Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1389/10.9BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/25/2021
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
NOTIFICAÇÃO EFETUADA NO ÂMBITO DO PROCEDIMENTO DE INSPEÇÃO INTERNA
DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA
DEVOLUÇÃO DE CARTA REGISTADA
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO
Sumário:I O procedimento de inspeção tributária visa a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infracções tributárias e segue, sem prejuízo de legislação especial, os princípios e as regras ali consagradas, conforme decorre dos artigos 1.º e 2.º do respetivo Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT), aprovado pelo Dec. Lei nº 413/98, de 31 de dezembro.
II Ora, tendo o RCPIT, como objetivo especifico primordial o de regular o procedimento de inpeção tributária e aduaneira ele constitui, nesta matéria, um regime especial, e, por conseguinte afasta, nessa medida, o regime geral que consta do CPPT.
III No que concerne à perfeição das notificações no âmbito do procedimento de inspeção, dispõe o art. 43º, nº 1, do RCPIT: “Presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta”.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO
M..., melhor identificada nos autos, veio, na sequência do indeferimento de reclamação graciosa, impugnar judicialmente a liquidação adicional de IRS de 2005, emitida na sequência de procedimento de inspeção tributária, de que resultou a pagar a quantia de € 68.684,38, e que inclui tributação das mais-valias resultantes da alienação de um imóvel, que não haviam sido, inicialmente, declaradas.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por decisão de 13 de janeiro de 2019, julgou procedente a impugnação.

Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer da decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«a)Visa o presente recurso reagir contra a decisão proferida nos presentes autos que julga procedente a impugnação judicial deduzida por M..., devidamente identificada nos autos, contra o acto de liquidação de IRS referente ao exercício de 2005, na sequência de despacho de indeferimento de reclamação graciosa interposta do acto, no montante de € 68.684,38.

b) Discorda a Fazenda Pública do entendimento sufragado na douta sentença, e com o mesmo não se conforma, e com o devido respeito, porquanto procede a uma errónea apreciação dos factos pertinentes para efeitos de decisão, com consequente erróneo enquadramento jurídico.

c) Pois, salvo o devido respeito, contrariamente ao entendimento sufragado na douta sentença, a notificação da liquidação de IRS a cuja apreciação de legalidade se deverá ater o douto Tribunal a quo não é a notificação constante do facto da alínea E) do probatório, mas sim a constante dos factos das alíneas M) e L) do probatório, por ser essa a notificação que se reporta à notificação do acto de liquidação de IRS do ano de 2005.

d) A notificação constante da alínea E) dos factos assentes da douta sentença refere-se a notificação emitida no âmbito do procedimento de inspecção interno dirigido à impugnante, consubstanciando-se em mera notificação de convite à regularização da sua situação tributária (cf. anexo III ao Relatório de Inspecção), ante a constatada omissão de rendimentos referentes à categoria G de IRS, impondo-se notificação nos termos do disposto no artigo 43.° do RCPIT, por enquadrada no âmbito de procedimento inspectivo, sendo que, ademais não é notificação da qual resulte a alteração ou correcção dos rendimentos da impugnante em sede de IRS, não se lhe aplicando portanto os normativos a qua apela a douta sentença.

e) No âmbito do procedimento inspectivo foi a impugnante notificada nos termos legais do projecto de relatório para efeitos de exercício da audição prévia, nos termos do disposto no artigo 60.° do RCPIT e no artigo 60.° da LGT, e subsequentemente notificada do relatório final nos termos previstos no artigo 39.° do CPPT, pelo que, não se vislumbra ilegalidade decorrente de qualquer notificação anterior à notificação da liquidação de IRS susceptível de eivar de ilegalidade o acto nos presentes autos impugnado, e cuja efectiva notificação não é colocada em causa, tendo sido a impugnante devidamente notificada da liquidação de IRS em causa nos presentes autos e referente ao ano de 2005, como assente no facto N) do probatório.

f) Atento o exposto, ao julgar procedente a presente impugnação o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, por subsumir erroneamente a notificação constante da alínea E) dos factos assentes a notificação da qual resulta a liquidação em apreço nos autos, e lhe conceder o estatuto de notificação que procede à alteração e correcção dos rendimentos na acepção dos artigos 65.°, n.° 4, 66.° e 149.°, n.° 2, do CIRS, mais incorrendo em erro de julgamento de direito, por errónea interpretação de tais normativos legais em face da sua não aplicação à notificação de mero convite à regularização da situação tributária efectuada no âmbito do procedimento inspecção tributária.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue totalmente improcedente a impugnação judicial.

Sendo que Exas. Decidindo farão a Costumada Justiça.»


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A recorrida, M..., devidamente notificada para o efeito, veio apresentar as suas contra-alegações, formulando as conclusões seguintes:

«A.A Fazenda Pública entende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto “por subsumir erroneamente a notificação constante da alínea E) dos factos assentes a notificação da qual resulta a liquidação em apreço nos autos, e lhe conceder o estatuto de notificação que procede à alteração e correcção dos rendimentos na acepção dos artigos 65.°, n.° 4, 66.° e 149.°, n.° 2, do CIRS, ademais desconsiderando a devida notificação à impugnante do projecto de relatório e do relatório final elaborados no procedimento inspectivo, com consequente notificação da liquidação de IRS de 2005 que comprovadamente chegou ao conhecimento da mesma.” - vide o artigo 16.°, das alegações de recurso.

B. Salvo erro, o raciocínio expendido pela Fazenda Pública, no seu recurso, decorre do facto de entender que a notificação constante da alínea E), dos factos assentes, foi realizada já no âmbito da acção inspectiva, sendo a notificação da liquidação de IRS que tem de seguir o regime ínsito nos artigos 65.°, 66.°, e n.° 2 do artigo 149.°, do CIRS - vide os artigos 5.°, 6.°, 7.°, 8.° e 13.°, das alegações de recurso.

C. A norma ínsita no artigo 65.°, n.° 4, do CIRS, não é apenas aplicável à notificação de liquidação adicional de IRS, mas também à notificação que precede o procedimento inspectivo, tanto na medida em que, a notificação neste caso constitui um acto a que a lei confere a solenidade de uma citação (podendo, para melhor compreensão, fazer-se um paralelismo com o processo judicial), uma vez que se trata da primeira chamada do destinatário - neste caso, para um procedimento administrativo - que poderá vir a determinar uma alteração da situação tributária do sujeito passivo.

D. Para efeitos de alteração dos elementos declarados no modelo 3 do IRS, a Fazenda Pública terá de notificar o contribuinte, de forma fundamentada de que irá proceder a tal alteração. Esta notificação tem de ser feita obrigatoriamente mediante carta registada com aviso de recepção.

E. Apesar de não constar no Facto Provado E), o Tribunal a quo, na página 16, da douta sentença, refere que no ofício n.° 035776, datado de 05.05.2009, constava que “no caso de incumprimento da presente notificação [...] far- se-ão de imediato as correcções que se mostrem devidas com os elementos disponíveis [...]”.

F. Andou bem o Tribunal a quo ao ter entendido que a notificação referida no Facto Provado E) se encontrava sujeita ao regime do artigo 65.°, n.° 4, do artigo 66.°, n.° 1 e do artigo 149.°, n.° 2, do CIRS, visto que, em tal ofício, a Fazenda Pública informa que caso a Recorrida não procedesse à alteração do modelo 3, de IRS, estaria sujeita às correcções feitas pelos Serviços da Autoridade Tributária - situação abrangida pelo artigo 65.°, n.° 4, do CIRS.

G. A norma ínsita artigo 65.°, n.° 4, do CIRS - a que se aplica o regime do artigo 149.°, n.° 2, do CIRS, por força do artigo 66.°, n.° 1, do mesmo diploma legal -, determina obrigatoriamente a necessidade de notificação, por carta registada com aviso de recepção, do sujeito passivo, nas seguintes situações:

i. Sempre que a Autoridade Tributária entende que o sujeito passivo deva promover alterações na sua declaração de IRS; e,

ii. Sempre que a Autoridade Tributária notifique o sujeito da liquidação adicional de IRS.

H. A notificação a que alude o Facto Provado E), manifesta-se, à saciedade, ser a notificação que chama o sujeito passivo, para a tomada de conhecimento de que a Autoridade Tributária pretende alterar a sua situação contributiva, logo, ocorre num momento prévio à abertura da acção inspectiva, e, por essa razão, não consubstancia nenhum dos actos previstos no Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira.

I. A douta sentença recorrida não padece de qualquer erro de julgamento, razão pela qual deverá ser mantida. 

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. MUI DOUTAMENTE SUPRIRÃO, requer-se que, na sequência dos fundamentos supra alinhados, seja negado provimento ao recurso interposto e, consequentemente, mantida a douta decisão recorrida.”


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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º, n. º1 do CPPT, veio oferecer o seu parecer.

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Com dispensa de vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

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2 – OBJECTO DO RECURSO

Antes de mais, importa referir que, independentemente das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões do recorrente nas alegações de recurso que se determina o âmbito de intervenção do tribunal (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho).

Assim e constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Termos em que a questão sob recurso que importa aqui decidir é a de saber se a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito ao considerar que a falta de notificação a solicitar o envio de documentos de suporte à declaração de IRS eivou de ilegalidade formal todo o procedimento administrativo, incluindo a própria liquidação adicional.


3 - FUNDAMENTAÇÃO
De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida

«A) Em 31.03.1998 foi celebrada escritura pública de doação através da qual M... e mulher, U..., “por conta da quota disponível dos seus bens e com reserva de usufruto simultâneo e sucessivo” doaram à ora impugnante e à irmã desta, U..., o prédio urbano sito na Estrada de Bicesse, Avenida de França, na freguesia de Estoril, concelho de Cascais, descrito na 2.a Conservatória do Registo Predial de cascais sob o número 2... e inscrito na matriz sob o artigo 1... - cf. verso de fls. 92 e fls. 93 e 94 do PAT apenso.

B) Dá-se por reproduzido o teor do documento junto à petição inicial como “Doc. 5”, intitulado “Contrato promessa de compra e venda”, datado de 30.12.1998, em que constam como partes U..., na qualidade de “«Primeira Outorgante»” e a ora Impugnante, na qualidade de “«Segunda Outorgante»”, que assinam como tal, assinando também, na qualidade de “Testemunhas”, M... e U..., no qual se lê, além do mais, o seguinte:
“[...]
A) Ambas as Outorgantes receberam por doação de seus pais, no dia 31 de Março de 1998, a nua propriedade de um prédio urbano, destinado exclusivamente [a] habitação, [...] sito na Estrada de Bicesse, na Avenida de França, na freguesia de Estoril, concelho de Cascais, descrito na Segunda Secção da Conservatória do Registo Predial sob o número d... e inscrito na matriz sob o artigo 1..., com o valor patrimonial de 979.219$00, de ora em diante apenas designado por «Imóvel».
B) É do conhecimento de ambas as Outorgantes que sobre o imóvel incide um ónus de usufruto constituído a favor de M... e mulher U..., seus pais.
C) Que a primeira outorgante pretende comprar e a segunda outorgante pretende vender a metade indivisa que a segunda outorgante possui no imóvel
D) Que a Primeira Outorgante pretende comprar a metade indivisa da Segunda Outorgante, fazendo-o como investimento financeiro e pretende desde já ficar na posse e detenção de toda a nua propriedade do imóvel [...]
[...]

Cláusula Primeira
1. [...]
2. É do conhecimento de ambas as Outorgantes que sobre o imóvel incide um ónus de usufruto constituído a favor de M... e mulher U....
3. A Primeira Outorgante promete adquirir à Segunda Outorgante, a metade indivisa do imóvel, de que a Segunda Outorgante é legítima detentora e proprietária no Imóvel, a qual a Segunda Outorgante promete vender à Primeira Outorgante.
[...]
Cláusula Segunda
(Preço, Posse, escritura de compra e venda)
1. O preço para a compra e venda [...] é de 70.000.000$00 [...] que a primeira Outorgante entrega nesta data à Segunda Outorgante [...].
2. A posse total do imóvel é por efeito do presente contrato promessa de compra e venda da titularidade da Primeira Outorgante […]

- cf. doc. 5 junto com a p.i.

C) Por escritura pública celebrada em 09.05.2005, a ora Impugnante e U... venderam, pelo preço de € 628.485,00, a nua propriedade do prédio urbano sito na Estrada de Bicesse, Avenida de França, na freguesia de Estoril, concelho de Cascais, descrito na 2.a Conservatória do Registo Predial de cascais sob o número 2... e inscrito na matriz sob o artigo 1... - cf. verso de fls. 89 e fls. 90 a 92 do PAT apenso.

D) Em 15.03.2006 a ora Impugnante entregou a declaração de rendimentos com referência ao ano de 2005, sem o anexo G - cf. fls. 42 do processo de reclamação graciosa apenso.

E) Em 06.05.2009 foi enviado à ora Impugnante, por correio registado, o ofício n.° 035776 dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 05.05.2009, contendo notificação relativa ao “Assunto: IRS - Anos de 2005 - Alienação de imóveis susceptíveis de produzir rendimentos sujeitos a IRS”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a fim de, no prazo de 15 dias, proceder “[à] substituição da declaração Modelo 3 de IRS [...]entregar o anexo respectivo reflectindo a alienação dos bens em causa [...]” - cf. verso de fls. 94 e fls. 95 do PAT apenso.

F) A carta de notificação que antecede foi devolvida ao remetente com a indicação “Objecto não reclamado, Devolvido” - cf. fls. 45 do processo de reclamação graciosa apenso.

G) Em 24.09.2009 foi enviado à ora Impugnante, por correio registado, o ofício n.° 081200 dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, da mesma data, para efeitos de audição prévia sobre o “Projecto de Correcções do relatório de Inspecção” - cf. fls. 15/16 do processo de reclamação graciosa apenso.

H) A carta de notificação que antecede foi devolvida ao remetente com a indicação “Objecto não reclamado, Devolvido” - cf. fls. 17 do processo de reclamação graciosa apenso.

I) Em 21.10.2009, superiormente sancionado por despacho de 04.11.2009, foi elaborado o relatório final relativo à ação de inspeção tributária de que a ora Impugnante foi alvo em relação aos rendimentos do ano de 2005, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e que concluiu pela alteração do rendimento líquido para € 173.243,51, com os fundamentos aí descritos de que se retira, além do mais, o seguinte:
“[...]
II.2. Motivo, âmbito e incidência temporal
O objectivo da presente acção inspectiva consistiu, na análise dos rendimentos resultantes da alienação de imóveis, no âmbito da categoria “G” de IRS, considerados como incrementos patrimoniais [...].
Tal acção consistiu na adopção de procedimentos de recolha de informação junto dos sistemas informáticos disponíveis na Administração Tributária, bem como de consultas a entidades públicas e privadas, nomeadamente Conservatórias de Registo Predial e Cartórios Notariais.
II.3. Outras situações
II.3.1 - Declarações de rendimentos - art° 57° do CIRS
[...] constatou-se que o contribuinte em análise, também auferiu rendimentos enquadrados na categoria G (Mais Valias), relativamente aos quais deveria ter apresentado os correspondentes anexos da declaração de rendimentos do ano de 2005, conforme se descreve no ponto seguinte.
II.3.2 - Alienação de imóvel sujeito a tributação
No ano económico de 2005, o sujeito passivo em análise, procedeu à alienação de metade da nua propriedade do imóvel identificado, cujo elemento comprovativo e valor referente à metade da figura parcelar alienada é o constante no quadro seguinte: (escritura de venda - anexo I)
[…]
III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
[…]
Assim, o valor de realização a considerar é o valor referente à metade da figura parcelar alienada do imóvel, no montante de € 314.242,50.
Relativamente à aquisição do imóvel, foi constatado que sujeito passivo em análise, no ano 1998, procedeu à aquisição, por doação, da figura parcelar anteriormente mencionada, isto é, de metade da nua propriedade do imóvel, cujos elementos comprovativos e valor referente à figura parcelar pela aquisição é o constante no quadro seguinte: (escritura de doação - anexo II)
[…]



Assim, e de acordo com o artigo 45° do CIRS e o artigo 20° do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações, considera-se o valor patrimonial de metade da nua propriedade do imóvel constante na escritura, no montante de € 2.930,59, como o valor de aquisição.
De acordo com o artigo 50° do mesmo código, o coeficiente de desvalorização da moeda para efeitos de correcção monetária, de forma a corrigir o valor de aquisição sobre o imóvel no ano de 1998, será de 1,20 (conforme Portaria n° 488/05, de 20 de Maio).
Refira-se que, para efeitos de apuramento do rendimento colectável em IRS, o saldo respeitante aos rendimentos qualificados como de mais-valias, é apenas considerado em 50% do seu valor, conforme dispõe o n.° 2, do artigo 43.° do CIRS.
[…]
MVF = [314.242, 50€ - (2.930,59€*1 ,20)] * 50% = 155.362, 90€

Mais Valia Fiscal (MVF) = 155.362, 90€.

Assim, foi o sujeito passivo notificado através do nosso ofício n° 35776, de 05-05-2009, [...] para apresentar declaração de substituição Modelo 3 de IRS, nos termos do art° 65° do CIRS, e conjuntamente com esta, entregar os anexos referentes a todas as categorias de rendimentos auferidos em falta, referente ao ano de 2005 (anexo III).
No decurso do prazo concedido sem que o sujeito passivo procedesse em conformidade, de forma a regularizar a sua situação tributária relativamente aos factos descritos anteriormente, nos termos do n.° 1 e do n. 4 do artigo 65.° do CIRS (redacção dada pelo Decreto-Lei n.°1 98/2001, de 3 de Julho), propõe-se a alteração do rendimento tributável do sujeito passivo para o montante (total) de € 173.243,51.
[…]
IX. Direito de audição - Fundamentação
Tendo em conta os factos apurados e descritos anteriormente, foi o sujeito passivo notificado, através de carta registada, para o exercício do Direito de Audição, do projecto de decisão inerente às correcções técnicas efectuadas em sede do Código do imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), de harmonia com o disposto na alínea d) n.° 1 do artigo 60.° da Lei Geral Tributária (LGT), através do ofício n.° 81200 com data de 24 de Setembro de 2009, com o registo dos CTT n° RO3…19 PT (anexo IV).
Dado que até à presente data, não foi exercido o referido direito de audição e uma vez que a referida notificação foi enviada para o domicílio fiscal constante na base de dados da Administração Tributária, presume-se como devidamente notificado, nos termos do n° 1 do artigo 43° do Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT).
[...]” - cf. fls. 84 a 89 do PAT apenso.

J) Em 05.11.2009 foi enviado à ora Impugnante, por correio registado com aviso de receção, o ofício n.° 094589 dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, da mesma data, para efeitos notificação do relatório final de inspeção a que faz referência a alínea que antecede - cf. fls. 51/52 do processo de reclamação graciosa apenso.

K) A carta de notificação que antecede foi devolvida ao remetente com a indicação “Objecto não reclamado” - cf. fls. 53 do processo de reclamação graciosa apenso.

L) Ato impugnando: Em 19.11.2009, com base nas conclusões da ação de inspeção referida em I), foi emitida a liquidação adicional de IRS n.° 2009 5... para o ano de 2005, que apurou imposto a pagar no valor de € 59.900,71 e juros compensatórios no montante de € 8.308,16 - cf. fls. 38/39 do processo de reclamação graciosa apenso.

M) Em 25.11.2009 a ora Impugnante foi notificada da demonstração de compensação emitida para o ano de 2005 que apurou, a pagar, a quantia de € 68.684,38, com data limite de pagamento voluntário até 28.12.2009 - cf. doc. 1 junto com a p.i. e fls. 47 do processo de reclamação graciosa apenso.

N) Em 05.12.2009 a ora Impugnante foi notificada do ofício n.° 105373 dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, de 04.12.2009, para efeitos notificação do ofício a que faz referência a alínea J), contendo o relatório final de inspeção - cf. doc. 4 junto com a p.i. (facto não controvertido).

O) Em 26.04.2010 foi dirigida ao Serviço de Finanças de Sintra-1 reclamação graciosa da liquidação adicional de IRS de 2005, identificada em L), cuja alegação é idêntica à apresentada como causa de pedir na presente impugnação, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - cf. fls. 2 a 36 do processo de reclamação graciosa apenso.

P) Por despacho de 28.07.2010, notificado à Impugnante por ofício de 29.07.2010, a reclamação que antecede foi indeferida, com os fundamentos constantes da informação dos serviços sobre a qual foi exarado, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - cf. fls. 72 a 80 do processo de reclamação graciosa apenso.

Q) Os pais da ora Impugnante residiram no prédio urbano identificado A) até à venda referida em C), assumindo as despesas relativas ao mesmo - prova testemunhal.

R) Desde a promessa de compra e venda supra mencionada na alínea B) até à venda referida em C) a alegada promitente adquirente, U..., não alterou o seu comportamento em relação ao prédio - prova testemunhal.

S) A presente impugnação foi dirigida ao Serviço de Finanças de Sintra-1, por correio sob registo, em 13.08.2010 - cf. fls. 6 dos autos.


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Factos não provados:

1) Que preço estipulado para a compra e venda da metade indivisa do prédio identificado em A) dos factos provados, de 70.000.000$00, pertencente à ora Impugnante, alegadamente objeto do contrato promessa de compra e venda a que faz referência a alínea B) dos factos provados foi pago ali mencionada, “Segunda Outorgante” na data da celebração da promessa (cf. ponto 44 da p.i.).

2) Que ainda no ano de 1998 a irmã da ora Impugnante, U..., assumiu a posse imediata do imóvel a que se referem as mais valias objeto de tributação em sede de IRS (cf. ponto 36 da p.i.).


*

Motivação da matéria de facto

A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou da análise dos documentos e informações constantes dos autos, mencionados em cada uma das alíneas, os quais não foram impugnados nem existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade, e bem assim com base no depoimento das testemunhas, os quais relevaram para criar no tribunal a convicção sobre os factos mencionados em Q) e R), ou seja, que mesmo após o invocado contrato promessa a que se refere a al. B) dos factos provados, os pais da ora Impugnante mantiveram residência no imóvel objeto da compra e venda realizada em 2005 e que está na base da liquidação adicional objeto de impugnação nos presentes autos, que com a celebração de tal promessa “a M... não se intitulou dona, que nada se alterou”, conforme resultou do depoimento de M....

Quanto aos factos julgados não provados, resultam de sobre os mesmos não ter sido produzida prova suscetível de criar no tribunal a convicção sobre a sua efetiva ocorrência, desde logo, no que respeita ao pagamento do preço, a prova testemunhal - da qual resultou que o valor da metade indivisa da ora impugnante lhe terá sido pago com dinheiro do avô paterno poucos dias depois da assinatura do contrato promessa -, desacompanhada de quaisquer elementos documentais demonstrativos da entrada do referido valor na esfera patrimonial da Impugnante, não se mostra suficiente para demonstrar o facto. Por outro lado, nenhum facto foi alegado ou demonstrado em tribunal no sentido de dele se poder concluir que, após 30.12.1998, a irmã da Impugnante, U..., tenha atuado, em relação ao imóvel em apreço, de forma correspondente à titularidade do respetivo direito de propriedade. Antes pelo contrário, tendo resultado claramente da prova testemunhal, máxime do depoimento prestado pelo pai da Impugnante, M..., que “nada se alterou” com a celebração da promessa, que as despesas do imóvel eram pagas por si, que a M... não se intitulou dona.»


*

De direito

Em sede de aplicação do direito, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra decidiu, em síntese, julgar procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS de 2005, levada a efeito pela Administração Tributária (AT), com a inclusão de rendimentes resultantes da alienação de imóveis (categoria G de IRS), não declarados na declaração de rendimentos do respetivo ano (Mod.3).

Para assim decidir o TAF de Sintra considerou que o procedimento inspetivo se encontra eivado de ilegalidade formal que afeta todo o procedimento administrativo que culminou com a liquidação adicional de IRS de 2005.

Para assim decidir a sentença alinhou o seu entendimento no sentido de que:

“(…) estando em causa a correção/alteração dos rendimentos sujeitos a tributação, da iniciativa da administração, impunha-se que a notificação em apreço tivesse sido efetuada por carta registada com aviso de receção, em conformidade com o disposto nos artigos 65.°, n.° 4, 66.° e 149.°, n.° 2, do CIRS. E não se diga, como refere a Fazenda Pública, que o procedimento de inspeção e consequente correção dele resultante não padecem de ilegalidade por serem aplicáveis às notificações efetuadas as constantes do RCPIT, cujo art.° 43.° contém a presunção de notificação em caso de devolução das cartas com a indicação de não terem sido levantadas. Tal norma, sendo válida para as notificações efetuadas no âmbito do próprio procedimento de inspeção tributária (enquanto subprocedimento “enxertado” no procedimento de liquidação do imposto), como é o caso de notificação para apresentação de documentos, prestação de declarações ou, até, para efeitos de audição prévia, não vale, contudo, para efeitos de informação ao contribuinte de que a sua situação tributária pode ser alvo de alteração/correção nos termos do art.° 59.°, n.° 1, do CPPT, caso não proceda à declaração, voluntária, dos elementos ou factos inicialmente omitidos.

Discordando a Fazenda Publica (FP) do entendimento sufragado na sentença, a que imputa erro de julgamento de facto, por subsumir, no seu entender, erroneamente a notificação constante da alínea E) dos factos assentes, como sendo aquela da qual resulta a liquidação em apreço nos autos, e lhe conceder o estatuto de notificação que procede à alteração e correcção dos rendimentos na acepção dos artigos 65.°, n.° 4, 66.° e 149.°, n.° 2, do CIRS, e, de direito, por errónea interpretação de tais normativos legais em face da sua não aplicação à notificação de mero convite à regularização da situação tributária efectuada no âmbito do procedimento inspecção tributária.

E, adiante-se desde já que, com razão, mas vejamos:

Importa antes de mais ter presente que a correção aos rendimentos tributário da impugnante, aqui recorrida, ocorreu no âmbito de uma ação de inspeção tributária aos rendimentos de 2005, tendo por objetivo a análise dos rendimentos resultantes da alienação de imóveis, no âmbito da categoria “G” de IRS. - (ponto I) do probatório.

O procedimento de inspecção tributária visa a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infracções tributárias e segue, sem prejuízo de legislação especial, os princípios e as regras ali consagradas, conforme decorre dos artigos 1.º e 2.º do respetivo Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT), aprovado pelo Dec. Lei nº 413/98, de 31 de dezembro.

Ora, tendo o RCPIT, como objetivo especifico primordial o de regular o procedimento de inpeção tributária e aduaneira ele constitui, nesta matéria, um regime especial, e, por conseguinte afasta, nessa medida, o regime geral que consta do CPPT.

Feito o enquadramento legal e regressando ao probatório damos conta que o facto enunciado no ponto E) do mesmo, enuncia que:“[E]em 06.05.2009 foi enviado à ora Impugnante, por correio registado, o ofício n.° 035776 dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 05.05.2009, contendo notificação relativa ao “Assunto: IRS - Anos de 2005 - Alienação de imóveis susceptíveis de produzir rendimentos sujeitos a IRS”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a fim de, no prazo de 15 dias, proceder “[à] substituição da declaração Modelo 3 de IRS [...]entregar o anexo respectivo reflectindo a alienação dos bens em causa [...]” - cf. verso de fls. 94 e fls. 95 do PAT apenso.”

Ou seja trata-se de uma missiva (carta/oficio) dirgido pelos SIT à impugnante, no âmbito do procedimento de inspeção dando conta que é do conhecimento dos serviços, que o sujeito passivo a quem a mesma é dirigido (M...), alienou, no ano de 2005, bens imóveis, não declarados em sede de IRS e, solicita, a apresentação de declaração de substituição e a entrega de quaisquer outros elementos considerados úteis à regularização da situação.

Esta notificação foi feita por carta registada.

Ora, no que respeita às notificações efetuadas no âmbito do RCPI, acolhemos, por concordância e facilidade de raciocionio, o que a esse respeito se deixou dito no acórdão proferido pelo TCAN em 21/06/2018 no proc. n.º 00030/10.4PRT, que é o seguinte: “(…)às notificações efetuadas no âmbito do procedimento de inspeção tributária, é aplicável o disposto nas normas do capítulo III, título IV daquele diploma e não o regime geral dos arts. 38º e 39º, do CPPT.

E, no que concerne à perfeição das notificações no âmbito do procedimento de inspeção, dispõe o art. 43º, nº 1, do RCPIT: “Presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta”.

No mesmo sentido decidiu a Secção de Contencioso Tributário do STA, no acórdão de 13/03/2013, no rec. nº 01394/12, a saber:
«(…)
Assente que ficou que a notificação podia ser efectuada por carta registada, não faz sentido esgrimir com a devolução da carta em ordem a demonstrar que a notificação não foi validamente efectuada, uma vez que essa devolução apenas ocorreu porque o destinatário, apesar de lhe ter sido deixado aviso para o efeito, não a foi levantar na estação dos correios onde a carta ficou depositada.
Na verdade, o art. 43º, nº 1, do RCPIT, diz: «Presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta».
Só assim não seria, admitimos, caso não se demonstrasse que foi deixado o aviso ao destinatário, mas da factualidade que foi dada como assente – e só dessa nos podemos servir, uma vez que este Supremo Tribunal Administrativo funciona como tribunal de revista – resulta que o ora Recorrido foi avisado para esse efeito.
Na verdade, a fórmula estandardizada que foi referida na alínea C) dos factos provados – “Não reclamado” – significa que foi deixado aviso para levantamento da correspondência na estação, e ignorado, no prazo concedido, pelo avisado. O não recebimento da correspondência é, pois, imputável ao destinatário.
Não há sequer, contrariamente ao que parece sustentar a Juíza do Tribunal a quo, que invocar aqui o disposto no nº 5 do art. 39º do CPPT, pela simples razão de que, no que respeita à presunção de notificação no caso em que esta é a efectuar por carta registada, o RCPIT dispõe de norma própria, o que parece significar que o legislador quis optar por um regime diferente, porventura menos rigoroso, do que o estabelecido no CPPT para a generalidade dos actos em matéria tributária (lex specialis derrogat legi generali).
Nem se diga que o CPPT, porque é ulterior ao RCPIT, terá derrogado o regime neste previsto. Desde logo, porque art. 7º do CC dispõe, no seu nº 3, que «[a] lei geral não derroga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador».
Depois, porque o RCPIT, após a entrada em vigor do CPPT, conheceu alterações e o art. 43º, nº 1, do RCPIT, manteve-se inalterado.
Finalmente, porque está garantida ao destinatário a possibilidade de ilidir a presunção, afastando assim qualquer dúvida quanto à conformidade constitucional desta solução.
(…)»

Dito isto e tendo,“in casu”, a carta/oficio em análise, sido registada e enviada para o domicílio fiscal do impugnante (A.... 2710 000 Sintra) e devolvida com a menção “Objecto não reclamado - Devolvido” (ponto F) do probatório), depreendemos que foi deixado aviso para levantamento da correspondência, na caixa postal da impugnante, termos em que o não conhecimento do conteúdo da mesma, apenas ela (impugnante) será de assacar.

De qualquer modo, acresce referir, que a interessada nada alegou no sentido de ilidir a presunção.

Nestes termos consideramos a impugnante, aqui recorrida devidamente notificado do conteúdo do ofício n.° 035776 dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 05.05.2009, não se verificando as irregularidades alegadas na petição inicial.

Dito isto voltemos ao salvatério.

Diz e bem, a Fazenda Publica que contrariamente ao entendimento sufragado na sentença recorrida, a notificação da liquidação de IRS a cuja apreciação de legalidade deverá ater o Tribunal a quo não é a notificação constante do facto da alínea E) do probatório, mas sim a constante dos factos das alíneas M) e L) do probatório, por ser essa a notificação que se reporta à notificação do acto de liquidação de IRS do ano de 2005.- (concl. C)

Na verdade a notificação a que se reporta a alinea E) do probatório, constitui uma chamada ao dever de cooperação (artigo 9.º do RCPIT) e, por conseguinte, constitui um ato preparatório ou interlocutório (artigo 11.º do RCPIT), praticado no âmbito do decurso do procedimento de inspeção tendente à recolha de elementos referentes à alienação de um imóvel no ano de 2005, que poderão, ou não, dar origem ao ato tributário de liquidação, esse sim, lesivo e suscetivel de impugnação graciosa ou contenciosa (artigo 68.º e 99.º ambos do CPPT)

Na situação dos autos, como decorre do probatório, o procedimento inspetivo culminou na liquidação adicional n.° 2009 5..., notificada à impugnante em 25.11.2009, conforme decorre dos pontos L) e M) do probatório.

Procede assim, sem mais, as conclusões de recurso c) e d).


»«

Vem ainda alegado que no âmbito do procedimento inspectivo a impugnante foi notificada nos termos legais do projecto de relatório para efeitos de exercício da audição prévia, nos termos do disposto no artigo 60.° do RCPIT e no artigo 60.° da LGT, e subsequentemente notificada do relatório final nos termos previstos no artigo 39.° do CPPT, pelo que, não se vislumbra ilegalidade decorrente de qualquer notificação anterior à notificação da liquidação de IRS susceptível de eivar de ilegalidade o acto nos presentes autos impugnado, e cuja efectiva notificação não é colocada em causa, tendo sido a impugnante devidamente notificada da liquidação de IRS em causa nos presentes autos e referente ao ano de 2005, como assente no facto N) do probatório. – (concl. e))

Trata-se de uma questão que, não obstante tenha sido alegada na petição inicial, não foi aboradada na sentença recorrida.

Ora, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar constitui causa de nulidade da sentença, nos termos previstos no artigo 125.º n.º 1 do CPPT e 615º, nº1, alínea d) do CPC, de igual nulidade padecem as decisões em que o juiz conheça de questões que não podia tomar conhecimento.

Donde decorre que, no que toca aos deveres de cognição do Tribunal, impõe-se ao juiz a obrigação de conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, naturalmente, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigo 608.º n.º 2 do CPC).

Constitui entendimento pacifico e reiterado da nossa jurisprudência que a omissão de pronúncia existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões (1).

Constatamos que na situação em apreço a omissão de pronúncia radica no não conhecimento da alegada falta de notificação para audiência prévia e a na arguição de nulidade do ato de notificação para o efeito (audiência prévia), invocada pelo recorrente na alínea e), e bem assim nulidade da notificação do relatório de correcção à liquidação tributária de IRS de 2005, e do procedimento de correção do IRS de 2005 da Impugnante (de conhecimento oficioso).

Coloca-se, ainda, a questão de saber se se pode aplicar no processo vertente a regra da substituição do tribunal ad quem ao tribunal recorrido, nos termos da qual os poderes de cognição deste TCA incluem todas as questões que ao Tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado.

A este propósito decorre do estatuído no nº 2 do artigo 665º do CPC, que “[S]se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”.

Ora, no caso, os autos fornecem todos os elementos de prova necessários à apreciação da questão que ora se nos apresenta e cujo conhecimento foi omitido e tendo as partes sido notificadas nos termo e para os efeitos do n.º 3 do artigo 665.º do CPC (fls. 304 e seguintes do SITAF), sem que quanto à mesma se tenha vindo a opor, passamos a apreciar.

Decorre do ponto G) da materialidade dada por prvada que “[E]em 24.09.2009 foi enviado à ora Impugnante, por correio registado, o ofício n.° 081200 dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, da mesma data, para efeitos de audição prévia sobre o “Projecto de Correcções do relatório de Inspecção” e diz-se no ponto H) que a mesma foi devolvida ao remetente com a indicação “Objecto não reclamado, Devolvido”.

Escoa da impugnação deduzida que neste ponto a inconformidade da impugnante reside na imperfeição da notificação, já que também aqui considera que a mesma deveria ter sido concretizada por carta registada com aviso de receção de acordo com o artigo 38.º n.º 1 do CPPT, e, não o tendo feito, também, a AT não procedeu a segunda notificação no prazo de 15 dias, conforme decorre do artigo 39.º n.º 5 do mesmo diploma legal.

Considera assim violado o seu direito à participação na prolação do ato impugnado.

Com efeito, os procedimentos praticados pelos SIT que possam dar origem actos tributários desfavoráveis ao sujeito passivo, devem este ser notificados com projecto de conclusões do respetivo relatório de inspeção com identificação do mesmo e respetiva fundamentação (art.º 60º/1 RCPIT) para efeitos do disposto no art. º 60º LGT.

As notificações no procedimento de inspeção seguem as regras previstas nos artigos 37º e seguintes do RCPIT, ou seja, podem ser efetuadas pessoalmente, no local em que o notificando for encontrado, ou por via postal através de carta registada (2).

Institui, ainda, o n.º 1 do artigo 43º do mesmo regime legal a presunção de notificação para as situações em que os sujeito passivos e demais obrigados tributários são contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário se encontre ausente em parte incerta.

Dito isto e face ao que supra dixamos expresso, consideramo-nos em condições de concluir no sentido de que, havendo regras especias a regular a matéria das notificaçãos praticadas no âmbito de procedimento de inspeção tributária se encontram afastadas, as regras gerais, previstas dos artigos 38º e 39º do CPPT e, por conseguinte, estas, não serão de aplicar, à situação em apreço.

Nestes termos, tendo, como vimos que foi, a notificação do projecto de conclusões sido efetuada por carta registada para o domicílio fiscal da impugnante em 24/09/2009 e tendo a mesma sido devolvida com indicação de “Objecto não reclamado, Devolvido”, consideramos cumpridos os requisitos enunciados no n.º 1 do artigo 43º RCPIT e a presunção de notificação tem-se por verificada.

Sendo ainda de referir, que a impugnante poderia vir ilidir esta presunção nos termos previstos no 2 e 3 da mesma norma legal (artigo 43º RCPIT), nomeadamente, mediante a exibição da comunicação dos serviços postais que mostrasse, por exemplo, que a mesma não contém “...de forma clara, a identificação do remetente”, factos que, de resto não foram alegados.

Aqui chegados, forçoso se torna concluir que a notificação do projecto de conclusões do relatório tem-se por efetuada para efeitos de audição prévia, e, por conseguinte, não se verifica a preterição da formalidade essencial decorrente da falta de notificação para exercício de audição prévia sobre o relatório inspectivo, que vem alegada.

Procede assim a conclusão recursiva que vimos de apreciar (concl e)), dando-se, consequentemente, procedência ao recurso na sua totalidade.

4 - DECISÃO

Em face do exposto, acordam, os juízes da 1.ª Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida na parte em que o foi e julgar a impugnação improcedente.

Custas pela Recorrente

Lisboa, 25 de fevereiro de 2021.

[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Desembargadoras Ana Cristina Carvalho e Ana Pinhol]


Hélia Gameiro Silva

(Assinado digitalmente)


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(1) Vide neste sentido Jorge Lopes de Sousa in CPPT, Anotado e Comentado, 6º edição - II Volume - Áreas Editora, nota 10 al. b) ao artigo 125.º, págs. 363 e 364

(2) Depois da alteração dada pelo Decreto-Lei n.º 93/2017, de 1/8, as notificações podem também ser efetuadas por transmissão eletrónica de dados ou caixa postal eletrónica.