Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1192/16.2BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/19/2023
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:COMPENSAÇÃO EQUITATIVA PARA A CÓPIA PRIVADA;
COMPETÊNCIA MATERIAL
Sumário:Os tribunais tributários não são materialmente competentes para conhecer os litígios emergentes das quantias pagas a título de compensação equitativa para a cópia privada, na medida em que não configuram relações jurídico-tributárias.
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO TRIBUTÁRIA COMUM DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem a S........, LDA., interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a excepção de incompetência material do tribunal para conhecer a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento da reclamação graciosa do acto de liquidação da denominada “Compensação Equitativa relativa à Cópia Privada” referente ao 4º trimestre de 2015 no valor de € 599.200,55, e em consequência absolveu a ASSOCIAÇÃO PARA A GESTÃO DA CÓPIA PRIVADA (AGECOP) da instância.


A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“1.ª A douta sentença recorrida julgou procedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal para conhecer o mérito da impugnação judicial deduzida contra o ato decisório de indeferimento expresso, proferido pela Direção da Associação para a Gestão da Cópia Privada (AGECOP), que recaiu sobre a reclamação graciosa dirigida àquela entidade e apresentada contra o ato tributário de liquidação da “Compensação Equitativa relativa à Cópia Privada” efetuada relativamente ao 4.º Trimestre de 2015, através do Aviso de Cobrança n.º 328, datado de 3 de fevereiro de 2016, emitido pela AGECOP, assim como da
formação da presunção de indeferimento tácito da mesma reclamação graciosa dirigida à Unidade dos Grandes Contribuintes e, bem assim, contra aquela liquidação;

2.ª O Tribunal a quo declarou-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer os pedidos formulados pela ora Recorrente, considerando, em síntese, que está perante uma matéria referente aos Direitos de Autor e a receita de índole privada, assim como perante as partes envolvidas no litígio (de natureza privada), que não integram a administração tributária, pelo que não existe qualquer relação jurídico-tributária passível de ser analisada por um Tribunal Tributário, confiando a competência para apreciar estas matérias à jurisdição dos tribunais comuns;

3.ª A Recorrente não se conforma com a sentença recorrida;

4.ª A sentença recorrida incorre em erro de julgamento da matéria de direito quanto à apreciação do pressuposto processual referente à competência material do Tribunal Tributário para dirimir o presente litígio;

5.ª Há uma errónea apreciação da matéria levada ao conhecimento do Tribunal a quo, porquanto a matéria controvertida nos presentes autos não é conexa com o Direito de Autor e com a aplicação do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, e as partes envolvidas não são dotadas de natureza privada, pelo que existe, de facto, uma relação jurídico-tributária nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 1.º da LGT;

6.ª Como demonstrado pela Recorrente, o objeto do presente processo é um ato de liquidação de Compensação Equitativa, visando-se no mesmo a apreciação e julgamento da constitucionalidade e legalidade de um ato de liquidação referente à Compensação Equitativa, o qual, precisamente pela sua natureza, deve ser objeto de tratamento jurídico-constitucional reservado aos impostos;

7.ª Tendo em conta a matéria debatida na petição inicial, é possível concluir que toda a defesa aduzida pela ora Recorrente nos termos da sua petição inicial centra-se em qualificar e evidenciar a natureza tributária desta Compensação Equitativa;

8.ª Efetivamente, da petição inicial resulta, pois, que todos os fundamentos invocados pela ora Recorrente têm uma componente jurídico-tributária associada, que visam questionar a conformidade com a lei tributária e com a Constituição da República Portuguesa;

9.ª O Tribunal Constitucional atribuiu à Compensação equitativa uma natureza jurídico tributária, rejeitando o argumento de que a mesma tem adjacente uma obrigação jurídico privada (cf. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 616/2003, proferido no processo nº 340/999);

10.ª Segundo a do Tribunal Constitucional, e ao contrário da posição assumida pelo Tribunal a quo, a esta compensação deve ser conferido um tratamento jurídico-constitucional reservado aos impostos, uma vez que resulta de uma imposição coativa, no exercício do imperium estatal, e não numa obrigação do foro meramente privado (também neste sentido vai a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa proferida no processo de intimação que correu termos sob o n.º 547/18.2BELRS, no qual a Recorrente figurava como autora);

11.ª A referida natureza tributária da remuneração é igualmente assumida pela doutrina administrativa, nomeadamente no Parecer n.º 76/98 da então Direção Geral das Contribuições e Impostos - Centro de Estudos Fiscais, o qual sofreria despacho de concordância por S. Exa. o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (22 de dezembro de 1998) [junto aos autos como documento n.º 5 da reclamação graciosa que constitui o documento n.º 1 junto com a petição inicial] e por alguma doutrina, nomeadamente de CARLOS LOBO, [junto como doc. n.º 3 à reclamação graciosa constante do procedimento administrativo junto aos autos];

12.ª Contrariando o entendimento do Tribunal a quo na sentença recorrida, o autor citado refere precisamente que “(…) mesmo atendendo ao facto de ser o próprio CDADC a prever a existência de uma semelhante Compensação Equitativa, a margem de liberdade à disposição do legislador é perfeitamente compatível com a consagração de um regime compensatório de natureza distinta dos Direitos de Autor, o que inequivocamente sucedeu neste caso (ainda que com os problemas aqui suscitados), em que se enveredou pela consagração de um regime de natureza jurídico-fiscal” (cf. página 11 do doc. n.º 3 junto à reclamação graciosa constante do procedimento administrativo junto aos autos, nosso sublinhado);

13.ª Acresce que, quanto à ponderação dos objetivos e finalidades da Compensação Equitativa, à data da emissão do ato de liquidação da Compensação Equitativa aqui em causa (de 3 de fevereiro de 2016), já se encontrava em vigor o artigo 5.º-A da Lei da Cópia Privada, pelo que, considerando o entendimento do próprio Tribunal a quo, tal norma atribuía uma característica típica dos tributos – o financiamento de programas de incentivo à promoção de atividades culturais e à criação cultural e artística;

14.ª O entendimento do Tribunal a quo colide, ainda, com o entendimento do Tribunal Constitucional vertido no Acórdão citado, relativamente à alocação da receita proveniente da cobrança da Compensação Equitativa, prevista no artigo 7.º da Lei da Cópia Privada, considerando que uma parte significativa das verbas da Compensação Equitativa, previstas no artigo 5.º-A e 7.º, n.º 1 da Lei n.º 62/98 de 01 de setembro, cuja alocação é exclusivamente para fins públicos, aproximam a compensação ao conceito de tributo;

15.ª Acresce que, ao contrário do entendimento propugnado pelo Tribunal a quo, a entidade impugnada (a AGECOP) não é uma entidade que atua no exercício de liquidação e cobrança da Compensação Equitativa na qualidade de ente privado;

16.ª Decorre dos poderes conferidos pelos estatutos da AGECOP um ius imperi que permite a equiparação da AGECOP a um órgão da Administração Pública, considerando que face à natureza tributária da Compensação Equitativa, e ao disposto no artigo 1.º, n.º 3, da LGT e no artigo 10.º, n.º 1, alínea c), do CPPT, outra conclusão não se extrai que não seja a que a AGECOP, enquanto entidade legalmente incumbida da liquidação e cobrança da Compensação Equitativa para a Cópia Privada – competências atribuídas pelo artigo 6.º da Lei da Cópia Privada – deve considerar-se parte integrante da administração tributária em sentido lato (a este respeito, veja-se também o acórdão n.º 616/2003 do Tribunal
Constitucional e a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito de processo de intimação que correu termos sob o n.º 547/18.2BELRS);

17.ª Em face da matéria em apreço, da natureza jurídico-tributária da Compensação Equitativa e da qualidade dos intervenientes processuais, deve concluir-se que, à luz do artigo 1.º, n.º 1 e artigo 49.º, n.º 1, al. a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), o Tribunal a quo é, então, competente para conhecer da impugnação judicial, apresentada nos termos dos artigos 99.º e seguintes do CPPT;

18.ª Considerando que a causa de pedir não versa sobre a temática relacionada com o Direito de Autor e com a aplicação do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, antes e tão só à avaliação da conformidade desta compensação com os princípios jurídico-tributários e constitucionais, nomeadamente o princípio da igualdade fiscal e capacidade contributiva, o princípio do Estado Fiscal e o princípio da proporcionalidade, deve entender-se que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra é competente, em razão da matéria, para apreciar o presente litígio;

19.ª Ao declarar-se incompetente em razão da matéria, o Tribunal a quo incorre não só em erro de julgamento, como a sua interpretação às normas da Lei da Cópia Privada e ao artigo 1.º, n.º 1 e n.º 2 da LGT à luz do caso em apreço, atenta contra o preceito constitucional previsto no artigo 212.º, n.º 3 da CRP;

20.ª Acresce que, a interpretação que o Tribunal a quo faz relativamente aos artigos 2.º e 6.º da Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, em conjugação com o artigo 1.º, n.ºs 1 e 2 da LGT em relação ao caso em apreço, não se coaduna com o princípio constitucional do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva, vertido nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, incorrendo na sua violação, o que se invoca para os devidos efeitos legais;

21.ª Efetivamente, de tudo quanto foi dito, resulta evidente que quer pela natureza da matéria em causa – manifestamente jurídico-tributária – quer pelas partes envolvidas no litígio – no caso, o caráter público de atuação da AGECOP – não subsistem dúvidas que o Tribunal a quo não poderia abster-se de conhecer o mérito da causa, já que a questão materialmente controvertida em apreço é digna da tutela jurisdicional tributária para salvaguarda os direitos da ora Recorrente.

22.ª O direito ao acesso à justiça, expresso no artigo 20.º da CRP, não pode ser limitado em virtude de exigências e pressupostos processuais desadequados e desproporcionais sob pena de ser violado o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva;

23.ª Importa, pois, concluir que a interpretação que o Tribunal a quo efetua ao disposto aos artigos 2.º e 6.º da Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, em conjugação com o artigo 1.º, n.ºs 1 e 2 da LGT, no sentido de vedar o acesso aos meios processuais tributários, por alegada falta de competência em razão da matéria, conduz à violação do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais;

24.ª Por último, não está em causa um debate sobre a interpretação jurídica de uma norma prevista na Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, alterada pela Lei n.º 49/2015, de 5 de junho, ou a causa está relacionada com a substância do Direito de Autor ou com a aplicação de disposições do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, pelo que o artigo 111.º n.º 1, alínea k), da LOSJ não deve ser interpretado à luz do caso em apreço;

25.ª Efetivamente, o artigo 111.º, n.º 1, alínea k), da LOSJ não pode ser interpretado no sentido de excluir do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal este litígio, com um pedido e uma causa de pedir centrados no debate da natureza jurídico-tributária da dita Compensação Equitativa e da discussão em torno da sua conformidade com os princípios jurídicos e constitucionais orientadores do Direito Fiscal;

26.ª Acresce que, de acordo com o artigo 5.º, n.º 1 do ETAF, “A competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente”, pelo que tendo o presente processo de impugnação judicial tido início em data anterior à entrada em vigor da Lei n.º 55/2019, de 5 de agosto (LOSJ), o Tribunal a quo não poderia alicerçar o seu entendimento sobre a sua competência num preceito legal que não se encontrava em vigor, atendendo que o momento da propositura da presente ação é anterior à entrada em vigor desta Lei;

27.ª Termos em que a sentença ora sob recurso deverá ser revogada e substituída por outra que aprecie o mérito da pretensão da ora Recorrente;

28.ª Sendo anulada a decisão recorrida, como é expectável, e considerando esse Ilustre Tribunal que dispõe dos elementos necessários para proferir decisão sobre a questão controvertida nos presentes autos, conhecendo do objeto do processo, deve conhecer-se da ilegalidade do ato tributário em apreço;

29.ª Considera a Recorrente que devem julgar-se como provados, para este efeito, os seguintes factos:
a. A Recorrente é uma sociedade de direito português, a qual prossegue, no âmbito do seu objeto social, a atividade principal de comercialização de produtos elétricos e eletrónicos, incluindo acessórios, peças, software, aplicações e outros conteúdos, bem como a prestação de serviços de instalação, reparação, suporte e manutenção;
b. Nos termos da Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, a qual regula o disposto nos termos do artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (doravante abreviadamente designado “CDADC”), a Recorrente encontra-se sujeita ao pagamento da “Compensação Equitativa relativa à Cópia Privada”;
c. Recorrente foi notificada do ato tributário consubstanciado no Aviso de Cobrança n.º 328, datado de 3 de fevereiro de 2016, referente à “Compensação Equitativa relativa à Cópia Privada” relativa ao 4.º Trimestre de 2015, no montante de € 599.200,55 (quinhentos e noventa e nove mil e duzentos euros e cinquenta e cinco cêntimos), emitido pela AGECOP (cf. doc. n.º 3 da petição inicial);
d. Em 15 de fevereiro de 2015, a Recorrente procedeu ao pagamento do referido
montante (cf. doc. n.º 4 da petição inicial);
e. Não se conformando com o aludido ato tributário, a Recorrente deduziu, em 9 de junho de 2016, reclamação graciosa dirigida ao Presidente da Direção da AGECOP;
f. Não obstante entender que a AGECOP configura a entidade competente para a
decisão da reclamação graciosa, por dever de cautela de patrocínio e somente tendo em vista acautelar a possibilidade de existência de outro entendimento quanto à competência para decidir de reclamação graciosa do ato tributário, a Recorrente também reclamou graciosamente junto do Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC);
g. Em de julho de 2016, a Recorrente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa dirigida à AGECOP, na qual esta se declarou incompetente para a sua apreciação (cf. doc. n.º 2 da petição inicial);
h. Refere-se naquela decisão que “(…) A AGECOP é uma mera associação privada que não é equiparada a nenhum serviço da Administração Pública, incluindo a Administração Tributária (…) não se tratando a AGECOP de uma entidade pública legalmente incumbida da liquidação e cobrança de tributos para efeitos das normas fiscais relativas a procedimento e processo, não pode (…) decidir sobre a legalidade das quantias compensatórias ora contestadas por V. Exas. (…)” (cf. doc. n.º 2 da petição inicial);
i. Mais se afirma na decisão em crise que “Acresce que a AGECOP não chega sequer a ser, em linguagem jurídico-tributária, o «sujeito ativo» da relação subjacente ao pagamento das quantias compensatórias (…) não é a AGECOP o titular do crédito (…) constituindo apenas uma entidade que procede à intermediação na cobrança das referidas quantias (…)” (cf. doc. n.º 2 da petição inicial);
j. Por último, invoca-se ainda na referida decisão que “(…) Tratando-se, de resto, de uma associação sem fins lucrativos – e que se limita a distribuir e afetar as quantias compensatórias como acima se referiu – não se pode considerar que a mesma tem interesse relevante ou legítimo num eventual contencioso a propósito do regime legal das referidas quantias compensatórias (…)” (cf. doc. n.º 2 da petição inicial);
k. Até à presente data, a Recorrente não foi notificada de qualquer decisão com respeito à reclamação graciosa dirigida à Unidade dos Grandes Contribuintes; e
l. Por não se conformar com a decisão da AGECOP, nem com a presunção de indeferimento tácito da UGC e, bem assim, com a manutenção da presente liquidação, a Recorrente deduziu a impugnação judicial nos presentes autos.

30.ª Quanto à competência da AGECOP para a decisão da reclamação graciosa, em face das normas de atribuição de competências vertidas, resulta do n.º 2 do artigo 3.º e do n.º 1 do artigo 6.º, ambos da Lei n.º 62/98, de 1 de setembro e do artigo 3.º, n.º 1, dos Estatutos da AGECOP que como entidade responsável pela liquidação e cobrança/administração da Compensação Equitativa, a AGECOP integra a administração tributária, enquanto uma das entidades legalmente incumbidas da liquidação e cobrança de tributos a que se refere o artigo 1.º, n.º 3, da LGT;

31.ª Deverá, por isso, entender-se que a AGECOP é a entidade competente para a decisão da reclamação graciosa na qual se discute a legalidade da Compensação Equitativa;

32.ª Todavia, caso se entenda que a conclusão supra exposta não procede, deverá considerar-se que a UGC configura o órgão administrativo competente para o efeito, devendo ser julgada ilegal a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa dirigida ao Diretor da UGC;

33.ª Os artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 62/98, de 1 de setembro (Lei da Cópia Privada), alterada pela Lei n.º 49/2015, de 5 de junho, em que se suporta a emissão do ato tributário sub judice, incorrem em violação do Direito Comunitário, designadamente da Diretiva n.º 2001/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, assim como em inconstitucionalidade por violação dos princípios da reserva à intimidade da vida privada, da liberdade de aprendizagem e da liberdade de informação, cultural e de entretenimento, previstos nos artigos 26.º, 43.º e 73.º da CRP;

34.ª Efetivamente, os artigos 2.º e 3.º daquele diploma legal não preveem, designadamente, qualquer mecanismo com vista a assegurar que a Compensação Equitativa incide apenas sobre a compra de equipamentos ou suportes cuja finalidade principal seja a cópia privada das obras protegidas, nem a regra de minimis, os quais constituem objetivos e pressupostos da referida Diretiva;

35.ª Caso assim não se entenda e estando em causa uma questão de interpretação de Direito da União Europeia que suscita dúvidas e assume relevância para a questão decidenda, deverá submeter-se a respetiva interpretação ao TJUE competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do Direito da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), sendo esse reenvio obrigatório quando o órgão jurisdicional nacional decide em última instância (cf. artigo 267.º do TFUE).
A questão a interpretar pelo TJUE é a seguinte: É compatível com a Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, uma disposição interna como as que constam dos artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, alterada pela Lei n.º 49/2015, de 5 de junho, se interpretadas no sentido de que a Compensação Equitativa incide sobre a compra de suportes e equipamentos, independentemente da finalidade principal ser a cópia privada das obras protegidas, independentemente da utilização da obra ser licenciada pelo titular de direitos ou ainda de estarem em causa prejuízos de minimis?

36.ª A Compensação Equitativa para a cópia privada é uma figura dotada de natureza jurídico tributária, devendo considerar-se que o disposto nos artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, alterada pela Lei n.º 49/2015, de 5 de junho, enferma de inconstitucionalidade por violação dos princípios constitucionais em matéria tributária, nomeadamente o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP;

37.ª Na fixação da Compensação Equitativa, enquanto tributo, deveria o legislador atender à capacidade contributiva dos sujeitos que efetivamente a suportam, quais sejam os adquirentes de equipamentos, aparelhos e suportes de reprodução, o que manifestamente não se verifica;

38.ª Sempre se impunha que, na configuração do tributo, a lei atendesse à manifestação da capacidade económica demonstrada por quem adquire os aparelhos e suportes em questão e sobre quem recai materialmente o encargo de indemnizar os titulares dos Direitos de Autor, designadamente tributando mais os equipamentos com preços mais elevados;

39.ª Contudo, da análise da tabela anexa à Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, verifica-se que a compensação em apreço consiste num valor unitário sobre os equipamentos aí elencados, aparentemente determinado em função da respetiva capacidade de armazenamento, não se atendendo sob nenhuma forma à capacidade dos adquirentes para suportar o ónus daquela compensação;

40.ª A Compensação Equitativa corresponde a um modo específico de intervenção pública no mercado autoral, cuja natureza intrínseca seria, desde logo, determinada pelo Acórdão n.º 616/2003 em que a respeito da renumeração prevista na Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro, expressamente concluiu que “a prestação em causa tem a sua origem numa imposição coativa, no exercício do imperium estatal, e não num exercício pelo particular da sua autonomia privada nem diretamente pelo particular adquirente de aparelhos ou suportes, nem sequer, coletivamente, pelos seus representantes”;

41.ª Em momento algum, o regime que cria a Compensação Equitativa tem por vocação redefinir aspetos estruturantes do regime de Direitos de Autor, procedendo antes à implementação de uma medida de internalização de custos que apenas presumivelmente ou potencialmente podem ser provocados pelo fenómeno da “Cópia Privada”, com total ausência de determinação de prejuízos efetivos e respetivos lesados;

42.ª Demonstrou-se que não se pode ter por verificados os pressupostos que permitem a qualificação do presente tributo como imposto, taxa ou contribuição, atenta a manifesta violação do princípio da igualdade fiscal resultante do artigo 13.º da CRP;

43.ª A liquidação em crise padece ainda de ilegalidade na medida em que o regime jurídico da Compensação Equitativa incorre em violação do princípio do Estado Fiscal consagrado no artigo 103.º, n.º 1, da CRP;

44.ª Tal reside no facto de a AGECOP ser uma associação de natureza privada, relativamente à qual a atribuição de semelhantes funções corresponde a um verdadeiro “empréstimo” do poder de tributar, na espectável prossecução de interesses que apenas remotamente se poderão assumir como públicos;

45.ª Efetivamente, tal facto constitui uma realidade manifestamente incompatível com a natureza administrativa do Estado Fiscal, a qual exige a atribuição a uma entidade pública de uma competência de uso exclusivo em matéria de arrecadação de receitas e consequente redistribuição;

46.ª Admitir a Compensação Equitativa nos termos atuais passa por admitir que entidades que não a Autoridade Tributária e Aduaneira exerçam um poder de recolha de receita, sob a capa de um Imposto inconstitucional, que de todo, não visa a angariação de receita pública;

47.ª O artigo 6.º da Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, alterada pela Lei n.º 49/2015, de 5 de junho, na medida em que atribui a uma entidade privada como a AGECOP poderes de gestão e cobrança de um tributo como a Compensação Equitativa, enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio do Estado Fiscal previsto no artigo 103.º, n.º 1, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais, razão pela qual se impõe a anulação do ato tributário impugnado;

48.ª A liquidação em crise padece também de ilegalidade na medida em que o regime jurídico da Compensação Equitativa encerra presunções inilidíveis, incorrendo assim em violação do princípio constitucional da capacidade contributiva, decorrente do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP;

49.ª Relativamente à “Compensação Equitativa” verifica-se que, para além da discussão quanto à sua natureza tributária, encontra-se-lhe subjacente uma dimensão essencialmente sancionatória, a qual é claramente desconforme com o regime constitucional aplicável;

50.ª A desconformidade constitucional de tal solução é particularmente exponenciada em face da natureza jurídico-tributária da “Compensação Equitativa”, na medida em que a impossibilidade de contraprova relativamente a um certo facto presumido é impossibilitada relativamente a normas fiscais, tal como decorre da jurisprudência do TC (a título de exemplo, mais recentemente, no Acórdão n.º 753/2014);

51.ª Assim, a prescrição de um encargo tributário como a Compensação Equitativa desconsidera de forma totalmente arbitrária a capacidade contributiva do sujeito passivo, ignorando assim qualquer índice de aferição de riqueza na constituição da respetiva base tributável;

52.ª Neste sentido, entende a Recorrente estar perante uma clara violação do Princípio da Igualdade, constante do artigo 13.º da CRP, o qual, no domínio fiscal, se concretiza no denominado Princípio da Capacidade Contributiva, o que se invoca para os devidos efeitos legais, razão pela qual deve anular-se o ato tributário em crise nos autos;

53.ª Na determinação das desconformidades constitucionais inerentes ao regime que criou a “Compensação Equitativa”, em face do Princípio da Igualdade, deverá ter-se igualmente em conta a respetiva exclusão de incidência das vendas efetuadas em contexto internacional, quando não exista uma primeira transação ou disponibilização em território nacional;

54.ª O regime em apreço, ao determinar uma tributação de base intrinsecamente territorial, em particular propicia uma discriminação positiva das aquisições internacionais para uso não comercial do próprio adquirente;

55.ª Para efeitos de determinação da incidência da Compensação Equitativa, verifica-se uma incontornável falha no que respeita às aquisições internacionais exclusivamente destinadas a uso não comercial do adquirente e, como tal, uma injustificada exclusão de incidência sempre que não se verifique a ocorrência de qualquer venda ou disponibilização subsequente, através da qual se despolete a respetiva incidência da Compensação Equitativa;

56.ª A atual construção do regime da “Compensação Equitativa” revela-se contrária a um imperativo básico de Não-Discriminação, degenerando numa desconformidade constitucional em face do Princípio da Igualdade, nos termos prescritos pelo artigo 13.º da CRP e ainda uma desconformidade comunitária, face ao prescrito nos termos do artigo 28.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) em matéria de Liberdade de Circulação de Mercadorias (veja-se, a este respeito, o Caso Copydan proferido pelo Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 5 de Março de 2015, Caso 463-12);

57.ª Assinala-se, igualmente o diferente tratamento que é associado às aquisições ocorridas online, relativamente às quais se deverá registar a impossibilidade de obter o pagamento da correspondente Compensação Equitativa;

58.ª O regime da Compensação Equitativa é assim incompatível com os ditames do princípio da igualdade, na vertente de igualdade de tratamento e não-discriminação, na medida em que promove a exclusão da sujeição de um conjunto de aquisições para as quais não se identificam razões preponderantes, induzindo distorções concorrenciais que manifestamente não se pretendem;

59.ª O presente regime jurídico conflitua ainda com o Princípio da Proteção da Confiança, comummente associado a um garante da estabilidade e previsibilidade, essenciais ao desenvolvimento consistente da atividade empresarial;

60.ª Existirá uma violação inadmissível da referida Proteção da Confiança sempre que se verificar a ocorrência de uma mutação na ordem jurídica com a qual os respetivos destinatários não pudessem ou devessem legitimamente contar, nomeadamente quando não foram ditadas pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, o que é, claramente, o caso da Compensação Equitativa;

61.ª A Compensação Equitativa encerra igualmente uma desconformidade constitucional em face do Princípio da Proporcionalidade, tal como expressamente enunciado no número 2 do artigo 18.º da CRP e aplicável ao exercício da atividade legislativa;

62.ª Contrariamente ao que seria exigível, a Compensação Equitativa e o respetivo regime não repousam sobre qualquer fundamento sólido e compatível com as normais exigências de proporcionalidade e, sobretudo, de proibição do excesso, incutidas à legislação fiscal;

63.ª A patente desadequação da Compensação Equitativa em face do princípio da
proporcionalidade, beneficia ainda da própria jurisprudência do TJUE, a qual reconhece, de forma expressa, que a criação de modelos de Compensação Equitativa se devia exclusivamente à ação dos Estados-Membros e não a uma imposição comunitária;

64.ª O caráter excessivo da medida fica ainda demonstrado pelo Presidente da República na Mensagem que dirigiu à Assembleia da República, aquando da promulgação do Decreto n.º 320/XII (cf. doc. n.º 6 da reclamação graciosa que constitui o doc. n.º 1 junto à petição inicial), que, alicerçando-se na Jurisprudência do TJUE no Caso “Copydan Båndkopi”, reiterou que a criação da referida Compensação Equitativa não resulta de uma imposição da Diretiva n.º 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001;

65.ª A opção do legislador nacional não oferece qualquer garantia sobre a “proporcionalidade” da medida em causa, sobretudo quando comparada com outras opções que pudessem igualmente oferecer proteção a potenciais violações de Direitos de Autor e não implicassem uma tão ampla oneração dos agentes económicos envolvidos;

66.ª Nesse sentido, não se encontram clarificados os termos de aplicação do conceito de “Compensação Equitativa”, assim como da Diretiva n.º 2001/29/CE, pelo facto da figura implementada pelo legislador nacional ter como referenciais casos em que a aquisição de determinados equipamentos, aparelhos e suportes de reprodução se encontram associados à prática da “Cópia Privada”, algo totalmente distinto do que se encontra prescrito na Diretiva;

67.ª De onde decorre que a constituição da ora Recorrente na qualidade de sujeito passivo da Compensação Equitativa corresponde a uma ilegítima intromissão pública no exercício da respetiva atividade, configurando uma “sanção imprópria” implementada por recurso à via tributária e, como tal, sem qualquer tipo de suporte legal e constitucional; e

68.ª Considerando as ilegalidades e inconstitucionalidades de que padece o ato tributário, o mesmo deverá ser anulado, assistindo à Recorrente o direito aos juros indemnizatórios, por força do artigo 43.º, n.os 1 e 2, da LGT.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e, nessa medida, emitindo-se uma nova decisão que julgue a impugnação judicial procedente nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!
Sendo o valor da ação superior a € 275.000,00, requer-se que, verificando-se os pressupostos, seja o Recorrente dispensado do pagamento da taxa de justiça remanescente, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais”.

* *
A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

“A. O presente Recurso deverá ser declarado improcedente por incompetência absoluta da jurisdição administrativa e fiscal, tal como julgado pela decisão recorrida, e por ilegitimidade da Recorrente S., devendo este Venerando Tribunal abster-se de conhecer o mérito da causa e, consequentemente, absolvendo a Ré da instância.
Caso assim V. Exa. não o entenda, o que só se admite a título de hipótese académica, e sempre sem conceder, veja-se que:

B. Por sentença de 22 de novembro de 2022, o Douto Tribunal a quo fez a sua costumada Justiça considerando que: «verifica-se a incompetência material deste Tribunal, a qual constitui exceção dilatória, por aplicação da alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, ex vi da alínea c) do artigo 2.º do CPPT. A referida exceção dilatória importa a absolvição da instância, nos termos do n.º 2 do artigo 89.º do CPTA.» (cit.)

C. A Recorrente apresentou requerimento de interposição de recurso a 2 de janeiro de 2023.

D. Tal como bem decidido a quo, os Autos comportam uma exceção de incompetência absoluta.

E. A Compensação Equitativa não tem natureza tributária, não se enquadrando no artigo 49.º do ETAF.

F. A Compensação Equitativa – entregue a particulares – autores, artistas, intérpretes e executantes, produtores de fonogramas e de videogramas e editores – não tem qualquer relação com a Administração Pública.

G. O produto resultante dessa figura não é destinado ao Estado, em nenhuma das suas vertentes… Não existe nenhum exercício de poderes públicos, pelo que toda a relação não passa de uma normatização da relação entre privados.

H. A Ação aqui esgrimida não comporta uma relação jurídico-tributária, sendo antes enquadrada na competência do Tribunal da Propriedade Intelectual nos termos do artigo 111.º da LOSJ (tribunal esse que dirime os litígios sobre direitos de autor e conexos, independentemente da entidade que os aplica ou dos entes na relação controvertida).

I. Assim, nos termos da alínea k) do n.º 1 do artigo 111.º da LOSJ, dado que (i) não existe nenhum enquadramento da matéria em apreço em nenhuma das alíneas do artigo 4.º do ETAF; (ii) não se podendo enquadrar a pretensão da impugnante, e ora Recorrente, como resultante de uma relação jurídico-tributária, motivo pelo qual a mesma também não se insere no artigo 49.º do ETAF e na alínea a), do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA deve ter lugar a absolvição da Impugnada de ambas as Instâncias, nos termos do n.º 2 do artigo 576.º do CPC.

Mesmo que assim não se conceba, o que apenas por dever de patrocínio se equaciona sem conceder, sempre se verificaria a ilegitimidade da Autora, ora Recorrente…
Veja-se,

J. Não tendo a S. suportado qualquer prestação pecuniária tributária, não poderia solicitar a sua anulação e requerer a devolução na sua esfera.

K. Repita-se, a Compensação Equitativa não tem natureza tributária, pelo que a sua entrega não corresponde a uma relação jurídico-tributária.

L. A Associação, ora Recorrida, foi constituída de acordo com o regime das Associações sem fins lucrativos, de acordo com os ditames da Lei Civil.

M. Em momento algum a legislação da cópia privada – ou qualquer outra referente à ‘Compensação Equitativa’ – se refere a substituição tributária!

N. É manifestamente FALSO e INCORRECTO o disposto pela Recorrente quando insinua que o pagamento da Compensação recaia sobre si.

O. A Associação não exigiu responsabilidade tributária à S., ou a qualquer outro primeiro adquirente ou comercializador!

P. A S. surge apenas como mera intermediária, posto que as suas funções se resumem a incluir a Compensação Equitativa no preço de venda aos adquirentes; e, entregar a Compensação Equitativa cobrada à Associação.

Q. Os únicos titulares dos interesses pessoais por relação à Compensação Equitativa são, de facto, os primeiros adquirentes dos aparelhos, na medida em que são estes os responsáveis pelo pagamento da compensação equitativa ou os titulares de direitos que a recebem (e até estes últimos dirimem os seus litígios no Tribunal da Propriedade Intelectual) e não a S..

R. Tudo termos em que não se vê como possa existir legitimidade da S. in casu, pelo que impõe-se a abstenção de se conhecer o mérito da causa e a absolvição da Associação da instância.

S. Afirma ainda a Recorrente que pretende a revogação da douta sentença recorrida e, bem assim, que seja conhecido o que apelida de «objeto do processo».

T. No entanto, incumpre e falha no seu ónus de especificar quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados – alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC – da mesma forma que incumpre e falha no seu ónus de especificar os concretos meios probatórios que (alegadamente) impunham uma decisão diferente sobre a matéria de facto.

U. Termos em que se requer a rejeição, com todos os efeitos legais, da impugnação da matéria de facto (não assumida pela Recorrente, mas implícita na sua Alegação), bem como do aditamento dos factos.

V. No entanto, caso entenda este Venerando Tribunal Central pelo conhecimento do mérito da causa, constate-se que a Associação na sua Contestação requereu a inquirição de testemunhas, por si desde logo arroladas, não tendo existido qualquer dispensa da sua inquirição.

W. Pelo que, não existe base instrutória bastante fixada que permita a esta instância formular um juízo de mérito, o que deverá dar lugar à baixa do processo à primeira instância.

X. Caso entenda este venerando Tribunal não confirmar a incompetência absoluta, nem conhecer da ilegitimidade ativa da Recorrente, requer a Associação que os presentes Autos sejam remetidos ao Tribunal a quo para a fixação da factualidade relevante, nomeadamente para a realização de diligência de inquirição das testemunhas arroladas pela Associação na sua Contestação e conhecimento da prova documental aposta no requerimento probatório, tanto mais que tais diligências nunca foram dispensadas a quo.

Y. Apesar dessa constatação, a Recorrente enumera vários factos como se estes tivessem um qualquer prendimento com o litígio em apreço.
Porém:

Z. O facto referido na alínea b) da p. 20 da Alegação da Recorrente é FALSO e IMPUGNA-SE PARA TODOS OS EFEITOS LEGAIS, aspeto tanto mais grave quando
insinua refugiar-se na letra da lei, o que não é verdade…;

AA. O facto referido na alínea d) da p. 21 da Alegação da Recorrente é FALSO e IMPUGNA-SE também PARA TODOS OS EFEITOS LEGAIS, posto que a S.
procedeu à mera entrega de valores cobrados aos seus clientes, e não (nem nunca) ao pagamento do referido montante por sua conta;

BB. O facto referido na alínea e) da p. 21 da Alegação da Recorrente é FALSO e IMPUGNA-SE PARA TODOS OS EFEITOS LEGAIS, posto que o documento remetido pela Associação à S. não só não consubstancia um ato administrativo como, muito menos, se trata, ou se qualifica, de um ato tributário (o que, digase, é absurdo para todos os efeitos), nem o doc. n.º 1 junto à p.i. se qualifica como tal, ao contrário do que alega a Recorrente;

CC. O facto referido na alínea f) da p. 21 da Alegação da Recorrente é FALSO e IMPUGNA-SE PARA TODOS OS EFEITOS LEGAIS na medida e posto que se referem ardilosamente a «ato tributário» quando tal não existe in casu, como bem sabe
a Recorrente;

DD. Por fim, o facto referido na alínea k) da p. 22 da Alegação da Recorrente em nada respeita à presente ação – sendo por isso irrelevante – posto que se refere a um documento remetido para a AT.

Quanto às restantes alegações da Recorrente, que apenas devem ser conhecidas caso não se tenha em consideração a bondade das alegações de incompetência absoluta e ilegitimidade:

EE. As exceções e limitações ao Direito de Reprodução, apenas se afiguram legítimas – ao abrigo da Diretiva 2001/29/CE – desde que com a devida compensação aos titulares.

FF. A falta da Compensação Equitativa exigiria que todo e qualquer ato de reprodução dependesse sempre da autorização do titular de direitos.

GG. A Lei da Cópia Privada está conforme com os princípios da reserva à intimidade da vida privada, uma vez que não há qualquer permissão de acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar, nem tão pouco a divulgação de informações sobre a vida privada e familiar de outrem, aspeto confirmado pelo Parecer de Direito do Prof. José J. Gomes Canotilho junto às presentes Alegações da Recorrida como doc. n.º 1.

HH. A Lei da Cópia Privada está conforme com os princípios da liberdade de aprendizagem e da liberdade de informação, cultural e de entretenimento, uma vez que não foi estabelecido qualquer impedimento ou discriminação no acesso à escola, aspeto confirmado pelo Parecer de Direito do Prof. José J. Gomes Canotilho junto às presentes Alegações da Recorrida como doc. n.º 1.

II. A Lei da Cópia Privada está conforme com o disposto na Diretiva 2001/29/CE e não se suscitam quaisquer dúvidas quanto à conformidade e compatibilidade dos artigos 2.º e 3.º da Lei da Cópia Privada, aspeto confirmado pelo Parecer de Direito do Prof. José J. Gomes Canotilho junto às presentes Alegações da Recorrida como doc. n.º 1.

JJ. A compensação equitativa não comporta uma presunção absoluta, em sentido técnico-jurídico, nem configura um imposto sancionatório, aspeto confirmado pelo Parecer de Direito do Prof. José J. Gomes Canotilho junto às presentes Alegações da Recorrida como doc. n.º 1.

KK. Resulta expressamente da Diretiva 2001/29/CE o critério do possível prejuízo, não estando consagrado qualquer prejuízo efetivo, como critério aferidor da Compensação Equitativa.

LL. Resulta também da Diretiva 2001/29/CE que não foi consagrado qualquer critério de finalidade principal do equipamento, como critério determinante.

MM. A Lei da Cópia Privada é uma lei vigente e válida, devidamente aprovada pela Assembleia da República, no seguimento da transposição da Diretiva n.º 2001/29/CE, não tendo por isso sido defraudada qualquer expectativa.

NN. O regime da Compensação Equitativa não representa uma carga coativa excessiva ou sequer um ato de ingerência desmedido.

OO. O apuramento da compensação equitativa em função da capacidade de armazenamento não viola o princípio da igualdade, por não traduzir um critério arbitrário ou discriminatório de tributação, aspeto confirmado pelo Parecer de Direito do Prof. José J. Gomes Canotilho junto às presentes Alegações da Recorrida como doc. n.º 1.

PP. A Compensação Equitativa foi objeto de tratamento jurídico-constitucional como tributo com várias características de imposto, no seguimento do já demonstrado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 616/2003, de 16 de dezembro de 2003, sendo despiciendo dissecar a sua natureza.

QQ. A compensação equitativa assenta em critérios objetivos e racionais que legitimam o tratamento diferenciado entre quem adquire os equipamentos, aptos à prática da cópia privada e quem adquire outros equipamentos, aspeto confirmado pelo Parecer de Direito do Prof. José J. Gomes Canotilho junto às presentes Alegações da Recorrida como doc. n.º 1.

RR. Não existe qualquer espécie de dupla tributação, já que a Compensação Equitativa apenas é cobrada uma vez, no momento da primeira venda ou disponibilização em território nacional, não existindo quaisquer taxas de licença, nem tão pouco qualquer tipo de duplo pagamento pelo mesmo bem adquirido.

SS. A afetação de 20% do valor total das compensações equitativas ao Fundo Cultural, exigida por Lei, consubstancia-se numa opção legítima do legislador de financiamento da política cultural mediante a contribuição modelada em termos objetivos e racionais definidos por lei, aspeto confirmado pelo Parecer de Direito do Prof. José J. Gomes Canotilho junto às presentes Alegações da Recorrida como doc. n.º 1.

TT. A natureza de tributo não impede a sua cobrança e gestão por um ente privado a que sejam atribuídos poderes públicos, e tal facto não se opõe ao princípio da legalidade fiscal, aspeto confirmado pelo Parecer de Direito do Prof. José J. Gomes Canotilho junto às presentes Alegações da Recorrida como doc. n.º 1.

Pedido
Tudo termos em que solicita a V. Exas. Que Mantenham a decisão a quo no sentido da
incompetência absoluta do Tribunal ou, caso assim não se entenda, a ilegitimidade da Autora (impugnante e recorrente) e, novamente caso assim não se entenda, que julguem o recurso totalmente improcedente com base no acima exposto, e no que demais entenderem por conveniente.”.
* *
O Exmº. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento ao ter julgado procedente a excepção dilatória de incompetência material do tribunal tributário, sendo que no demais, são questões alegadas pelas partes cujo conhecimento resultou prejudicado, pelo que a sua apreciação só ocorrerá caso assista razão à Recorrente.

Decidindo.

III- FUNDAMENTAÇÃO

Nos presentes autos a Recorrente apresentou impugnação judicial contra a “Compensação Equitativa relativa à Cópia Privada”, relativa ao 4.º trimestre de 2015, invocando tratar-se de um acto tributário que padece de ilegalidade, pedindo a sua anulação.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra decidiu que os tribunais tributários são materialmente incompetentes para a apreciação do litígio em virtude de não estarmos perante uma relação jurídico-tributária e em consequência determinou a absolvição da instância.

Contra o assim decidido vem a Recorrente reiterar a competência material do tribunal tributário para conhecer o litígio quer pela natureza da matéria em causa – manifestamente jurídico-tributária – quer pelas partes envolvidas no litígio – no caso, o caráter público de actuação da AGECOP.

Sobre a questão a decidir nos presentes autos já se pronunciou este Tribunal no Acórdão de 03/10/2023- processo nº 1631/17.5BESNT, cujo entendimento sufragamos sem qualquer restrição tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr.artigo 8.º, n.º 3, do C.Civil) e que de seguida iremos transcrever, com as necessárias adaptações:
“Sobre a questão ora em discussão, já se pronunciou o Tribunal de Conflitos, em Acórdão de 05.07.2023, prolatado no âmbito da consulta prejudicial n.º 4/22, cujo recorte fático apresenta grandes semelhanças com o dos presentes autos e que, por via disso, transcrevemos praticamente na íntegra.

Aí se decidiu:

“A..., S.A., identificada nos autos, deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra impugnação judicial contra o acto de liquidação da "Compensação Equitativa relativa à Cópia Privada" efetuada relativamente ao 2º Trimestre de 2019, emitido pela Associação para a Gestão da Cópia Privada (AGECOP), contra a decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa apresentado junto da Autoridade Tributária e Aduaneira e contra o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado à AGECOP.

A final, pede que seja:

"a) determinada a anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado à AGECOP; e,

b) determinada a anulação da liquidação consubstanciada no Aviso de Cobrança 103/2950, de 17 de julho de 2019, referente à Compensação Equitativa relativa à Cópia Privada respeitante ao 2.º Trimestre de 2019, devolvendo-se à Impugnante o montante de € 2.322.788,67 (dois milhões trezentos e vinte e dois mil setecentos e oitenta e oito euros e sessenta e sete cêntimos), acrescido dos respetivos juros indemnizatórios".

Alegou, em síntese, que é uma sociedade de direito português que prossegue, no âmbito do seu objecto social, a actividade principal de comercialização de produtos eléctricos e electrónicos, incluindo acessórios, peças, software, aplicações e outros conteúdos, bem como a prestação de serviços de instalação, reparação, suporte e manutenção e que, nos termos da Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro (Lei da Cópia Privada), a qual regula o disposto no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos ("CDADC"), a Impugnante encontra-se sujeita ao pagamento da "Compensação Equitativa relativa à Cópia Privada".

Nessa medida, "foi notificada do ato tributário consubstanciado no Aviso de Cobrança 103/2950, de 17 de julho de 2019, referente à "Compensação Equitativa relativa à Cópia Privada" relativa ao 2.º Trimestre de 2019, emitido pela AGECOP” e procedeu ao pagamento do montante de 2.322.788,67€ (dois milhões trezentos e vinte e dois mil setecentos e oitenta e oito euros e sessenta e sete cêntimos).

Não se conformando, deduziu em 27.03.2020 um pedido de revisão oficiosa dirigido ao Presidente da Direcção da AGECOP e que, por dever de patrocínio e atenta a eventualidade de existir diferente entendimento quanto à competência para decidir, a Impugnante também apresentou na mesma data um pedido de revisão oficiosa junto da Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Autoridade Tributária e Aduaneira declarou-se incompetente para a sua apreciação, concluindo pela rejeição liminar do respectivo pedido. Uma vez que não foi notificada de qualquer decisão referente ao pedido dirigido à AGECOP, a Impugnante presumiu que se formou indeferimento tácito do mesmo em 27.07.2020.

Em suma, entende a Impugnante que a compensação prevista nos artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro (Lei da Cópia Privada), com redacção dada pela Lei n.º 100/2017, de 23 de Agosto, é ilegal por violação do Direito Comunitário, designadamente da Directiva n.º. 2001/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, e por violação dos princípios constitucionais da reserva à intimidade da vida privada, da liberdade de aprendizagem e da liberdade de informação, cultural e de entretenimento, bem como do princípio do Estado Fiscal, do princípio da protecção da confiança, do princípio da proporcionalidade e do princípio da igualdade.

Considera, ainda, que a "compensação equitativa para a cópia privada" tem uma natureza jurídico-tributária. Invoca que o seu regime encerra presunções inilidíveis, incorrendo, assim, em violação do princípio da capacidade contributiva.

A Autoridade Tributária e Aduaneira e a AGECOP contestaram e, além do mais, suscitaram a excepção da incompetência do Tribunal em razão da matéria.

Por despacho da Sra. Juíza do TAF de Sintra, de 14.07.2022, foi decidido suscitar a Consulta Prejudicial deste Tribunal dos Conflitos, ao abrigo do n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro, por se haver entendido - com os fundamentos do despacho de 07.06.2022 - que a questão da jurisdição competente levantava fundadas dúvidas.

Na sequência da notificação do despacho de 07.06.2022, a Impugnante afirmou nada ter a opor a que fosse submetida a este Tribunal dos Conflitos a questão da competência material.

Por seu turno, a AGECOP defendeu a desnecessidade da Consulta e pugnou pelo conhecimento da excepção invocada no sentido da incompetência material do Tribunal.

Remetidos os autos a este Tribunal dos Conflitos, face ao pedido de Consulta nos termos do n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro, foi dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 11.º daquele diploma.

Na sequência, a Impugnante veio pronunciar-se no sentido de ser considerado competente em razão da matéria o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra por força do disposto no artigo 1.º n.º s 1 e 3 da LGT, assim como dos artigos 1.º, n.º 1 e 49.º, n.º 1, al. a) do ETAF e 212.º n.º 3 da CRP, por entender que “a causa de pedir não versa sobre a temática relacionada com o Direito de Autor e com a aplicação do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, antes e tão só à avaliação da conformidade desta compensação com os princípios jurídico-tributários e constitucionais, deve entender-se que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra é competente, em razão da matéria, para apreciar o litígio que corre termos no processo de impugnação judicial.

(…) e que "não está em causa um debate sobre a interpretação jurídica de uma norma prevista na Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, alterada pela Lei n.º 49/2015, de 5 de junho, ou a matéria em causa está relacionada com a substância do Direito de Autor ou com a aplicação de disposições do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, pelo que o artigo 111.º n.º 1, alínea k), da LOSJ não pode determinar a competência do Tribunal no caso em apreço".

Por sua vez, a AGECOP defendeu não existir necessidade de pronúncia no presente caso dado que "a competência da Jurisdição Administrativa e Fiscal para conhecer de litígios exatamente iguais aos presentes Autos mas referentes a outros períodos (...) já foi julgada 6 (seis) vezes, tendo-se sempre concluído pela competência dos Tribunais Comuns, mormente pelo Tribunal do Propriedade Intelectual", que num processo movido contra a Associação por outro Autor, no qual se discutia um tema relacionado com a não-cobrança da Compensação Equitativa, também o TAF do Porto considerou a Jurisdição Administrativa e Fiscal como incompetente e que o Tribunal da Relação de Lisboa, em sede de recurso em processo, que identifica, no qual se visava precisamente a Compensação Equitativa, confirmou expressamente a competência dos tribunais comuns. A ser emitida pronúncia, acrescenta, deverá ser no sentido de considerar como competente a jurisdição comum, mormente o Tribunal de Propriedade Intelectual, dado que "ao se pretender a anulação das Compensações Equitativas com base em violação por parte da Lei da Cópia Privada, de diretivas comunitárias e da Constituição, a causa de pedir nos presentes Autos versa sobre o regime jurídico da Cópia Privada, mais concretamente sobre um aspeto essencial desse regime que é o relacionado com a criação e regulamentação da figura da Compensação Equitativa".

(…) Vejamos.

Cabe aos tribunais judiciais a competência para julgar as causas «que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional» [artigos 211º,n.º1, da CRP, 64.ºdo CPC e 40.º, n.º 1, da Lei n.º62/2013, de 26/8 (LOSJ)], e aos tribunais administrativos e fiscais a competência para julgar as causas «emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais» (artigos 212.º, n.º 3, da CRP e 1.º, n.º 1, do ETAF).

A competência dos tribunais administrativos e fiscais é concretizada no artigo 4.ºdo ETAF (Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro), com delimitação do "âmbito da jurisdição" mediante uma enunciação positiva (n.ºs 1 e 2) e negativa (n.ºs 3 e 4).

Tem sido reafirmado por este Tribunal, e constitui entendimento jurisprudencial e doutrinário consensual, que a competência material do tribunal se afere em função do modo como o Autor configura a acção e que a mesma se fixa no momento em que a acção é proposta.

Como se viu, está em discussão nos autos a legalidade da cobrança da quantia prevista no artigo 82.º (Compensação devida pela reprodução ou gravação de obras) do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDAC), aprovado pelo DecretoLei n.º63/85, de 14 de Março, com subsequentes alterações, que dispõe: "No preço de venda ao público de todos e quaisquer aparelhos mecânicos, químicos, eléctricos, electrónicos ou outros que permitam a fixação e reprodução de obras e, bem assim, de todos e quaisquer suportes materiais das fixações e reproduções que por qualquer desses meios possam obter-se, incluir-se-á uma quantia destinada a beneficiar os autores, os artistas, intérpretes ou executantes, os editores e os produtores fonográficos e videográficos", exceptuando-se apenas o caso daqueles aparelhos e suportes serem adquiridos “por organismos de comunicação audiovisual ou produtores de fonogramas e videogramas exclusivamente para as suas próprias produções ou por organismos que os utilizem para fins exclusivos de auxílio a diminuídos físicos visuais ou auditivos”.

Aquele artigo 82.º veio a ser regulado pela Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro (alterada pela Leis n.ºs 50/2004, de 24 de Agosto, 49/2015, de 05 de Junho, pelo Decreto-Lei n.º 100/2017, de 23 de Agosto e pela Lei n.º 2/2020, de 31 de Março), que estipula no artigo 2.º: “Com vista a beneficiar os autores, os artistas intérpretes ou executantes, os editores e os produtores fonográficos e videográficos, uma quantia é incluída no preço de venda ou disponibilização: a) De todos e quaisquer aparelhos que permitam a fixação de obras; b) Dos suportes materiais virgens digitais ou analógicos, com exceção do papel, previstos no n.º 4 do artigo 3.º, bem como das fixações e reproduções que por qualquer desses meios possam obter-se", estabelecendo o artigo 3.º, sob a epígrafe "Compensação equitativa", que:

"1 - A quantia referida no artigo anterior tem a natureza de compensação equitativa, visando compensar os titulares de direitos dos danos patrimoniais sofridos com a prática da cópia privada.

2 - Sempre que a utilização seja habitual e para servir o público mediante a prática de atos de comércio, o preço de venda ao público das fotocópias de obras, eletrocópias e demais suportes inclui uma compensação equitativa correspondente a 3 /prct. do valor do preço de venda, antes da aplicação do IVA, montante que é gerido pela entidade gestora a que se refere o artigo 6.º

3 - Para os efeitos do disposto no número anterior, e em ordem a permitir a sua correta exequibilidade, devem as entidades públicas e privadas que utilizem, nas condições supramencionadas, aparelhos que permitam afixação e a reprodução de obras e prestações, celebrar acordos com a entidade gestora referida no número anterior.

4 - No preço da primeira venda ou disponibilização em território nacional e antes da aplicação do IVA em cada um dos aparelhos, dispositivos e suportes analógicos e digitais que permitem a reprodução e armazenagem de obras, é incluído um valor compensatório nos termos da tabela anexa à presente lei e da qual faz parte integrante".

Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º62/98, de 1 de Setembro "A cobrança, gestão e distribuição da compensação equitativa a que se refere o artigo 3.ºincumbem à AGECOP - Associação para a Gestão da Cópia Privada, adiante designada entidade gestora, pessoa coletiva, sem fins lucrativos, de natureza associativa, constituída por todas as entidades de gestão coletiva que em Portugal representam os autores, os artistas, intérpretes e executantes, os produtores de fonogramas, os produtores de videogramas, e os editores".

Aquela associação deve "afetar 20 /prct. do valor total das compensações equitativas percebidas para ações de incentivo à atividade cultural e à investigação e divulgação dos direitos de autor e direitos conexos" e, deduzidos os custos do seu funcionamento, em percentagem fixada consoante os casos "para os organismos representativos dos autores, para os organismos representativos dos editores, para os organismos representativos dos artistas, intérpretes ou executantes e para os organismos representativos dos produtores de fonogramas ou de videogramas” (artigo 7.º).

Previa-se, ainda, no artigo 5.º -A da mesma Lei, norma entretanto revogada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de Março, que "A partir de 2015, em cada ano civil, caso o montante da compensação equitativa cobrado pela entidade gestora a que se refere o artigo 6.ºseja superior a 15 milhões de euros, o montante superior a esse valor constitui receita própria do Fundo de Fomento Cultural e destina-se a contribuir para financiar programas de incentivo à promoção de atividades culturais e à criação cultural e artística, com prioridade ao investimento em novos talentos".

A Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação - transposta pela Lei n.º 50/2004 de 24 de Agosto, que introduziu alterações ao CDADC e à Lei n.º 62/98 -, admite que os Estados membros possam estabelecer excepções ou limitações ao direito de reprodução previsto no artigo 2.ºda Directiva "em relação às reproduções em qualquer meio efectuadas por uma pessoa singular para uso privado e sem fins comerciais directos ou indirectos, desde que os titulares dos direitos obtenham uma compensação equitativa que tome em conta a aplicação ou a não aplicação de medidas de carácter tecnológico, referidas no artigo 6.º, à obra ou outro material em causa" (artigo 5.º).

A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), a propósito da interpretação da Directiva, tem considerado que o conceito de “compensação equitativa”, na acepção do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Directiva 2001/29, é um conceito autónomo de direito da União, que deve assim ser interpretado de maneira uniforme em todos os Estados-Membros que tenham introduzido uma excepção e que decorre dos considerandos 35 e 38 da Diretiva 2001/29 que a concepção e o nível da compensação equitativa estão ligados ao prejuízo que resulta para o autor da reprodução da sua obra protegida, efectuada sem a sua autorização. Nesta perspetiva, a compensação equitativa deve ser vista como a contrapartida do prejuízo sofrido pelo autor.

Tendo em conta as dificuldades práticas para identificar os utilizadores privados e os obrigar a indemnizar os titulares do direito exclusivo de reprodução do prejuízo que lhes causam, o Tribunal admitiu ser permitido aos Estados-Membros instaurar, para efeitos do financiamento da compensação equitativa, uma «taxa por cópia privada», a cargo, não das pessoas privadas visadas, mas das que disponibilizam os equipamentos, aparelhos e suportes de reprodução digital. No quadro desse sistema, é às pessoas que dispõem desses equipamentos, aparelhos e suportes de reprodução que incumbe pagar a taxa por cópia privada e uma vez que o referido sistema permite que os devedores repercutam o montante da taxa por cópia privada no preço da disponibilização dos referidos equipamentos, aparelhos e suportes de reprodução ou no preço do serviço de reprodução prestado, o encargo da taxa é, em definitivo, suportado pelo utilizador privado que paga esse preço, e isto em conformidade com o«justo equilíbrio» a encontrar entre os interesses dos titulares do direito exclusivo de reprodução e os dos utilizadores de material protegido (cfr., entre outros, acórdãos de 21.10.2001, Padawan, C-467/08, de 16.06.2011, Stichting de Thuiskopie, C-462/09, de 11.07.2013, Amazon.com International Sales e o., C-521/11 e de 5.03.2015, Copydan Bândkopi, C-463/12).

Tal como é referido no processo, algumas normas da Lei n.º62/98 foram apreciadas pelo Tribunal Constitucional em processo de fiscalização abstracta sucessiva. No acórdão n.º 616/2003, o Tribunal Constitucional, sem tomar posição definitiva sobre a qualificação precisa da prestação pecuniária em causa, concluiu, com dois votos de vencido, "que, deva ou não ser rigorosamente caracterizada como imposto ou, antes, como receita coactiva "parafiscal", dele próxima, a "quantia" ou "remuneração" prevista na Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro, deve ser tratada, do ponto de vista jurídicoconstitucional, no quadro da norma do artigo 103º, n.º2, da Constituição da República, que determina que caberá à lei determinar a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (e isto, portanto, apenas no plano da tipicidade e da legalidade tributárias, deixando em aberto a constitucionalidade material desta figura, para além destes parâmetros).

Por conseguinte, o montante da remuneração devida - que, grosso modo, se aproxima o

conceito de "taxa" do imposto - teria de ser fixado por lei, não podendo sê-lo, como se prevê no artigo 3º, n.º 1 da Lei n.º 62/98, através de despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Cultura, ou, nos termos do n.º 2 desse mesmo artigo 3º, através de acordo entre a associação criada pelo artigo 6º da Lei n.º 62/98 e as entidades públicas ou privadas que utilizem aparelhos que permitam a fixação e a reprodução de obras e prestações" tendo decidido "declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas do artigo 3º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro, por violação do artigo 103º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa".

Em consequência foi alterada a Lei da Cópia Privada, através da Lei n.º 50/2004, de 24 de Agosto, passando o artigo 3.º a prever directamente as quantias a incluir no preço de venda ao público das compensações equitativas.

Também a doutrina se tem debruçado sobre a natureza jurídica da “compensação equitativa” com posições nem sempre coincidentes (cfr. a resenha feita em Compensação equitativa por cópia privada digital, Mariana Mourão Reis, in Revista Electrónica de Direito, Fev. 2019, pag. 24 e ss).

Todavia, para aferir a competência jurisdicional, importa saber se estamos perante uma relação jurídica fiscal porque, como se disse, cabe aos tribunais administrativos e fiscais a competência para julgar as causas "emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais".

O Supremo Tribunal Administrativo tem entendido (acórdão de 03.02.2016, proc. 0862/15) que o conceito de relação jurídica tributária "além de ter definição legal no nº 2 do art. 1º da LGT (é a relação estabelecida entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas) e de ter indicadas (no nº 2 do mesmo art.1º) as entidades da AT que podem figurar como sujeitos dessa relação, também tem o seu objecto normativamente especificado: dispõe-se no art. 30º da LGT que integram a relação jurídica tributária, o crédito e a dívida tributários; o direito a prestações acessórias de qualquer natureza e o correspondente dever ou sujeição; o direito à dedução, reembolso ou restituição do imposto; o direito a juros compensatórios; o direito a juros indemnizatórios (...) Daí que, (...) se deva considerar como consolidado o entendimento jurisprudencial no sentido de que constitui questão fiscal, aquela cuja apreciação e resolução exige a interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, inscritas no domínio da actividade tributária da administração (Além do citado ac. do STA, Plenário, de 29/1/2014, proc. nº 01771/13, cfr., igualmente, os acs. do Plenário, de 21/3/2012, proc. nº 189/11; de 27/5/2009, proc. nº 119/08; de 2/4/2009, proc. nº 987/08)".

E no acórdão de 04.12.2019, Proc. 01898/14.0BELRS, o Supremo Tribunal Administrativo afirmou que "(...) deve entender-se por "questão fiscal", aquela que, de qualquer forma, imediata ou mediata, faça apelo à interpretação e aplicação de norma de direito fiscal com atinência ao exercício da função tributária da Administração ou à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos. Sendo assim "questão fiscal" aquela que emerge de resolução autoritária que imponha o pagamento de prestações pecuniárias com vista à satisfação de encargos públicos dos respectivos entes impositivos (cfr. Casalta Nabais in, “Direito Fiscal”, 2.ª edição, pág. 366). Ou, por outras palavras, está-se perante "questão fiscal" "quando a mesma diga respeito à interpretação e aplicação de normas legais de natureza tributária, ou seja, se refira a uma resolução autoritária que negue direito a não pagamento ou que imponha o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação dos encargos públicos do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que com elas estejam objetivamente conexas ou teleologicamente subordinadas" (vide, Acórdão do TCA Norte de 25/11/2011, Proc. 02750/10.4BEPRT, in www.dgsi.pt/jtcan)".

O Tribunal dos Conflitos também considerou, citando decisões do Supremo Tribunal Administrativo, que por "questões fiscais, deve entender-se tanto as resultantes de imposições autoritárias que postulem aos contribuintes o pagamento de toda e qualquer prestação pecuniária, em ordem à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos dos respectivos entes impositores, como também das que as dispensem ou isentem, ou, numa perspectiva mais abrangente, as respeitantes à interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, com atinência ao exercício da função tributária da Administração Pública, em suma, ao regime legal dos tributos." (cfr. acórdão de 25.09.2014, Proc. 029/14, disponível em www.dgsi.pt).

Ora, o que está em discussão no presente processo não respeita a uma relação jurídica tributária mas a uma relação jurídica privada.

De facto, a AGECOP é uma pessoa colectiva, sem fins lucrativos, de natureza associativa, constituída por todas as entidades de gestão colectiva que em Portugal representam os autores, os artistas, intérpretes e executantes, os produtores de fonogramas, os produtores de videogramas, e os editores e que tem por objecto cobrar, gerir e distribuir as quantias pagas a título de “compensação equitativa".

As quantias por ela cobradas destinam-se a compensar os titulares dos direitos de autor, sujeitos privados, pelos danos sofridos com a excepção da cópia privada, e não a satisfazer encargos públicos.

Em suma, não estamos perante uma relação jurídica tributária. A matéria em causa nos presentes autos refere-se a cobrança de receitas de natureza privada e as partes em litígio são ambas de natureza privada, não integrando qualquer delas a administração tributária. Está em discussão uma relação jurídica privada que não cabe na esfera de competência dos tribunais tributários.

Por outro lado, extrai-se da leitura do requerimento inicial que a Impugnante pretende a anulação das quantias pagas a título de compensação equitativa, com fundamento em alegadas ilegalidades da Lei 62/98 que regula o disposto no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos. Daí resulta que a causa de pedir no presente processo versa questões relativas ao regime jurídico da cópia privada e, nessa medida, a sua apreciação cabe na competência dos tribunais judiciais”. (fim de citação)

Perante a jurisprudência acima transcrita, com a qual concordamos, e sem necessidade de mais considerações, julgamos improcedentes os fundamentos invocados pela Recorrente, sendo de negar provimento ao recurso mantendo a sentença recorrida.

Da condenação em custas

Nas causas de valor superior a € 275.000,00 a regra continua a ser o pagamento integral da taxa de justiça resultante da aplicação dos critérios legais, assumindo natureza excepcional a dispensa, pelo juiz, de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.

Tal dispensa – total ou parcial – só deverá ocorrer em situações de manifesto desequilíbrio entre o montante a pagar e a actividade desenvolvida pelo tribunal, o que se entende verificar.

Como tal, ponderando, a complexidade da matéria jurídica e o número de questões colocadas e, atendendo à actuação das partes e ao valor do processo, que é de € 599.200,55, justifica-se a dispensa total de pagamento do remanescente de taxa de justiça.

IV – DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça.

Lisboa, 19 de Outubro de 2023

Luisa Soares
Ana Cristina Gomes Carvalho
Jorge Alexandre Trindade Cardoso Cortês