Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:108/17.3 BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/02/2023
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:NULIDADE POR EXCESSO DE PRONUNCIA
Sumário:Não enferma de nulidade por excesso de pronuncia o Acórdão que fazendo apelo às alegações da impugnante para demonstrar que a sua pretensão constitui a apreciação do erro de julgamento, conclui que tal vício não integra o âmbito da competência material do TCA estando-lhe vedado o seu conhecimento.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

B…, S.A. inconformada com a decisão do Tribunal Arbitral proferida no processo n.º 6742/2016-T, que julgou procedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa da Requerente para impugnar as liquidações do Imposto Único de Circulação referente anos de 2010 a 2012 juntas com o pedido de pronuncia arbitral sob os n.ºs 1 a 34 e 80 a 92 e improcedente o pedido de anulação do IUC relativos ao mesmo período temporal, a que aludem os n.ºs 35 a 79 veio, ao abrigo do preceituado nos artigos 27.º e 28.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária, doravante designado por RJAT), apresentar impugnação da aludida decisão.

Para o efeito invocou a nulidade daquela decisão por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que determinaram a decisão, bem como por oposição entre os fundamentos da decisão e ainda, por pronúncia indevida ou excesso de pronúncia.

Foi proferido Acórdão julgando integralmente improcedente a impugnação da decisão arbitral.

Inconformada com a decisão, veio reclamar para a conferência, arguindo a nulidade do Acórdão por excesso de pronúncia ou pronúncia indevida, alegando que ao apreciar as questões suscitadas incorreu ele próprio em excesso de pronúncia extravasando os seus poderes.


*

No que se refere à nulidade por excesso de pronuncia, alega que invocou na Impugnação da decisão arbitral, a nulidade da mesma, porquanto nela se referia que «[a] Requerida impugnou os contratos de locação financeira juntos, invocando expressamente não resultar dos documentos juntos que os contratos se encontrassem em vigor à data da ocorrência do facto gerador do imposto (…) Conforme se pode constatar da resposta da AT ao pedido de pronúncia arbitral» quando a AT apenas invocou «os contratos que não se encontravam em vigor à data da ocorrência do facto gerador do imposto relativamente a 24 viaturas (cfr. artigos 83.º a 156.º da resposta da AT).»

Invoca ainda que, dos 24 “veículos impugnados” pela AT apenas 1 (um) foi objecto de pronúncia de mérito pelo Tribunal arbitral, tendo em conta que os restantes 23 diziam respeito às sociedades já extintas «I… C…» e «S…». Mais, em relação aos restantes, excluindo os 24 referidos, o Tribunal arbitral entendeu que estes não tinham sido impugnados, uma vez que tal impugnação deveria ter sido feita de forma especificada (tal como em relação aqueles 24) e não de forma «genérica».

Que o CAAD ao afirmar que «os referidos contractos poderiam ter cessado antes daquela data pelas mais variadas razões», configura manifestamente um excesso de pronúncia quanto a um facto não controvertido, não impugnado, e que não pode sequer considerar-se um facto instrumental que resultou da instrução e da discussão da causa.

Tendo invocado esta nulidade através da Impugnação da decisão arbitral, conclui a reclamante que cabia ao TCA Sul apreciar essa nulidade.

No entanto, considera que ao fazê-lo da forma como o fez, o próprio TCA Sul incorreu em excesso de pronúncia ao afirmar o seguinte: «[n]a verdade, no ponto “IV.2” da referida resposta, que tem por título “Quanto aos documentos juntos com vista à ilisão da presunção”, e que constituem os artigos 83.º a 156.º, é manifesto que estão impugnados todos os documentos, ou, se preferirmos, a susceptibilidade de, através deles, ser dado como provado que os contratos em causa estavam em vigor na data em que se gerou o facto tributário (artigo 90.º da resposta), surgindo mesmo, nos artigos 91.º a 139.º do mesmo articulado uma impugnação concretizada dos referidos documentos através de uma análise crítica, concluindo a ora Impugnada no sentido da sua ineptidão para que seja realizada a prova tida em vista e sustentar a anulação pretendida.» (Destacados e sublinhados nossos).

No entanto, não lhe assiste razão.

O Tribunal reclamado enunciou a questão da nulidade «por o Tribunal Arbitral ter excedido a sua pronúncia uma vez que sustentou a sua decisão em factos/documentos não impugnados pela Impugnada.» (cf. ponto (iii)).

Com efeito, a apreciação constante do Acórdão reclamado, mais não é do que a análise do percurso argumentativo da sentença, para o efeito de verificar se o Tribunal Arbitral havia excedido os limites da alegação pelas partes que o balizavam na sua pronúncia.

O Tribunal reclamado limitou-se, assim, a apreciar se os documentos em causa haviam sido impugnados pela impugnada, e em que medida, para aquilatar da existência da arguida nulidade por excesso de pronúncia, tendo concluído que era «assim, muito evidente, que não só a impugnada efectivamente impugnou os documentos, que o Tribunal “não inventou nenhuma defesa para a AT”.»

Tal apreciação atém-se, naturalmente, dentro dos limites do objecto do processo delimitado pelo Tribunal arbitral e não no universo constante do pedido de pronuncia arbitral.

Ora, no fundo, o invocado pela impugnante, ora reclamante, consubstanciava-se na imputação à sentença arbitral da verificação de erro de julgamento quanto à susceptibilidade dos documentos servirem de prova dos factos alegados pela Impugnante e não uma omissão de pronúncia. Tanto assim é que no Acórdão reclamado se conclui «que com o que a Requerente está inconformada é que, com base nessa impugnação o Tribunal Arbitral tenha concluído como o fez, por entender que nem toda a impugnação individualmente feita na resposta abarca os veículos em questão, ou seja, novamente, entende que houve um erro de julgamento. Daí que, também novamente se diga que esse julgamento, o acerto ou desacerto do julgado, não está incluído nas nossas competências e, consequentemente, sobre este não nos devemos pronunciar.»

Como se pode ver, o que o Tribunal fez foi apreciar a nulidade arguida na impugnação, verificando se havia excesso de pronúncia pelo Tribunal Arbitral, tendo concluído que o que a impugnante pretendia era suscitar um erro de julgamento, cujo conhecimento estava vedado ao Tribunal.

O próprio Tribunal Arbitral concluiu que «[a] Requerida impugnou os contratos de locação financeira juntos, invocando expressamente não resultar dos documentos que os contratos se encontrassem em vigor à data da ocorrência do facto gerador do imposto. Pese embora a Requerida tenha impugnado os contratos juntos pela Requerente, a verdade é que, tratando-se de documento particular, impunha-se à Requerida impugnar a veracidade da letra ou da assinatura».

A ora reclamante, invoca que «o próprio CAAD não considerou que todos os documentos tivessem sido impugnados, porquanto apesar de a Requerida os ter impugnado (artigo 90.º da resposta) é necessário ter especial atenção, uma vez que estavam em causa documentos particulares, o que significa que é necessário atender à norma constante no artigo 374.º do Código Civil (CC)».

No Acórdão reclamado, apreciava-se a questão da nulidade por excesso de pronuncia arguida pela impugnante, concluindo-se que era «manifesto que estão impugnados todos os documentos» e que «(…) no que respeita a todas as nulidades apontadas o que (…) é mesmo evidente, já que, como a Impugnante revela no raciocínio que aduz tendo em vista a sua demonstração ou verificação o que é notório é que está inconformada com o erro de julgamento de que, em seu entender, padece a sentença em todos os seus segmentos decisórios.»

E é concretizada tal asserção sustentando-se nas próprias palavras da ora reclamante, da seguinte forma: «acaba por concluir "- erradamente como seguidamente se demonstrará - que "[a] Requerida impugnou os contratos de locação financeira juntos, invocando expressamente não resultar dos documentos juntos que os contratos se encontrassem em vigor à data da ocorrência do facto gerador do imposto", no pressuposto, "errado" que "[p]esse embora a Requerida tenha impugnado os contratos juntos pela Requerente, a verdade é que, tratando-se de documento particular, impunha-se à Requerida impugnar a veracidade da letra ou da assinatura" e que, "[n]ão o tendo feito e não tendo arguido a falsidade dos ditos documentos, têm os documentos juntos pela Requerente força probatória plena, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 376.º do Código Civil, razão pela qual julgou este tribunal provado que as liquidações em crise se referem a veículos em relação aos quais havia sido celebrado pela Requerente contratos de locação financeira"».

Mais alega a Impugnante que, sendo assim, não podia o Tribunal Arbitral, "em MANIFESTA CONTRADIÇÃO e em PRONÚNCIA INDEVIDA" ter concluído que "[m]as daí não resulta a prova, que se impunha, de que tais contratos se encontrassem em vigor à data da ocorrência do facto gerador do imposto" com fundamento em que "porque os referidos contratos poderiam ter cessado antes daquela data pelas mais variadas razões, sendo certo que a Requerente, apesar de alegar que todos os contratos se encontravam em vigor à data da ocorrência do facto gerador do imposto, não o logrou demonstrar".

Em suma, para a Impugnante, tendo o Tribunal Arbitral reconhecido "e bem' que os contratos de locação financeira juntos aos autos pela aqui Impugnante têm força probatória plena, a decisão que posteriormente retira, a de que a Impugnante não fez prova de que os contratos de locação financeira não se encontravam em vigor à data da ocorrência do facto tributário, é oposta com os fundamentos anteriormente expostos pela decisão arbitral (i.é. a constatação da força probatória plena dos aludidos documentos)".»

No Acórdão reclamado não foi dada guarida à pretensão da impugnante, ora reclamante, sustentando-se no seguinte discurso fundamentador:«Não tem porém razão. Tal como dissemos a propósito da apreciação da questão antecedente, é evidente que a Impugnante está inconformada com o julgamento de direito, com o raciocínio, com os fundamentos de direito que conduziram à formação da decisão, mas também é para nós evidente que não há qualquer contradição.

Na sentença, após ter enunciado as questões cuja decisão era pertinente para a resolução do mérito do litígio ("a. Determinar se a norma de incidência subjetiva prevista no artigo 3.º n-° 1 do CIUC prevê uma presunção ilidível ou, ao invés, uma ficção legal; b. Apurar quem é sujeito passivo de IUC se, na data da verificação do facto gerador do imposto, vigorar contrato de locação financeira que tenha por objeto veículo automóvel; c. Apurar qual o valor jurídico do registo automóvel em sede de IUC, maxime para efeitos da incidência subjetiva do imposto; é. Determinar se a não atualização do registo automóvel permite considerar, como sujeitos passivos de !UC, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados; e. Apurar quais as consequências do incumprimento do disposto no artigo 19.° do CIUC.

Ao ter dado «como provada a celebração dos contratos de locação, o que o Tribunal Arbitral decidiu foi que esses contratos provavam a celebração na data em que foram celebrados. Mas não que desses contratos resultava a prova de que ainda estavam em vigor na data do facto gerador do imposto.

Este facto - vigência do contrato na data considerada relevante (data em eu o facto tributário ocorrera) foi entendido como relevante pelo Tribunal pelo que, ainda que tais contratos não tenham sido impugnados e fizessem prova quanto aos factos atestados, não podendo deles ser extraída a conclusão de que estavam em vigor na mencionada data e sendo esse facto controvertido, impunha-se à Impugnante que tivesse feito prova do mesmo. Foi alicerçado nessa falta de prova, na interpretação que fez da prova junta e nas Ilações que o julgador/Tribunal arbitral fez, que veio a concluir pela falência da pretensão.

Note-se que o Tribunal Arbitral nunca disse que os contratos não tinham sido celebrados (deu como provados) nem que quanto aos factos nele atestados não fizessem prova. O que o Tribunal Arbitral afirmou foi que esses documentos, per se, não eram suficientes para preencher os pressupostos de direito que a Impugnante se arrogava, especialmente porque deles não resultava a prova de que estavam em vigor na data de nascimento do facto tributário.

É verdade, a Recorrente discorda, entendendo que esses documentos são suficientes para prova desse facto. Porém, esse é, como sabemos, um vício que não é intrínseco à sentença, não se prende com a validade formal do julgado mas, eventualmente, com a valia ou erro do julgamento, cuja sindicância, voltamos a sublinhar, extrapola as competências deste Tribunal Central Administrativo Sul.»

Como se vê, mais uma vez, o que se fez no Acórdão reclamado, dentro dos limites do objecto do processo delimitado pelo Tribunal arbitral, foi interpretar a decisão arbitral e apreciar a imputação da ora reclamante concluindo-se que a sua verdadeira pretensão era sindicar o erro de julgamento que este Tribunal não podia conhecer.

Atento ao que se deixou exposto, impõe-se julgar a arguição improcedente.

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IV – CONCLUSÕES

Não enferma de nulidade por excesso de pronuncia o Acórdão que fazendo apelo às alegações da impugnante para demonstrar que a sua pretensão constitui a apreciação do erro de julgamento, conclui que tal vício não integra o âmbito da competência material do TCA estando-lhe vedado o seu conhecimento.


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V – DECISÃO

Termos em que, não enfermando o acórdão da nulidade que a requerente lhe imputa, acordam os juízes que integram a Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento à arguição mantendo inalterado o referido aresto.

Custas do incidente pela Reclamante fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC.

Registe e notifique.

Lisboa, 2 de Novembro de 2023.


Ana Cristina Carvalho - Relatora

Maria Cardoso – 1ª Adjunta

Jorge Cortês – 2º Adjunto