Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2425/09.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/31/2019
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:SISA;
CADUCIDADE LIQUIDAÇÃO;
ALTERAÇÃO DESTINO;
CAPACIDADE DE FISCALIZAÇÃO.
Sumário:I-Na fixação do sentido e alcance da lei, não pode ser considerado pelo intérprete um entendimento que não tenha um mínimo de correspondência verbal com o normativo legal, presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, entendendo-se, assim, que o legislador, no artigo 16.º do CIMSISSD, adotou o termo “verifique” no sentido de capacidade de fiscalização.

II-A condição resolutiva da isenção não se verifica e opera, automaticamente, com efeitos ex tunc, com a ata de deliberação da alteração do destino do imóvel, se a Administração Tributária não teve conhecimento, nem a possibilidade de verificar que foi alterado o destino do bem em momento anterior à verificação da caducidade da isenção da revenda.

III-O cômputo inicial do prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto de SISA só se inicia a partir da verificação do não cumprimento da condição resolutiva de revenda no prazo de três anos, uma vez que só a partir dessa data aquele direito de liquidar pode ser exercido pela Administração Tributária.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

Á.......... Lda, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial tendo por objeto a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de SISA, do ano de 2000, no valor de €32.421,86, e juros compensatórios no montante de €7.663,99, tudo perfazendo a quantia global de €40.085,85.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“Deverá assim entender-se, contrariamente ao entendimento perfilhado na Douta Sentença recorrida, que operou a caducidade do direito à liquidação do Imposto Municipal de SISA, nos termos e para os efeitos do Art. 92º, nº 1 do CIMSISSD, por decorrido o prazo de 8 anos a contar da data em que foi dado destino diferente ao bem.

Pelo atrás exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, revogada a decisão proferida pelo tribunal a quo com todos efeitos legais.”


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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) devidamente notificado para o efeito, optou por não contra-alegar.

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O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

A) Por escritura de "Compra e Venda" lavrada em 17 de Março de 2000 no Cartório Notarial de Leiria, Joaquim .......... declarou vender à ora impugnante e esta declarou comprar, pelo preço de sessenta e cinco mil contos, «o prédio urbano composto de Loja, quatro andares, águas furtadas e logradouro, sito em C.........., números cento e cinco, Santa Catarina, concelho de Lisboa, descrito na ..... Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número cento e cinco, Santa Catarina, com inscrição G-..... de aquisição a favor do vendedor, inscrito na matriz sob o artigo ... com o valor patrimonial de 1.630.882$00» (cfr. documento de fls. 31 a 36 do processo de reclamação graciosa apenso).

B) Consta ainda da escritura mencionada na alínea anterior que «o imóvel se destina a revenda. A compradora encontra-se colectada para o IRC, pela actividade de "Compra e Venda de Imóveis para revenda", tendo exercido a mesma actividade no ano passado, conforme certidão que apresenta» (cfr. documento de fls. 31 a 36 do processo de reclamação graciosa apenso).

C) Em 20 de Outubro de 2000 pela impugnante foi deliberado em assembleia­ geral extraordinária que o prédio urbano a que se refere a alínea A) «deverá ficar para rendimento abandonando-se a ideia da revenda» (cfr. acta nº 3 de fls. 8 a 11 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

D) Com data de 19 de Fevereiro de 2009, o Serviço de Finanças de Lisboa-… remeteu à ora impugnante, por correio registado, o oficio nº ..... subscrito pelo Chefe de Finanças Adjunto, designadamente, com o seguinte teor:

«(...)

Assunto: SISA -REVENDA

Exmªs Senhores

Por escritura de 2000-03-17, essa firma comprou o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Santa Catarina sob o artigo ..., pelo preço de 65.000.000$00 e com o valor patrimonial de 1.630.882$00.

Destinou-o a revenda e beneficiou da isenção nos termos do artigo 11 nº3 do Código do Imposto Municipal de Sisa e do imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISSD). Não o revendeu no prazo de 3 anos, pelo que a isenção caducou nos termos do artigo 16 nº 1 do CIMSISSD e o tributo é devido nos termos gerais.

Nos termos do artigo 115º, nº 5 do CIMSISSD, deveria ter requerido neste Serviço de Finanças e no prazo 30 dias a contar da caducidade da isenção, a liquidação e o pagamento da Sisa devida.

Assim, mais fica essa firma notificada para no prazo de 15 dias a contar desta notificação:

- Pagar a Sisa devida no valor de €32.421,86, acrescida dos juros compensatórios;

- Pagar a coima reduzida no valor de €1.621,09, redução que só aproveita se pagar o imposto;

- Alegar o que julgar conveniente e por escrito no âmbito do direito de audição prévia a que se refere o artigo 60º da Lei Geral Tributária (LGT).

Se a situação não for regularizada voluntariamente, proceder-se-á à liquidação oficiosa e ao levantamento de auto de notícia.

(...)» (cfr. oficio de fls. 28 do processo de reclamação grac10sa apenso aos autos).

E) Na sequência do oficio que antecede, em 16 de Março de 2009, pela impugnante foi apresentado, junto daquele Serviço de Finanças, requerimento, designadamente, com o seguinte teor:

«Á.........., Lda contribuinte nº .........., tendo sido notificada em .........., para exercer o direito de audição prévia, sobre a intenção de liquidar o Imposto de Sisa no montante de 32.421,86€, acrescido de juros compensatórios e coima no montante de 1 621,09€ vem exercer esse direito, expondo o seguinte:

1. O prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Santa Catarina, sob o artigo …, foi adquirido em 17/03/2000, com intenção de ser revendido no mesmo estado em que foi adquirido.

2. Beneficiou da isenção de Sisa nesses termos, tendo para o efeito contabilizado nessa data o prédio no activo circulante da empresa.

3. Entretanto e durante esse ano verificou que não seria possível obter a mais valia prevista, sem que fossem feitas algumas alterações ao imóvel.

4. Neste sentido, em 20/10/2000, decidiu-se fazer o pedido de divisão em propriedade horizontal à Câmara Municipal de Lisboa, tendo-se iniciado essas diligências de imediato, com o objectivo de saber exactamente quais as alterações que eram necessárias fazer no prédio.

5. Em consequência, este imóvel passaria a fazer parte do imobilizado da empresa, incentivando-se o arrendamento dos fogos susceptíveis de o serem, até que o processo camarário se resolvesse, que se previa demorado.

6. A partir daquela data, deveria ter comunicado à Administração Fiscal, a alteração do destino do bem e pedir a liquidação do Imposto e de Sisa respectiva.

7. Como não o fez, estaria sujeito às penalidades e juros previsto na Lei.

8. Contudo parece-nos que, nesta data, já não poderá fazer-se a liquidação referida, por estar ultrapassado o prazo legalmente definido.

Pelo que se solicita a V Exa que não se concretize a intenção da administração referida no início.

(...)» (cfr. documento de fls. 27 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).

F) Em 19 de Março de 2009, através do oficio nº ..... do Serviço de Finanças de Lisboa …, datado de 17 de Março de 2009, foi a impugnante notificada da liquidação do imposto municipal de sisa no valor de €32.421,86 e juros compensatórios no montante de €7.663,99, efectuada com fundamento em se ter verificado a caducidade da isenção nos termos do artigo 16º, n °1 do CIMSISSD, pelo facto de não ter ocorrido a revenda do imóvel identificado em A) no prazo de 3 anos após a respectiva aquisição (cfr. fls. 24 a 26 dos autos).

G) Contra a liquidação notificada pelo ofício a que se refere a alínea anterior, a impugnante apresentou, em 17-08-2009, reclamação graciosa com os fundamentos constantes da petição de fls. 12 a 15 do processo de reclamação graciosa apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

H) A reclamação a que se refere a alínea anterior deu origem ao processo de reclamação graciosa nº .......... do Serviço de Finanças de Lisboa ..., no âmbito do qual em 21-10-2009, foi elaborado projecto de indeferimento sobre o qual, na mesma data, recaiu despacho de concordância da Chefe de Finanças, em regime de substituição, do SF de Lisboa ... (cfr. fls. 39 a 41 do processo de reclamação graciosa apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

I) Em 30-10-2009, através do ofício nº ....., a impugnante foi notificada do projecto de indeferimento da reclamação e para o exercício do direito de audição prévia (cfr. fls. 42 e 43 do processo de reclamação graciosa apenso).

J) A reclamação graciosa identificada em G) foi indeferida por despacho, concordante com informação e parecer no mesmo sentido, proferido em 16-11-2009 pela Chefe de Finanças, em regime de substituição, do SF de Lisboa ..., com fundamento em não se verificar a caducidade do direito à liquidação do imposto (cfr. despacho, informação e parecer de fls. 49 a 51 do processo de reclamação graciosa apenso, que se dá por integralmente reproduzidos).

K) Em 19-11-2009, através do oficio nº ..... do Serviço de Finanças de Lisboa ..., foi a ora impugnante notificada do despacho que antecede (cfr. oficio de fls. 23 dos autos).”


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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:


“Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.”



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A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:


“A decisão da matéria de facto efectuou-se com base nos documentos juntos aos autos e ao processo de reclamação graciosa apenso, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos factos provados.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial contra a liquidação de SISA do ano de 2000 no montante de €32.421,86, e juros compensatórios no montante de €7.663,99, tudo perfazendo o valor global de €40.085,85.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a decisão recorrida padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, competindo, para o efeito, analisar qual o prazo de caducidade do direito à liquidação de SISA, e o seu cômputo em concreto, aferindo, nessa medida, qual o dies a quo, ou seja, se o mesmo se conta a partir do 31.º dia seguinte à data em que foi dado destino diferente ao bem, conforme propugna a Recorrente ou se o mesmo teve início com a verificação do não cumprimento da condição resolutiva de revenda, como sentenciou a primeira instância.

A Recorrente defende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, visto que em 20 de outubro de 2000 foi alterado o destino do prédio para rendimento, deixando assim de se destinar a revenda com a deliberação constante da ata, logo o prazo para a Administração Tributária liquidar o imposto e respetivos juros inicia-se no dia seguinte ao decurso do prazo de 30 dias dispondo, para o efeito, de 8 anos.

O Tribunal a quo assim o não entendeu tendo decidido que:

“[n]ão obstante a impugnante ter decidido alterar o destino do imóvel em 20-10-2000, certo é que, não resulta provado nos autos, nem sequer foi alegado, que até ao decurso do prazo de 3 anos de que a impugnante dispunha para proceder à revenda do imóvel a AT tenha verificado que ao mesmo havia sido dado destino diferente, até porque a impugnante, como expressamente reconhece, não cumpriu com a sua obrigação legal de comunicar a alteração do destino do bem e solicitar a liquidação do imposto devido.”

Concluindo, assim, que “não tendo a AT verificado a alteração de destino do imóvel em momento anterior à verificação do não cumprimento da condição resolutiva de revenda do imóvel, ocorrida em 18-03-2003, é a partir desta data que se deve considerar sem efeito a isenção concedida, por ser esse o momento a partir do qual pode a AT exercer o direito à liquidação do imposto, sendo assim irrelevante a posterior verificação de uma outra condição resolutiva, ainda que ocorrida em momento anterior.”

Concretizando, depois em termos do cômputo, em concreto, do prazo de caducidade do direito à liquidação que “ o prazo de oito anos de caducidade do direito à liquidação do imposto de sisa (art.º 92º, nº 1 do CIMSISSD) teve início com a verificação do não cumprimento da condição resolutiva de revenda, ocorrida em 18-03-2003” pelo que “a notificação da liquidação em 19-03-2009 impediu a caducidade, não se verificando a apontada ilegalidade.”

Vejamos, então, se a decisão recorrida interpretou corretamente o quadro jurídico vigente com a devida transposição fática ao caso vertente, salientando-se, para o efeito, que não foi impugnada a matéria de facto, encontrando-se a mesma devidamente estabilizada.

Apreciando.

Comecemos por convocar o quadro normativo que releva para o caso dos autos.

Preceituava o artigo 2.° do Código do Imposto Municipal de Sisa e Imposto sobre Sucessões e Doações (CIMSISSD), a propósito da incidência real que se encontram sujeitas a imposto de SISA as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade sobre bens imóveis.

Consagrando, por seu turno, o artigo 11.º, sob a epígrafe de “isenções de SISA”, mormente, o seu nº 3 que ficam isentas de SISA: "As aquisições de prédios para revenda, nos termos do artigo 13º-A, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 105.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do nº 1 do artigo 94º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios revenda".

Mais dispunha o artigo 16.º relativamente à caducidade do benefício de isenção, e no que para os autos releva, que as transmissões a que se refere o nº 3 do artigo 11.º "deixarão de beneficiar de isenção logo que se verifique (. ..) 1º Que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda".

Regulando, por sua vez, o artigo 91.º do mesmo diploma legal no concernente às “Isenções e reduções de SISA e do imposto” que: “No caso de ficar sem efeito a isenção (…), nos termos dos arts. 16.º (…) devem as pessoas ou entidades sujeitas ao seu pagamento solicitar, no prazo de 30 dias, a respetiva liquidação.”, sendo que em conformidade com o consignado no artigo 115.º, nº 5 do CIMSISSD a SISA deve ser paga dentro do prazo de 30 dias a contar da data em que a isenção ficou sem efeito.

De convocar, ainda, o artigo 92.º, nº 1 do CIMSISSD o qual estipulava que só poderia ser liquidado imposto de SISA nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito.

Cumpre, in fine, convocar o consignado no artigo 46.º, nº2, alínea c), da LGT, o qual dispõe que o prazo de caducidade se suspende em caso de “[b]enefícios fiscais de natureza condicionada, desde a apresentação da declaração até ao termo do prazo legal do cumprimento da condição”.

Visto o direito que releva para o caso vertente importa transpor o mesmo para a realidade fática dos autos, sublinhando, desde já, que o juízo de entendimento do Tribunal a quo não merece qualquer censura.

Senão vejamos.

Do recorte probatório dos autos, mormente, da conjugação das alíneas A) e B) resulta que, a Recorrente, em 2000, dedicava-se à atividade de compra e venda de imóveis para revenda e que no âmbito dessa atividade adquiriu, em 17 de março de 2000, o prédio urbano visado nos presentes autos, declarando expressamente no título aquisitivo ser esse o destino a dar ao imóvel.

Sendo que, em 20 de outubro de 2000, foi deliberado, em Assembleia Geral Extraordinária alterar o destino do imóvel, constando a expressa menção que “o prédio deverá ficar para rendimento abandonando-se a ideia da revenda”.

Dimanando, outrossim, inequívoco-não sendo, de resto, controvertido-que a Recorrente não procedeu à comunicação da alteração do destino do bem, nem requereu a liquidação do imposto no prazo legal consignado para o efeito.

Mais resultando provado que, a Administração Tributária, em 19 de fevereiro de 2009 e na sequência de constatação de que o imóvel não havia sido revendido no prazo de três anos, e que não tinha requerido a sua liquidação e efetuado o pagamento no prazo de 30 dias a contar da caducidade da isenção, notificou a Recorrente para regularizar a situação, no prazo de 15 dias, sob pena de emissão de ato de liquidação oficiosa.

Provindo, igualmente, provado que não obstante essa notificação a Recorrente não procedeu à regularização da situação invocando a alteração do destino do imóvel, e a caducidade do direito à liquidação.

Razão pela qual, foi notificada, em 19 de março de 2009, do ato de liquidação oficiosa de SISA, com fundamento no artigo 16.º, nº1 do CIMSISSD, o qual foi objeto de reclamação graciosa e ulterior impugnação judicial e, ora, objeto da presente lide recursiva.

Ora, da conjugação da aludida factualidade entende-se que a posição do Tribunal a quo não merece qualquer reparo visto que o fundamento que subjaz à emissão da liquidação oficiosa coaduna-se com a caducidade da isenção por o imóvel visado nos autos não ter sido objeto de revenda no prazo de três anos.

Com efeito, o prédio em apreço foi adquirido para revenda ficando expressamente exarada essa intenção no título aquisitivo, razão pela qual foi concedida a isenção contemplada no artigo 11.º, nº3 do CIMSISSD.

Logo, não tendo o mesmo sido revendido no prazo legal de três anos e não tendo sido paga a SISA no prazo de trinta dias a contar da data em que a isenção ficou sem efeito, estava a Administração Tributária legitimada a emitir o ato de liquidação oficiosa no prazo de oito anos.

É certo que a Recorrente aduz que alterou o destino do prédio, mas a verdade é que como bem evidencia o Tribunal a quo, não resulta provado nos autos, nem tão-pouco foi alegado pela Recorrente que até ao decurso do prazo de três anos que a mesma dispunha para proceder à revenda do imóvel a Administração Tributaria tenha tido conhecimento, donde possibilidade de verificar, que ao mesmo havia sido dado destino diferente.

De relevar, neste particular, que a letra da lei é clara consignando-se no citado artigo 16.º, nº1 que “deixarão de beneficiar de isenção logo que se verifique, respectivamente: Que aos prédios adquiridos para revenda, foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda”.

Dir-se-á, portanto, que o legislador escolheu o termo “verifique” no sentido de capacidade de fiscalização. Note-se que, na fixação do sentido e alcance da lei, não pode ser considerado pelo intérprete um entendimento que não tenha um mínimo de correspondência verbal com o normativo legal em apreço, sendo certo que se deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.ºs 2 e 3 do Código Civil).

Nessa medida, não tendo, no caso vertente, a Recorrente cumprido com a obrigação legal de comunicação da alteração do destino do bem e solicitado, em conformidade, a liquidação do imposto de SISA em falta, a Administração Tributária não teve a possibilidade de verificar que foi alterado o destino do bem em momento anterior à verificação da caducidade da isenção da revenda, pelo que, como é bom de ver, o termo inicial do prazo de caducidade do direito à liquidação somente poderá operar com a caducidade da isenção decorrente do facto de não ter ocorrido revenda no prazo consignado na lei.

Contrariamente ao sustentando pela Recorrente a condição resolutiva da isenção não se verificou e operou, automaticamente, com efeitos ex tunc, com a deliberação da alteração do destino do imóvel, em 20 de outubro de 2000 e isto porque o direito à liquidação e cobrança só pode ser exercido a partir da constatação do não cumprimento dos objetivos ou condições a que ficou subordinada a concessão de isenção (neste sentido se tem pronunciado a jurisprudência do STA vide, entre outros, os Acórdãos de 03.07.2019, processo nº 01855/11.9, 22.09.2010, processo nº 383/10, de 14.09.2011, processo nº 294/11 e de 54/14 de 03.05.2017(1)).

De relevar, neste particular, que a Recorrente admite que os pressupostos que levaram à caducidade da isenção para revenda se encontram inteiramente corretos, mais admite, expressamente, que não cumpriu as obrigações declarativas perante a Administração Tributária as quais legitimariam a perceção e ulterior fiscalização da alteração do destino do bem, porém defende que o prazo que a Administração Tributária dispunha para liquidar o imposto se encontra, inteiramente, precludido.

Ora, tal entendimento não pode proceder. Note-se que, a lograr provimento a esteira de entendimento da Recorrente, tal não só subverteria a ratio legis que subjaz à isenção de SISA contemplada no preceito legal 11.º, nº3 do CIMSISSD e que se justifica “pela sujeição dos ganhos obtidos na actividade de revenda de prédios à disciplina do Código do IRS ou IRC, tributação que é, neste caso, mais perfeita que a que resultaria da sisa, pois entra em linha de conta com os proveitos e os custos respectivos, procurando atingir o lucro real.(2)”, como beneficiaria o infrator que não havia cumprido com as suas obrigações declarativas, não tendo a Administração Tributária forma de fiscalizar a alteração de destino do bem.

Aqui chegados, conclui-se que estando a isenção concedida sujeita a uma condição resolutiva só com a sua não verificação se produzem todos os efeitos fiscais concretizados na transmissão. Com efeito, a isenção de tributação é concedida a título provisório e só se consolida no caso da verificação da condição resolutiva da revenda no prazo de três anos, caducando quando tal não suceda.

Dito de outro modo, o cômputo inicial do prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto de SISA só se inicia a partir da verificação do não cumprimento da condição resolutiva de revenda no prazo de três anos, uma vez que só a partir dessa data aquele direito de liquidar podia ser exercido pela Administração Tributária(3).

Nessa medida, tendo a escritura de compra e venda do imóvel sido outorgada a 17 de março de 2000, o prazo de três anos para revenda esgotou-se a 17 de março de 2003, logo o direito de liquidar a SISA expiraria, (face à norma especial contida no artigo 92.º do CIMSISSD, cuja aplicabilidade encontra fundamento na parte final do n.º 1 do artigo 46.º da LGT), oito anos depois, ou seja, a 18 de março de 2011.

Ora, tendo a liquidação sido notificada à Recorrente em 19 de março de 2009, dimana inequívoco que não se encontra caducado o direito à liquidação de SISA, pelo que a decisão recorrida que assim o decidiu não merece qualquer censura, devendo, por isso, ser confirmada.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe. Notifique.

Lisboa, 31 de outubro de 2019

(Patrícia Manuel Pires)

(Mário Rebelo)

(Anabela Russo)


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(1)Não obstante os dois últimos Arestos se reportarem a IMT, a fundamentação jurídica é inteiramente transponível para o caso dos autos,
(2)F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, CIMSISSD, anotado e comentado, Rei dos Livros, 3ª edição, p.186.
(3)Vide, designadamente, Aresto do STA, proferido no processo nº 01855/11.9, de 03.07.2019.