Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1569/10.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/25/2021
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:PRESCRIÇÃO DE DÍVIDA EXEQUENDA.
EFEITOS DA CITAÇÃO.
Sumário:1.A citação para a execução efeito interruptivo instantâneo, pela eliminação do tempo decorrido anteriormente, e efeito duradouro, impedindo o início do novo prazo durante o tempo em que estiver pendente o processo que provoca o efeito interruptivo.
2. A interrupção do prazo prescricional não depende da prestação de garantia, ou da dispensa dessa prestação, nem do facto de a dívida exequenda e o acrescido estarem garantidos por qualquer outro modo.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
RECORRENTE: FAZENDA PÚBLICA.
RECORRIDOS: H..........
OBJECTO DO RECURSO:

Sentença proferida pelo MMº juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a OPOSIÇÃO apresentada contra a execução fiscal n.° .........., instaurada contra a sociedade N.........., LDA, a correr termos no Serviço de Finanças de Lisboa 8, para cobrança de dívida de IVA, respeitante ao período de 2007, no montante de € 2 992,80, revertida contra H...........
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
«I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a oposição deduzida por H.........., NIF .......... veio deduzir, ao abrigo do disposto no artigo 204.° do CPPT, oposição à execução fiscal n.° .........., instaurada contra a sociedade N.........., LDA, a correr termos no Serviço de Finanças de Lisboa 8, para cobrança de dívida de IVA, do período de 2007, no montante de € 2 992,80 que contra ela reverteu.
II. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à aplicação dos artigos 48.° e 49.° da LGT.
III. Vem a douta sentença dizer que dos factos provados nos autos, a dívida objecto dos mesmos - IVA de 2007 - se encontra prescrita, desde 23-12-2017, em virtude de, a ora Recorrida ter sido citada em 23-12-2009, data em que ocorreu a interrupção da contagem do prazo prescricional, não tendo, entretanto, ocorrido qualquer causa suspensiva da contagem daquele prazo.
IV. A divida objecto dos presentes autos refere-se a IVA, do ano de 2007, considerando tratar-se de um imposto de obrigação única, a contagem do prazo prescricional iniciou- se em 01-01-2008.
V. Assim, in casu, ocorreu um facto interruptivo do prazo de prescrição, nos termos e para efeitos do disposto nos n.°s 1 e 4 do artigo 49.° da LGT - a citação da ora Recorrida - em execução fiscal - ou seja, ainda dentro do prazo de 8 (oito) anos previsto para a prescrição.
VI. Resulta que, por via da ocorrência daquele referido facto, a citação, na respectiva data ocorre a interrupção do prazo de prescrição, assim se produzindo os efeitos próprios do acto interruptivo, com a consequente inutilização de todo o tempo anteriormente contabilizado.
VII. Porém, em certos casos, designadamente quando a interrupção resultar de citação, notificação, ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cfr. artigo 327.° n°.1 do CC).
VIII. Resultam, assim, da conjugação dos preceitos 326.° e 327.° do CC, dois conceitos de interrupção da prescrição: um que se traduz exclusivamente num efeito instantâneo sobre o prazo de prescrição (inutilização para a prescrição do tempo decorrido); outro que se consubstancia no mesmo efeito instantâneo acrescido de um efeito suspensivo (é eliminado o período decorrido e a prescrição não corre enquanto o processo durar, efeito duradouro este que é próprio dos factos suspensivos da prescrição.
IX. Ora, no caso em apreço, uma vez que a causa de interrupção do prazo de prescrição foi, exactamente, a citação da Recorrida, é de concluir, além do referido efeito instantâneo, também pela verificação do efeito suspensivo da interrupção da prescrição.
X. Assim, e ao contrário da decisão ora colocada em crise, se tem pronunciado, uniforme e reiteradamente, a doutrina e jurisprudência como a seguir se transcreve: "(…)Termos em que, mais uma vez, se reitera a jurisprudência consolidada neste STA no sentido de que a interrupção decorrente da citação do executado inutiliza todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar."
XI. A douta sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar que se encontram violado os artigos 48.° e 49.° da LGT em consequência, julgando extinto o processo executivo em relação à Recorrida, concluindo que se encontra prescrito o PEF objecto dos presentes autos.
TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE
RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!»

CONTRA-ALEGAÇÕES.
A. A Representante da Fazenda Pública, na qualidade de Exequente, e ora Recorrente, veio interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa - 3° Unidade Orgânica, visando reagir contra a douta decisão proferida no processo n° 1569/10.7BELRS, que julgou procedente a prescrição da dívida exequenda a título de IVA, correspondente ao ano de 2007.
B. A sentença ora recorrida atendeu à redacção do artigo 48° da LGT à data de constituição do facto tributário, dada pela Lei n° 55-B/2004 de 30/12, com entrada em vigor a 01/01/2005 e à redacção do artigo 49° da LGT à data de constituição do facto tributário, dada pela Lei n° 53-A/2006 de 29/12, com entrada em vigor a 01/01/2007, e julgou procedente a prescrição da dívida tributária, relativo ao IVA correspondente ao ano de 2007.
C. De acordo com a lei vigente à data do facto tributário, estabelecia o artigo 48° n° 1 da LGT que "As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário." (negrito nosso).
D. Relativamente à interrupção da contagem deste prazo, estabelecia o artigo 49° n° 1 da LGT, que "A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.".
E. Pelo que, tendo a Recorrida sido citada no dia 23/12/2009, verificou-se uma causa de interrupção da contagem do prazo de prescrição, com o respectivo efeito instantâneo.
F. Pelo que, o tempo decorrido compreendido entre dia 01/01/2008 e 23/12/2009, ficaram prejudicados para contabilização do prazo de prescrição da dívida, iniciando-se na data da citação, o decurso de novo prazo de prescrição.
G. A Recorrente alega que, para além da citação ter interrompido o prazo de prescrição, simultaneamente suspendeu-o, nos termos e para os efeitos dos artigos 326° e 327°, ambos do Código Civil, por aplicação subsidiária, conforme disposto pelo artigo 2° alínea d) da LGT.
H. Assim, o presente recurso vem pôr em crise a aplicação e interpretação feita pelo Tribunal a quo, das disposições legais tributárias vigentes, nomeadamente do artigo 48° e 49° da LGT.
I. Alegando que, para além do efeito instantâneo da interrupção do prazo de prescrição, por força da citação da Recorrida, a citação consubstancia uma causa de suspensão do prazo de prescrição, com efeito duradouro, nos termos do artigo 326° e 327° do Código Civil.
J. Aplicação subsidiária que não tem qualquer fundamento legal, dado que as causas de suspensão da prescrição encontravam-se legalmente consagradas no artigo 49° n° 4 da LGT, na medida em que "O prazo legal de prescrição suspende-se em virtude do pagamento de prestações legalmente autorizadas ou enquanto houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida." (negrito e sublinhado nosso).
K. Deste modo, nem a citação da Recorrida, nem a oposição por esta apresentada, no âmbito do processo de execução fiscal n° .........., suspenderam a cobrança da dívida, pois não foi autorizado o pagamento em prestações legalmente autorizadas, nem tampouco foi prestada garantia, pelo que, não se verificou o efeito da suspensão do prazo de prescrição, previsto no artigo 49° n° 4 da LGT.
L. Isto porque, como sabemos, a simples apresentação da oposição, não suspende a execução fiscal, nos termos do artigo 169° do Código de Procedimento e Processo Tributário.
M. Por maioria de razão, não poderá a Fazenda Pública, perante a evidente prescrição da obrigação tributária, à luz da lei tributária, socorrer-se da lei civil, para fazer valer o seu ius imperium sobre o contribuinte, sob pena de violar todos os princípios do direito fiscal.
N. Como explica o Sr. Dr. Prof. José Casalta Nabais, no seu livro "Direito Fiscal" (página n° 273) "O prazo de prescrição interrompe-se em virtude da citação, reclamação, recurso hierárquico, impugnação e pedido de revisão oficiosa da liquidação do imposto, e suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas ou de reclamação, impugnação ou recurso (art. 49°, n° 1 e 3)" (negrito e sublinhado nossos).
O. Estando os efeitos da interrupção do prazo de prescrição, bem como as causas de suspensão, determinados na legislação tributária vigente à data do facto tributário, não poderá nunca aplicar-se subsidiariamente as disposições do direito civil, sob pena de violação do princípio da não retroactividade dos impostos, previsto no artigo 103° n° 3 da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos, nos melhores de direito e nos demais que V/Exas. mui doutamente proferirão, deve ser negado provimento ao recurso mantendo-se na íntegra a decisão recorrida que não merece, pois qualquer censura, fazendo-se assim a habitual JUSTIÇA!

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA foi devidamente notificado e pronunciou-se pela improcedência do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar procedente a oposição com fundamento na prescrição da dívida exequenda.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

A) Foi autuado o processo de execução fiscal n.° .......... em nome de N.........., LDA, para cobrança de IVA, de períodos de 2007, no montante de € 2 992,80 - cfr. fls. 1 do processo de execução fiscal (PEF) e teor da informação do Serviço de Finanças de Lisboa 8, a fls. 8 e 9 dos autos;

B) Em 23-12-2009 (data da assinatura do aviso de receção), a Oponente foi citada da reversão da execução contra ela do processo de execução fiscal n.° .........., referente a IVA de períodos de 2007, no montante de € 2 992,80 - cfr. PEF e teor da informação do Serviço de Finanças de Lisboa 8, a fls. 8 e 9 dos autos;

C) Em 21-01-2010 é remetida pelo correio, a petição dos presentes autos de oposição - cfr. teor da informação do Serviço de Finanças de Lisboa 8, a fls. 8 e 9 dos autos.


*

Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.

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Considero os factos provados atendendo ao teor dos documentos juntos aos autos e identificados nas diversas alíneas do probatório, não impugnados.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

A Oponente deduziu oposição contra a execução fiscal contra si revertida por dívidas de IVA relativas ao período de 2007, de que é devedor originário a sociedade “N.......... Lda.”, alegando, em síntese, não estarem preenchidos os pressupostos para a reversão da dívida, por falta de gerência efetiva da devedora originária e que a mesma se encontra prescrita (alegação referida apenas para o ano de 2000, que aparentemente não foi revertida).

O MMº juiz julgou a oposição procedente com fundamento na sua prescrição.

O Exmo. Representante da Fazenda Pública discorda. Defende que a citação da Recorrida ocorreu dentro do prazo de oito anos, o que teve dois efeitos: a inutilização do tempo anteriormente decorrido e a suspensão da retoma da marcha prescricional enquanto não passar em julgado a decisão que ponha termo ao processo.

Conclui que a obrigação não se encontra prescrita e a sentença deverá ser revogada.

Assim, a questão que somos chamados a decidir é tão só a de saber se a sentença decidiu bem ao julgar procedente a oposição com fundamento na prescrição da dívida exequenda.

Sendo a dívida relativa a IVA de 2007, o prazo prescricional aplicável é o de oito anos, previsto no art. 48.º/1 da LGT, com início da contagem em 1 de Janeiro de 2008.

O que significa que a obrigação tributária extinguir-se-ia, em princípio e na ausência de factos interruptivos e, ou, suspensivos da prescrição, no dia 31 de Dezembro de 2015, como decorre das regras estabelecidas no art. 279.º/c), do Código Civil.

A Oponente foi citada em 23/12/2009, muito antes de completado o prazo de prescrição, o que implica a interrupção da prescrição, nos termos do art. 49º/1 da LGT.

Por falta de regulamentação dos efeitos da citação na LGT, há que aplicar as normas contidas no CC, designadamente o n.º 1 do art. 326.º, que estabelece que «[a] interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte», bem como o n.º 1 do art. 327.º, que dispõe: «Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo».

Donde resulta que quando o prazo de prescrição foi interrompido pela citação, a cessação da eficácia do facto interruptivo é diferida para a data da decisão que ponha termo ao processo, sem prejuízo de dever equiparar-se a essa decisão aquela que declare a execução fiscal em falhas[1], e vários acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo têm decidido nesse sentido e com esse alcance[2]. Trata-se de jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, como se pode também ver nos acórdãos referidos na nota infra[3] e não encontramos motivo para dela divergir.

Por conseguinte, a interrupção decorrente da citação da executada inutiliza todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar.

Podemos então concluir que a obrigação não se encontra prescrita.

Na sua fundamentação, o MMº juiz considerou que a interrupção da prescrição ocorreu em 23/12/2009, com a citação, inutilizando o tempo decorrido anteriormente, mas logo recomeça a contagem de novo prazo prescricional. Acrescentou, então, que “...a apresentação de oposição só tem a virtualidade de suspender a execução, em caso de ter sido prestada garantia ou a mesma tenha sido expressamente dispensada, nos termos do artigo 49º, n.º 4 da LGT, em articulação com o artigo 169º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

Não sabemos, porque não o mencionou, se o MMº juiz se baseou na redação do n.º 4 do art.º 49º da LGT na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, ou se na redação do art.º 49º LGT dada pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março, em especial à alínea b) do seu n.º 4.

Mas quer uma quer outra não introduzem razões jurídicas objetivas para repensar a interpretação que a jurisprudência do STA tem dado à questão.

Com efeito, a alínea b) do n.º 4 do artº 49º LGT (redação da Lei n.º 7-A/2016) menciona expressamente que

4) O prazo de prescrição legal suspende-se:

(...)

b) Enquanto não houver decisão definitiva ou transitada em julgado, que ponha termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida. (itálico nosso).

Esta disposição é idêntica à constante do n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12[4].

Ora, sobe esta matéria o STA tem sido muito claro, como se pode ver no ac do STA n.º 0452/17 10-05-2017, cuja fundamentação transcrevemos, na parte relevante:[5]

“Recordemos os ensinamentos de JORGE LOPES DE SOUSA sobre o efeito duradouro do facto interruptivo: «[…] se tal paragem [do processo por mais de um ano por motivo não imputável ao sujeito passivo] não ocorreu até 31-12-2006, nos processos a que se aplica este novo regime, a interrupção da prescrição tem sempre o seu efeito próprio de inutilizar o tempo já decorrido e esse efeito não é destruído por eventual paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte.

Por outro lado, relativamente ao efeito suspensivo que estava associado ao acto interruptivo, numa primeira análise, parece que ele se manterá».

E explica porquê: «Na verdade, relativamente à reclamação, ao recurso hierárquico e à impugnação faz-se referência, como facto interruptivo, ao próprio processo (facto duradouro) e não à sua apresentação da peça processual que dá início àqueles meios processuais.

[…] É certo que o facto de no novo n.º 4 se manter a referência ao efeito suspensivo da reclamação, impugnação, e recurso (para além da oposição, aditada neste n.º 4, quando comparado com o equivalente anterior n.º 3) pode sugerir a interpretação de que estes factos simultaneamente interruptivos e suspensivos só têm relevância suspensiva na situação prevista no n.º 4 de estar suspensa a cobrança da dívida [Eventualmente, será esta a tese do Recorrente, se bem interpretamos as alegações de recurso].

Isto é, tendo desaparecido, com a revogação do n.º 2 do art. 49.º, a cessação do efeito interruptivo que nele se previa para os casos de paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, os efeitos duradouros que o acto interruptivo produz durante a pendência do processo só terminarão com o termo do processo. Por isso, não se justificaria que, no novo n.º 4, se estabelecesse que o prazo de prescrição se suspende «enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso», pois esta suspensão já estaria assegurada, independentemente de se suspender ou não a cobrança da dívida, pelo efeito que estes mesmos meios processuais têm como factos interruptivos, que agora não cessa até ao termo do processo.

Porém, a manutenção desta referência ao efeito suspensivo da reclamação, impugnação e recurso, nos casos de determinarem a suspensão da cobrança da dívida (que é manifesto que resulta de uma intenção legislativa deliberada, pois a norma até foi reformulada, relativamente à equivalente anterior, que constava do n.º 3 do art. 49.º), explica-se pela inovação que consta da actual redacção do n.º 3 do mesmo artigo, de a interrupção ter lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar:

- o primeiro facto com efeito interruptivo produz os efeitos que produzia no domínio da redacção anterior, de eliminação do prazo decorrido anteriormente e de obstar ao decurso da prescrição, agora (com a eliminação do n.º 2) sempre, incondicionalmente, até se tornar definitiva a decisão que puser termo ao processo; [sublinhado nosso]

- os factos previstos como interruptivos que ocorram depois do primeiro, à face da nova redacção do n.º 3, não terão o referido efeito interruptivo, mas terão relevância como factos suspensivos da prescrição, desde que se verifique a condição da sua relevância a este nível, que é o processo respectivo determinar a suspensão da cobrança da dívida.

Esta interpretação é corroborada pelo próprio texto do novo n.º 3 do art. 49.º, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar», o que inculca que o regime do n.º 4, na parte que se refere aos factos qualificados pelo n.º 1 como interruptivos, tem o seu campo de aplicação nas situações em que esse efeito interruptivo é afastado pelo n.º 3» (Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, págs. 69 a 72.).

Ou seja, a causa de interrupção da prescrição (a instauração da impugnação judicial) teve (a par do efeito instantâneo, de eliminar para a prescrição o tempo anteriormente decorrido) o efeito duradouro, de obstar a que corra novo prazo de prescrição enquanto se mantiver pendente o respectivo processo. E, para que se mantenha o efeito duradouro do facto interruptivo não é necessária a prestação de qualquer garantia (ou a dispensa da prestação da mesma) nem que a dívida exequenda e o acrescido se encontrem garantidos.”

Embora alguma doutrina tenha criticado esta interpretação[6], a verdade é que jurisprudência consolidada do STA a tem mantido, sem alterações significativas, à qual também aderimos por razões de confiança e segurança jurídicas que julgamos relevantes.

A sentença divergiu, sem fundamento, desta jurisprudência e, por isso, não se pode manter.

Por falta de elementos factuais relevantes para a decisão das restantes questões, não podemos nesta instância decidir em substituição, devendo os autos ser remetidos ao tribunal "a quo" para que, uma vez fixada a matéria de facto relevante, seja proferida nova sentença que ao caso couber.  

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAS em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e ordenar a remessa dos autos à 1ª instância para que, uma vez fixados os factos relevantes, seja proferida nova sentença que ao caso couber.

Custas pela Recorrida.

Lisboa, 25 de fevereiro de 2021.

[Nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, o relator consigna e atesta que têm voto de conformidade as Exmas. Senhoras Desembargadoras Patrícia Manuel Pires e Susana Barreto que integram a presente formação de julgamento.]

(Mário Rebelo)



 

__________________


[1] Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, áreas Editora, 2ª ed. pág. 62, maxime nota de rodapé com o número (18)

[2] - de 5 de Abril de 2017, proferido no processo com o n.º 304/17, disponíveis em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0a085802c5bf7ca18025811b002e369a;

- de 31 de Janeiro de 2018, proferido no processo com o n.º 21/18, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6a368a775521b12180258232004f38f7.).

[3] Ac. do STA n.º 01053/19.3BEPRT de 17-12-2019 Relator:               JOSÉ GOMES CORREIA
Sumário:              I - A interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (nº 1 do art. 49º da LGT) inutiliza para a prescrição o tempo decorrido até à data em que se verificou esse facto interruptivo (nº 1 do art. 326º do CCivil) e obsta ao início da contagem do novo prazo de prescrição enquanto o processo não findar (nº 1 do art. 327º do CCivil).
Ac. do STA n.º 0717/19.6BEAVR de 08-01-2020 Relator:    PAULO ANTUNES          
Sumário:              I - O prazo de prescrição de oito anos previsto no art. 48.º n.º1 da L.G.T. suspende-se pela declaração de insolvência do próprio revertido, nos termos do art. 100.º do C.I.R.E. e interrompe-se pelas citações operadas, nos termos do art. 49.º n.ºs 1 e 3 da L.G.T., na redação dada pela Lei n.º 53-a/2006, de 29/12, que revogou ainda o n.º 2.
II - Estas citações produzem os efeitos previstos nos artigos 326.º n.º 1 e 327.º n.º 1 do Código Civil, por aplicação subsidiária, nos termos do art. 2.º, d), da L.G.T., nomeadamente, o da eliminação do prazo até então decorrido e a sua suspensão até à conclusão dos processos.
[4] Que dizia: “O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida” (itálico nosso)

[5] Ac. do STA n.º 0452/17 10-05-2017 Relator:       FRANCISCO ROTHES
Sumário:              I - Os factos interruptivos da prescrição previstos no n.º 1 do art. 49.º da LGT têm dois efeitos sobre a prescrição: para além de um efeito instantâneo, qual seja a eliminação do tempo decorrido anteriormente, um efeito duradouro, que consiste em obviar ao início do novo prazo durante o tempo em que estiver pendente o processo que provoca o efeito interruptivo.
II - Assim, interrompido o prazo prescricional por força da instauração de impugnação judicial, só se inicia a contagem do novo prazo após o trânsito em julgado da decisão que puser termo a esse processo.
III - A interrupção do prazo prescricional não depende da prestação de garantia, ou da dispensa dessa prestação, nem do facto de a dívida exequenda e o acrescido estarem garantidos por qualquer outro modo.

[6] Cfr. Rui Marques in “A prescrição das Dívidas Tributárias”, Almedina, 2018, pp. 104, e José Maria Fernandes e outros, in "Lei Geral Tributária" anotada, Almedina, 2015, pp. 461.