentação, a produção da prova testemunhal requerida, essencial à prova dos factos alegados na defesa, conforme Acórdãos do STA de 11.01.94, rec. 32183, rec. 32366, de 06.10.93, rec. 30463 e de 24.10.2002, rec. 44052 ,e Acórdão TCAS proc. 1619/09.0BELRA-A. “Tendo por base a ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental- o direito de defesa. nos termos do art. 32.°, n.° 10 da CRP -, é invocada a nulidade por via do art. 133.°, n. 2, al. d) do CPA (hoje, art. 161.°, 2, al. d) do CPA).".
Acresce que o ato administrativo será nulo, nos termos do n.° 1 do art.° 133.° do CPA/91, por ofensa de lei expressa, nomeadamente do comando do art.° 77° do à data vigente Estatuto da Ordem dos Médicos Dentistas (EOMD), nos termos do qual a acusação deve indicar, por artigos, os factos imputados e as circunstâncias de tempo, modo e de lugar em que os mesmos ocorreram, sob nena de nulidade.

Nesse sentido o Acórdão STA proc.° n.° 369/02: “Por isso, a acusação deve expor os factos um a um, circunstanciados, precisos, concretizados pelo modus operandi, pela indicação cabal das circunstâncias de modo, lugar e tempo em que tenham ocorrido, sob pena de nulidade insuprível (...).”. e Acórdãos TCAN proc.00412/11.4BEPRT, proc.00770/08.8BEBRG, Acs. do S.T.A. de 13.10.83, de 7.3.89, de 23.2.90 e de 16.11.95: “Não tendo sido produzida qualquer prova sobre factos concretos, limitando-se quer a acusação quer os depoimentos prestados a meras imputações vagas, genéricas e abstratas, não podia o arguido ser punido como foi pela prática de infração disciplinar, mostrando-se por isso inválido o ato punitivo”.

O ato administrativo punitivo é nulo, nos termos do n.° 1, e alínea f), do n.° 2, do art.° 133.° do CPA/91, por ausência de elementos essenciais ao ato que, por afetar o conteúdo de direitos fundamentais, consignados no art.° 47.° n.°1, da CRP, sempre impunha a fundamentação de facto, sob pena de nulidade, conforme Acórdão TCAN proc. 01026/14.2BEAVR, Acórdãos TCAN proc.00412/11.4BEPRT e proc.00770/08.8BEBRG,e Acs. do S.T.A. de 13.10.83, de 7.3.89, de 23.2.90 e de 16.11.95.

Atenta a natureza perfunctória da Providência Cautelar, para efeitos decisórios relativamente aos requisitos da aparência da existência do direito e provável ilegalidade da atuação administrativa (fumus boni iuris) por recurso a um juízo de verosimilhança ou mera previsibilidade e razoabilidade dos indícios, entendeu o Tribunal a quo, que o ato punitivo será provavelmente declarado nulo.

Como sumariado, entre outros, no Acórdão do TCAN nº 02372/20.1BEBRG, de 17.12.2021, “por maioria de razão, num processo de natureza Cautelar e perante a mera alegação de um facto, tal não determina que o tribunal tenha de o dar por assente, uma vez que alegar não é provar, como decorre do brocardo latino - Allegatio et non probatio quasi non allegatio - Alegar e não provar é quase não alegar.”

Em qualquer caso, a Ordem centra muito do seu Recurso à decisão recorrida, no invocado erro de direito.

Se é certo que quanto à matéria de facto a Recorrente não sustenta minimamente qualquer alteração à mesma, já no que concerne à aplicação do direito, verifica-se a Recorrente não apresenta igualmente argumentos jurídicos atendíveis, tendentes a infirmar o entendimento adotado pelo Tribunal a quo, limitando-se a afirmações conclusivas relativas a supostos erros na interpretação ou aplicação da lei, que seriam determinantes para a revogação da decisão recorrida.

Com efeito, importa não perder de vista que impende sobre o recorrente, em sede de recurso, o ónus de invocar, também no domínio da aplicação da lei, os argumentos (jurídicos) que na sua ótica justificam o afastamento dos fundamentos constantes da decisão recorrida para sustentar o modo como interpretou e/ou aplicou a lei, de tal modo que o tribunal superior os possa apreciar, no sentido de lhes dar ou não sustentação.

Versando o recurso predominantemente a matéria de direito, deve o Recorrente, para além de indicar nas conclusões as normas jurídicas violadas, referir também o sentido que, no seu entender, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (artigo 639.°, n.° 2, c) CPC).

Também o incumprimento dos ónus previstos no artigo 640.° n.° 1, als. a) e c) CPC é suficiente para que se dê por verificado o incumprimento dos ónus previstos de impugnação da matéria de facto.
Estamos, assim, perante uma omissão total do cumprimento dos preceitos citados, pois que a discordância da sentença, nomeadamente quanto aos fundamentos de facto e de direito nela contidos, impõe clareza e objetividade, quer no corpo de alegação, quer no enunciado das conclusões.

Efetivamente, não resulta do Recurso interposto a infirmação do reconhecimento feito pelo Tribunal a quo do preenchimento integral dos pressupostos determinantes da procedência da providencia cautelar, atento o discurso fundamentador da decisão recorrida, supra transcrito, no que aqui releva, e cujo teor aqui se acolhe.

Efetivamente, verificados que estão todos os três pressupostos de que a lei faz depender a adoção da medida cautelar requerida, previstos no artigo 120.°, n.°s 1 e 2, do CPTA, nada obsta a que se mantenha a decisão proferida em 1ª Instância de suspensão da eficácia do acórdão do Conselho Deontológico e de Disciplina da Entidade Requerida, de 25 de fevereiro de 2012, que, no âmbito do procedimento disciplinar n.° 36/2011, aplicou ao Autor, aqui Recorrido, a sanção disciplinar de expulsão da Ordem dos Médicos Dentistas.

V - DECISÃO
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a decisão objeto de Recurso.

Custas pela Recorrente

Lisboa, 9 de novembro de 2023

Frederico de Frias Macedo Branco

Carlos Araújo

Pedro Figueiredo