Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:189/23.0 BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:10/19/2023
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:ERRO DE JULGAMENTO
DÉFICIT INSTRUTÓRIO
FACTOS INSTRUMENTAIS
ANULAÇÃO OFICIOSA DA SENTENÇA
Sumário:I - Constituindo, os factos em falta, factos instrumentais, que a existir constam do processo executivo, não carecem de alegação, o que significa que, quanto aos mesmos, não há ónus de alegação por parte dos requerentes, pelo que poderão ser livremente averiguados pelo juiz – cfr. artigo 5.º n.º 2 alínea a) do CPC aqui aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT e 13.º deste último diploma legal.
II - Porque tal indagação se nos afigura indispensável à boa decisão da causa, consideramos ocorrer motivo de anulação oficiosa da sentença (artigo 662.º n.º 2 alínea c) do CPC ex vi do artigo 2° e) CPPT), com a consequente baixa dos autos à 1.ª instância a fim de em cumprimento do artigo 99.º da LGT e 13.º do CPPT, sejam esclarecidos os factos referidos.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

F....... e A......., com os demais sinais nos autos, vieram nos termos do disposto no artigo 276° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), deduzir reclamação da penhora de depósito bancário de conta titulada por ambos e penhora sobre o vencimento da Reclamante determinadas no processo de execução fiscal com o n° .........40, contra ambos instaurado no Serviço de Finanças de Évora.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Beja, por decisão de 27 de julho último, julgou improcedente a reclamação.

Inconformados, os reclamantes F....... e A......., vem recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

« A) Os recorrentes não se podem conformar com douta sentença, considerando existir erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos e deficiente análise crítica das provas que lhe cumpria conhecer, e consequente, erro na aplicação das normas legais indicadas.

B) Em relação à caducidade da reclamação da penhora de depósito bancário, sobre a conta n° .........01, do ........., no valor de € 23.115,60, concretizada em 12/05/2023. (Ordem de Penhora n° .........20), importa que a recorrente foi notificada após penhora, estando a mesma datada de 24/05/2023, conforme consta da notificação junta como doc. 1 na petição inicial.

C) O prazo de apresentação da Reclamação conta-se a partir desta notificação e não da alegada notificação de 19/4/2023.

D) A penhora é um acto lesivo dos direitos do executado, sendo impugnável, pelo que está sujeita a notificação.

E) É absolutamente essencial dar a conhecer os recorrentes o destino da penhora, os bens envolvidos e a sua extensão, somente assim poderão os Recorrentes exercer os seus direitos de defesa, plasmados entre outros, no artigo 278.°, n.° 3 do CPPT

F) Considerando que, a notificação da penhora se considera efectuada no 3° dia posterior ao registo ou no 1° dia útil seguinte e tendo sido a reclamação apresentada a 31/05/2023, não se verifica a invocada excepção de caducidade da presente Reclamação que o Tribunal a quo sufragou.

G) Assim, deveria o Tribunal a quo apreciar da legalidade dos actos de penhora do saldo bancário e vencimentos, bem como, do Despacho que decidiu a suspensão e a garantia apresentada.

H) As penhoras ordenadas são ilegais, porque o recorrente F......... não tomou conhecimento da penhora bancária em 19/04/2023 através de ofício datado de 14/04/2023 (ponto L) dos factos provados), foi , isso sim, citado da execução que contra si corria, em 19/04/23, estando esta datada de 16/04/23, conforme doc. 4 junto na petição inicial.

I) Ou seja, levando em consideração a data da ordem de penhora (05/04/23), indicada na notificação após penhora, a mesma foi ordenada antes da citação da execução do Recorrente, ocorrida a 19/04/23 e antes de decorrido o prazo de dedução de oposição (cfr. doc. 4 junto na petição inicial), pelo que, tais actos são ilegais.

J) Nos termos do n.° 1 do artigo 215° do CPPT procede-se à penhora quando, findo o prazo posterior à citação, não tiver sido efectuado o pagamento ou não tiver sido prestada garantia que suspenda o processo executivo.

K) A oposição à execução pela executada ora Recorrente foi apresentada em 08/03/2023, no serviço de finanças onde corre a execução fiscal — n° 1 do artigo 207° do CPPT -, pese embora seja dirigida ao tribunal tributário, pelo que, da mesma tomou conhecimento o órgão de execução fiscal e designadamente do requerimento para suspensão do processo e prestação de garantia.

L) E tendo a oposição o efeito suspensivo da execução se prestada garantia — artigo 212° do CPPT -, então impunha-se ao órgão de execução fiscal que garantisse essa faculdade ao executado.

M) É verdade que por Despacho da Directora de Finanças de Évora, datado de 22/03/23, o pedido de prestação de garantia, hipoteca sobre imóvel, apresentado em 01/03/23 foi indeferido, cfr. doc. 2 junto no requerimento de ampliação do pedido.

N) Assim, as penhoras são ilegais porque a recorrida não poderia ordenar a penhora do saldo bancário, a 05/04/23, sem antes notificar os recorrentes para o direito de audiência prévia ao indeferimento do pedido de suspensão da execução - alínea b) do n.° 1 do artigo 60.° da LGT

O) A decisão da Directora de Finanças de Évora sobre este pedido de suspensão do processo de execução e da nova garantia data de 09/06/23, conforme doc. 1 junto com o requerimento de ampliação de pedido.

P) O acto de penhora dos saldos bancários e dos vencimentos é também ilegal, por ter sido realizado antes de apreciado o requerimento de suspensão da execução fiscal.

Q) Ora, a execução em causa deveria ter sido suspensa e mesmo que as ordens de penhora tivessem sido emitidas previamente, deveriam ter sido canceladas antes de serem concretizadas (12/05/23).

R) Os recorrentes requereram junto da AT por diversas vezes o levantamento das penhoras, depois de prestada a garantia, sem obterem qualquer resposta, sendo o primeiro destes requerimentos datado de 26/04/23, conforme comprova o doc. 8 junto na petição inicial, o que não foi objecto de apreciação na decisão ora posta em crise.

S) Com a devida vénia, o Tribunal a quo fez uma errada valoração da prova, uma vez que a penhora só foi concretizada pelo ......... no dia 12/05/23, e não em 13/04/23, como resulta da data do movimento de conta, que consta da 2§ pág. do doc. 1 junto com a petição inicial.

T) Atendendo ao teor da Reclamação e às questões que nela são suscitadas, verificamos que alguma da factualidade transcrita na sentença recorrida se encontra provada, sem o necessário suporte documental.

U) Na perspetiva dos Recorrentes que os factos levados ao probatório, como seja o descrito nos pontos J) e K) , não poderiam ser dados como provados, porque dependem apenas das alegações da Recorrida e não de qualquer prova documental junta aos autos, nomeadamente não foi junta a ordem de penhora de 10/04/2023, n.° .........20, de outros valores e rendimentos pertencentes ao executado F........., remetida ao Banco ........., SA ou a resposta do Banco ........., SA de 13/04/2023, informando ter penhorado ativos, em concreto na conta bancária n° .........01, no valor de 23.135,15 €.

V) Como tal, em observância ao disposto no art. 342° do CC, os pontos J), K) devem ser eliminados da matéria dada como assente.

W) De igual modo, o facto vertido como assente no ponto L), não recolhe prova suficiente que o sustente, sendo que, deverá ser eliminado, sendo substituído por outro com o seguinte teor:

- O Executado F......... foi citado da execução que contra si corria a 19/04/23, estando esta datada de 16/04/23, conforme doc. 4 junto na petição inicial.

X) Da mesma forma, o ponto S) da matéria de facto provada, não tem sustentação do ponto de vista da prova produzida quanto à remessa do ofício ao IFAP com indicação de suspensão da ordem de penhora de vencimentos e salários n°.........49, através de ofício datado de 22/05/2023, pelo que, deve ser eliminado.

Y) Quanto ao ponto T) da matéria de facto assente, só tem sustentação no alegado no art. 14° da contestação, porquanto não foi produzida qualquer prova quanto ao aí alegado, nomeadamente que foram ordenadas outras penhoras em nome de ambos os executados, designadamente sendo concretizada a penhora em depósito no montante de 10,46 € por parte da sociedade V........., SA.

Z) Se verificarmos o conteúdo do doc. 2, informação sobre aplicação do crédito, em lado nenhum consta a penhora de depósito no montante de 10,46 € por parte da sociedade V........., SA. e a ordem de penhora aí identificada é a n° .........01, sendo esse valor depositado a 11/05/2023, pelo que, tal facto deve ser eliminado da matéria de facto provada.

AA) A recorrida não remeteu por via eletrónica o processo executivo que deveria ter acompanhado a presente reclamação nos termos do n° 5 do art.° 278° do CPPT, conforme refere a sentença posta em crise.

BB) O Tribunal a quo não determinou o cumprimento da obrigação de juntar o processo executivo à recorrida invocando a suficiência dos elementos probatórios apresentados pelos Reclamantes e a natureza urgente e premente que o processo apresenta.

CC) Caso considerasse insuficiente a prova junta, nos termos do art.° 13° do CPPT e n.° 1 do art.° 99.° da LGT, cabe ao Tribunal um dever alargado de realização das diligências instrutórias necessárias e úteis para o apuramento da verdade, nestas se incluindo a requisição de prova documental necessária.

DD) Os recorrentes não se conformam com o decidido quanto ao requerimento de ampliação do pedido, admitido pelo Tribunal a quo, nos termos do n° 2 do art.° 265° do CPC.

EE) O Tribunal a quo considerou assistir razão à Fazenda Pública já que tratando-se de incidente do processo de execução fiscal, nos termos a que alude o art. 276° do CPPT, impunha-se que fosse apresentado originariamente junto do órgão de execução fiscal a fim de que primeiramente quanto ao mesmo se pronunciasse, em conformidade com o n° 2 do art. 277° do CPPT

FF) Todavia, a ampliação do pedido foi requerida e admitida por se afigurar ao Tribunal fundamento e conveniência processual, ao abrigo do disposto no n° 2 do art. 265° do CPC, aplicável por força do disposto no art. 2°, a. e) do CPPT, conforem consta da douta sentença, mas não resulta deste despacho qualquer admissão de apreciação condicional, ao contrário do vertido na decisão.

GG) Refere a sentença ora recorrida, que o que conduziu ao presente litígio foi a perceção dos Reclamantes de que se encontravam submetidos a uma garantia em montante muito além do valor da quantia exequenda, e acrescidos, que se mostra efetiva até ao momento em que concretizem essa redução da caução prestada.

HH) Os efeitos da penhora não se resumem à redução da caução prestada, porquanto as penhoras ordenadas na pendência da reclamação graciosa e da oposição à execução, com garantia prestada, são ilegais por vício de violação de lei, o que tem como consequência a sua anulação.

II) Logo, o despacho notificado não pode fazer depender a suspensão do processo de execução, da afetação como garantia dos montantes dos saldos bancários penhorados, tendo em conta o depósito caução prestado e o seu valor.

JJ) Na prática, a recorrida pretende valer-se da penhora do saldo bancário, como garantia para suspender o processo de execução, sendo que, em relação à garantia prestada pelos executados, pretende utilizar parte (€ 6.034,47), como se o depósito caução fosse divisível, o que não é permitido face às condições de movimentação previstas na clausula 3° do contrato de deposito caução celebrado com o ......... e junto como doc. 7 no requerimento inicial.

KK) Tal Despacho deveria ser anulado como consequência da anulação das penhoras, devendo a suspensão do processo verificar-se pelo efeito da garantia de depósito caução prestado e caso de ser necessário o reforço da garantia, deveria a recorrida notificar para o efeito os recorrentes.

LL) Devendo a AT ser condenada a devolver aos executados os valores penhorados, nomeadamente os saldos bancários.

MM) O tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos e deficiente análise crítica das provas que lhe cumpria conhecer, e consequente, erro na aplicação do disposto nos artigos 52.° n.° 1 e 2, art. 60° da LGT e nos artigos 169.° e 199.° n.° 1, 2 e 6, 212° e 277° do CPPT e 342° do CC.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser anulada a sentença recorrida e a reclamação judicial ser julgada procedente, pois só assim se fará a costumada, e no caso concreto, muito reclamada Justiça”



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A recorrida (FP), devidamente notificada para o efeito, veio apresentar contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

« A) O recurso apresentado pelos recorrentes foi deduzido contra a sentença proferida em 27/07/2023, que julgou integralmente improcedente a Reclamação de Atos do Órgão de Execução Fiscal e determinou a manutenção do ato reclamado;

B) A aludida Douta Sentença proferida pelo tribunal a quo não violou qualquer preceito legal, sendo certa e pertinente, na argumentação e fundamentação, bem como nas considerações em que se baseia, quer quanto à matéria de facto quer de direito;

C) A reclamação que deu origem à douta sentença, ora recorrida, foi perfeitamente delimitado no seu objeto e causas de pedir pelos autores ora recorrentes, cuja petição inicial apenas diz respeito, exclusivamente, a 2 penhoras concretizadas pela AT.

D) É ineficaz a tentativa dos recorrentes de pretenderem ampliar o objeto da presente ação por falta de base legal;

E) A enunciação de factos pelos recorrentes, que servem de base às alegações de recurso, padecem de evidentes irregularidades, falta de rigor e imprecisões, que subvertem os factos e o direito plasmados na Douta Sentença e nos autos.

Pelo que,

Estamos perante um recurso errático, deficiente e obscuro, que deve ser julgado IMPROCEDENTE, mantendo-se na ordem jurídica a Douta Sentença, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!.»


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O Exmo. Sr. Procurador-geral Adjunto junto deste Tribunal, pronuncia-se pela procedência do recurso por considerar não haver justificação para a manutenção da penhora, logo que prestada a caução, por exceder os objetivos da mesma (penhora).

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Com dispensa dos vistos, atento o carácter urgente dos presentes autos, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção de Execução Fiscal e recursos contraordenacionais do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, para decisão.

II – QUESTÕES A APRECIAR

Importa, nesta sede referir que, independentemente das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões do recorrente nas alegações de recurso que se determina o âmbito de intervenção do tribunal (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho).

Assim e constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Termos em que, atentas as conclusões das alegações do recurso interposto, a questão que importa aqui decidir, consiste em aferir se a sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração e deficiente análise crítica das provas que lhe cumpria conhecer, e consequente, erro na aplicação do direito, nomeadamente dos artigos 52.° n.° 1 e 2, art. 60° da LGT e nos artigos 169.° e 199.° n.° 1, 2 e 6, 212° e 277° do CPPT e 342° do CC.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) O processo de execução fiscal n° .........40 foi instaurado em 28/01/2023 no Serviço de finanças de Évora - cfr. documentos juntos com a petição inicial;

B) O referido processo foi instaurado contra os aqui Reclamantes, os quais detêm domicílio fiscal em Avenida Heróis do Ultramar, ……., Garcia Resende Poente, em Évora - cfr. documentos juntos com a petição inicial;

C) A quantia exequenda no citado processo respeita a dívida de IRS relativa ao ano de 2018 no montante de 23.426,47 € - cfr. documentos juntos com a petição inicial;

D) Inconformados com a liquidação relativa ao IRS de 2018 os aqui Reclamantes apresentaram, em 05/01/2023, contra a mesma Reclamação Graciosa que foi registada no Serviço de Finanças de Évora com o n° .........04 - cfr. documentos juntos com a petição inicial;

E) A indicada reclamação mantinha-se sem decisão à data da instauração do presente processo - cfr. documentos juntos com a petição inicial;

F) Em 01/03/2023, os aí executados apresentaram pedido de suspensão da execução fiscal com prestação de garantia - cfr. documentos juntos com a petição inicial;

G) O pedido foi indeferido por despacho, de 22/03/2023, da Senhora Diretora de Finanças de Évora - cfr. documentos juntos com a petição inicial;

H) Os executados tomaram conhecimento deste despacho - cfr. documentos juntos com a petição inicial;

I) Em 08/03/2023, a executada A......... havia apresentado oposição à execução fiscal, que foi remetida a este TAF em 24/03/2023 - cfr. documentos juntos com a petição inicial;

J) Em 10/04/2023, foi emitida a ordem de penhora n.° .........20, de outros valores e rendimentos pertencentes ao executado F........., remetida ao Banco ........., SA - cfr. documentos juntos com a petição inicial;

K) O Banco ........., SA respondeu à penhora, em 13/04/2023, informando ter penhorado ativos, em concreto na conta bancária n° .........01, no valor de 23.135,15 € - cfr. documentos juntos com a petição inicial;

L) O executado F......... tomou conhecimento quanto a esta penhora, em 19/04/2023, através de ofício datado de 14/04/2023 – cfr. documentos juntos com a petição inicial;

M) Em 05/04/2023 havia sido emitida a ordem de penhora n°.........49, de vencimentos e salários auferidos pela executada A........., remetida ao Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas - IFAP, IP - cfr. documentos juntos com a petição inicial;

N) A executada tomou conhecimento quanto à concretização desta penhora, através de ofício datado de 24/05/2023 - cfr. documentos juntos com a petição inicial;

O) Em 17/04/2023, através de e-mail remetido ao Serviço de Finanças de Évora os executados prestaram garantia sob a forma de caução, através de depósito em dinheiro, no valor de 28.655,40 €, constituído no Banco ........., para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal citado em A), anexando contrato de depósito caução e guia de depósito caução, datados de 13/04/2023 - cfr. documentos juntos com a petição inicial;

P) Em 08/05/2023, considerando que o Banco ........., SA não concretizara o depósito da quantia penhorada, foi o mesmo notificado para que procedesse ao depósito do valor de 23.135,15 € - cfr. documentos juntos com a petição inicial;

Q) Em consequência da notificação antes referida, o Banco ........., SA fez, em 12/05/2023, o depósito do valor de 23.115,60 €, correspondente ao valor que penhorou em 13/04/2023 - cfr. documentos juntos com a petição inicial;

R) Foi remetido ofício ao IFAP com indicação de suspensão da ordem de penhora de vencimentos e salários n°.........49, através de ofício datado de 22/05/2023 - cfr. documentos juntos com a petição inicial;

S) Não obstante, o IFAP efetivou a ordem de penhora de vencimentos e salários, em 05/04/2023, informando o processo de execução fiscal ter efetuado a penhora do vencimento, procedendo ao depósito do valor de 402,42 € - cfr. documentos juntos com a petição inicial;

T) No âmbito do mesmo processo de execução fiscal n° .........34 foram, ainda, ordenadas outras penhoras em nome de ambos os executados, designadamente sendo concretizada a penhora cm depósito no montante de 10,46 € por parte da sociedade V........., SA - cfr. documentos juntos com a petição inicial;

U) Em 07/06/2023, foi proferido despacho concordante com a proposta constante do parecer do Chefe de Divisão da Justiça Tributária, que recaiu sobre a informação prestada na sequência do requerimento apresentado pelos executados em 17/04/2023, nos seguintes termos: "Atento o informado e tendo presente que, conforme melhor descrito na informação prestada, a concretização das penhoras de saldos de conta bancária ocorreu em momento prévio à apresentação, pelos executados, do depósito caução, para efeitos de garantia e consequente suspensão do PEF n.° .........40, sou de parecer que, conforme proposto:
a) Seja aceite a pretensão dos executados quanto à suspensão do PEF n.° .........40 nos termos dos artigos 169.° e 199.°, ambos do CPPT, sendo aceite como garantia os depósitos/penhores efetuados/constituídos no montante de € 23.271,82 no âmbito do mesmo PEF, bem como, o "Deposito Caução" constituído junto no Banco ........., SA., todavia limitado ao montante de € 6.034,47;
b) Sejam notificados os executados da presente informação, com a indicação de que, não obstante, o "Depósito Caução" ter sido constituído pelo montante de € 28.665,40 o montante necessário para efeitos de suspensão do processo executivo supra identificado é de € 6.034,47 atendendo aos depósitos/penhores existentes no processo;
c) Em face da suspensão do PEF, sejam levantadas as penhoras a que correspondem os pedidos com os n.°s .........20, ..........51, ..........09,..........49 e, ..........67 e, por consequência;
d) Se proceda à devolução dos montantes de € 402,42 e € 10,46 referentes às penhoras a que correspondem os pedidos com os n.°s.........49 e ..........59." - ;

V) A suspensão do processo de execução fiscal, nos termos definidos no mencionado despacho, foi concretizada - cfr. documentos juntos com a petição inicial;


W) Inconformados com as penhoras efetivamente concretizadas vieram os executados apresentar reclamação das mesmas em 31/05/2023 - cfr. documentos juntos com a petição inicial;


X) Em 20/06/2023 os Reclamantes apresentaram reclamação do despacho referido em U) diretamente para este TAF - cfr. documentos juntos com a petição inicial.

Com interesse para a decisão a proferir nada mais se provou de relevante.

Motivação

A convicção do tribunal assenta no conjunto da prova documental junta aos autos pelos Reclamantes. De tal acervo probatório não coube impugnação e inexistem indícios que coloquem em causa a sua genuinidade.

Cabe registar que contrariamente ao prescrito pelo art. 278°, n° 5 do CPPT não foi remetido o processo executivo em referência, na forma integral e nos próprios autos a acompanhar a presente reclamação. O que se impunha fosse concretizado e só não se determinou atenta a suficiência dos elementos probatórios apresentados pelos Reclamantes e a natureza urgente e premente que o processo apresenta.»


»«

De Direito

Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou improcedente a reclamação.

Dissente do assim decidido os recorrentes vêm, tal como deixamos enunciado na delimitação do objeto do recurso, arguir à sentença erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração e deficiente análise crítica das provas que lhe cumpria conhecer, e bem assim, erro na aplicação do direito.

Referem, quanto ao erro de julgamento, que “… alguma da factualidade transcrita na sentença recorrida se encontra provada, sem o necessário suporte documental.” – concl. T)

Em face do que, requerem, as seguintes alterações ao probatório:

Consideram, por observância ao disposto no artigo 342° do CC, que os pontos J), K) devem ser eliminados da matéria dada como assente porque, na sua perspetiva, esses não poderiam ser dados como provados, por dependerem apenas de alegações da recorrida e não de qualquer prova documental junta aos autos, nomeadamente, a ordem de penhora de 10/04/2023, n.° .........20, de outros valores e rendimentos pertencentes ao executado F........., remetida ao Banco ........., SA ou a resposta do Banco ........., SA de 13/04/2023. – concl. u) e V)

O mesmo vem aludido relativamente ao facto vertido como assente no ponto L), por falta de prova suficiente que o sustente, sendo que, em seu entender, deverá o mesmo, também, ser eliminado, sendo substituído por outro com o seguinte teor:

“- O Executado F......... foi citado da execução que contra si corria a 19/04/23, estando esta datada de 16/04/23, conforme doc. 4 junto na petição inicial.” - concl. W)

De igual modo, referem os recorrentes, que o ponto S) da matéria de facto provada, também não tem sustentação do ponto de vista da prova produzida quanto à remessa do ofício ao IFAP com indicação de suspensão da ordem de penhora de vencimentos e salários n°.........49, através de ofício datado de 22/05/2023, e, por conseguinte, deve também ser eliminado. – concl. X)

Pedem ainda a eliminação do ponto T) da matéria de facto assente, atentando a que este “só tem sustentação no alegado no art. 14° da contestação, porquanto não foi produzida qualquer prova quanto ao aí alegado,” sendo que, acrescenta, em lado nenhum consta a penhora de depósito no montante de 10,46 € por parte da sociedade V........., SA. e a ordem de penhora aí identificada é a n° .........01, sendo esse valor depositado a 11/05/2023. – concls. Y) e Z)

Vejamos, então.

Como sabemos, a decisão da matéria de facto pode ser impugnada, em sede de recurso, pelo recorrente, nos casos em que os elementos fornecidos no processo conduzam, ou sejam suscetíveis de conduzir, a uma decisão diversa insuscetível de ser destruída por qualquer outra prova(1).

A doutrina tem entendido que o que está aqui em causa não é o exercício de um poder discricionário por parte do juiz, mas a atribuição legal de um poder-dever que se impõe com vista ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio(2).

Neste sentido, incube ao juiz do processo, a missão de indagar de todas as questões diligenciando por obter prova documental sobre os factos atinentes e, mesmo tratando-se de factos que resultem da instrução da causa (factos instrumentais) nada impede que o Tribunal indague sobre eles, faculdade que era admitida no processo civil já antes da reforma de 1995/1996(3).

Sendo certo, porém, que relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que considera relevante para a decisão, tendo em conta a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo autor conforme decorre dos artigos n.ºs 596.º, nº.1 e 607.º, nºs. 2 a 4, do CPC e consignar aquela que considera provada e/ou não provada - cfr. artigo n.º 123.º nº 2 do CPPT.

De salientar que, se este dever é relevante no domínio do processo tributário, por maioria de razão o será quando esteja em causa o princípio da dignidade da pessoa humana, constitucionalmente consagrado em matéria de penhora de prestações que garantam a subsistência das pessoas, como é o caso da penhora de vencimentos(4).

Ora, na situação em apreço, os requerentes vêm imputar à decisão recorrida uma inação relativamente a uma averiguação que em seu, entender o tribunal não concretizou, inação esta que se materializa na falta de indicação concreta do suporte factual da materialidade dada por provada.

Com efeito se atentarmos ao probatório da sentença recorrida constatamos que relativamente a todos os factos o decisor se queda com a expressão “-cfr. documentos juntos com a petição inicial.”, sendo certo que conforme referem os impetrantes, nem sempre assim é, de facto os factos cuja eliminação veem demandar não tem nos autos qualquer suporte fático.

Por outro lado, damos conta de que a eliminação desses mesmos (pelo menos de parte) deixa ou é suscetível de deixar a sentença numa situação de déficit instrutório.

A acrescer ainda que dos autos consta a constituição de várias garantias de pagamento da divida exequenda, nomeadamente: penhora de ativos; penhora de vencimentos; garantia sob a forma de caução; penhora de parte de seguros de vida e outras cujo número e montante vem indicadas nas alíneas c) e d) do despacho a que se refere o ponto U) da Matéria de Facto da sentença recorrida, sem a indicação concreta da correspondente prova documental e da realidade a que se reportam e, bem assim, nalguns casos sem que essa prova documental conste dos autos.

Dito isto, imperativo se torna concluir no sentido de que a decisão sob recurso está inquinada de erro de julgamento, por um deficit instrutório.

Constituindo, os factos em falta, factos instrumentais, que a existir consta do processo executivo, consequentemente não carecem de alegação, o que significa que, quanto aos mesmos, não há ónus de alegação por parte dos requerentes, pelo que poderão ser livremente averiguados pelo juiz – cfr. artigo 5.º n.º 2 alínea a) do CPC aqui aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT e 13.º deste último diploma legal.

Neste ponto acolhemos o que, quanto a questão de natureza idêntica se deixou dito no acórdão deste TCA Sul proferido em 20/04/2004 no processo n.º 01062/13 e que é o seguinte:

“Afigura-se-nos, pois, que o Juiz do Tribunal recorrido poderá e deverá indagar de todas as questões factuais diligenciando por obter e fixar toda a prova documental sobre os factos atinentes, pois, mesmo que se considerem como factos instrumentais, nada impede que o Tribunal indague sobre eles, faculdade que era admitida no processo civil já antes da reforma de 1995/1996 (Cfr. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual, págs. 412 a 417.). Por outro lado, no art. 264.°, n.° 3, do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 180/96, de 25 de Setembro, e passamos a citar JORGE LOPES DE SOUSA, «ocorreu uma extensão dos poderes de cognição do tribunal em termos de este poder considerar na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária seja sido facultado o exercício do contraditório. Não se trata aqui de factos de conhecimento oficioso, pois o seu conhecimento pelo tribunal depende de uma actuação das partes, o que demonstra que, mesmo no domínio do processo civil as obrigações de alegação impostas às partes e os poderes de requerer a realização de diligências probatórias relativas aos factos alegados não é incompatível com a possibilidade de o tribunal atender a factos não alegados. De qualquer modo, parece que esta última ampliação dos poderes de cognição dos tribunais no domínio do processo civil, não poderá deixar de ser aplicada no domínio do processo judicial tributário, uma vez que os interesses públicos que neste estão em causa justificam, por maioria de razão, poderes de cognição ampliados» (Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, nota 5 ao art. 13.°, págs. 119/120.). Deverá, pois, o Tribunal Tributário de 1a Instância, indagar a ocorrência dos factos indicados e levá-los ao probatório que se impõe que seja elaborado por forma a contemplar todas aquelas questões.” – Fim de citação

Assim, e conforme também vem arguido pelos requerentes nas conclusões de recurso AA) a CC) cabia ao Tribunal um dever alargado de realização das diligências instrutórias necessárias e úteis para o apuramento da verdade, nestas se incluindo a requisição de prova documental necessária á sustentação da materialidade dada por provada, designadamente pedido a remessa do PEFF ao TAF de Beja.

Termos em que, importa obter junto do PEF (n.º .........40) onde foi praticado o ato reclamado (ato esse que, diga-se, o decisório também não salienta), a identificação da constituição de todas as garantias de pagamento da divida exequenda, com a indicação da respetiva base factual e, bem assim, de quaisquer elementos que ali se encontrem e se verifique que possam contribuir para a melhor compreensão do ato em conflito e percurso que seguido na decisão que como base nos mesmos vier a ser tomada.

Porque tal indagação se nos afigura indispensável à boa decisão da causa, consideramos ocorrer motivo de anulação oficiosa da sentença (artigo 662.º n.º 2 alínea c) do CPC ex vi do artigo 2° e) CPPT), impondo-se concluir que, o processo terá que baixar à 1.ª instância a fim de em cumprimento do artigo 99.º da LGT e 13.º do CPPT no sentido de obter elementos de esclarecer os factos referidos.


III - Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Subsecção de Execução fiscal e Recursos Contraordenacionais do Contencioso Tributário do TCA Sul em anular a sentença proferida, procedendo-se em conformidade com as diligências de instrução que se reputem úteis e necessárias para os fins acima precisados.

Sem custas

Registe e notifique

Lisboa, 19 de outubro de 2023


Hélia Gameiro Silva – Relatora
Isabel Vaz Fernandes– 1.ª Adjunta
Catarina Almeida e Sousa – 2.º Adjunta
(com assinatura digital)


(1)Vide António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa in CPC Anotado Vol. I, em anotação ao artigo 662.º - pag.795
(2)Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, pág. 208
(3)Cfr. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual, págs. 412 a 417.
Vide no mesmo sentido o AC do TCAS proferido no processo n.º 01121/06 em 09/05/2006 consultável na internet na pag. da DGSI
(4)Neste sentido vide o artigo 59.º n.º 1 da CRP e Ac. do Tribunal Constitucional de nº 96/2004, de 11.02.2004.