Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1569/10.7BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 02/25/2021 |
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Relator: | MÁRIO REBELO |
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Descritores: | PRESCRIÇÃO DE DÍVIDA EXEQUENDA. EFEITOS DA CITAÇÃO. |
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Sumário: | 1.A citação para a execução efeito interruptivo instantâneo, pela eliminação do tempo decorrido anteriormente, e efeito duradouro, impedindo o início do novo prazo durante o tempo em que estiver pendente o processo que provoca o efeito interruptivo. 2. A interrupção do prazo prescricional não depende da prestação de garantia, ou da dispensa dessa prestação, nem do facto de a dívida exequenda e o acrescido estarem garantidos por qualquer outro modo.
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: RECORRENTE: FAZENDA PÚBLICA. RECORRIDOS: H.......... OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a OPOSIÇÃO apresentada contra a execução fiscal n.° .........., instaurada contra a sociedade N.........., LDA, a correr termos no Serviço de Finanças de Lisboa 8, para cobrança de dívida de IVA, respeitante ao período de 2007, no montante de € 2 992,80, revertida contra H........... PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA foi devidamente notificado e pronunciou-se pela improcedência do recurso.
II QUESTÕES A APRECIAR. O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar procedente a oposição com fundamento na prescrição da dívida exequenda.
III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação: A) Foi autuado o processo de execução fiscal n.° .......... em nome de N.........., LDA, para cobrança de IVA, de períodos de 2007, no montante de € 2 992,80 - cfr. fls. 1 do processo de execução fiscal (PEF) e teor da informação do Serviço de Finanças de Lisboa 8, a fls. 8 e 9 dos autos; B) Em 23-12-2009 (data da assinatura do aviso de receção), a Oponente foi citada da reversão da execução contra ela do processo de execução fiscal n.° .........., referente a IVA de períodos de 2007, no montante de € 2 992,80 - cfr. PEF e teor da informação do Serviço de Finanças de Lisboa 8, a fls. 8 e 9 dos autos; C) Em 21-01-2010 é remetida pelo correio, a petição dos presentes autos de oposição - cfr. teor da informação do Serviço de Finanças de Lisboa 8, a fls. 8 e 9 dos autos. * Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa. * Considero os factos provados atendendo ao teor dos documentos juntos aos autos e identificados nas diversas alíneas do probatório, não impugnados.
IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. A Oponente deduziu oposição contra a execução fiscal contra si revertida por dívidas de IVA relativas ao período de 2007, de que é devedor originário a sociedade “N.......... Lda.”, alegando, em síntese, não estarem preenchidos os pressupostos para a reversão da dívida, por falta de gerência efetiva da devedora originária e que a mesma se encontra prescrita (alegação referida apenas para o ano de 2000, que aparentemente não foi revertida). O MMº juiz julgou a oposição procedente com fundamento na sua prescrição. O Exmo. Representante da Fazenda Pública discorda. Defende que a citação da Recorrida ocorreu dentro do prazo de oito anos, o que teve dois efeitos: a inutilização do tempo anteriormente decorrido e a suspensão da retoma da marcha prescricional enquanto não passar em julgado a decisão que ponha termo ao processo. Conclui que a obrigação não se encontra prescrita e a sentença deverá ser revogada. Assim, a questão que somos chamados a decidir é tão só a de saber se a sentença decidiu bem ao julgar procedente a oposição com fundamento na prescrição da dívida exequenda. Sendo a dívida relativa a IVA de 2007, o prazo prescricional aplicável é o de oito anos, previsto no art. 48.º/1 da LGT, com início da contagem em 1 de Janeiro de 2008. O que significa que a obrigação tributária extinguir-se-ia, em princípio e na ausência de factos interruptivos e, ou, suspensivos da prescrição, no dia 31 de Dezembro de 2015, como decorre das regras estabelecidas no art. 279.º/c), do Código Civil. A Oponente foi citada em 23/12/2009, muito antes de completado o prazo de prescrição, o que implica a interrupção da prescrição, nos termos do art. 49º/1 da LGT. Por falta de regulamentação dos efeitos da citação na LGT, há que aplicar as normas contidas no CC, designadamente o n.º 1 do art. 326.º, que estabelece que «[a] interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte», bem como o n.º 1 do art. 327.º, que dispõe: «Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo». Donde resulta que quando o prazo de prescrição foi interrompido pela citação, a cessação da eficácia do facto interruptivo é diferida para a data da decisão que ponha termo ao processo, sem prejuízo de dever equiparar-se a essa decisão aquela que declare a execução fiscal em falhas[1], e vários acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo têm decidido nesse sentido e com esse alcance[2]. Trata-se de jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, como se pode também ver nos acórdãos referidos na nota infra[3] e não encontramos motivo para dela divergir. Por conseguinte, a interrupção decorrente da citação da executada inutiliza todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar. Podemos então concluir que a obrigação não se encontra prescrita. Na sua fundamentação, o MMº juiz considerou que a interrupção da prescrição ocorreu em 23/12/2009, com a citação, inutilizando o tempo decorrido anteriormente, mas logo recomeça a contagem de novo prazo prescricional. Acrescentou, então, que “...a apresentação de oposição só tem a virtualidade de suspender a execução, em caso de ter sido prestada garantia ou a mesma tenha sido expressamente dispensada, nos termos do artigo 49º, n.º 4 da LGT, em articulação com o artigo 169º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.” Não sabemos, porque não o mencionou, se o MMº juiz se baseou na redação do n.º 4 do art.º 49º da LGT na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, ou se na redação do art.º 49º LGT dada pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março, em especial à alínea b) do seu n.º 4. Mas quer uma quer outra não introduzem razões jurídicas objetivas para repensar a interpretação que a jurisprudência do STA tem dado à questão. Com efeito, a alínea b) do n.º 4 do artº 49º LGT (redação da Lei n.º 7-A/2016) menciona expressamente que 4) O prazo de prescrição legal suspende-se: (...) b) Enquanto não houver decisão definitiva ou transitada em julgado, que ponha termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida. (itálico nosso). Esta disposição é idêntica à constante do n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12[4]. Ora, sobe esta matéria o STA tem sido muito claro, como se pode ver no ac do STA n.º 0452/17 10-05-2017, cuja fundamentação transcrevemos, na parte relevante:[5]. “Recordemos os ensinamentos de JORGE LOPES DE SOUSA sobre o efeito duradouro do facto interruptivo: «[…] se tal paragem [do processo por mais de um ano por motivo não imputável ao sujeito passivo] não ocorreu até 31-12-2006, nos processos a que se aplica este novo regime, a interrupção da prescrição tem sempre o seu efeito próprio de inutilizar o tempo já decorrido e esse efeito não é destruído por eventual paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte. Por outro lado, relativamente ao efeito suspensivo que estava associado ao acto interruptivo, numa primeira análise, parece que ele se manterá». E explica porquê: «Na verdade, relativamente à reclamação, ao recurso hierárquico e à impugnação faz-se referência, como facto interruptivo, ao próprio processo (facto duradouro) e não à sua apresentação da peça processual que dá início àqueles meios processuais. […] É certo que o facto de no novo n.º 4 se manter a referência ao efeito suspensivo da reclamação, impugnação, e recurso (para além da oposição, aditada neste n.º 4, quando comparado com o equivalente anterior n.º 3) pode sugerir a interpretação de que estes factos simultaneamente interruptivos e suspensivos só têm relevância suspensiva na situação prevista no n.º 4 de estar suspensa a cobrança da dívida [Eventualmente, será esta a tese do Recorrente, se bem interpretamos as alegações de recurso]. Isto é, tendo desaparecido, com a revogação do n.º 2 do art. 49.º, a cessação do efeito interruptivo que nele se previa para os casos de paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, os efeitos duradouros que o acto interruptivo produz durante a pendência do processo só terminarão com o termo do processo. Por isso, não se justificaria que, no novo n.º 4, se estabelecesse que o prazo de prescrição se suspende «enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso», pois esta suspensão já estaria assegurada, independentemente de se suspender ou não a cobrança da dívida, pelo efeito que estes mesmos meios processuais têm como factos interruptivos, que agora não cessa até ao termo do processo. Porém, a manutenção desta referência ao efeito suspensivo da reclamação, impugnação e recurso, nos casos de determinarem a suspensão da cobrança da dívida (que é manifesto que resulta de uma intenção legislativa deliberada, pois a norma até foi reformulada, relativamente à equivalente anterior, que constava do n.º 3 do art. 49.º), explica-se pela inovação que consta da actual redacção do n.º 3 do mesmo artigo, de a interrupção ter lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar: - o primeiro facto com efeito interruptivo produz os efeitos que produzia no domínio da redacção anterior, de eliminação do prazo decorrido anteriormente e de obstar ao decurso da prescrição, agora (com a eliminação do n.º 2) sempre, incondicionalmente, até se tornar definitiva a decisão que puser termo ao processo; [sublinhado nosso] - os factos previstos como interruptivos que ocorram depois do primeiro, à face da nova redacção do n.º 3, não terão o referido efeito interruptivo, mas terão relevância como factos suspensivos da prescrição, desde que se verifique a condição da sua relevância a este nível, que é o processo respectivo determinar a suspensão da cobrança da dívida. Esta interpretação é corroborada pelo próprio texto do novo n.º 3 do art. 49.º, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar», o que inculca que o regime do n.º 4, na parte que se refere aos factos qualificados pelo n.º 1 como interruptivos, tem o seu campo de aplicação nas situações em que esse efeito interruptivo é afastado pelo n.º 3» (Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, págs. 69 a 72.). Ou seja, a causa de interrupção da prescrição (a instauração da impugnação judicial) teve (a par do efeito instantâneo, de eliminar para a prescrição o tempo anteriormente decorrido) o efeito duradouro, de obstar a que corra novo prazo de prescrição enquanto se mantiver pendente o respectivo processo. E, para que se mantenha o efeito duradouro do facto interruptivo não é necessária a prestação de qualquer garantia (ou a dispensa da prestação da mesma) nem que a dívida exequenda e o acrescido se encontrem garantidos.” Embora alguma doutrina tenha criticado esta interpretação[6], a verdade é que jurisprudência consolidada do STA a tem mantido, sem alterações significativas, à qual também aderimos por razões de confiança e segurança jurídicas que julgamos relevantes. A sentença divergiu, sem fundamento, desta jurisprudência e, por isso, não se pode manter. Por falta de elementos factuais relevantes para a decisão das restantes questões, não podemos nesta instância decidir em substituição, devendo os autos ser remetidos ao tribunal "a quo" para que, uma vez fixada a matéria de facto relevante, seja proferida nova sentença que ao caso couber. V DECISÃO. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAS em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e ordenar a remessa dos autos à 1ª instância para que, uma vez fixados os factos relevantes, seja proferida nova sentença que ao caso couber. Custas pela Recorrida. Lisboa, 25 de fevereiro de 2021. [Nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, o relator consigna e atesta que têm voto de conformidade as Exmas. Senhoras Desembargadoras Patrícia Manuel Pires e Susana Barreto que integram a presente formação de julgamento.]
(Mário Rebelo) __________________
[2] - de 5 de Abril de 2017, proferido no processo com o n.º 304/17, disponíveis em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0a085802c5bf7ca18025811b002e369a; - de 31 de Janeiro de 2018, proferido no processo com o n.º 21/18, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6a368a775521b12180258232004f38f7.). |