Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:123/21.2 BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:09/13/2023
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:COMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL
PRONÚNCIA INDEVIDA/OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PROCESSO DE INQUÉRITO/ INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
Sumário:I - É entendimento pacifico, no que respeita ao conceito de «pronúncia indevida» utilizado na alínea c) do n.º 1, do artigo 28.º do RJAT que não se esgota no clássico excesso de pronuncia, sendo potencialmente mais abrangente do que o conceito previsto nos artigos 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC e 125.º do CPPT.
II - Assim, é de considerar abrangida no conceito de «pronúncia indevida», prevista no artigo 28.º, n.º 1, alínea c), 1.ª parte, do RJAT, a situação suscitada nos presentes autos de incompetência material do Tribunal Arbitral.
III - Cabe na competência dos tribunais arbitrais a apreciação da legalidade de actos de liquidação de tributo, como o IVA, alicerçados na rejeição do direito à dedução do imposto por parte da aqui impugnada a coberto do n.º 3, do artigo 19.º do CIVA, como resulta da alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT.
IV - A lei não limita, nem exclui dos poderes de cognição do tribunal arbitral a apreciação da legalidade de liquidações de tributos assente em factos também objecto de investigação criminal corporizado em processo de inquérito.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I - RELATÓRIO

1. Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, veio, ao abrigo dos artigos 27.º e 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributável (RJAT), apresentar impugnação da decisão arbitral proferida a 2021/09/29 pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), sob o n.º 586/2020-T, que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido por “O.........., Ldª” e anulou os actos tributários de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referentes aos anos de 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018, nas partes em que têm como pressuposto dedução de IVA considerada indevida relativa a faturas emitidas pela sociedade “U..........”.

2. A Impugnante termina a impugnação formulando as seguintes conclusões:

«1ª) A decisão arbitral ora impugnada ao ter deliberado julgar procedente o pedido arbitral e anular os actos tributários de IVA e juros compensatórios relativamente aos anos de 2014, 2105, 2016, 2017 e 2018, nas partes em que têm como pressuposto dedução de IVA considerada indevida relativa a facturas emitidas pela U.........., e bem assim, o despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º 3 18 2201904004159 contra eles deduzida, cometeu, em primeiro lugar, pronúncia indevida, uma vez que excedeu a competência, em razão da matéria, do Tribunal Arbitral.

2ª) Na verdade, a competência dos tribunais arbitrais é, desde logo, circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

Estabelece aquela norma que:

«1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.» (sublinhados nossos).

3ª) Por outro lado, a competência dos tribunais arbitrais também depende dos termos da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais constituídos nos termos do RJAT, cfr. art. 4º do RJAT.

4ª) Nos termos das als. a) e b) da Portaria nº 112-A/2011, ficam excluídas do âmbito da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo tributária”, bem como, “pretensões relativas a atos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão”.

5ª) Inexiste, pois, qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas pelos tribunais arbitrais condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT.

6ª) Ora, a então requerente pretendia obter a apreciação da ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IVA referentes aos exercícios de 2014 a 2018 e correspondentes juros compensatórios, alegando que a AT arrastou a O.......... para uma tributação absurda, na medida em que os bens cujas facturas foram consideradas “falsas” efectivamente existem.

7ª) Invocou a então requerente, designadamente, que as correcções à O.......... se basearam no n.º 3 do art. 19º do CIVA, invocando a AT que as faturas emitidas pela U.......... à O.........., não titulam transmissões de bens e prestações de serviços por aquela realizados.

8ª) Ou seja, esteve em causa analisar no processo arbitral um eventual esquema de facturação falsa.

9ª) Ora, não cabe no art. 2º do RJAT e atenta a Portaria de Vinculação, a apreciação de casos como o presente, que têm a ver com um eventual esquema de facturação falsa e de fraude fiscal, crime fiscal, em que, com toda a certeza, o legislador não pretenderia a vinculação da AT.

10ª) Ou seja, pese embora o processo arbitral seja entendido como um meio alternativo ao processo de impugnação judicial deve entender-se que o Tribunal Arbitral não detém a mesma competência que detêm os Tribunais administrativos e fiscais ( designadamente, não podem ser realizadas pelo Tribunal Arbitral as mesmas diligências de descoberta da verdade material, com um eventual prejuízo para o Estado), para apreciação de uma liquidação quando está em causa a eventual prática de um crime fiscal e sendo certo que existe processo de inquérito a decorrer.

11ª) O Tribunal Arbitral ao prosseguir com o processo arbitral reclamou de uma competência igual à dos Tribunais Tributários quando é certo que o não podia fazer atenta a existência de um eventual crime fiscal, tal circunstância impedia, tendo em conta a diferente natureza das jurisdições e dos poderes investigatórios das mesmas, que o Tribunal Arbitral se tivesse pronunciado sobre uma questão que extravasa a sua competência.

12ª) É que, a questão da facturação falsa não visa directa e imediatamente a apreciação da legalidade da liquidação, mas antes, directa e imediatamente, atenta a prova que se irá produzir, a qualificação de um comportamento como tipificando, ou não, um comportamento ilícito.

13ª) Ou seja, o Tribunal Arbitral não se limitou a apreciar da (i)legalidade de uma liquidação, mas antes, tinha que decidir, tal como o pedido e causa de pedir vêm configuradas, da ilicitude ou não de um comportamento como constituindo, ou não, simulação e isso, nos termos do art. 2º do RJAT e da Portaria de Vinculação não cabe nas suas competências.

14ª) Acresce que, a AT está também limitada no direito de recurso jurisdicional, designadamente quanto ao julgamento da matéria de facto, que é assaz importante tendo em conta a eventual existência de crime fiscal, nos termos do Regime Jurídico que regula a arbitragem em matéria tributária, o que não sucede nos tribunais tributários.

15ª) Isto é, a AT não pode recorrer, em segundo grau de jurisdição, nos termos dos artigos 25º a 27º do RJAT, do julgamento de facto feito pelo Tribunal Arbitral, o que significa que, estando em causa neste tipo de situação o apuramento de factos, os mesmos fiquem desde logo dados como provados, ou não, sem hipótese de os mesmos serem controlados por um outro órgão jurisdicional fora da jurisdição voluntária.

16ª) E estando em causa uma situação de eventual crime fiscal, nunca se poderia admitir que o Tribunal arbitral detém competência para tecer juízos sobre os pressupostos da verificação do mesmo, sem hipótese de recurso, porquanto tal matéria extravasa a apreciação da mera legalidade da liquidação.

Ainda que assim não se entenda, sem conceder:

17ª) Em segundo lugar, relativamente ao fundamento previsto na al. c) do nº 1 do art. 28º do RJAT, excesso ou omissão de pronúncia, entende a ora impugnante que o Tribunal Arbitral incorreu em nulidade, uma vez que não se pronunciou sobre questão, a qual devia ter sido conhecida e decidida.

18ª) Efectivamente, tal como a causa de pedir vem configurada e atenta a fundamentação do acto impugnado e que sustenta as correcções efectuadas, estava em causa ou importaria sempre determinar se existem ou não fortes indícios de que as facturas em causa no processo correspondem ou não a operações simuladas e portanto importava concluir se as mesmas titulavam ou não operações reais.

19ª) Donde, a omissão de pronúncia, in casu, refere-se sobretudo à “ falta” de apreciação de toda a matéria de facto que estava em causa e que apreciava conhecer tendo em conta a determinação da existência, ou não, de um esquema de facturação falsa, de operações simuladas.

20ª) Efectivamente, estavam em causa facturas emitidas pela U.......... e aquisições realizadas em 2012 e 2013 e a então requerente alegava que os bens que constam das facturas emitidas pela U.......... existem e constam do imobilizado presente no estabelecimento hoteleiro da Requerente. não podendo afirmar-se que as facturas de suporte das vendas são falsas ou que o fornecimento foi realizado por uma outra entidade.

21ª) Por seu turno, a AT fundamenta as correcções por a então requerente ter deduzido IVA com base em facturas emitidas pela sociedade U.......... relativamente às quais existem indícios fundados de que não titulam quaisquer transmissões ou prestação de serviços.

22ª) E foram procedimentos inspectivos cruzados que levaram às conclusões inspectivas e às correcções em sede de IRC e em sede de IVA, sendo certo que as conclusões em sede de IRC, não são autónomas e estão intimamente correlacionadas com os fundamentos que suportam as correcções principais, feitas em sede de IVA, sendo aliás o procedimento inspectivo o mesmo.

23ª) Deste modo, o Tribunal Arbitral não podia deixar de conhecer da questão da facturação falsa e analisar os pressupostos de aplicação do art. 19º do CIVA, tendo em conta toda a argumentação e toda a prova carreada em sede inspectiva pela AT, o que não fez.

24ª) Efectivamente, não foi analisada toda a prova carreada pela AT e isso não pode senão deixar de constituir omissão de pronúncia, uma vez que está em causa a existência, ou não, de fortes índicios aportados pela AT que abalam a contabilidade e a veracidade das facturas apresentadas pela impugnada.

25ª) A AT utilizou e indicou todos os elementos de prova recolhidos nas diligências inspectivas realizadas ao emitente das facturas, que foram confirmados no âmbito da acção inspectiva que originou as liquidações controvertidas e todos esses elementos de prova careciam de ser autonomamente analisados e expressamente refutados, ou não, pela decisão arbitral impugnada.

26ª) Atento o deliberado pelo Tribunal arbitral facilmente se conclui que, além do erro quanto à matéria de facto dada como provada que, como é evidente e infelizmente não pode a impugnante nesta sede impugnar, também o Tribunal não analisou e decidiu sobre todas as questões que importava conhecer e decidir tendo em vista que todas elas consubstanciam factos/indícios que podem ou não, ser julgados fundados e que por isso importavam à decisão final.

27ª) Na verdade, lida a decisão arbitral ora impugnada conclui-se que a mesma não analisou as seguintes questões equacionadas pela então requerida, naquele ponto II) e XXVII) a XXX) das alegações:

- que as compras declaradas pela U.......... (6,823 €+ 161.180 € + 0 € = 168.003 €) são muito inferiores ao valor total dos documentos que foram exibidos (627.043 € +479.267 €+ 28.716 € = 1.135.026 €).

- que os inventários finais declarados de 2006 a 2017, não refletem o valor dos bens constantes dos documentos exibidos

- que os inventários finais de 2006, 2007 e 2008 constantes das IES não refletem as compras, nas IES entregues pela U.......... nos anos de 2006 a 2008, as compras declaradas são bastantes inferiores ao total das fotocópias dos documentos que foram entregues para comprovar o inventário alegadamente elaborado em 30/10/2013;

- que os inventários declarados como existência final de 2014 a 2017, comunicados à Autoridade Tributária e Aduaneira não correspondem, na sua quase totalidade, aos bens do inventário que alegadamente foi elaborado em 30-10-2013 e que foram vendidos ao longo de 2014 a 2018, indicando-se a título de exemplo alguns

- que a U.........., em 10/07/2008, não detinha o valor em inventário relativo ao somatório dos documentos que foram entregues (que têm todos datas anteriores a 10/07/2008) para justificar o inventário alegadamente elaborado em 30/10/2013.

- que de 2014 a 2018, declarou nas declarações periódicas IVA dedutível no montante de 414.873,45€, que regularizou voluntariamente por não conseguir comprovar documentalmente o IVA deduzido, ou seja, durante os anos de 2014 a 2018 a U.......... deduziu IVA, sem documentos passados em forma legal que permitissem a dedução do IVA;

- No portal do E-fatura, consta que o sujeito passivo efetuou aquisições, no ano de 2013 (530,00€), no ano de 2014 (3.634,16 €), no ano de 2015 (15,00 €) e nos anos de 2016, 2017 e 2018, nada consta;

- Da análise dos dados constantes da base de dados da AT, constata-se que não foi declarado qualquer valor no anexo “O“ emitido por fornecedores, nos anos de 2006 a 2018, em que constasse como adquirente a U........... De salientar que, consta da IES entregue pela U.........., do mesmo período, compras no valor total de 2.316.696,58 €;

- que a U.........., tendo iniciado a atividade em 2006, investiu, de acordo com os documentos que foram entregues em 7/11/2018, mais de um milhão de euros, em bens que teriam estado armazenados durante anos,

- que, contudo, não foi demonstrado durante os procedimentos inspetivos a mobilização dos meios financeiros necessários para adquirir, em tão pouco tempo, bens cujo custo ascende a mais de um milhão de euros.

- que não foi, também, apresentado qualquer contrato celebrado em 2006 e 2007, ou uma quebra de contrato de um ou mais clientes, que justificasse a aquisição daquela quantidade de bens, pois, não é crível que uma empresa inicie a sua atividade a comprar bens, sem que tenham sido encomendados.

- que a U.......... emitiu notas de crédito em 18/10/2018 (seis dias antes do início do procedimento inspetivo) relacionadas com bens/prestações de serviços, constantes de faturas emitidas à então Requerente, o que cabalmente demonstra que a U.......... emitiu faturas sem que consubstanciassem efetivas transações.

28ª) Ora, tais questões não foram analisadas e decididas pela decisão arbitral impugnada e careciam de ser analisadas e como se disse decididas por serem questões que implicavam a existência de uma dúvida fundada.

29ª) E tendo em conta, até, que o art. 19º nº 3 do CIVA se aplica quer em situações de simulação absoluta em que constituem paradigma, no âmbito do IVA, as designadas “faturas falsas”, quer em situações de simulação relativa (quando existe a vontade de dissimular um outro negócio), que pode ser subjetiva, quando o negócio dissimulado é realizado com um sujeito passivo diferente do emitente da fatura.

30ª) Ora sobre isto sempre existiria omissão de pronúncia porquanto o Tribunal arbitral não apreciou a questão da existência real das facturas tendo em conta todos os factos invocados e ilações feitas quanto ao direito que se reconduzem a questão fundamental e que não ficou prejudicada, antes pelo contrário, pelo decidido.

Termos pelos quais e, como o douto suprimento de V. Ex.as, incorrendo a decisão arbitral ora impugnada no vício constante da al. c) do nº 1 do art. 28º do RJAT, deve a mesma ser anulada, com todas as legais consequências.»

3. A Impugnada, O.........., Ld.ª., apresentou contra-alegações, nos termos do art.º 144.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 27.º, n.º 2, do RJAT, tendo sustentado a improcedência da impugnação apresentada.

4. O Exmo. Procurador–Geral Adjunto notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do CPTA ex vi artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, nada disse.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.


*

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a decisão arbitral padece (i) de pronuncia indevida por ter excedido a sua competência, e, (ii) de nulidade por omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre toda a matéria de facto que estava em causa.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A Decisão Arbitral impugnada proferiu a seguinte decisão sobre a matéria de facto:

«2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

A.A Requerente O.......... LDA, iniciou a actividade em 23-05-2008, estando colectada para o exercício da actividade “TURISMO NO ESPAÇO RURAL” - (CAE 55202);

B. Para efeitos de IVA, a Requerente está enquadrada no Regime Normal de periodicidade mensal, realizando transmissões que conferem direito à dedução;

C. Para efeitos de IRC, a Requerente está enquadrada no regime geral com contabilidade organizada por exigência legal informatizada;

D. Durante os anos de 2014 a 2018, a Requerente obteve os seguintes reembolsos de IVA:


“(texto integral no original; imagem)”

E. Durante o mesmo período, deduziu IVA com base nas facturas emitidas pela U.........., LDA, nos seguintes montantes:

F. Os reembolsos solicitados entre 2014 a 2018, foram influenciados pelo IVA deduzido com base em facturas emitidas pela U.........., ou seja, se não fosse deduzido o IVA indicado nas facturas emitidas pela U.........., a O.......... apenas teria obtido reembolso de 2014 a 2018, no valor total de 35.237,75 €, conforme quadro abaixo:




G. Foi realizada uma inspecção à Requerente ao abrigo das ordens de serviço n.º OI201804316, OI201804317, OI201804318, OI201804319 e OI201804320, todas de 25- 09-2018;

H. Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III.1. facturas emitidas pela U..........

Com a finalidade de se verificar se as facturas emitidas pela U.......... - NIF, 507........., em 2014 a 2018, titulam transmissões de bens/prestações de serviços, iniciamos em 24/10/2018, um procedimento inspectivo à empresa emitente, credenciados pelas Ordens de Serviços n.º OI201804312, OI201804313 e OI201804314, todas de 26-09-2018, pelo Despacho n.º DI2018013144 de 29-10-2018 e pelas Ordens de Serviço n.º OI201900468 e OI201900469.

III.1.1 – Diligências efectuadas e factos verificados

Aquando do início da acção inspectiva foi-nos esclarecido pela sócio-gerente Srª. Dª M..........., NIF 10……., que a U.......... não dispunha de contabilidade para os anos de 2014 a 2018. Tendo então sido notificado o sujeito passivo para proceder à sua organização e exibição dos documentos, no prazo de 30 dias. Findo o prazo dado, o sujeito passivo não procedeu à referida organização nem a exibição de qualquer documento, excepto as facturas de venda da U.......... à O.......... de 2014 a 2018 e documentos relativos a supostas compras de 2006 a 2008. Foram-nos, no entanto, facultadas cópias das facturas das vendas que a U.......... efectuou à O.......... nos anos de 2014 a 2018, que estão conformes os dados que constam da base de dados do E-Factura, uma vez que as facturas foram comunicadas à AT. São as seguintes as vendas da U.......... para a O.......... (praticamente o único cliente da empresa neste período) neste período:




Como se pode verificar a facturação da U.......... para a O.......... no período de 2014 a 2018 ascendeu a 1.762.315,60€ s/ IVA.

Questionada a sócio-gerente, Sr. Dª M..........., NIF 10……., sobre a origem das vendas da U.......... LDA nos anos de 2014 a 2018, esta apresentou um inventário alegadamente elaborado a 30-10-2013 (no valor de 1.160.812,40€), que tinha por base, adiante designado por documentos, fotocópias de facturas (4), fotocópias de 3 folhas relacionadas com um acordo de cedência de obras de arte à consignação e fotocópia de um e-mail, relativamente aos anos de 2006, 2007 e 2008. Pretendia a sócio-gerente que os bens constantes desses documentos (e que constam do inventário de 31-10-2013) fossem aceites como base para o apuramento dos Custos das Mercadorias Vendidas de 2014 a 2018. No entanto, tendo sido solicitados, não nos foram apresentados os originais desses documentos, mas tão-somente fotocópias das mesmas. Também não nos foram apresentados os meios de pagamento desses documentos nem documentos de transporte das mercadorias para o seu cliente, O.......... LDA, NIF 50……..
Solicitamos por e-mail de 08-01-2019, o seguinte:
1 – Originais dos documentos de compras da U.......... cujas cópias nos foram facultadas;
2 – Original da factura da Balzatex e respectivo documento de importação;
3 – Meios de pagamento das facturas de compras da U..........;
4 – Identificação do local, devidamente comprovado, onde estava armazenado o stock da U..........;
5 – Extractos bancários da O..........;
6 – Escritura de aquisição do Hotel;
7 – Documentos relacionados com os cerca de 400.000,00€ constantes dos mapas de amortização da O.......... (ano de 2012);
8 – Todos os documentos contabilísticos da O.......... de 2014 a 2018;
9 – Identificação dos bens adquiridos pela O.......... à U.......... nos mapas de amortizações, por taxa de amortização.

Em resposta ao mesmo, fomos informados, por e-mail que nos foi enviado em 09-01- 2019, do seguinte:
“Relativamente aos pontos 1, 2 e 3, os originais dos documentos entregues, como lhe disse ao Sr. Drº A..........., são cópias em posse do nosso advogado, aquando do inventário da U.........., e que o mesmo exigiu para suporte do que estava a ser indicado, e entregues pelo, à data, responsável pela área comercial e logística e administrativa, da U...........
Os documentos e pastas contabilísticas, como lhe disse, não as temos, devido ao facto de termos alguns dos anos estarem em arquivo em Ponte de Lima na casa indicada no Auto da Polícia e termos sido alvo de assaltos conforme documento entregue da Polícia à data.
Quanto ao ponto 4. Para além dos locais assinalados no próprio Auto de inventário entregue, outro armazém indicado é o correspondente à factura de débito de armazenagem entregue ao Sr. º Drº A............
Relativamente ao ponto 6, o Hotel pertença da O.........., Lda., não foi adquirido. Foi comprado o terreno e efectuada a construção directamente pela O........... Quanto ao ponto 7, os documentos e todos os restantes dados, estavam guardados no escritório indicado no AUTO da Polícia e propriedade de um dos sócios da empresa, e infelizmente os mesmos foram alvo de assalto como consta do próprio Auto da Polícia. Tudo o resto esta disponível.”

Nas Declarações Periódicas de IVA entregues pela U.......... em 2006, 2007 e 2008, o IVA deduzido é muito inferior ao que resultaria da consideração destes documentos.
Nas declarações anuais de informação contabilística e fiscal (IES) de 2006, 2007 e 2008, as compras declaradas pela U.......... (6,823 €+ 161.180 € + 0 € = 168.003 €)são muito inferiores ao valor total dos documentos que nos foram exibidos (627.043 € +479.267 €+ 28.716 € = 1.135.026 €), bem como os inventários finais declarados de 2006 a 2017, não reflectem o valor dos bens constantes dos documentos em causa, como a seguir se indica:

Por outro lado, os inventários finais de 2006, 2007 e 2008 constantes das IES não reflectem estas compras.
os inventários declarados como existência final de 2014 a 2017 comunicados à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) não correspondem, na sua quase totalidade, aos bens do inventário que alegadamente foi elaborado em 30-10-2013 e que foram vendidos ao longo de 2014 a 2018, por exemplo, os seguintes:


Relativamente aos documentos que suportam o inventário alegadamente elaborado a 30-10-2013, verificamos o seguinte:

• C..........., NIF 13…… -– não cessado.

- (uma fotocópia de uma factura nº 980, de 10-10-2006, no valor de 50.654,00€ mais IVA no valor de 10.637,34€, e uma fotocópia da factura nº 988, de 03-11- 2006, no valor de 58.297,53€, mais IVA no valor de 12.242,48€)
- Na fotocópia das facturas não indica a hora nem a viatura que transportou os bens constante das mesmas.
- Nas DP’s do período das facturas a base tributável é inferior ao valor das facturas;
- Na IES, o valor das vendas é bastante inferior ao valor total das facturas.
- Não apresentou qualquer anexo “O” (anexo com o valor anual das vendas por cliente), para os anos de 2006 e 2007.
- Consta das mesmas fotocópias a menção às contas que eventualmente tenham sido reconhecidas na contabilidade “31XX-24322/221 “
- Embora tenha sido solicitado, a U.......... não apresentou os originais das fotocópias das facturas acima indicadas nem os meios de pagamento utilizados
- Foi contactado telefonicamente o Sr. C..........., para nos apresentar documentos relacionados com a transacção, tendo-nos respondido, que estava a trabalhar no estrangeiro e que não tinha qualquer documento desses anos e que não se lembrava de que nesses anos tenha vendido alguma coisa a U...........
- Fomos informados telefonicamente pelo Contabilista Certificado, Sr. R..........., que não possuía qualquer documento relacionado com aqueles anos e que tinha conhecimento que o Sr. C…… se encontrava no estrangeiro.

• F…….. LDA, NIF 50………. – cessada com data de 21/12/2015.

- (fotocópia das facturas nº 75 e 76 de 16-05-2007, no valor total de 88.079,00€ s/ IVA);
- Nas fotocópias das facturas indica o lugar de carga em Fânzeres e local de descarga em Lisboa e identifica a viatura 8........... Da consulta da base de dados da AT, verifica-se que o proprietário da viatura de 11-05-2007 a 08-01- 2008, era o Banque P…… Finance em Portugal- NIF 98……., e que foi celebrado um contrato de locação financeira com a empresa Forma Peculiar, que teve início em 10-03-2008 e que teve o seu fim em 14-11-2014;
- Embora tenha sido solicitado, a U.......... não apresentou os originais das fotocópias das facturas acima indicadas nem os meios de pagamento utilizados;
- A base tributável declarada na DP do período em que foram emitidas as facturas comporta, por pouco, o valor das facturas acima indicadas;
- Consta da mesma fotocópia a menção às contas que eventualmente tenham sido reconhecidas na contabilidade “31XX-24322/221 “;
- Não foi possível qualquer contacto com qualquer responsável da empresa nem com o Contabilista Certificado à data dos factos;
- No anexo “O” (anexo com o valor anual das vendas por cliente) entregue de 2006 e 2007, não consta qualquer venda à U...........
- Considerando os valores indicados no anexo O, de 2006 e 2007, o valor das vendas declarado na IES, não comportam as facturas que nos foram apresentadas.

• O L……. LDA, NIF 50……, cessado desde 31-12- 2008;

- Fotocópia da factura nº 2006/255 de 04-09-2006, no valor de 356.705,97€, mais IVA no valor de 74.908,25€
- Fotocópia da factura nº 2007/96, de 15/05/2007, no valor de 309.978,12€, mais IVA no valor de 65.095,41€;
- Não consta das fotocópias qualquer indicação do local de carga e descarga, a data e a viatura utilizada para o transporte dos bens em causa;
- Embora tenha sido solicitado, a U.......... não apresentou os originais das fotocopias das facturas acima indicadas nem os meios de pagamento utilizados;
- A base tributável constante das DP’s dos períodos em que foram emitidas as facturas, não comporta o valor das mesmas - O valor das vendas declaradas na IES de 2006 e 2007, comporta o valor das facturas de cada um dos anos;
- Consta da mesma fotocópia a menção às contas que eventualmente tenham sido reconhecidas na contabilidade “31XX-24322/221 “
- Não foi possível qualquer contacto com qualquer responsável da empresa nem com o Contabilista Certificado à data dos factos;
- Nos anexos “O” (anexo com o valor anual das vendas por cliente), entregues de 2006 e 2007, não consta qualquer venda à U...........

• M. D……, NIF 194…. – Cessado em 17/02/2018

- Fotocópia de duas folhas com data de 20/06/2006, cujo valor total dos bens discriminados ascende a 74.834,00 €, e fotocópia de uma folha que corresponde a uma carta dirigida a U.........., a solicitar o pagamento;
- Tem como data de início de actividade em data muito posterior da data do acordo de cedência de obras de arte à consignação;
- Embora tenha sido solicitado, a U.......... não apresentou os originais das fotocópias das folhas acima indicadas nem os meios de pagamento utilizados
- Contactada telefonicamente a Srª D.........., confirmou-nos de que tinha em tempos feito um acordo de cedência de obras de arte à consignação.
- Não consta das mesmas fotocópias as contas que eventualmente tenham sido reconhecidas na contabilidade. Fotocópia de um E-mail de 07/05/2008, enviado pela BALZATEX (pela consulta do Google verificamos tratar-se de uma empresa marroquina) e dirigido à U.........., no qual constava proposta de venda de 850 toalhas de banho, 160 toalhas de piscina e 410 jelabas, no valor 28.716,00€;
-A U.......... não apresentou o documento de importação nem a factura correspondente a esta proposta de venda;
- Embora tenha sido solicitado, a U.......... não apresentou o original do email acima indicado nem os meios de pagamento utilizados

• F R…… LDA, NIF 50…… – não está cessada.

- Fotocópia da factura nº 2006156 de 06/12/2006, no valor de 86.551,00€, mais IVA no valor de 18.175,71€ e fotocópia da factura nº 2007103 de 06/06/2007, no valor de 81.210,00€, mais IVA no valor de 17.054,10€;
- As bases tributáveis constantes das DP’s dos períodos em que foram emitidas as facturas não comportam o valor das mesmas
- As vendas declaradas na IES de 2006 e 2007, comportam o valor facturado em cada um dos anos.
- Consta da mesma fotocópia a menção às contas que eventualmente tenham sido reconhecidas na contabilidade “31XX-24322/221 “
- Não consta das fotocópias qualquer indicação do local de carga e descarga, a data e a viatura utilizada para o transporte dos bens em causa.;
- Foi contactado telefonicamente o Sr. J........... para nos apresentar documentos relacionados com a transacção, tendo-nos respondido, que não tinha qualquer documento, referiu, ainda que não se lembrava de ter vendido alguma coisa à empresa U.........., naqueles anos,
- Também não foi possível o contacto com o Contabilista Certificado, Srª I..........
- Não entregou o anexo “O” (anexo com o valor anual das vendas por cliente), de 2006, mas no anexo “O” entregue de 2007, não consta qualquer venda à U...........
Não procedemos a diligências adicionais junto dos fornecedores, para além das que efectuámos, com vista a comprovar a veracidade dos documentos que nos foram entregues, em 07/11/2018, em virtude de já ter decorrido o prazo de 10 anos referido no nº 4 do artº 123 do CIRC, durante o qual os sujeitos passivos são obrigados a conservar os documentos contabilísticos.
Da consulta do processo relacionado com o procedimento inspectivo ao abrigo da Ordem de Serviço nº OI200800771, de 2008/02/27, consta do ponto 2.3 do Projecto de Relatório de Inspecção elaborado em 16/10/2008, que foi enviado ao sujeito passivo através do Ofício nº 73914/0504, de 20/10/2008, o seguinte:
“Através da análise do balancete analítico reportado à data em que o sujeito passivo declarou a cessação da actividade para efeitos de IVA (2008/07/10), verificamos que no activo da empresa ainda existem bens, designadamente existências e imobilizado, que ascendem a € 141.517,94 € e a € 67.281,56, respectivamente:”

Assim, se conclui, que a U.........., em 10/07/2008, não detinha o valor em inventário relativo ao somatório dos documentos que nos foram entregues (que têm todos datas anteriores a 10/07/2008) para justificar o inventário alegadamente elaborado em 30/10/2013.
Será de referir que no auto de declarações elaborado em 07/11/2018, a Srª Dª M……., declarou, o seguinte:
No ponto 1) “A U.......... bem como a N........., Lda., NIF 50……, foi criada para a comercialização de mobiliário e decoração. A U.......... faria as vendas para o estrangeiro enquanto que a N......... faria as vendas para o mercado nacional.
A fornecedora de mobiliário era a empresa “A….. “ de Olival, V.N. Gaia, que tinha a capacidade produtora(fábrica). Quando a U.......... deixou de ter capacidade para escoar o seu stock, em virtude da crise económica que, entretanto,se instalou, surgiu a ideia de aproveitar esse imobiliário para um hotel, tendo então surgido a O.......... para explorar esse hotel…”
No ponto 2 – “…em que ano começou a funcionar o hotel? Começou a funcionar em meados de 2012.º
No ponto 3 – “…. Existem facturas do Fornecedor “A......... “para a U..........? Houve uma factura pró-forma no valor de aproximadamente 600.000,00 €. Depois de terminado o vínculo contratual com a “A......... “a U.......... teve outros fornecedores. Esses fornecedores passaram facturas à U.........., algumas das quais são facultadas hoje”
(correspondem aos documentos que nos foram entregues, em 07/11/2018, para justificar o inventário supostamente efectuado em 31/10/2013);
No ponto 4- “como foram transportadas as mercadorias da U.......... para a O….? Tem documentos desses relativos a esses transportes? O transporte foi feito pela U.......... uma vez que esse transporte estava a cargo do meu excompanheiro que dispunha de estrutura (nomeadamente veículos) para tratar do transporte.
As compras da U.......... concentram-se no período de 2006 a 2008. Os pagamentos eram feitos por cheque e dinheiro.
No ponto 5- A U.......... ainda dispõe de mercadorias em stock? Onde estão armazenadas? As mercadorias que tenho estão todas no hotel.”
Foi-nos, também, entregue um documento assinado pela gerente Srª Dª M........., com data de 07/11/2018, do qual retiramos o seguinte:
(...)
O sujeito passivo apresentou, os documentos que nos foram entregues em 07/11/2018, como compras com vista a comprovar as vendas efectuadas à O...........
Analisados os documentos que nos foram entregues e o resultado das diligências efectuadas constatamos o seguinte:

a) A Srª Dª M......... é gerente de facto da O.......... e U.........., desde o início da actividade;
b) É Contabilista Certificada da U.......... desde o início de actividade e, também, da O.........., desde o início da actividade, até 2014/07/23;
c) O facto da Srª Dª M........., ser gerente de facto e Contabilista Certificada, faz com que tivesse conhecimento dos movimentos contabilísticos das duas empresa, pelo que, não é aceitável, o facto de na declaração da IES, de 2006 a 2008, as compras declaradas não reflectirem o valor das fotocópias dos documentos que nos foram entregues, em 07/11/2018 bem como o facto de, no ano de 2013, ter sido declarado na IES de 2013, um valor inventário final muito diferente do inventário que nos foi entregue como tendo sido elaborado em 30/10/2013;
d) Sendo a única gerente e Contabilista Certificado desde o início da actividade, não é aceitável que, relativamente às vendas efectuadas em 2013 a 2018, não tenha sido determinado custo das mercadorias vendidas em função do inventário supostamente elaborado em 30/10/2013;
e) Não é também aceitável, não nos ter sido exibido os originais das fotocópias dos documentos que nos foram entregues com vista a comprovar o inventário supostamente elaborado em 31/10/2013, nem os meios de pagamento utilizados;
f) Não compreendemos, como na IES, não reflecte o reconhecimento dos documentos onde estão indicadas as contas onde deveriam ser reconhecidas na contabilidade;
g) Não compreendemos, como não nos foi exibido elementos retirados de meios informáticos nomeadamente extractos de conta corrente e balancetes;
h) Não apresentou qualquer documento da decisão do tribunal da recuperação de mobiliário de mobiliário e madeiras de bens que tinha adquirido da A.........;
i) Não apresenta o SAFT de nenhum dos anos;
j) Na IES entregues pela U.......... nos anos de 2006 a 2008, as compras declaradas são bastantes inferiores ao total das fotocópias dos documentos que nos foram entregues para comprovar o inventário alegadamente elaborado em 30/10/2013;
k) Não se compreende que tenha declarado compras sem documentos de suporte nos anos de 2014 a 2018, quando, a gerente de facto e Contabilista Certificada, diz que detinha os bens constantes do inventário supostamente elaborado em 30/10/2013, relacionados com os documentos que foram emitidos em 2006, 2007 e 2008;
l) O valor do inventário final declarado, nos anos de 2006 a 2013, é muito inferior ao que deveria constar, tendo em conta o valor do inventário supostamente elaborado em 30/10/2013;
m) Não se compreende que tenha declarado inventários no portal da Autoridade Tributária, em 2014 a 2017, que não reflectem o inventário que diz deter em 30/10/2013;
n) De 2014 a 2018, declarou nas declarações periódicas IVA dedutível no montante de 414.873,45€, que regularizou voluntariamente por não conseguir comprovar documentalmente o IVA deduzido, ou seja, durante os anos de 2014 a 2018 a U.......... deduziu IVA, sem documentos passados em forma legal que permitissem a dedução do IVA;
o) No portal do E-factura, consta que o sujeito passivo efectuou aquisições, no ano de 2013 (530,00€), no ano de 2014 (3.634,16 €), no ano de 2015 (15,00 €) e nos anos de 2016, 2017 e 2018, nada consta;
p) Da análise dos dados constantes da base de dados da AT, constata-se que não foi declarado qualquer valor no anexo “O “emitido por fornecedores, nos anos de 2006 a 2018, em que constasse como adquirente a U........... De salientar que, consta da IES entregue pela U.........., do mesmo período, compras no valor total de 2.316.696,58 €;
q) Não apresentou documentos de transporte dos bens vendidos pela U.......... à O.........., nem entre os locais onde os bens eventualmente poderiam estar armazenados. De referir que, no “auto de inventariação “de 30/10/2013, refere que os bens que detinha naquela data, estariam armazenados na Rua L…. nº …..- Ermesinde (sede da O..........), e na Zona industrial de Beche, Rua …., lote ….. em Vila do Conde. Apresentou também a factura n.º 140361 de 31-07-2014 relativo ao aluguer de um armazém da empresa “Transportes M.........Lda., NIF 50……, mas não nos é possível aferir a localização do armazém nem os bens que aí se encontravam armazenados, nem se os mesmos estavam arrendados desde 2006.
r) A O.......... não efectuou qualquer pagamento das facturas emitidas pela U.......... (de 2012 a 2018). Questionada sobre o facto, fomos informados, por e-mail de 21-08-2018, que seria utilizado para aumento de capital;
s) No Balancete da O.........., em 31/12/2017, consta a conta “27837- Credores por subscrições não liberadas – U..........”, um saldo credor no valor de 1.841.046,35 € e, no Balancete de 30/06/2018, o valor de 2.168.924,03 €, enquanto que, na IES de 2017, da U.........., o total do activo é de apenas 286.576,14 €, em que o valor do inventário, ascende a 198.500,90€.
t) Na IES de 2006 a 2017 da U.........., não se verifica qualquer movimento financeiro que indicie que foram pagos ou que estejam em dívida, os supostos documentos de compra que nos foram entregues em 07/11/2018;
u) Em deslocação às instalações onde exerce a actividade a O.........., em 28/01/2019, verificámos que os bens por nós escolhidos para efeitos de controlo, conforme relação que foi entregue cópia à Sra. Da M..........
v) Do controlo efectuado às tendas, a gerente Sra. Da M......... apresentounos como sendo tendas adquiridas à U.........., relacionadas com as facturas indicadas no auto de inventário por nós elaborado durante o procedimento inspectivo.
w) De referir que, no ano de 2010 e 2011, a U.......... facturou a O.......... no valor total de 485.325,46 €, com IVA incluído, facturas essas, que justificaram parte do investimento pela O.......... para efeitos de subsídios - processo 06913 (QREN);
x) Verificou-se que no período de 2014 a 2018, a O.......... pediu reembolso no valor 440.570,35 €, e o valor do IVA liquidado nas facturas emitidas pela U.......... à O.........., no mesmo período, ascendeu a 405.332,60 €, ou seja, o valor dos reembolsos é ligeiramente acima do IVA liquidado pela U.........., enquanto que, a U.........., no mesmo período, entregou nos cofres do Estado, antes da regularização voluntária, apenas o valor 1.754,29 €, porque deduziu IVA que não tinham suporte documental;
y) De salientar, também, o facto de haver bens que constam de facturas emitidas pela U.......... à O.......... em 2018, cuja aquisição, segundo a gerente Srª Da M........., se terá verificado em 2006 e 2007, ou seja, 11 anos mais tarde.
z) A título de exemplo, analisamos, de seguida, a realidade das transmissões de bens ou serviços facturados pela U.......... à O.......... entre 2014 e 2018:

aa) Tendo presente o descritivo das facturas acima indicadas, conclui-se que a U.........., não dispõe de adequada estrutura empresarial susceptível de efectuar aquelas vendas e prestar aqueles serviços, já que, não tem trabalhadores, não adquiriu serviços externos ou compras que possibilitassem efectuar aquelas vendas.
bb) Ressalta o facto de ter sido facturada a venda, nos anos de 2014, 2015, 2017 e 2018 de cortinados, reposteiros, alcatifas, que foram alegadamente adquiridos em 2006/2007, ou seja, mais de oito anos depois, facto que não apresenta adesão à realidade, uma vez que são produtos que facilmente se deterioram, não sendo entendível que não tenham sido adquiridos aquando da instalação do hotel, em 2011 e 2012.
cc) Constatamos que foi facturado à O.......... pela empresa P……, SA - NIF 50……., através da factura nº FT2016A1/1232, de 31/10/2016, 336 metros quadrados de alcatifa, tendo a U.........., facturado em 2017, a substituição de 969 metros de alcatifa que supostamente foram adquiridos em 19/05/2007, ou seja, 10 anos antes, facto que tem pouca aderência à realidade, já que não é normal alguém adquirir quase um km de alcatifa para ficar armazenado durante 10 anos e não ter sido utilizado aquando da construção do hotel em 2011/2012.
dd) Consta das seguintes facturas, a venda de 22 colchões à O.........., pela U..........:

ee) Analisando o conteúdo dos documentos que nos foram apresentados, constatamos o seguinte:
- A U.........., tendo iniciado a actividade em 2006, investiu, de acordo com os documentos que nos foram entregues em 7/11/2018, mais de um milhão de euros, em bens que teriam estado armazenados durante anos, sujeitos a ficarem degradados, e só serem vendidos aos poucos ao longo dos anos de 2014 a 2018.
-Nas IES de 2006 a 2017, não consta qualquer fluxo financeiro, relacionado com as supostas compras, bem como, os meios financeiros utilizados ou, a dívida gerada;
- Não foi demonstrado durante os procedimentos inspectivos a mobilização dos meios financeiros necessários para adquirir, em tão pouco tempo, bens cujo custo ascende a mais de um milhão de euros.
- Não nos foi, também, apresentado qualquer contrato celebrado em 2006 e 2007, ou uma quebra de contrato de um ou mais clientes, que justificasse a aquisição daquela quantidade de bens, pois, não é crível que uma empresa inicie a sua actividade a comprar, por exemplo, os seguintes bens, sem que tenham sido encomendados:


ff) Tendo presente o tipo de actividade que nos foi transmitido pela sócia gerente, que é a de comercialização de artigos de luxo e direccionada para o mercado externo, não compreendemos a compra dos bens e quantidades indicadas no quadro anterior, pois naquele tipo de negócio, o que é normal, é só adquirir aquele tipo de artigos, quando há encomendas.
gg) Assim, concluímos que os documentos que nos foram entregues não titulam compras efectuadas pela U.........., nos anos de 2006 a 2008, relacionadas com as facturas emitidas à O..........;
hh) Acresce ao que foi anteriormente exposto, o facto de concluirmos, também, existirem indícios suficientemente fortes, de que as facturas emitidas entre 2014 e 2018, não titulam qualquer transacção efectiva entre a U.......... e O.........., em virtude da U.......... não possuir uma estrutura empresarial (não tem pessoal especializado ao seu serviço, não tem compras e gastos efectuados no período em que se efectuaram as supostas vendas), que permitisse efectuar aquelas vendas, nem comprovou que os bens foram transportados, nem que tenha recorrido a serviços externos para suprir a sua falta de estrutura.

III.1.2-Conclusão

a) Tendo presente o exposto, será de concluir que o sujeito passivo declarou compras e deduziu IVA, no período de 2014 a 2018, sem suporte documental;
b) Quanto às fotocópias dos documentos que nos foram entregues, relativas ao período de 2006 a 2008, não há evidência contabilística, declarativa, nem outro elemento concreto que comprovasse que aquelas compras se tenham verificado;
c) Não foram apresentados os originais dos documentos de 2006, 2007 e 2008, com os quais pretendeu provar de que tinha adquirido os bens que supostamente vendeu à O.........., nem os meios financeiros utilizados para o pagamento das mencionadas facturas;
d) Como já foi referido anteriormente, a U.........., tomou a iniciativa de emitir diversas notas de crédito, em 18/10/2018 (seis dias antes do início do procedimento inspectivo) relacionados com bens/prestação de serviços constantes em facturas emitidas à O.........., o que vem comprovar que a U.......... emitiu facturas sem que consubstanciassem efectivas transacções;
e) O comportamento da U.........., pelo menos anos de 2014 a 2018, ao deduzir IVA e considerar gastos, em sede de IRC, sem suporte documental, ou registos contabilísticos, propiciou que a O.......... deduzisse indevidamente IVA e solicitasse os respectivos reembolsos de valor superior àquele que teria direito e considerasse indevidamente gastos, em sede de IRC;
f) A U.........., não tem estrutura empresarial adequada para efectuar aquela quantidade de vendas/prestação de serviços, pelos motivos apontados ao longo do presente relatório;
g) Concluímos que os documentos que nos foram entregues não titulam compras efectuadas pela U.........., nos anos de 2006 a 2008, relacionadas com as facturas emitidas à O.........., entre 2014 a 2018, pelo que, as facturas emitidas pela U.......... à O.........., serão consideradas "falsas", por não titularem qualquer transacção.
h) Pelo facto da Sra. Dra M........., ser gerente de facto e Contabilista Certificado, de ambas as empresas, a mesma sabia que os bens constante das facturas emitidas pela U.........., não poderiam ter sido vendidos pela U.........., já que, não logrou provar, através dos documentos que foram apresentados, nos termos do artº 74º nº 1 da LGT, que os bens na posse da O.........., relacionados com os inventariados por nós, em 28/01/2019, tenham sido adquiridas à U.........., bem como, aqueles que não foram inventariados por nós.
i) Consta do procedimento inspectivo no âmbito da Ordem de Serviço nº OI200800771, de 27/02/2008, que o sujeito passivo não detinha em 10/07/2008, o valor dos bens relativo aos documentos que nos foram entregues (que têm todos datas a anteriores 10/07/2008) para justificar o inventário alegadamente elaborado em 30/10/2013.
Em face do que foi exposto, concluímos que as facturas emitidas pela U.......... à O.........., não titulam transmissões de bens e prestações de serviços por aquela realizados

III.2 - Correcções
Em resultado do procedimento inspectivo, verificamos as seguintes situações: III.2.2 - Correcções a efectuar III.2.2.1 -IVA III.2.2.1.1 -De facturas emitidas pela QUALISÁ
Será corrigido o IVA deduzido relativo à Factura n.º FACT SEC1/522 DE 30-12-2015 da Q......... Lda, NIF 50……, no montante de 8.349,00€, uma vez que diz respeito a obras que não foram efectuadas no hotel explorado pela empresa, mas sim numa moradia em Esposende. Assim, nos termos do n.º 1 do art.º 20º do Código do IVA este IVA não é dedutível. Esta factura diz respeito à prestação de serviços de construção civil pelo que foi emitida com aplicação da regra de inversão do sujeito passivo, conforme alínea j) do n.º1 do art.º 2º do Código do IVA. Assim, o IVA foi autoliquidado nela O..........:




III.2.2.1.2 - De facturas emitidas pela U..........

Foi concluído em função do descrito no ponto III.1.1 e III.1.2, haver indícios fundados de que as facturas emitidas pela U.........., não titulam qualquer transmissão/prestação de serviços, pelo que não pode ser deduzido IVA, nos termos do artigo nº 3 do 19º do CIVA, quando resulte de operações simuladas ou em que seja simulado o preço ou, ainda, no caso do sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento de que o transmitente dos bens ou prestador de serviços não dispõe de adequada estrutura empresarial susceptível de exercer a actividade declarada, por força do determinado no nº 4 do artº 19º do CIVA. Assim, será corrigido o IVA deduzido nas facturas emitidas pela U.........., expurgado da regularização voluntária efectuada através da emissão das notas de crédito a anular determinadas vendas/serviços prestados, com a seguir se indica:




III-2.2.1.3- Resumo em sede de IVA

No quadro abaixo resumimos as correcções efectuadas em sede de IVA, que não foram regularizadas voluntariamente pelo sujeito:




(…)

VI. REGULARIZAÇÕES EFECTUADAS PELO SP NO DECURSO DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO

Um dia antes do início do procedimento inspectivo, isto é, dia 23/10/2018, entregou declarações de substituição, nas quais regulariza IVA a favor do Estado, conforme quadro abaixo, tendo por base, na sua quase totalidade, Notas de Crédito emitidas, em 18/10/2018, pela U..........:


(…)

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO

(…)

Analisando a audição prévia, cumpre-nos afirmar o seguinte:
1- Nota prévia
Com vista a melhor dar resposta aos factos alegados, agrupámo-los por argumentos chave identificados na audição previa apresentada:
2- Consulta do processo (pontos da audição prévia -1, 2 e 6)
Quanto ao invocado no ponto 1 e 2 do seu direito de audição pretendemos esclarecer que a empresa reunia as condições para exercer plenamente o seu direito de audição. Com efeito, as correcções que constam do projecto de relatório elaborado tiveram por base, na sua maioria, elementos que nos foram facultados pela própria empresa.
Foi-nos enviado o e-mail em 15-03-2019, com o seguinte teor:
Exmo. Sr. Dr. A...........:
Para efeitos do exercício do direito de audiência prévia das empresas U.......... e O.........., necessitamos que nos seja facultada a consulta de todo o processo inspectivo uma vez que existem inúmeros documentos por nós fornecidos que não constam dos anexos ao projecto do relatório inspectivo nem este a eles faz referência, para além de que este faz referência a elementos de que não dispomos.
Na impossibilidade da vossa parte de consultarmos o processo, solicitamos que nos sejam enviados todos os documentos por nós fornecidos bem como todos os elementos a que fazem referência no vosso projecto de relatório inspectivo.
Entre os elementos por nós fornecidos temos registo de termos, pelo menos, entregue aos vossos serviços:
- Catálogo da U.......... para o Mercado Internacional com mobiliário em que peças foram validadas na Unidade hoteleira da propriedade da O...........
- Catálogo da U.......... para o Mercado Nacional, com mobiliário em que peças foram validadas na Unidade hoteleira da propriedade da O...........
- Catálogo da U.......... ART_DECO e decoração com imagens do showroom/loja de Lisboa, com mobiliário em que peças foram validadas na Unidade hoteleira da propriedade da O..........
-Folhas de publicidade do showroom no Porto- Rua 15 de Novembro em Inglês
- Fotos do site da U.......... em Inglês
- Artigo de imprensa Espanhola, sobre a presença da U.......... na maior feira internacional, realizada em Valência em 2007, em que a U.......... expôs entre outros um móvel no valor de 260 000 euros.
- Contrato de distribuição da U.......... com a A..........
- Contrato de distribuição da N......... com a A..........
- Um conjunto de fotos do Showroom da U.......... e da sua inauguração em LISBOA com apresentação de algumas das peças de mobiliário, em que muitas das peças foram validadas na Unidade hoteleira da propriedade da O...........
-Fotos do showroom no PORTO da U.........., onde se pode verificar as tabuletas publicitárias da U.......... e C........... (fornecedor da U..........)
- Facturas de armazenagem de MP......... debitadas à U...........
- Auto de Inventário de bens em Outubro de 2013 e cópias de facturas de base ao levantamento e entregues pelo responsável comercial e administrativo da U.......... e entregues aquando do AUTO e base do trabalho do inventário.
- Facturas/ documentação de todos os fornecedores da U...........
- Documento detalhado explicativo do histórico da U.......... e sua razão de existência.
-AUTO de NOTÍCIA emitido pela Polícia de Ponte de Lima em 21.12.2013
-Auto Inventário da AT- Divisão de Inspecção IV onde consta a validação dos bens considerados pela AT como representativos e seleccionados, para além de um conjunto adicionados, e não mais, dado que o seu responsável considerou ser mais que suficiente para validação da existência desses bens constantes das facturas em diversos anos entre a U.......... e a O...........
- Mapas de cálculo solicitados pela AT para o acordo proposto pela AT. CUMPRIMENTOS
M.........
No mesmo dia, demos resposta aquele e-mail, que seguir se transcreve:
" Drª M........., boa tarde.
A comunicação enviada ao inspector A........... mereceu-nos a nossa melhor atenção no sentido de dar uma resposta o mais rapidamente possível ao solicitado.
Não estando em causa a colaboração mútua, ainda assim, não entendemos o pedido de elementos que já foram carreados pelos próprios contribuintes e, nessa medida, não enviaremos cópia desses elementos, à excepção das cópias de catálogos e fotos, face à difícil leitura dos documentos em causa, pela má qualidade da reprodução dos mesmos. Relativamente aos demais documentos invocados no projecto de relatório e que não foram facultados pelos sujeitos passivos, aguardamos que nos identifiquem quais os documentos que pretendem, deforma a serem remetidos no mais curto espaço de tempo.
A comunicação do inspector A..........., que subscrevo, detalha com mais pormenor a apreciação efectuada ao vosso pedido.
Sempre ao dispor.
Os meus cumprimentos.
AS......... Chefe de Divisão "
Ao contrário do que tínhamos solicitado, ou seja, a indicação dos documentos que pretendiam por forma a serem remetidos no mais curto espaço de tempo, foi-nos enviado, no mesmo dia, 15-03-2019, o seguinte e-mail:
" Exma. Sra. Dra. AS.........:
O projecto de. relatório de inspecção é a conclusão de todo um procedimento tributário que passa pela recolha de documentos, diligências, contactos, etc.
O direito de audiência prévia pressupõe que o procedimento tributário esteja organizado para que, depois de exercido esse direito, fique concluído com o relatório final para que todo ele seja remetido ao tribunal depois de o contribuinte impugnar as liquidações oficiosas derivadas do relatório final de inspecção.
Pelo que leio está-nos a ser negado, não só o acesso ao procedimento como igualmente ao envio dos elementos que o compõem, entre os quais estarão elementos que podem servir de defesa às contribuintes inspeccionadas, uns que são do nosso conhecimento, mas que não temos connosco por vos terem sido entregues, e outros que. nem do nosso conhecimento serão.
Assim, terminando o prazo de audiência prévia na segunda feira, reiteramos o nosso pedido, sob pena de nulidade processual que desde já se invoca
CUMPRIMENTOS
M.........

Apesar de não nos terem sido indicados os documentos que pretendiam, enviamos, em 18-03-2019, o e-mail que a seguir transcrevemos, no qual foram anexados nove documentos que se encontravam referidos no relatório, mesmo sabendo que apenas o anexo 4 é que a empresa não tinha conhecimento, pois, os restantes, tinham-nos sido entregues ou teve conhecimento deles, como é o caso do anexo 1,2,3 e 5.
" Drª M.........,
Na sequência do e-mail enviado da parte da manhã, apesar de não nos terem indicado quais os documentos, em concreto, que seriam necessários para o exercício do direito de audição, digitalizámos os documentos a que se referem os projectos de relatório e vamos remetê-los em anexo.
Remetemos os seguintes anexos:
Anexos l, 2 e 3 - pedido de informação à AGPI - Compete 2020
Anexo 4 - Anexos "O" dos fornecedores da U.......... 2006/2008
Anexo 5 - Relatório da AT. 2008
Não obstante uma boa parte dos documentos nos ter sido facultada pelos próprios sujeitos passivos, ainda assim, e para que fique claro que nos pautamos por uma colaboração total com os contribuintes, remetemos em anexos cópia dos documentos a que aludem os projectos de relatório e que foram apresentados pelos sujeitos passivos no decurso dos procedimentos inspectivos, assim como o auto de inventariação de que já foi dada a seu tempo cópia ao sujeito passivo.
Anexo 6 - Inventário
Anexo 7 - Faturas.2006/2008
Anexo 8 - Auto de inventariação
Anexo 9 - Proposta. U..........
Ao dispor.
Os meus cumprimentos. AS......... Chefe de Divisão"

De salientar que, ainda que o processo inspectivo só fique organizado depois de elaborado o relatório, mesmo assim, como foi anteriormente referido, sempre demonstrámos disponibilidade para enviar os documentos que nos fossem indicados, com vista a ser exercido cabalmente o direito de audição, só que nada nos foi solicitado de forma concreta.
Relativamente ao ponto 6, foram facultadas cópias de todas as ordens de serviço assinadas pela Srª Drª M......... Fernandes no próprio momento em que as assinou, pelo que não compreendemos como é possível que não as tenha na sua posse.
3- Obrigação de exibição de documentos com mais de 10 anos (diversos pontos da audição prévia)
Relativamente ao facto de não terem a obrigação de exibir documentos com mais de 10 anos, conforme referido em diversos pontos da audição prévia, cumpre-nos, sobre o assunto, referir o seguinte:
Efectivamente, o nº 4 do artigo 123º do Código do IRC refere que "Os livros, registos contabilísticos e respectivos documentos de suporte devem ser conservados em boa ordem durante o prazo de 10 anos.".
Da análise das declarações entregues pela U.........., relacionados com os anos de 2006 a 2018, nomeadamente as declarações de rendimento modelo 22 do IRC, da Informação Empresarial Simplificada (IES) , os inventários declarados no portal das finanças, das declarações periódicas de IVA, bem como a contabilidade exibida no procedimento inspectivo efectuado ao exercício de 2008, que enviamos cópia do Relatório elaborado para o efeito e que foi dado a conhecer ao sujeito passivo em devido tempo, se constata qua as declarações entregues durante aqueles anos e a contabilidade exibida no procedimento inspectivo ao exercício de 2008, não reflectem que tenha havido compras do valor em causa.
Será ainda de salientar, que a empresa, aquando do procedimento de inspecção ao ano de 2008, poderia ter reposto a verdade, ou seja, teria indicado na sua contabilidade ou apresentado o inventário que reflectisse aquelas compras, pois na data em que terminou o procedimento inspectivo (2008/10/16), não tinha terminado o prazo dos 10 anos que refere o nº 4 do artigo 123º do Código do IRC, nem tinha havido qualquer roubo de documentos.
Para além disso, no momento em que alegadamente elaborou o inventario em 2013/10/30, poderia, também, ter corrigido as declarações do ano de 2013, pois, ainda não tinha passado o prazo dos 10 anos, com vista a repor a verdade. Só que, não o fez, optou por declarar compras ao longo dos anos de 2014 a 2018, que não existiam e deduzir IVA, que não tinham por base qualquer documento.
Ora o nº 1 do artº 75º da Lei Geral Tributária (LGT), refere o seguinte:
"Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiveram organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos “.
O n.º 1 do art.º 74º da LGT dispõe que "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. "
Cabia, portanto, à U.......... provar que havia adquirido os bens que alegava ter vendido à O...........
Perante os factos, a empresa não pode escudar-se no prazo dos 10 anos para não provar que os documentos que nos foram entregues correspondem a efectivas compras da U.........., que por sua vez terá vendido à O.........., já que, o ónus de provar que a contabilidade exibida no âmbito do procedimento inspectivo ao ano de 2008 não era verdadeira, bem com os valores declarados nas declarações entregues durante os anos de 2006 a 2018, não eram verdadeiros, pertencia à empresa.
O que a U.......... deveria ter feito, era exibir elementos concretos que provassem que os valores das declarações (IES, modelo 22, declarações periódicas de IVA), não correspondiam à verdade e que a contabilidade que foi apresentada no procedimento inspectivo ao exercício de 2008, também não correspondia à verdade e, o que correspondia a verdade, eram os documentos de 2006 a 2008, que nos exibiu.
4- Roubo (diversos pontos da audição prévia)
Quanto ao roubo de documentos, referidos em diversos pontos, cumpre-nos informar o seguinte:
Não se compreende que tendo a gerente Sra. Da. M........., conhecimentos relacionados com a fiscalidade e contabilidade por ser contabilista certificada, não tenha reposto a contabilidade, pelo menos a partir de 2006, por não ter ultrapassado os 10 anos em que os sujeitos passivos tinham por obrigação de ter os documentos, já que, só é dedutível em sede de IVA e só é gasto em sede de IRC, desde que o sujeito passivo esteja na posse de documentos, pois, naquela data, era possível utilizar os elementos constantes do computador, para esse efeito, por não ter sido roubado, já que, naquela altura, estavam em pleno funcionamento.
Em face do exposto, não concordamos que no final de 2013, fosse impossível obter os documentos de 2006, 2007 e 2008, já que os documentos em causa estariam na posse das empresas vendedoras.
5- Relações entre a O.......... e U.......... (pontos da audição prévia - 9, 41) Ponto 9, refere o que é firmado pelo ponto 41, nos quais, alude que " É falacioso a afirmação de que não foram apresentados os meios de pagamento nem documentos de transporte quanto às vendas feitas pela U.......... para a O.......... quando foi explicado à AT que, tratando-se de empresas relacionadas, , o valor dessas transacções foi relevado contabilisticamente (cfr. Als. r) e s) das pags, 20-21) e o transporte foi feito pela empresa do à data companheiro de M......... (pg 15 do projecto de relatório). No entanto, a AT, parece exigir que tudo se tenha tratado como duas empresas em causa não se conhecessem. "
A AT não poderia exigir outra coisa como se de duas empresas se tratassem, já que, juridicamente são diferentes e, em termos de obrigações fiscais e comerciais, o cumprimento dessas obrigações feita por uma não desobriga a outra de as cumprir se a isso estiver obrigado, apenas por serem "empresas que se conhecem".
Assim, os documentos de transporte teriam que ser emitidos independente de serem ou não empresas que se conheçam.
O facto de haver relações especiais entre duas empresas não as desobriga do cumprimento das normas legais em vigor para todos os contribuintes.
6- Existência dos bens na O.......... (pontos da audição prévia - 8, 38,39, 40)
O facto da AT ter constatado, conforme auto de inventariação efectuada em 28/01/2019, que os bens constantes das facturas emitidas pela U.......... à O.......... se encontravam nas instalações da O.........., não determina, por si só, que a O.......... tenha adquirido aqueles bens à U.........., pois, teria que ser provado, pela U.........., que tinha adquirido efectivamente aqueles bens, o que não o fez.
Efectivamente, tendo sido efectuada uma identificação por amostra de bens que constavam das facturas emitidas no período 2014 a 2018 pela U.........., constatou-se que bens similares se encontravam no hotel explorado pela O.......... a 28-01-2019. No entanto, tal não significa que esses bens foram vendidos à O.......... pela U.........., e muito menos que tenham sido vendidos pela U.......... à O.......... no período 2014 a 2018.
Não poderá agora a empresa alegar que já ultrapassaram 10 anos e, que por tal motivo, não pode comprovar que a U.......... adquiriu os bens que facturou à O.........., quando, em tempo oportuno, por exemplo, quando foi da inspecção ao exercício de 2008, ou quando supostamente elaborou o inventario em 2013/10/30, poderia obter os documentos a partir dos seus fornecedores.
Conforme se concluiu ao longo do presente relatório, a U.......... não provou que as mercadorias constantes das facturas emitidas à O.........., tenham sido adquiridas pela U.........., pelo que, se a U.......... não comprou também não poderia ter vendido.
De referir que cabe ao sujeito passivo provar, o que não o fez, nos termos do nº 1 do 74º da LGT, que a U.......... tinha efectivamente comprado os bens facturados à O...........
Também não cabe a AT indicar quem transmitiu aqueles bens à O.........., pois a quem incumbe provar de que foi a U.......... que vendeu à O.......... e não outra entidade, era o sujeito passivo, e não o fez, conforme se constata ao longo do presente relatório.
7- Fotocópias das facturas e meios de pagamento, documentos de transporte (pontos da audição prévia - 7, 8, 9, 12, 15,17, 18, 19, 20, 24 e 30)
Não reconhecemos o mesmo valor probatório a originais de facturas e fotocópias das mesmas. Quanto ao facto de alegadamente terem sido roubados os originais, deveria a sócia-gerente em devido tempo diligenciado junto dos seus fornecedores a obtenção de segundas vias dessas facturas.
Não foi exibido qualquer prova de que os bens tenham sido transportados pela empresa do à data companheiro da Sra. D. M........., nem nos foi indicado o nome do mencionado companheiro nem a empresa de que era sócio ou gerente, nem tão pouco as datas em que os bens foram transportados.
As mercadorias para circularem na via pública têm que estar devidamente acompanhadas pelos respectivos documentos de transporte. Não é pelo facto da empresa que tratou do transporte estar relacionada com o vendedor e comprador das mesmas que essa obrigação deixa de se aplicar.
Não compreendemos, como ao longo do procedimento inspectivo e na audição prévia não tenha sido demonstrado como foram pagos os documentos com os quais pretendia validar o inventário supostamente elaborado em 30/10/2013 e as vendas efectuadas a O.........., já que nas IES que foram apresentadas de 2006 a 2017 e a contabilidade que foi exibida aquando da inspecção ao ano de 2008, não reflecte aquisições, pagamentos ou dívidas de mais de 1 milhão de euros.
Não compreendemos, também, porque motivo a U.......... tinha na sua posse facturas em que os seus fornecedores liquidaram IVA, no valor de 216.609,80 €, e a U.........., pura e simplesmente não as contabilizou nem deduziu o IVA a que teria direito se a transacção tivesse sido realizada, ou seja, não é aceitável que uma empresa desperdice aquele montante de IVA, por esquecimento ou outro motivo qualquer.
Mesmo que tivesse havido um esquecimento momentâneo, poderia, num espaço de quatro anos, após o nascimento do direito à dedução, deduzir o IVA em causa, nos termos nº 2 artº 94º do CIVA, período que abarca o ano de 2008, em que a U.......... foi objecto de procedimento inspectivo.
De salientar ainda, que o sujeito passivo não demonstrou uma capacidade financeira para suportar um investimento de mais de um milhão de euros durante, pelo menos, 7 a 8 anos, nem que tenha contraído dívidas para com os fornecedores nem que os mesmos os tenham reclamado, por exemplo em tribunal.
Quanto ao anexo 4 da audição prévia, não nos foi exibido o original nem o mesmo vem abalar a nossa convicção, tendo em conta os fundamentos vertidos no presente relatório, de que a U.......... não adquiriu os bens que facturou a O...........
8- Regularizações efectuadas pela U.......... (pontos da audição prévia - 10,11, 21, 22, 28, 42)
Convém esclarecer que a única regularização efectuada pela U.......... diz respeito à desconsideração do IVA que havia deduzido indevidamente no período 2014 a 2018. Este IVA foi indevidamente deduzido por não ter qualquer documento de suporte, e neste caso até diz respeito a períodos posteriores ao alegado roubo de documentos que teria tido lugar no final de 2013.
Não se compreende o facto de regularizar em procedimento interno, IVA deduzido sem suporte documental e, não ter, naquele procedimento, apresentado os documentos que veio apresentar com vista a comprovar aquisições efectuadas pela U.......... em 2006, 2007 e 2008.
O facto de uma empresa ter regularizado voluntariamente, não determina por si só, que outros compradores estejam a salvo de qualquer inspecção ou correcção, já que, como é o caso em concreto, a U.......... não provou que tinha adquirido os bens que facturou à O.........., pelo que as facturas emitidas pela U.......... à O.......... tenham sido consideradas como não representativas de transacção entre as duas empresas.
Em face do que foi exposto no presente relatório, existe uma relação especial entre as duas empresas (mesma gerente e contabilista certificada), que até é assumido nesta audição prévia, pelo que, no caso em concreto a operação terá que ser analisada em conjunto e, não se trata aqui, dos bens em causa serem eternamente "fruto da árvore envenenada ", pelo facto da U.......... ter facturado à O.......... bens que não provou ter adquirido.
9- Fornecedores da U.......... (pontos da audição prévia 11 a 22 e 29)
Relativamente aos fornecedores indicados (pg 11 a 14 do projecto de relatório), não apresentou nada que viesse contrariar o que foi afirmado no presente relatório, apenas referiu que:
- São documentos com mais de 10 anos, relativamente aos quais não existe obrigação de os manter;
- Que os documentos foram roubados;
- Que o que está em causa, são as compras efectuadas pela O.......... à U..........; - Que não se pode pronunciar sobre as declarações apresentadas pelos vendedores;
- Que no caso do fornecedor C..........., a carga e descarga era feita no mesmo local;
- Junta catálogos (anexo 3) com vista a provar a aquisição dos bens transmitidos pela empresa Forma Peculiar;
- Que não se pode pronunciar sobre o anexo " O" entregue pelos fornecedores e referido no projecto
Quanto aos factos acima indicados nada prova que os bens constantes daqueles documentos foram adquiridos pela U.......... e que os mesmos estavam na sua posse em 2013/10/30, aquando da alegada inventariação. Trata-se de meros documentos de publicidade, não sendo possível estabelecer uma relação com os documentos apresentados, cópias de facturas e listagem de inventário.
De referir que a AT procurou no âmbito do dever de colaboração e a procura da verdade material, obter elementos através dos fornecedores, que pudessem provar que os bens tinham sido adquiridos pela U.........., ao contrário da empresa, que se escodou de que já tinha ultrapassado os 10 anos em que as empresas eram obrigadas a ter na sua posse os documentos emitidos.
De salientar que empresa teve pelo menos a partir do roubo a possibilidade de obter segundas vias e documentos comprovativos que tinha adquirido os bens que facturou a O..........,
10- Outros
a) O facto de não existirem diferenças significativas entre o projecto de relatório de inspecção da U.......... e O.........., deve-se a que grande parte das correcções efectuadas tiveram por base o facto de se ter concluído que a U.......... não provou de que tenha adquirido os bens constantes das facturas emitidas à O.......... (ponto 5 da audição prévia).
b) Relativamente ao ponto 23 e 43, será de referir que não nos foi apresentado qualquer evidência que não era a Sra. Dra. M......... que fazia a contabilidade da empresa. Convém salientar que a Sra. Dra. M......... foi sempre a sócia-gerente da U.......... e teria que ser ela como contabilista da empresa a assinar as declarações fiscais da mesma.
C) No ponto 27, refere que " ...o inventário real feito pela U.......... em 30/10/2013, não teve intuitos contabilísticos, mas sim uma contagem física dos bens da empresa, sendo que, entretanto, efectuaram-se as correcções contabilísticas também... “
Da análise das declarações (IES, modelo 22 do IRC, inventários declarados no portal das finanças, declarações periódicas de IVA), não encontramos qualquer evidência de que tenham sido efectuadas correcções contabilísticas, já que não nos foi apresentada a contabilidade da U...........
Será de referir que a contabilidade de 2008, exibida aquando da inspecção àquele ano, não reflecte um inventário de mais de um milhão de euros, nem compras que suportem aquele valor de inventário.
A U.......... foi notificada para apresentar a contabilidade para o período 2014 a 2018, não tendo cumprido com essa notificação. Assim, concluímos que a U.......... não dispõe de contabilidade para esse período, pelo que não será possível proceder a regularizações contabilísticas numa contabilidade que não existe. Como já referimos, a única regularização efectuada pela U.......... diz respeito à desconsideração do IVA que havia deduzido indevidamente no período 2014 a 2018. Este IVA foi indevidamente deduzido por não ter qualquer documento de suporte, e neste caso até diz respeito a períodos posteriores ao alegado roubo de documentos que teria tido lugar no final de 2013.
d) No ponto 28, refere que " ... A regularização voluntária referida na alínea n) foi feita pela U.......... atendendo à convicção criada pela AT que, fazendo-o, a inspecção à U.......... ficaria por aí, mas, feitas as correcções e paga mais uma centena de milhar de euros ao Fisco pela U.........., para surpresa de todos a AT foi inspeccionar a O.......... para receber pelas duas vias ... "
A regularização da U.......... apenas se limitou a repor o IVA que tinha deduzido indevidamente, em virtude de não ter apresentado os documentos que suportavam aquelas deduções, nem tão pouco provou que tenha adquirido qualquer mercadoria.
De referir que no e-factura de 2014 a 2018, não consta, como adquirente em qualquer factura que tenha sido emitida por outras entidades e, durante o procedimento interno à U.........., esta não apresentou o inventário supostamente elaborado em 2013/10/30, nem qualquer documento de 2006 a 2008. Então, a pergunta que se impôs, foi, como é que a U.......... vendeu bens à O.........., quando não tem aquisições nem o valor dos inventários declarados no portal das finanças comportam vendas de mais de um milhão de euros.
Em face dos elementos disponíveis (e-factura, declarações periódicas de IVA, compras de 2006 a 2018, IES, anexo "O", inventários declarados no portal das finanças, modelo 22 do IRC), a U.........., não tinha compras, inventário e estrutura empresarial adequada para efectuar aquela quantidade de vendas/prestação de serviços, pelo que que não se poderia criar uma expectativa, nem foi criada essa expectativa, de que a O.......... não fosse inspeccionada dada a quantidade de elementos que nos levava a concluir de haver indícios fundados de que as facturas emitidas pela U.......... à O.........., não titulavam transacções verdadeiras.
e) No ponto 26 — " A AT diz que não foi apresentado SAFT de nenhum dos anos, mas não especifica que se referirá à U.......... e não à O.........., e mesmo aquela apresentou o SAFT cias vendas, na certeza de que o SAFT só existe, desde 2014. "
Os ficheiros SAFT a que nos referíamos são aqueles a que se refere a Portaria 321- A/2007, de 26 de Março, com as suas actualizações. Trata-se do SAFT da contabilidade e, caso a empresa recorra a um programa informático de facturação, também do SAFT da facturação. Não nos estávamos a referir à comunicação das facturas emitidas que pode ser feita através do envio de um SAFT mensal. Esta obrigação de comunicar as facturas emitidas é que só se encontra em vigor desde 01-01-2013. Os SAFTs a que nos referíamos estão em vigor desde 01-01-2008.
f) No ponto 31 - refere que " É infundado que a AT diga que desconhece os locais onde os bens estavam armazenados quando os mesmos decorrem do auto de inventariação de 30/10/2013".
O desconhecimento, mantém-se, já que, na audição prévia nada apresentou para contrariar o que já tínhamos concluído no presente relatório.
g) Relativamente ao ponto 32, quem tem que dar explicação para a presença dos bens indicados no "Auto de Inventariação ", elaborado em 2019/01/28, era a gerente da U.......... e O.......... e não a AT, uma vez que, quem tinha por obrigação de provar a quem tinha comprado era a gerente da O.......... que, por sua vez, e porque é gerente da U.........., tinha que provar que aqueles bens tinham sido adquiridos pela U...........
Na contabilidade de 2014 a 2018 da U.......... (que não nos foi exibida), na contabilidade de 2008, que foi exibida aquando do procedimento de inspecção àquele ano, nas declarações periódicas de ÍVA, na IES, na declaração modelo 22, nos anexos " O", no e-factura, nos inventários declarados no portal das finanças, não faz transparecer que os bens facturados pela U.......... à O.......... tenham sido adquiridos pela U...........
h) É referido no ponto 33, o seguinte. " Aliás, na sequência desse auto de inventariação foi comunicado pela AT que, tendo verificado que todos os bens se encontravam no hotel, o IVA deduzido pela O.......... na compra seria aceite, no entanto, para desagradável surpresa, vemos no projecto de relatório que tal não foi cumprido "
Efectivamente foi dito o que foi referido, só que, na audição previa, ficou por dizer, com certeza por lapso, o que foi dito para além do que foi anteriormente citado, ou seja, o IVA seria considerado, desde que, fosse provado o que Sra. Da. M......... nos queria fazer crer, que era que aqueles bens tinham sido comprados pela U.........., como não foi provado, não foi aceite a dedução de IVA, pelos motivos já apontados no presente relatório.
i) Quanto ao ponto 35, os sujeitos passivos de IVA são obrigados a emitir factura o mais tardar no 5° dia útil seguinte ao da transmissão de bens ou prestação de serviços. Por outro lado, o art.° 3° do CIVA dispõe que são consideradas transmissões de bens: "c) As transferências de bens entre comitente e comissário, efectuadas em execução de um contrato de comissão definido no Código Comercial, incluindo as transferências entre consignante e consignatário de mercadorias enviadas à consignação. Na comissão de venda considera-se comprador o comissário; na comissão de compra é considerado comprador o comitente"; "d) A não devolução, no prazo de um ano a contar da data da entrega ao destinatário, das mercadorias enviadas à consignação;".
Não encontramos qualquer evidência na contabilidade e em declarações entregues pelos sujeitos passivos (U.......... e Olindina), nem nos foi facultado, qualquer documento relativamente à colocação das mercadorias à consignação pela U........... Atento estes factos não podemos concordar com a posição manifestada pelo sujeito passivo neste ponto, de que pode haver um desfasamento significativo entre a colocação dos bens no hotel e a sua facturação.
Assim, a audição prévia não veio trazer elementos concretos para podermos concluir o contrário do que já tinha sido concluído no presente relatório, pelo que mantemos o que foi escrito no mesmo.
j) Quanto ao ponto 36, será de referir qua a AT não confundiu metros quadrados com metros lineares, pois, nem na factura do O L........., nem no inventário nem nas facturas emitidas pela U.......... à O.........., indicam metros quadrados.
O que se esperava na presente audição prévia não era saber se a AT sabia distinguir metros quadrados de metros lineares, no que concerne a este ponto, mas sim comprovar o motivo porque adquiriu uma tão grande quantidade de alcatifa, 22 colchões e outros bens por nós arrolados ao longo do presente relatório, para ficarem armazenado durante 10 anos e não ter sido utilizado aquando da construção do hotel em 2011/2012.
k) Relativamente ao ponto 37, salientamos que são as próprias declarações fiscais da U.......... que desmentem que esta dispusesse de um stock superior a 1.000.000,00€, em 2008, como já foi demonstrado no projecto de relatório.
Por outro lado, ao abrigo da OI200800771 foi desenvolvida uma acção inspectiva junto da U.......... ao exercício de 2008, cuja contabilidade que foi exibida não reflecte tal realidade.
Para além disso, por não nos ter sido demonstrado o contrário, continuamos por não acreditar que no negócio em causa se compre aquela quantidade de bens, sem que tenha havido uma encomenda, um contrato celebrado, em 2006 e 2007, com um ou mais clientes, pois não é crível, que uma empresa invista naquela quantidade de bens quase um milhão de euros para ficar em armazém por um período tão longo de tempo.
l) No que concerne ao ponto 44, será de referir que a gerente de facto de ambas as empresas é a Sr. Da. M..........
m) Quanto aos anexos apresentados n° 1, 2, grande parte do 3, 5 e 6, já os tínhamos em nosso poder no direito de audição pelo que em nada vem contrariar as conclusões do presente relatório.
Quanto ao anexo 4, que agora juntou ao processo não nos foi enviado o original nem comprova por si só que a U.......... adquiriu aquela quantidade de bens à empresa O L........., no que diz respeito, ao anexo 7, trata-se de uma proposta de decoração dirigida a O.......... pela empresa Aris Arquitectos Associados, que nada tem a ver com os bens facturados pela U.......... à O...........
Em termos de conclusão, o que está verdadeiramente em causa neste processo é o seguinte: A U.......... invoca que adquiriu bens a diversos fornecedores, em 2006-2007, aquisições essas que nunca declarou nas suas declarações fiscais, nem na contabilidade. Basta que apresente cópias de facturas emitidas em nome da U.......... e folhetos de publicidade para que se admita que os bens facturados pela U.......... à O.......... foram efectivamente fornecidos por esta, mesmo quando em visita efectuada às instalações da O.......... se constatou existirem bens que poderão, eventualmente, ser identificados com alguns dos constantes das facturas emitidas pela U..........?
Das averiguações efectuadas sobre a prova que o sujeito passivo aportou, quer no decurso das acções inspectivas, quer no exercício do direito de audição, não podemos concluir que assim possa ser considerado.
Constatado que a U.......... não registou tais operações na sua contabilidade, nem as declarou à AT, verificámos que também esses fornecedores não incluíram as referidas facturas nos anexos "O" da declaração anual, no qual devem mencionar o valor das facturas emitidas aos seus clientes. E, apesar de em direito de audição vir juntar cópia de 2 guias de transporte da firma, O L........., não logrou provar como foi efectuado o pagamento de tais bens. No caso concreto deste fornecedor as transmissões por si efectuadas estravam sujeitas a IVA e, portanto, deveriam ter integrado a declaração periódica do IVA entregue. Ora, os valores declarados por este fornecedor são inferiores ao valor de cada uma das facturas.
Ao longo de todo o procedimento inspectivo, bem como no exercício do direito de audição, quer nos registos contabilísticos, quer em documentação carreada, não foi alguma vez demonstrada a existência de fluxos de pagamentos, o que é tanto mais relevante quanto estamos a faiar de valores consideravelmente elevados para a estrutura das empresas em causa. Afinal, não se percebe quem paga o quê e a quem.
Assim, as averiguações efectuadas sobre a factualidade invocada pelo contribuinte, não permitem validá-las.
Todas as constatações por nós efectuadas apontam no mesmo sentido, de que não há evidências de que a U.......... efectuou aquelas aquisições e de que as aquisições da O.......... tenham tido como fornecedora U...........
Perante os argumentos que nos foram apresentados, não encontramos qualquer razão para alterar as correcções que foram propostas no projecto de relatório, pelo que procedemos à elaboração dos documentos de correcção.

I. Na sequência da inspecção a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações de IVA e juros compensatórios que constam da reclamação graciosa n.º 3182201904004167, cujos teores se dão como reproduzidos, referentes aos períodos e com os valores que se resumem no quadro que segue:

J. A Requerente deduziu reclamação graciosa das liquidações, que foi indeferida pelo despacho, com excepção do valor de € 3.439,65, respeitante ao período 1606, relativamente ao qual houve uma regularização voluntária (documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

K. A U.......... adquiriu móveis no valor de cerca de € 600.000,00 à empresa "O L.........", no ano de 2006, em pagamento de dívida desta empresa para com aquela, no âmbito de um acordo de "encontro de contas", tendo sido a declarante M........... quem os escolheu (depoimento da testemunha R......... e declarações de parte de M...........);

L. Em 2008, a U.......... possuía produtos de decoração, peças de arte e móveis de gama alta num prédio de quatro andares na rua 15 de Novembro da cidade do Porto onde tinha um showroom (depoimentos das testemunhas D........., MD......... e I.........);

M. A U.......... começou a ter problemas em 2008, com a crise económica que diminuiu encomendas, acabando por encerrar o showroom (depoimento da testemunha MS......... e declarações de parte de M...........);

N. Na sequência do encerramento do showroom, os móveis foram levados pelo companheiro da M..........., de nome Domingos, para um armazém na zona industrial de Vila do Conde e para a sede da O.......... em Ermesinde, tendo sido feito um inventário por este e pela testemunha MS........., que foi apresentado à Inspecção tributária, como se refere na página 9 do Relatório da Inspecção Tributária);

O. Ainda na sequência do encerramento do showroom, a M........... decidiu avançar com o projecto de um hotel de luxo, utilizando móveis e artigos de decoração que eram detidos pela U.......... (declarações de parte);

P. As obras do hotel terminaram em 2012 e os móveis e artigos de decoração fora transferido para lá em 2013 (declarações de parte);

Q. Em 2019, os objectos adquiridos pela O.......... à U.......... encontravam-se no hotel de luxo "CB.........", em Ponte de Lima (inventário realizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 29-03-2019, depoimento das testemunhas G......... e declarações de parte de M...........)

R. As facturas emitidas pela U.......... à O.......... foram pagas em parte, sendo outra parte convertida em capital (declarações de parte de M........... e depoimento da testemunha G.........):

S. A Inspecção tributária concluiu que as facturas emitidas pela U.......... eram falsas e os bens encontrados na posse da Requerente não tinham sido vendidos por aquela empresa e que foram emitidas como forma de dar cobertura à posse de bens na Requerente que tinham sido adquiridos sem factura, com a finalidade de serem feitas amortizações (testemunha V.........);

T. A Autoridade Tributária e Aduaneira, durante a inspecção, elaborou o inventário junto pela Requerente, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

1. Encontrando-se a decorrer uma acção inspectiva externa ao SP desenvolvido ao abrigo das ordens de serviço 0120180431617/8/9/20 com extensão ao período 2014 a 2018. tornou-se pertinente efectuar um controlo dos bens situados nas instalações do SP em Janeiro de 2019;
2. Nesse sentido, deslocámo-nos ao “CB.........", sito na Gemleira, Ponte de Lima, a 28-01-2019, tendo verificado, por amostragem, que os bens alvo de facturação pela U.......... Lda (NIF 50……) ao SP entre 2014 e 2018 se encontravam efectivamente no Hotel.
3. Foi elaborado um “Auto de Inventário". cujas cópias foram facultadas ao SP e juntas aos processos OI201804316/7/8/9l20 e OI201804312l3/4/0I201900468/9. que se pretendiam informar.
U. Em 02-11-2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

3.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

Não se provou que as mercadorias facturadas pela U.......... à O.......... e encontradas no hotel desta em Ponde de Lima tivessem sido fornecidas por qualquer outra empresa ou entidade.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo e, nos pontos indicados, com base na prova testemunhal e por declarações de parte.

A declarante M........... é sócia-gerente da Requerente e também sócia da U...........

A testemunha G......... é contabilista certificada da Requerente. A testemunha MB......... é pai da M........... e era sócio da O...........

A testemunha D......... trabalhou na U.......... durante 12 anos.

A testemunha I......... trabalhou na U.......... entre 2006 e 2008.

Até 2008, a testemunha MD......... tinha objectos de arte (pinturas e esculturas) que produzia à venda, em regime de consignação, nas instalações da U...........

A testemunha V......... é o inspector tributário que efectuou a inspecção subjacente às liquidações impugnadas.

A declarante e as testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que relataram.»


*

2. DE DIREITO

2.1. A primeira questão que vem suscitada é a pronuncia indevida, por o Tribunal Arbitral ter excedido a competência, em razão da matéria (cfr. pontos 1 a 16 das conclusões).

A Impugnante entende que o Tribunal Arbitral ao prosseguir com o processo e proferir a decisão impugnada reclamou de uma competência igual à dos Tribunais Tributários quando não o podia fazer atenta a existência de um eventual crime fiscal, o que o impedia de pronunciar-se sobre a questão da facturação falsa por esta não visar directa e imediatamente a apreciação da legalidade da liquidação, mas antes a qualificação de um comportamento como tipificando, ou não, um comportamento ilícito.

A Impugnada sustenta a decisão impugnada referindo, e em suma, que o CAAD não extravasou, nem ficou aquém do que lhe competia, ao declarar a ilegalidade de actos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1, do RJAT), decisão para a qual é legalmente competente, pelo que deverá tal excepção improceder.

Vejamos.

As decisões proferidas pelo CAAD podem ser impugnadas junto do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) com fundamento nos vícios previstos no artigo 28.º, n.º 1 do RJAT (cfr. artigos 59.º, n.ºs 1, alínea g) e 2, da LAV 2011, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT e 181.º, n.º 1 do CPTA).

A procedência da impugnação implica a anulação da decisão arbitral e dos actos que dela dependam (cfr. artigo 27.º, n.º 1 do RJAT).

Os fundamentados da impugnação arbitral são os seguintes:

a) Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

b) Oposição dos fundamentos com a decisão;

c) Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

d) Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º.

A enumeração dos fundamentos de impugnação tem sido entendida como “taxativa” quer pela doutrina, quer pela jurisprudência (vide neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, in Guia da Arbitragem Tributária, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Almedina, 3.ª Edição, págs. 244 e segs; Acs do TCAS, de 21/05/2015, proc. n.º 08146/14, de 05/03/2015, proc. n.º 06526/13, de 05/03/2015, proc. n.º 05946/12, de 19/02/2015, disponíveis em www.dgsi.pt/).

Porém, é entendimento pacifico, no que respeita ao conceito de «pronúncia indevida» utilizado na alínea c) do n.º 1, do artigo 28.º do RJAT que não se esgota no clássico excesso de pronuncia, sendo potencialmente mais abrangente do que o conceito previsto nos artigos 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC e 125.º do CPPT.

Nas palavras de Jorge Lopes de Sousa «(…) parece que se deverão considerar como situações de «pronúncia indevida» aquelas em que o Tribunal Arbitral excedeu a sua competência ou a sua composição é irregular, para além daquelas em que decisão for proferida para além do prazo máximo aplicável, cujo decurso extingue o poder jurisdicional.» (vide ob. cit., pág. 246).

Sobre esta questão já se pronunciou o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 177/2016, publicado no Diário da República, I Série, de 85/2016, Série II, de 3 de Maio, no sentido de julgar inconstitucional a alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na interpretação normativa de que o conceito de «pronúncia indevida» não abrange a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral, por violação concomitante dos artigos 20.º e 209.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

Não encontramos razões para nos afastarmos desse entendimento.

Assim, é de considerar abrangida no conceito de «pronúncia indevida», prevista no artigo 28.º, n.º 1, alínea c), 1.ª parte, do RJAT, a situação suscitada nos presentes autos de incompetência material do Tribunal Arbitral (vide neste sentido Acs. do TCAS de 28/04/2016, processo n.º 09286/16, de 03/12/2020, processo n.º 123/19.2BCLSB e de 13/07/2023, processo n.º 31/21.7BCLSB, todos disponíveis em www.dgsi.pt/).

Posto isto, passamos a apreciar se o Tribunal Arbitral se pronunciou sobre questão que se encontra excluída do âmbito da sua competência material.

O Tribunal Arbitral conheceu da questão que lhe foi colocada consubstanciada em saber se as facturas que se reportam a vendas efectuadas pela U.......... à O.........., eram falsas, por titularem «operações simuladas» para efeitos do n.º 3, do artigo 19.º do CIVA.

A decisão impugnada anulou as liquidações de IVA e juros compensatórios relativas aos anos de 2014 a 2018, nas partes em que têm como pressupostos dedução de IVA considerada indevida relativa a facturas emitidas pela U.........., no entendimento, em suma, que a prova produzida aponta manifestamente no sentido de os bens referidos nas facturas emitidas pela U.......... terem sido efectivamente por esta vendidos à O.......... e aquela ser a sua detentora pelos menos desde 2008, correspondendo as facturas em causa a transacções realizadas.

Defende a Impugnante que não cabe no artigo 2.º do RJAT e atenta a Portaria de Vinculação, a apreciação de casos que têm a ver com um eventual esquema de facturação falsa e de fraude fiscal, crime fiscal, por o Tribunal Arbitral não deter a mesma competência que detêm os Tribunais Administrativos e Fiscais (designadamente, não podem ser realizadas pelo Tribunal Arbitral as mesmas diligências de descoberta da verdade material, com um eventual prejuízo para o Estado), para apreciação de uma liquidação quando está em causa a eventual prática de um crime fiscal.

Lembremos o que a lei determina sobre a competência dos tribunais arbitrais tributários, na parte com relevo para a decisão dos presentes autos.

O artigo 2.º, n.ºs 1, alínea a) e 2 do RJAT determina o seguinte:

«1 – A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

(…)

2 – Os tribunais arbitrais decidem de acordo com o direito constituído sendo vedado o recurso à equidade.

Por sua vez o n.º 1, do artigo 4.º do RJAT dispõe que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.»

Com a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, e como se lê no seu preâmbulo, a administração tributária vincula-se à jurisdição do CAAD, nos termos do n.º 1, do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, associando-se a este mecanismo de resolução alternativo de litígios e nos termos e condições estabelecidas, atendendo à especificidade e valor das matérias em causa (vide artigo 2.º da Portaria).

Resulta das normas acabadas de citar que os poderes de cognição dos tribunais arbitrais limitam-se à apreciação da legalidade dos actos indicados nas diversas alíneas do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT, e a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais para apreciação de todas as pretensões dos contribuintes conexas com actos de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e do pagamento por conta que tenham por objecto impostos que administre, fora dos casos excepcionados (cfr. artigos 2.º e 3.º da Portaria n.º 112-A/2011).

Como se escreveu no preâmbulo do RJAT «(…) note-se que a instituição da arbitragem não significa uma desjuridificação do processo tributário, na medida em que é vedado o recurso à equidade, devendo os árbitros julgar de acordo com o direito constituído.»

Assim, cabe na competência dos tribunais arbitrais a apreciação da legalidade de actos de liquidação de tributo, como o IVA, alicerçados na rejeição do direito à dedução do imposto por parte da aqui impugnada a coberto do n.º 3, do artigo 19.º do CIVA, como resulta da alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT.

A lei não limita, nem exclui dos poderes de cognição do tribunal arbitral a apreciação da legalidade de liquidações de tributos assente em factos também objecto de investigação criminal corporizado em processo de inquérito.

Constituindo o processo arbitral tributário um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial, nos termos do n.º 1, do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (OE 2010), tem como efeito, neste meio processual, que os poderes de cognição do tribunal arbitral sejam equivalentes aos que os tribunais tributários podem exercer no processo de impugnação judicial.

Na verdade, na apreciação da legalidade de actos de liquidação do IVA, como os dos presentes autos, o Tribunal julga se a administração fiscal demonstrou a existência da declaração formal fundamentadora do seu juízo subjectivo quanto à existência de deduções superiores às devidas e se provou a pertinência desse juízo, pela enunciação de elementos fáctico-jurídicos convincentes de indícios sérios (que traduzam uma probabilidade elevada) de que as operações referidas nas facturas cujo IVA foi deduzido são simuladas. E logrando a administração fiscal fazer prova do bem fundado da formação do seu juízo, cabe ao contribuinte provar ou não provar, em tribunal, a existência dos factos tributários que subjazem à dedução do imposto que efectuou.

É entendimento consolidado e pacífico na nossa jurisprudência que a aferição da legalidade da actuação da administração tributária está limitada pelos termos da fundamentação de facto e de direito do acto, sendo que no contencioso tributário, de mera legalidade, o tribunal só pode formular o seu juízo sobre a validade do acto à luz da fundamentação contextual integrante do próprio acto.
Ora, analisada a decisão arbitral constata-se que a mesma se moveu dentro da competência do tribunal arbitral, uma vez que se limitou à apreciação da legalidade dos actos de liquidação de IVA.

Com o devido respeito, a Impugnante confunde o objecto de dois processos distintos. Na apreciação da legalidade das liquidações apura-se se a conclusão que a AT retirou dos indícios que recolheu quanto ao emitente lhe permitem extrair que as operações em que o contribuinte esteve envolvido eram simuladas e, nesse pressuposto, que lhe seja negado o direito à dedução do imposto ao abrigo do n.º 3 do artigo 19.º do CIVA. No processo criminal apura-se a qualificação criminal desses mesmos factos.

Aliás, é inúmera a jurisprudência arbitral sobre a apreciação de liquidações de IVA, com fundamento no artigo 19.º, n.º 3 do CIVA por operações simuladas, sobre se estão ou não conforme a lei.

Conclui-se, assim, que a decisão impugnada pronunciou-se sobre litígio que não se encontra excluído do âmbito de competência dos tribunal arbitrais em matéria tributária, pelo que não há pronúncia indevida, porquanto não se verifica a incompetência material do tribunal arbitral.


*

2.2. Defende ainda a Impugnante que a decisão arbitral padece de omissão de pronuncia por não ter apreciado toda a matéria de facto que estava em causa, recolhida nas diligências inspectivas, e não conheceu da questão da facturação falsa e pressupostos de aplicação do artigo 19.º do CIVA, tendo em conta toda a argumentação e toda a prova carreada em sede inspectiva pela AT (conclusões 17 a 30 da alegação de impugnação da decisão arbitral).

A Impugnada sustenta, em síntese, que as questões suscitadas pela Impugnante para além de contraditórias nada têm a ver com o artigo 125.º do CPTT.

Vejamos.

Nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a), c) e e) do RJAT são de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário o CPPT, do CPTA e do CPC.

Nos termos do artigo 125.º, n.º 1, do CPPT constituem causas de nulidade da sentença (…), a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

O vício de nulidade por omissão de pronúncia a que alude o artigo acabado de citar, está directamente relacionado com a imposição decorrente do n.º 2, do artigo 608.º do CPC, que exige ao juiz que resolva todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Se o não fizer, então a lei fere com nulidade a sentença proferida.

É entendimento pacífico e reiterado da nossa jurisprudência que só se verifica esta nulidade quando existe a violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões que deva apreciar (cfr. neste sentido por todos Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12, disponível em www.dgsi.pt/).

Porém, não deve confundir-se as questões a decidir com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes, pois, a estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido.

Assim, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia só ocorre nos casos em que o Tribunal «pura e simplesmente não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela conhecer.

No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões porque não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela.» (Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, vol. II, ed. 2011).

Ora, tendo presente este conteúdo e âmbito do vício de nulidade da sentença por omissão de pronúncia, conclui-se, desde já, não assistir razão à Impugnante.

Recorde-se que o Tribunal Arbitral depois de fixar os factos provados nas alíneas A. a U. e os factos não provados, indicou as normas legais aplicáveis e identificou como questão objecto do processo: a de saber se as facturas eram falsas, isto é, se não se reportam a vendas efectuadas pela U.......... à O.......... e, nesta medida, titulam «operações simuladas» para efeitos do n.º 3 do artigo 19.º do CIVA.

No acórdão impugnado sobre a questão da falsidade escreveu-se o seguinte:

«A prova produzida aponta manifestamente no sentido de os bens referidos nas facturas emitidas pela U.......... terem sido efectivamente por esta vendidos à O.......... e aquela ser a sua detentora pelo menos desde 2008.

Na verdade, provou-se que a U.......... dispunha de um showroom num edifício de quatro andares sito na rua 19 de Novembro da cidade do Porto em que estavam os bens a que se referem as facturas, o que foi confirmado inclusivamente pelas testemunhas D......... e I......... que trabalharam para a U...........

Provou-se ainda que os bens facturados se encontram efectivamente no hotel da O.......... em Ponte de Lima, o que foi confirmado pela própria Autoridade Tributária e Aduaneira através de um inventário em que concluiu «que os bens alvo de facturação pela U.......... Lda (NIF 50……) ao SP entre 2014 e 2018 se encontravam efectivamente no Hotel».

Provou-se ainda que os bens a que se referem as facturas estavam incluídos num inventário de bens da U.......... datado de 2013 e estiverem guardados num armazém na zona industrial de Vila do Conde, na sequência do encerramento do showroom.

Assim, é certo que se vê pelo relatório da inspecção que a contabilidade da U.......... apresentava grandes irregularidades e omissões, a prova produzida aponta manifestamente no sentido de ela ter em seu poder as mercadorias que foram facturadas à Requerente e ter sido ela quem as vendeu à Requerente.

Por outro lado, uma vez as mercadorias se encontravam efectivamente em poder da Requerente, o que leva a concluir que ela as adquiriu a alguém, o facto de não haver qualquer vestígio de as ter adquirido a qualquer outra empresa ou entidade impõe que se conclua, com base na forte probabilidade que constitui a «certeza» necessária para uma decisão judicial, que as adquiriu à entidade que emitiu as facturas e não a qualquer outra desconhecida.

Refira-se ainda que a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira é incongruente, ao concluir que a U.......... não tinha adequada estrutura empresarial susceptível de exercer a actividade declarada e ao aceitar que «no ano de 2010 e 2011, a U.......... facturou a O.......... no valor total de 485.325,46 €, com IVA incluído, facturas essas, que justificaram parte do investimento pela O.......... para efeitos de subsídios - processo 06913 (QREN)», o que presumivelmente pressupõe uma rigoroso controle dos pressupostos de concessão de subsídios.

Por isso, é convicção dos Árbitros que a U.......... era a proprietária das mercadorias referidas nas facturas emitidas à Requerente e que estas correspondem a transacções realizadas.

Aliás, os factos atrás referidos bastariam, no mínimo, para gerar dúvidas fundadas sobre a simulação de operações invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, o que implicaria que essas dúvidas fossem processualmente valoradas a favor da Requerente, justificando a anulação das liquidações, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT.

Pelo exposto, concluiu-se que as liquidações impugnadas, ao terem como pressupostos que as facturas se reportam a operações simuladas, enfermam de vício de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto, que justifica a sua anulação nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.»

Resulta, assim, evidente da leitura do acórdão impugnado em toda a sua extensão, com especial relevo para a parte transcrita, e ao contrário do invocado pela Impugnante, que o Tribunal Arbitral não deixou de conhecer da questão da facturação falsa e de analisar os pressupostos de aplicação do artigo 19.º do CIVA, tendo em conta toda a prova produzida e levada ao probatório, da qual consta o RIT, tendo da mesma extraído a conclusão que as facturas em causa correspondem a transacções realizadas, ou seja, os os indícios apurados pela Administração Tributária não lhe permitem concluir que as operações em que a Impugnada esteve envolvida sejam simuladas.

Refere ainda a Impugnante que algumas das situações factuais constantes do RIT e que não foram analisadas implicavam a existência de uma dúvida fundada (conclusão 28 da alegação), olvidando que se escreveu no acórdão recorrido que essas dúvidas fundadas sobre a simulação de operações implicariam que fossem valoradas processualmente a favor do contribuinte, nos termos do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT.

A Impugnante não se conforma com a decisão arbitral, mas a sua pretensão reconduz-se a erro de julgamento, invocado sobre as vestes de omissão de pronuncia, por saber que o julgamento da matéria de facto e sua valoração, bem como a interpretação e aplicação do direito que foi feita no acórdão impugnado, escapa aos poderes cassatórios legalmente atribuídos a este Tribunal, como de resto a Impugnante afirma nas conclusões 14 e 26 da alegação, visto que toda a sua argumentação é de discordância com os pressupostos de facto e de direito expressos na decisão arbitral, por no seu entendimento a questão ter sido erradamente julgada e padecer de erro de valoração da prova (cfr. conclusão 19, 26, 27 e 30 da alegação),

Consequentemente, é de concluir que a alegada omissão de pronúncia sobre questões de que cumpre conhecer não se comprova nos autos.

Em face do exposto e sem necessidade de mais considerações, por o acórdão impugnado não padecer dos vícios que lhe vêm imputados, deve ser mantido na ordem jurídica, improcedendo assim totalmente a presente impugnação da decisão arbitral proferida no processo n.º 586/2020-T.


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Conclusões/Sumário:

I. É entendimento pacifico, no que respeita ao conceito de «pronúncia indevida» utilizado na alínea c) do n.º 1, do artigo 28.º do RJAT que não se esgota no clássico excesso de pronuncia, sendo potencialmente mais abrangente do que o conceito previsto nos artigos 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC e 125.º do CPPT.

II. Assim, é de considerar abrangida no conceito de «pronúncia indevida», prevista no artigo 28.º, n.º 1, alínea c), 1.ª parte, do RJAT, a situação suscitada nos presentes autos de incompetência material do Tribunal Arbitral.

III. Cabe na competência dos tribunais arbitrais a apreciação da legalidade de actos de liquidação de tributo, como o IVA, alicerçados na rejeição do direito à dedução do imposto por parte da aqui impugnada a coberto do n.º 3, do artigo 19.º do CIVA, como resulta da alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT.

IV. A lei não limita, nem exclui dos poderes de cognição do tribunal arbitral a apreciação da legalidade de liquidações de tributos assente em factos também objecto de investigação criminal corporizado em processo de inquérito.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam as juízas da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em julgar improcedente a presente impugnação e confirmar o acórdão arbitral proferido no processo n.º 586/2020-T.

Custas pela Impugnante.

Notifique.

Lisboa, 13 de Setembro de 2023.


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Após trânsito em julgado, remeta cópia do presente acórdão ao processo de inquérito n.º 215/19.8IDPRT, a correr termos no Ministério Público – Procuradoria da Comarca do Porto, DIAP – Secção de Valongo.

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Maria Cardoso - Relatora
Lurdes Toscano – 1.ª Adjunta
Ana Cristina Carvalho– 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)