Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:282/22.7 BEFUN
Secção:CA
Data do Acordão:10/26/2023
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:(NÃO)EXCLUSÃO
ART. 72º, Nº 3 DO CCP/2017
MEMÓRIA DESCRITIVA E JUSTIFICATIVA;
Sumário:I - A memória descritiva e justificativa a que se refere o PC (alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º), para além da referência genérica ao plano de trabalhos da empreitada, não tem estabelecido ou pré-definido quaisquer características, dados ou informações que da mesma devam constar, pelo que os concorrentes tinham uma larga margem de liberdade de conformação do seu conteúdo, forma e extensão.
II - Por outro lado, a censura e a correlativa sanção devem ser evidentes no programa do procedimento, o que in casu não ocorre, porquanto a norma respectiva do PC é dúbia quanto aos critérios de exclusão.
III - Sempre seria desproporcionada a decisão de exclusão da proposta da contra-interessada, nos termos do art. 70º, nº 2, alínea b) do CCP, atenta a margem de liberdade de conteúdo da memória descritiva deixada pelo PC aos concorrentes.
IV - Não tendo tal documento influência no conteúdo fundamental da proposta do concorrente, não pode ser qualificado como essencial ou substancial, designadamente no que se refere aos aspectos que a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule, o que permite o convite ao seu suprimento nos termos do art. 72º, nº 3 do CCP.
Votação:C/ DECLARAÇÃO DE VOTO
Indicações Eventuais:Subsecção de CONTRATOS PÚBLICOS
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

I… UNIPESSOAL, LDA. (Autora), intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal (TAF do Funchal) contra a SECRETARIA REGIONAL DO TURISMO E CULTURA (Entidade Demandada) ao abrigo dos artigos 100.º e segs. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a acção de contencioso pré-contratual, peticionando, a final, o seguinte: “(…) deve a presente acção ser considerada procedente e em consequência:
a) Ser anulado, por ilegal, o acto de adjudicação da empreitada à T... – Técnicos de Construção, S.A., melhor identificado nos artigos 19.º e 20.º desta P.I;
b) Ser a Entidade Demandada condenada a reelaborar o relatório final com a exclusão da contrainteressada T... – Técnicos de Construção, S.A., e,
c) A adjudicar a empreitada à proposta da I... Unipessoal, LDA., por ser a melhor proposta.
Indicou como contra-interessadas T... – TÉCNICOS DE CONSTRUÇÃO, S.A e as demais que constam da petição inicial.
Foi proferida sentença em 14.03.2023, pelo TAF do Funchal julgando a acção totalmente improcedente, absolvendo a Entidade Demandada dos pedidos.

Inconformada, a Autora, ora Recorrente, interpôs recurso da sentença, terminando as suas Alegações de recurso com a formulação das conclusões que, de seguida, se transcrevem:

“A) Em procedimento de concurso público para a celebração de um contrato de empreita de obras públicas, a proposta é constituída obrigatoriamente por um plano de trabalhos, tal como definido no artigo 361.º, quando o caderno de encargos seja integrado por um projeto de execução;
B) Um documento integrante da proposta que não contenha atributos, em procedimento cujo único critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais vantajosa, através da modalidade monofator, densificado apenas pelo fator preço, constitui um documento relativo à perfeição da proposta;
C) O Programa do Concurso (PC) ao exigir que a proposta seja constituída por um plano de trabalhos, composto por um plano de mão-de-obra, plano de equipamentos, e ainda uma memória descritiva e justificativa, exige documentos relativos à perfeição da proposta, que contêm aspectos que a integram, que lhe são substanciais;
D) A cominação no Programa do Concurso da exclusão da proposta caso a mesma não venha acompanhada de todos ou de alguns dos documentos exigíveis, ou ainda quando o documento se apresente incompleto, em relação a documentos conforme os referidos em B) e C), impede que a Entidade Pública convide a concorrente a suprir a sua falta após o termo do prazo para a apresentação da proposta, com recurso ao disposto no n.º 3 do artigo 72.º do CCP;
E) Pois não está em causa o suprimento de uma formalidade não essencial;
F) Por outro lado, tendo-se auto vinculado, no Programa do Concurso, com norma que prevê, expressamente, a exclusão da proposta, conforme referido em D), a Entidade Pública ao convidar o concorrente a apresentar esse documento após conhecer os concorrentes e o valor das propostas, viola o princípio da concorrência e da igualdade de tratamento;
G) O documento memória descritiva e justificativa do plano de trabalhos não visa comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta;
H) O documento memória descritiva e justificativa do plano de trabalhos que deva integrar a proposta contém condições técnicas que a Entidade Contratante quer que o empreiteiro se vincule;
I) Sendo todos os concorrentes obrigados a apresentar esse documento, as suas propostas apenas são comparáveis, se o mesmo for por todos apresentado, pois só pode haver comparabilidade das propostas quanto ao preço se estivermos perante planos de trabalho comparáveis, porque assentes em regras de execução claras a que os concorrentes se vincularam perante a entidade adjudicante;
J) As insuficiências ou deficiências dos planos de trabalho apresentados com as propostas neste tipo de concursos não podem ser reconduzidos a situações de meras irregularidades posteriormente supríveis (cfr. STA de 14-07-2022, proc. 02515/21.8BEPRT).
*
A Entidade Demandada, ora Recorrida, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
I - A A. da ação e aqui recorrente não alegou, na fase administrativa de formação do contrato e, sobretudo, na presente fase judicial, e por isso também não provou, qualquer facto concreto e objetivo que sustente ou tenda a demonstrar qualquer uma das suas conclusões de recurso, máxime as indicadas nas alíneas A) a E), H) e J), relativas ao alegado caráter essencial e substancial do documento memória descritiva e justificativa, e F) e I) em que a recorrente defende que se verificou a violação dos princípios da concorrência e igualdade de tratamento por parte da Entidade Pública por efeito do convite ao suprimento da irregularidade;
II - Compulsados os factos dados como provados na douta sentença recorrida (que não mereceu censura nesta vertente), não encontramos nenhum que corrobore as alegações da recorrente a propósito das questões e matérias em apreço, pelo que ficou inelutavelmente comprometida a posição da mesma na presente ação, motivo pelo qual nada há a censurar na douta sentença ao julgar improcedente os pedidos formulados na ação e, consequentemente, também a própria ação;
III - Analisada a prova produzida, não se pode deixar de concluir que, o documento «plano de trabalhos» tout court, entregue pela concorrente T..., cumpria na íntegra o que havia sido exigido no âmbito do procedimento, seja por referência às disposições do CCP, designadamente o artigo 361.º, seja por força do Programa do Concurso (PC), mormente na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º;
IV - O documento em si (plano de trabalhos) entregue pela concorrente T... no âmbito da sua proposta, corresponde ao «definido no artigo 361.º do CCP (fixação da sequência e dos prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos previstas e especificação dos meios com que se propõe executar - plano de mão-de-obra e plano de equipamentos», tal como exigido na citada alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do PC;
V - A memória descritiva e justificativa a que se refere o PC (alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º), para além da referência genérica ao plano de trabalhos da empreitada, não tem estabelecido ou pré-definido quaisquer características, dados ou informações que da mesma devam constar, pelo que os concorrentes tinham uma larga margem de liberdade de conformação do seu conteúdo, forma e extensão, sendo certo que das características e conteúdo que efetivamente tivesse aquando da sua entrega no âmbito do procedimento, não resultavam quaisquer efeitos ao nível da apreciação da respetiva proposta, pois não contém termos ou condições, muito menos atributos, relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos;
VI - Assim, não tendo tal documento influência no conteúdo fundamental da proposta do concorrente, não pode ser qualificado como essencial ou substancial, designadamente no que se refere aos aspetos que a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule, pelo que a falta de tal documento pôde ser, e por isso foi suprida ao abrigo do regime previsto para o efeito no CCP, mais especificamente no n.º 3 do artigo 72.º, versão do DL n.º 111-B/2017, de 31/08;
VII - O n.º 3 do art.º 72.º do CCP é uma norma imperativa que se constitui como um poder-dever, pelo que, mostrando-se verificados, como de facto se verificaram, os respetivos pressupostos, o júri não tinha outra solução que não fosse determinar a sua ação no sentido indicado pela norma em apreço, sob pena de, não o fazendo, cometer ilegalidade, para além de correr o risco de violar os princípios conformadores da contração pública consagrados no CCP, designadamente no n.º 1 do artigo 1.º-A., especialmente os da concorrência, da proporcionalidade e da prossecução do interesse público;
VIII - Assim, também por esta via se demonstra que nada há a censurar na douta decisão (sentença) contra a qual a A., aqui recorrente, se insurge, porquanto, através da mesma, no caso concreto dos autos, aplicou-se o direito aos factos, reforçou-se o valor jurídico das normas e dos princípios aplicáveis e, assim, fez-se a justiça que o caso reclama;
IX - A entidade adjudicante, aqui demandada e recorrida, ao convidar a concorrente T... a suprir a irregularidade da proposta nos termos e condições em que o fez (n.º 3 do artigo 72.º do CCP), sufragou, densificou e aplicou o princípio da concorrência que, no seu conteúdo essencial, reclama que a aplicação das normas e das regras da contratação pública se faça, sempre que possível, no sentido favorável à participação nos procedimentos pré-contratuais do maior número possível de interessados, evitando, também sempre que possível, exclusões por motivos meramente formais;
X - Com tal atitude, a entidade adjudicante também cumpriu e fez cumprir os princípios da proporcionalidade e da prossecução do interesse público, consagrados no CCP, designadamente no n.º 1 do artigo 1.º-A., porquanto, ao conferir a possibilidade de suprimento de uma irregularidade não essencial e, só depois, em caso de incumprimento, excluir a proposta, adotou um comportamento que terá de ser considerado adequado, necessário e proporcional à irregularidade cometida, e, simultaneamente, favorável ao interesse público de tentar manter em concurso aquela que, mais tarde, veio a revelar-se ser a melhor proposta, sem que do convite e efetivo suprimento tenha resultado qualquer prejuízo para os restantes concorrentes;
XI - O que está verdadeiramente em causa no presente pleito, não é saber se a falta do documento memória descritiva e justificativa deve conduzir à exclusão da proposta do concorrente faltoso (o que inequivocamente terá uma resposta afirmativa), mas, pelo contrário, importa saber se, antes da eventual exclusão, deve-se ou não recorrer-se ao disposto no n.º 3 do artigo 72.º do CCP e promover o suprimento da irregularidade, caso se entenda que estão preenchidos os respetivos pressupostos;
XII - A resposta à questão formulada terá de ser afirmativa, ou seja, porque se trata de formalidade não essencial, antes da eventual exclusão, deve-se promover o suprimento da irregularidade, posição esta que a entidade adjudicante, aqui demandada e recorrida, adotou no procedimento;
XIII – As decisões da aqui demandada encontra guarida na doutrina e na jurisprudência administrativa mais recente dos nossos tribunais superiores e do Tribunal de Contas, e por isso também foi sufragada na douta sentença sob recurso que, assim, não merece qualquer censura e deve ser mantida”.
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Neste Tribunal Central Administrativo, o DMMP, notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, não se pronunciou.

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Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência para decisão.
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I.1 DA DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO/ DAS QUESTÕES A DECIDIR

Na fase de recurso o que importa é apreciar se a sentença proferida deve ser mantida, alterada ou revogada, circunscrevendo-se as questões a apreciar em sede de recurso, à luz das disposições conjugadas dos artigos 144.º n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 639.º n.º 1 e 635.º do Código de Processo Civil (CPC), pelas conclusões do recorrente jurisdicional que definem o objecto e delimitam o âmbito do presente recurso (sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso) e simultaneamente balizadas pelas questões que haviam já sido submetidas ao Tribunal a quo.

As questões a decidir neste recurso residem em aferir se a sentença recorrida errou no julgamento de Direito.


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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 DE FACTO
Na sentença recorrida foi fixada a seguinte factualidade não impugnada, que se reproduz:

1) Em 02.08.2022, foi publicado o Anúncio n.º 9833/2022 no Diário da República, Parte L, II Série, n.º 148, com a abertura de procedimento de concurso público para a celebração do contrato de empreitada de obra pública, designado “Empreitada: Recuperação da Fortaleza de São Tiago - Museu de Arqueologia da Madeira”, com a referência n.º EOP-1-2022-SRTC-DRC (cf. fls. 152 do SITAF);

2) O concurso público tinha por finalidade a celebração do contrato de empreitada de obras públicas, para execução da empreitada designada por "Recuperação da Fortaleza de São Tiago - Museu de Arqueologia da Madeira", classificada como “Imóvel de Interesse Público”, na Zona Velha da cidade do Funchal, zona também classificada como “Conjunto Arquitetónico de Valor Regional” (cf. fls. 152 do SITAF);

3) Sendo o valor do preço base do procedimento de € 715.000,00 (cf. fls. 152 do SITAF);

4) O programa do concurso estabelece o seguinte (por excertos):
“(…)
Artigo 8.º
Documentos da proposta
1 - A proposta deve ser constituída pelos seguintes documentos obrigatoriamente redigidos em língua portuguesa:
a) Declaração elaborada em conformidade com o modelo constante do ANEXO I-M ao presente programa, do qual faz parte integrante, que consiste na adaptação à RAM do modelo Anexo I ao CCP, a que se refere a alínea a) do n.º 1 do seu artigo 57.º conforme o artigo 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 34/2008/M, de 14 de agosto, na sua redação atual;
b) Documento que contenha o preço total global da execução da empreitada, em algarismos e por extenso, sem IVA (Imposto Valor Acrescentado), expresso em euros com apenas 2 (duas) casas decimais, sendo que tal valor deve corresponder ao somatório de todos os preços unitários de todas as espécies de trabalho;
c) Documento que contenha lista dos preços unitários de todas as espécies de trabalho previstas no Mapa de Quantidades de Trabalhos (MQT) associado ao projeto de execução, incluindo os erros e omissões aceites pela entidade adjudicante, sem IVA, em lista que deve ser preenchida seguindo a matriz constante da plataforma eletrónica acinGov;
d) Plano de trabalhos, tal como definido no artigo 361.º do CCP (fixação da sequência e dos prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos previstas e especificação dos meios com que se propõe executar - plano de mão-de-obra e plano de equipamentos, bem como memória descritiva e justificativa do plano de trabalhos da empreitada);
e) Cronograma financeiro contendo um resumo dos valores globais correspondentes à periodicidade definida para os pagamentos, subdividido pelas componentes da execução de trabalhos a que correspondam diferentes fórmulas de revisão de preços;
f) Preços parciais dos trabalhos que se propõe executar correspondentes às habilitações contidas no respetivo alvará de construção ou no certificado de empreiteiro de obras públicas, ou na declaração emitida pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I.P., tal como referido no n.º 4 do artigo 60.º do CCP;
g) Quando aplicável, os preços parciais dos trabalhos que cada um dos membros do agrupamento de concorrentes se propõe executar, nos termos do disposto na alínea anterior;
h) A indicação e identificação do Diretor de Obra, acompanhada de declaração assinada por este no sentido da sua assunção das funções de Diretor de Obra;
(…)
5 - Sem prejuízo das disposições legais e ou regulamentares aplicáveis e atinentes aos motivos de exclusão da proposta, a não entrega do documento/indicação completo previstos nas alíneas c), d), e), f), g) e h) do n.º 1 do presente artigo, constitui motivo de exclusão da proposta, nos termos conjugados da alínea n) do n.º 2 do artigo 146.º e do n.º 4 do artigo 132.º do CCP.
(…)
Artigo 13.º
Critério de adjudicação
1 - A adjudicação é feita de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa, através da modalidade monofator, em que o critério de adjudicação é densificado apenas pelo fator preço, que corresponde ao único aspeto da execução do contrato a celebrar que é considerado para o efeito.
(…)”
(cf. fls. 159 do SITAF);

5) Consta do caderno de encargos, além do mais, o seguinte:
“(…)
Cláusula 3.º
Interpretação dos documentos que regem a empreitada
1 - No caso de existirem divergências entre os vários documentos referidos nas alíneas b) a g) do n.º 2 da cláusula anterior, prevalecem os documentos pela ordem em que são aí indicados.
2 -Em caso de divergência entre o caderno de encargos e o projeto de execução, prevalece o primeiro quanto à definição das condições jurídicas e técnicas de execução da empreitada e o segundo em tudo o que respeita à definição da própria obra.
3 - No caso de divergência entre as várias peças do projeto de execução:
a) As peças desenhadas prevalecem sobre todas as outras quanto à localização, às características dimensionais da obra e à disposição relativa das suas diferentes partes;
b) As folhas de medições discriminadas e referenciadas e os respetivos mapas resumo de quantidades de trabalhos prevalecem sobre quaisquer outros no que se refere à natureza e quantidade dos trabalhos, sem prejuízo do disposto no artigo 50.ºdo CCP, e sem prejuízo da remissão direta que estes elementos fizerem para outras peças;
c) Em tudo o mais prevalece o que constar da memória descritiva e das restantes peças do projeto de execução.
4 - Em caso de divergência entre os documentos referidos nas alíneas b) a g) do n.º 2 da cláusula anterior e o clausulado contratual, prevalecem os primeiros, salvo quanto aos ajustamentos propostos de acordo com o disposto no artigo 99.º do CCP e aceites pelo adjudicatário nos termos do disposto no artigo 101.º desse mesmo Código.
(…)
Cláusula 5."
Projeto de execução
O projeto de execução e outros documentos especiais a considerar para a realização da empreitada são os patenteados no Procedimento.
CAPÍTULO II
OBRIGAÇÕES DO EMPREITEIRO
SECÇÃO I
Preparação e planeamento dos trabalhos
Cláusula 6.º
Preparação e planeamento da execução da obra
1 - O empreiteiro é responsável:
a) Perante o dono da obra, pela preparação, planeamento e coordenação de todos os trabalhos da empreitada, ainda que em caso de subcontratação, bem como pela preparação, planeamento e execução dos trabalhos necessários à aplicação, em geral, das normas sobre estaleiros, das normas sobre segurança, higiene e saúde no trabalho vigentes e, em particular, das medidas consignadas no plano de segurança e saúde e no plano de prevenção e gestão de resíduos de construção e demolição que acompanham o Projeto de execução;
b) Perante as entidades fiscalizadoras, pela preparação, planeamento e coordenação dos trabalhos necessários à aplicação das medidas sobre segurança, higiene e saúde no trabalho em vigor, bem como pela aplicação do documento indicado na alínea i) do n.º 4 da presente cláusula.
2 - Cabe ao empreiteiro a disponibilização e o fornecimento de todos os meios necessários para a realização da obra e dos trabalhos preparatórios ou acessórios, incluindo, nomeadamente, os materiais e os meios humanos, técnicos e equipamentos.
3 - O empreiteiro realiza todos os trabalhos que, por natureza, por exigência legal ou segundo o uso corrente, sejam considerados como preparatórios ou acessórios à execução da obra, designadamente: a) Todos os trabalhos de montagem, construção, manutenção, desmontagem e demolição do estaleiro e de todas as estruturas necessárias para a execução dos trabalhos e da contratação, incluindo montagem e desmontagem de andaimes para seu uso exclusivo, em conformidade com a legislação aplicável;
b) Todos os trabalhos necessários para garantir a segurança de todas as pessoas que trabalhem na obra ou que circulem no respectivo local, incluindo o pessoal dos subempreiteiros e terceiros em geral, para evitar danos nos prédios vizinhos e para satisfazer os regulamentos de segurança, higiene e saúde no trabalho, de polícia das vias pública e quaisquer outras exigências pedidas pela fiscalização ou dono de obra;
(…)
Cláusula 7.º
Plano de trabalhos ajustado e plano de pagamentos
I - O plano de trabalhos destina-se, com respeito pelo prazo de execução da obra, à fixação da sequência e dos prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos previstas e à especificação dos meios com que o empreiteiro se propõe executá-los.
2 - No prazo máximo de 6 (seis) dias a contar da datada notificação pelo dono da obra do plano final de consignação que densifica e concretiza o plano inicialmente apresentado para efeitos de elaboração da proposta, deve o empreiteiro, quando tal se revele necessário, apresentar, nos termos e para os efeitos do artigo 361.º do CCP, o plano de trabalhos ajustado e o respetivo plano de pagamentos, observando na sua elaboração a metodologia fixada no presente caderno de encargos e na proposta adjudicada.
3 - O plano de trabalhos ajustado não pode implicar a alteração do preço contratual, nem a alteração do prazo de execução da obra nem ainda alterações aos prazos parciais definidos no plano de trabalhos constante do contrato, para além do que seja estritamente necessário à adaptação do plano de trabalhos ao plano final de consignação.
4 - O plano de trabalhos ajustado deve, nomeadamente:
a) Definir com precisão os momentos de início e de conclusão da empreitada, bem como a sequência, o escalonamento no tempo, o intervalo e o ritmo de execução das diversas espécies de trabalho, distinguindo as fases que porventura se considerem vinculativas e a unidade de tempo que serve de base à programação;
b) Indicar as quantidades e a qualificação profissional da mão-de-obra necessária, em cada unidade de tempo, à execução da empreitada;
c) Indicar as quantidades e a natureza do equipamento necessário, em cada unidade de tempo à execução da empreitada;
d) Especificar quaisquer outros recursos, exigidos ou não no presente caderno de encargos, que serão mobilizados para a realização da obra;
e) Ter em consideração as frentes de trabalho - zonas de intervenção e condicionantes, de acordo com o definido nas condições técnicas que acompanham o caderno de encargos.
(…)
Cláusula 14."
Condições gerais de execução dos trabalhos
1 - A obra deve ser executada de acordo com as regras da arte e em perfeita conformidade com o projeto de execução, com o presente caderno de encargos e com as demais condições técnicas contratualmente estipuladas.
2 - Relativamente às técnicas construtivas a adotar, o empreiteiro fica obrigado a seguir, no que seja aplicável aos trabalhos a realizar, o conjunto de prescrições técnicas definidas nos termos da cláusula 2.ª.
(…)
Cláusula 75.º
Projeto de execução e outros documentos especiais
Em anexo ao presente Caderno de Encargos consagram-se o projeto de execução e outros documentos especiais, que constituem parte integrante daquele, conforme abaixo se indica:
PROJETO DE EXECUÇÃO:
01 - Projeto de Arquitetura (3 peças escritas e 45 peças escritas em formato PDF);
02 - Projeto de Segurança Contra Incêndios em Edifícios (SCIE) (1 peça escrita e 4 peças desenhadas, formato PDF);
03 - Projeto de Ar Condicionado e Ventilação
(…)
OUTROS DOCUMENTOS ESPECIAIS:
01 - Especificações Gerais e Particulares;
02 - MQr ACINGOV (pdD;
03 - MQT Prazos e Garantias;
04 - Modelo Auto de Medição (pdf e excel);
05 - Planeamento da intervenção (pdD;
06 - Planeamento - Áreas de estaleiro e de circulação;
07 - Plano Prevenção e Gestão de Resíduos de Construção e Demolição (PPGRCD) (a);
08 - Plano de Segurança e Saúde em Fase de Projeto (PSS) (a);
09 - Declaração de dispensa de Certificação Energética;
l0 - Ficha de Inventário da Fortaleza de São Tiago.”
(cf. fls. 682 do SITAF);

6) Consta do Anexo ao caderno de encargos, “Especificações Gerais e Particulares”, além do mais, o seguinte:
“(…)
NOTAS PRÉVAS
A Fortaleza de São Tiago foi edificada na sequência da fortificação do Funchal e da construção das muralhas da cidade, prolongadas até o primitivo bairro de Santa Maria do Calhau, uma das primeiras áreas de povoamento. Em conjunto com outros fortes e redutos existentes por toda a baía, constituíam a cintura de defesa contra as constantes ameaças de ataques de corsários, funcionando a fortaleza como fecho da muralha no limite nascente da cidade. Os trabalhos de construção, a cargo do mestre das obras reais Jerónimo Jorge, terão sido iniciados por volta de 1614, data que se encontra ainda inscrita no arco de cantaria da porta primitiva, tendo sido depois concluídos pelo seu filho, Bartolomeu João, em 1654. Tratava-se de uma fortaleza de estrutura maneirista com três níveis de baterias, sendo que as esplanadas médias comunicavam com a esplanada baixa através de duas escadas junto à cisterna existente na cota mais baixa, permanecendo atualmente apenas a escada poente, enquanto a esplanada alta articulada entre os dois baluartes voltados a norte era acessível a partir de uma escada interior na esplanada média nascente. O Forte foi depois ampliado em meados do século XVIII, tendo a intervenção sido concluída provavelmente em 1767, conforme data inscrita na porta do novo baluarte. As alterações introduzidas mantiveram a estrutura original, tendo sido unificadas as esplanadas médias, ampliada a porta principal e construídos dois baluartes, um no prolongamento sobre a antiga muralha, para poente, e outro voltado a nascente. Atualmente apresenta de uma forma geral essa configuração, sendo que as guaritas existentes nos baluartes são provavelmente testemunho dessa intervenção. Já durante o século XIX, a Fortaleza terá sido alvo de algumas obras de beneficiação, resultantes da ocupação inglesa, nomeadamente os edifícios que existem para norte e a parada interior oeste. Em 1901, a visita do rei D. Carlos I à ilha motivou alguns melhoramentos e a montagem de uma tenda na esplanada média, permanecendo ainda hoje as argolas no pavimento lajeado em cantaria regional.
Em 1940, a Fortaleza de São Tiago é classificada como lmóvel de interesse Público, através do Decreto n.º 30:762, de 26 de setembro, publicado no Diário do Governo, 1.ª série, n.º 225, de 26 de setembro 1940.
O monumento está ainda integrado numa das áreas mais antigas da cidade do Funchal, atualmente designada como "zona velha" e classificada como Conjunto Arquitetónico de Valor Regional (Decreto Legislativo Regional n.º 21/86/M de 2 de outubro), equivalente a Conjunto de interesse Público (Lei n.º 107/2001 de 8 de setembro).
Em 1992, o imóvel foi cedido ao Governo Regional da Madeira para fins culturais, tendo sido ali instalado o Museu de Arte Contemporânea. Em 2015, a coleção de arte contemporânea foi transferida para o novo MUDAS, Museu de Arte Contemporânea da Madeira, criado no antigo edifício do Centro das Artes, na Calheta, permanecendo a Fortaleza parcialmente aberta ao público, nomeadamente os espaços exteriores correspondentes às várias esplanadas e algumas salas onde têm sido realizadas exposições temporárias.
Em 2018, a DRC adjudicou um procedimento para a conceção e elaboração dos projetos de arquitetura e especialidades para a recuperação da Fortaleza de São Tiago e adaptação a Museu de Arqueologia da Madeira, com base nos levantamentos planimétricos e fotográficos do existente, arquivados na Base de Dados da Direção Regional da Cultura.
Em 2019, foi adjudicado um procedimento para a revisão do projeto de arquitetura e especialidades, de acordo com o previsto n.º 2 do art.º 43.º do Código dos Contratos Públicos.
Em 2020, tendo em consideração que já tinha decorrido um ano desde a primeira revisão de projeto e que as circunstâncias da pandemia COVID-19 alteraram preços, prazos e condições de mercado, foi adjudicado um segundo procedimento para a revisão do projeto de arquitetura e especialidades.
(…)”
(cf. fls. 682 do SITAF);
7) Em 02.09.2022, a A. apresentou proposta no âmbito do procedimento concursal (cf. fls. 294 do SITAF);

8) Nessa mesma data, a Contra-interessada “T..., S.A.” apresentou proposta no procedimento concursal, da qual consta, além do mais, o seguinte:
“(…)
a) Proposta de preço;
b) Lista de preços unitários;
c) Plano de trabalhos;
d) Plano de mão-de-obra;
e) Plano de equipamentos;
f) Plano de pagamentos;
(…)
(…)
(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)
(…)
(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)
(…)
Mapa de Trabalhos
(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)

(…) ”
(cf. fls. 320 do SITAF);
9) Em 07.10.2022, o Júri do procedimento deliberou o seguinte (por excertos):
“(…)
(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)


(cf. fls. 211 do SITAF);

10) Em 11.10.2022, o Júri do procedimento concursal endereçou aos concorrentes, através da plataforma electrónica, a seguinte “mensagem”:

Exmos. Senhores Notifica-se V. Exas. para o SUPRIMENTO DE IRREGULARIDADES detetadas na análise da PROPOSTA (art. 72.º n.º 3 do CCP), no prazo de três (3) dias úteis, cfr. ata do júri de 07-10-2022, em anexo” (cf. fls. 214 do SITAF);

11) Em 12.10.2022, a “T..., S.A.” apresentou o seguinte documento no procedimento concursal (por excertos):

“(…)
Memória Descritiva e Justificativa
(…)
Refere-se, a presente Memória Descritiva e plano de trabalhos, aos trabalhos de execução da empreitada de “Recuperação da Fortaleza de São Tiago - Museu de Arqueologia da Madeira” promovidos pela entidade pública SECRETARIA REGIONAL DO TURISMO E CULTURA, e que faz parte integrante da nossa Proposta.
Além da explicação da sequência de execução prevista, procuraremos nesta Memória Descritiva, abordar pormenorizadamente as metodologias, aspectos técnicos e afectação de meios humanos e equipamentos considerados, de forma a garantir o cumprimento escrupuloso das exigências do Caderno de Encargos e demais condições dos respectivos projectos de execução, incluindo as interligações entre as várias vertentes que compõem a estrutura da nossa proposta.
Na escolha dos processos construtivos e programação dos trabalhos, considerou-se os diversos tipos de trabalho, o prazo da Empreitada, os meios disponíveis, a garantia e controlo de qualidade, as condições de segurança e a minimização de eventuais impactos ambientais que intervenções desta natureza possam provocar no ambiente que as rodeia.
A experiência da T... no tipo de trabalhos incluídos nesta Empreitada, bem como o conhecimento dos produtos e materiais existentes no mercado, permite oferecer meios técnicos suficientes, e equipamentos adequados à execução da obra, garantindo o cumprimento dos objectivos e prazos propostos, com a qualidade exigida na execução de todos os trabalhos.
(…)”
(cf. fls. 214 do SITAF);

12) Em 14.10.2022, o Júri do procedimento elaborou o relatório preliminar, do qual resultou que a A. foi classificada em 2.º lugar e a Concorrente “T..., S.A.” ficou classificada em 1.º lugar (cf. fls. 294 do SITAF);

13) Do referido relatório preliminar extrai-se o seguinte:
(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)
(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)
(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)
(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)

(cf. fls. 294 do SITAF);
14) A A. pronunciou-se em sede de audiência prévia sobre o referido relatório preliminar, na qual requereu a exclusão da proposta apresentada pela Concorrente “T..., S.A.”, por não apresentar o documento “Memória descritiva e justificativa do plano de trabalhos”, alegando que “é doutrina e jurisprudência pacífica que o convite ao esclarecimento da proposta não pode ser utilizado para suprir irregularidades da mesma, designadamente para apresentar/completar documentos (…) A interpretação que o júri do procedimento faz do disposto no artigo 72.º do CCP é abusiva, no caso, pois ultrapassa os limites do mesmo” (cf. fls. 303 do SITAF);

15) Em 24.10.2022, o Júri do procedimento elaborou o relatório final, no qual deliberou “manter o teor e as conclusões do relatório preliminar” e “propor a adjudicação da empreitada à proposta apresentada pelo concorrente n.º 5 T... TÉCNICOS DE CONSTRUÇÃO, S. A., LDA. (NlF: 511237219), pelo valor/preço contratual de €579.000,00 (quinhentos e setenta e nove mil euros), ao qual acresce o IVA à taxa legal reduzida aplicável na RAM (5%), no montante de €28.950,00, o que perfaz o total global de €607.950,00” (cf. fls. 305 do SITAF);
16) Do relatório final referido em 15) consta (por excertos):
“(…)

(…)

(…)”
(cf. fls. 305 do SITAF);
17) Em 10.11.2022, foi proferido despacho pelo Secretário Regional de Turismo e Cultura, com o seguinte teor:

Adjudique-se conforme proposto” (cf. fls. 305 do SITAF);

18) Em 21.11.2022, o Réu celebrou com a Contra-interessada “T..., S.A.”, classificada em 1.º lugar, o contrato de empreitada de obra pública, relativo ao concurso público “para recuperação da Fortaleza de São Tiago – Museu de Arqueologia da Madeira, cujo procedimento de formação seguiu termos por concurso público sem publicidade internacional, a que foi atribuído o n.º EOP-1-2022-SRTC-DRC” (cf. fls. 1 do PA);

19) Em 13.12.2022, foi lavrado o auto de consignação da empreitada de obra pública, com a referência n.º EOP-1-2022-SRTC-DRC, designada “Recuperação da Fortaleza de São Tiago – Museu de Arqueologia da Madeira” (cf. fls. 187 do SITAF).

IV.2. Factos não provados
Inexistem factos não provados com relevância para o mérito da presente causa.
IV. 3. Motivação da decisão sobre a matéria de facto
Nos presentes autos, a convicção do Tribunal formou-se com base nas alegações das partes constantes dos articulados e na análise crítica da prova documental oferecida pelas partes e não impugnada, cf. artigos 374.º e 376.º do CC, e do processo administrativo (PA), junto aos autos, cuja veracidade não foi colocada em causa pelas partes, cf. artigos 370.º a 372.º do CC, não havendo indícios que ponham em causa a sua genuinidade, tal como se mencionou em cada ponto da matéria de facto provada.

II.2 - DE DIREITO

Conforme delimitado em I.1, cumpre aferir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de Direito, em concreto por errada interpretação e recurso ao convite à contra-interessada ao abrigo do disposto no artigo 73º, nº 2 do CCP. A proceder o alegado erro, conhecer dos demais pedidos que foram julgados improcedentes em face da solução dada ao litígio na sentença recorrida.

Importa, desde já, destacar que a matéria de facto tida por assente não foi impugnada.

Atentemos no discurso fundamentador da sentença nesta parte:
Vejamos, então, em primeiro lugar o respectivo enquadramento legal.
No caso em apreço, como resulta do probatório, o Réu por Anúncio n.º 9833/2022, publicado no Diário da República, Parte L, II Série, n.º 148, de 02.08.2022, publicitou a abertura de procedimento de concurso público de formação do contrato de empreitada de obra pública para a recuperação da Fortaleza de São Tiago – Museu de Arqueologia da Madeira. No caso em concreto, está em causa um concurso público, não urgente (cf. artigos 16.º, n.º 1, alínea c), e 130.º e ss. do CCP).
As peças do procedimento no concurso público, enquanto documentos elaborados pela entidade adjudicante e aprovados pelo órgão competente para a decisão de contratar, estão enumeradas no artigo 40.º, n.º 1, alínea c), do CCP, a saber, o anúncio, o programa do procedimento e o caderno de encargos.
Segundo a definição utilizada pelo CCP, programa do procedimento é o regulamento que define os termos a que obedece a fase de formação do contrato até à sua celebração, e, nessa medida, versa sobre o procedimento de escolha do co-contratante, sem que constitua elemento integrante do contrato a celebrar (cf. artigo 41.º do CCP).
Por sua vez, o caderno de encargos contém as cláusulas de natureza técnica e jurídica, gerais e especiais, bem como as cláusulas relativas à execução das prestações contratuais a incluir no contrato a celebrar, mesmo que sejam apenas aspectos da execução do contrato relacionados com especificações técnicas (processo ou método específico de execução da obra) ou, ainda, condições de execução do contrato - cf. artigo 42.º do CCP e Luís Verde Luís Verde de Sousa, “Uma análise das causas de exclusão respeitantes a termos ou condições da proposta”, in RDA, n.º 7, AAFDL, 2020, p. 10 e ss.
Nos termos do artigo 56.º, n. º1, do CCP, a proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo.
Prevê o artigo 70.º, com a epígrafe “Análise das propostas”, o seguinte:
“1 - As propostas são analisadas em todos os seus atributos, representados pelos fatores e subfatores que densificam o critério de adjudicação, e termos ou condições
2 - São excluídas as propostas cuja análise revele:
a) Que desrespeitam manifestamente o objeto do contrato a celebrar, ou que não apresentam algum dos atributos ou algum dos termos ou condições, nos termos, respetivamente, do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 57.º;
b) Que apresentam algum dos atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos nos 10 a 12 do artigo 49.º;
c) A impossibilidade de avaliação das mesmas em virtude da forma de apresentação de algum dos respetivos atributos;
d) Que o preço contratual seria superior ao preço base, sem prejuízo do disposto no n.º 6;
e) Um preço ou custo anormalmente baixo, cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados nos termos do disposto no artigo seguinte; f) Que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis;
g) A existência de fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência. (…)” (sublinhado nosso).
Importa distinguir os tipos de aspectos de execução contratual que constituem as cláusulas do caderno de encargo, constantes do artigo 42.º do CCP:
(i) aspectos da execução do contrato submetidos à concorrência e (ii) aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência.
Os aspectos da execução do contrato submetidos à concorrência são aqueles que, de acordo com o critério de adjudicação, a entidade adjudicante fixa no caderno de encargos através de parâmetros base (limites mínimos ou máximos), de modo a poder avaliar e diferenciar as propostas segundo o critério de adjudicação previamente proposto – cf. artigos 42.º, n.ºs 3, 4 e 11 e 74.º do CCP.
Assim, em consonância com o critério de adjudicação fixado no programa do procedimento, a entidade adjudicante estabelece um único ou diversos factores ou, eventualmente, subfactores, que reflectem os aspectos submetidos a concorrência (p. ex. preço, prazo de execução, etc.), e que materializam um modelo de avaliação (cf. artigos 74.º, n.º 1, alíneas a) e b), 75.º, 132.º, n.º 1, alínea n), e 139.º do CCP). Ou seja, são sobre os aspectos submetidos à concorrência - factores e eventuais subfactores que compõem e densificam o modelo de avaliação -, que a entidade adjudicante pretende que haja a concorrência entre os interessados, de modo a conseguir a melhor proposta para satisfazer o interesse público que presidiu a decisão de contratar, de harmonia com o princípio da concorrência que conforma o regime jurídico da contratação pública.
Como alude Luís Verde de Sousa, “um determinado aspeto da execução do contrato terá sido submetido à concorrência se “encontrar tradução, de acordo com a fórmula aprovada, num qualquer factor ou subfactor do critério de adjudicação, se ele, portanto, fizer parte dos elementos ou características da proposta em função dos quais a entidade adjudicante irá decidir a respectiva pontuação e a adjudicação”.
O Decreto-Lei n.º 111- B/2017, de 31 de agosto, veio acolher este entendimento, que resultava já de diversas disposições do CCP, vertendo-o para o n.º 11 do artigo 42.º, nos termos do qual “consideram-se aspetos submetidos à concorrência todos aqueles que são objeto de avaliação de acordo com o critério de adjudicação, e aspetos não submetidos à concorrência aqueles que, sendo apreciados, não são objeto de avaliação e classificação (…)
Com efeito, além das especificações técnicas se poderem referir ao processo ou método específico de execução de obras, dos bens ou serviços (cfrs. n.º 2 do artigo 49.º do CCP), ou seja, ao modo como o contrato será executado, não é de excluir que um aspeto da execução do contrato submetido à concorrência se refira a uma característica estética ou funcional do bem ou serviço a adquirir (…), i.e. a uma característica do objeto do contrato” (cf. Luís Verde Luís Verde de Sousa, “Uma análise das causas de exclusão respeitantes a termos ou condições da proposta”, in RDA, n.º 7, AAFDL, 2020, p. 10 e ss.).
Por sua vez, desde que contidos em parâmetros base estabelecidos no caderno de encargo, «atributos da proposta» são quaisquer elementos ou características da mesma que diga respeito a um aspecto da execução do contrato submetido à concorrência sujeito a avaliação e classificação pelo júri do procedimento (cf. artigo 56.º, n.º 2, 57.º, alínea b), 70.º, n.º 1, do CCP). No que respeita aos aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência, são aqueles que são objecto de análise da regularidade das propostas, mas não de avaliação e classificação pelo júri do procedimento (cf. artigos 42.º, n.º 5 e 11, 2.ª parte, 70.º, n.º 1, do CCP).
Segundo dispõe o artigo 42.º, n.º 5, do CCP, o caderno de encargos pode também descrever aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência, mediante a fixação de limites mínimos ou máximos a que as propostas estão vinculadas (cf. Jorge Andrade da Silva, Código dos Contratos Públicos, Anotado e Comentado, 8.ª Edição, Almedina, 2020, p. 169, “Significa isso que, quanto a tais parâmetros, a entidade adjudicante pretende que fiquem fixados à data da celebração do contrato, como cláusulas contratuais, não deixando a sua determinação para momento ulterior, designadamente, para a fase de execução”).
O artigo 74.º, sob a epígrafe, “Critério de adjudicação”, dispõe que:
“1 - A adjudicação é feita de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante, determinada por uma das seguintes modalidades:
a) Melhor relação qualidade-preço, na qual o critério de adjudicação é composto por um conjunto de fatores, e eventuais subfatores, relacionados com diversos aspetos da execução do contrato a celebrar;
b) Avaliação do preço ou custo enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar. (…)” (sublinhado nosso).
(…)
Na situação em apreço, o programa de procedimento estipulou o critério de adjudicação, o único aspecto submetido à concorrência, o factor preço.
Dispõe o artigo 8.º do programa de concurso que:
“Documentos da proposta I - A proposta deve ser constituída pelos seguintes documentos obrigatoriamente redigidos em língua portuguesa:
a) Declaração elaborada em conformidade com o modelo constante do ANEXO I-M ao presente programa, do qual faz parte integrante, que consiste na adaptação à RAM do modelo Anexo I ao CCP, a que se refere a alínea a) do n.º 1 do seu artigo 57.º conforme o artigo 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 34/2008/M, de 14 de agosto, na sua redação atual;
b) Documento que contenha o preço total global da execução da empreitada, em algarismos e por extenso, sem IVA (Imposto Valor Acrescentado), expresso em euros com apenas 2 (duas) casas decimais, sendo que tal valor deve corresponder ao somatório de todos os preços unitários de todas as espécies de trabalho;
c) Documento que contenha lista dos preços unitários de todas as espécies de trabalho previstas no Mapa de Quantidades de Trabalhos (MQT) associado ao projeto de execução, incluindo os erros e omissões aceites pela entidade adjudicante, sem IVA, em lista que deve ser preenchida seguindo a matriz constante da plataforma eletrónica acinGov;
d) Plano de trabalhos, tal como definido no artigo 361.º do CCP (fixação da sequência e dos prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos previstas e especificação dos meios com que se propõe executar - plano de mão-de-obra e plano de equipamentos, bem como memória descritiva e justificativa do plano de trabalhos da empreitada)”.
Da factualidade assente nos autos resulta que embora a Contra-interessada “T... S.A.” tenha apresentado o plano de trabalho exaustivo, não fez constar da proposta o documento relativo à memória descrita e justificativo, aspecto da execução do contrato não submetido à concorrência, nos termos acima explicitados.
Em primeiro lugar, importa referir que a tramitação do procedimento adoptado pelo Júri ao permitir a apresentação de um documento, mediante convite, consistiu na sanação de uma irregularidade cometida no âmbito do procedimento, conforme o estipulado na alínea d), parte final, artigo 8.º do programa de procedimento.
Como se referiu no próprio procedimento, “o documento memória descritiva e justificativa do plano de trabalhos é exigido pelo PC para que o concorrente, tendo em conta os planos de trabalhos, de mão-de-obra e de equipamentos que apresenta, explicite, justifique e articule a relação que existe entre eles, constituindo-se, assim, como um documento complementar e enquadrador dos citados planos”;
Assim, com relevo para a apreciação da questão, chama-se à colação o n.º 3 artigo 72.º do CCP que prevê:
“3 - O júri deve solicitar aos candidatos e concorrentes que, no prazo máximo de cinco dias, procedam ao suprimento de irregularidades formais das suas candidaturas e propostas que careçam de ser supridas, desde que tal suprimento não seja suscetível de modificar o respetivo conteúdo e não desrespeite os princípios da igualdade de tratamento e da concorrência, incluindo, designadamente:
a) A não apresentação ou a incorreta apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da candidatura ou da proposta, incluindo as declarações dos anexos i e v ao presente Código ou o Documento Europeu Único de Contratação Pública;
b) A não junção de tradução em língua portuguesa de documentos apresentados em língua estrangeira;
c) A falta ou insuficiência da assinatura, incluindo a assinatura eletrónica, de quaisquer documentos que constituam a candidatura ou a proposta, as quais podem ser supridas através da junção de declaração de ratificação devidamente assinada e limitada aos documentos já submetidos”.
A este propósito, atente-se aos ensinamentos de Miguel Assis Raimundo sobre a interpretação do artigo 72.º, n.º 3 do CCP, “As limitações ao suprimento prendem-se com a proibição de o suprimento dar origem a uma vantagem competitiva ilegítima do concorrente sobre os demais, pelo que não deve afirmar-se qualquer limitação abstracta ao tipo de elementos da proposta ou candidatura que podem (ou não) ser objecto de suprimento: ele pode incidir, no limite, sobre atributos das propostas, e, por maioria de razão, termos e condições das mesmas. O ponto central do mecanismo de suprimento das propostas, não tem a ver, exclusivamente, com a natureza do elemento da proposta que está em causa, mas sim com a existência de condições para que o problema que afecta esse elemento possa ser suprido sem violação dos princípios” (sublinhado nosso), cf. Miguel Assis Raimundo, Direito dos Contratos Públicos, Vol. I, AAFDL, 2022, p. 494.
(…)
Aqui chegados, considerando em contornos do caso em apreço, o Tribunal entende que a “memória descritiva e justificativa” não corresponde a documento cuja ausência determina, desde logo, a exclusão da proposta como defende a A. Está em causa nos autos, o procedimento de formação de contrato de empreitada em que o caderno de encargo incluiu um projecto execução, pormenorizado e elaborado pela entidade pública, de uma obra de recuperação da Fortaleza de São Tiago, classificada como imóvel de Interesse Público em zona também classificada, com projeto de arquitetura, projecto de segurança contra incêndio, projecto de luminotecnia e de segurança contra intrusão, etc.
Logo, não está em causa uma memória descrita e justificativa tal como definida no artigo 7.º, n.º 2, alínea a), da Portaria n.º 701-H/2008, de 29.07.
No entanto, compulsada a petição inicial, verifica-se que a A. não concretiza em que medida o documento apresentado afectou a imutabilidade da proposta anteriormente apresentada a concurso pela Contra-interessada, limitando-se a A. a alegar a violação de princípios gerais da contratação pública em termos meramente abstractos, sem especificar o concreto ponto em que a proposta da Contra-interessada foi alterada.
Assim, à revelia da teoria da substanciação quanto aos princípios alegadamente violados, a A. não concretizou em que medida a comparabilidade da proposta ficou irremediavelmente afectada pelo suprimento do documento apresentado pela Contra-interessada «memória descrita e justificativa».
Ou seja, em que termos o princípio da concorrência ficou afectado, atento ao modo como se propôs executar a obra em comparação com a proposta ou plano de trabalho apresentada pela Concorrente, nem mesmo fez qualquer alusão ao único aspecto que se prende com o modelo de avaliação adoptado – factor preço.
Descendo mais ao caso concreto, analisado o plano de trabalho apresentado pela Contrainteressada verifica-se que este remetia para o modo de execução estipulado no caderno de encargo, pelo que se impunha à A. que alegasse os concretos pontos em que ocorreu uma modificação da proposta anteriormente apresentada.
Conclui-se, por isso, que a A. não densifica no seu articulado de que modo há factores determinantes na memória descritiva e justificativa apresentada pela Contra-interessada que influenciaram no conteúdo obrigacional da proposta e que, portanto, são determinantes para o único factor submetido à concorrência
Por outro lado, verifica-se que no caso concreto do plano de trabalho apresentado é possível extrair aspectos essenciais da execução do contrato de empreitada a realizar pela Contra-interessada que possibilitam a fiscalização pelo Dono da Obra, designadamente o tempo da execução de cada trabalho, com referência ao concreto trabalho a realizar em certo momento e determinado lugar. Portanto, entende-se que o suprimento da irregularidade visou apenas detalhar, esclarecer ou clarificar a proposta e os termos dessa execução na memória descritiva e justificativa, visto que o essencial do desenvolvimento do tipo de trabalho já estava suficientemente caracterizado no plano de trabalho, ainda que se admita que modo meramente insuficiente (cf. facto provado n.º 8).
Por fim, veja-se o Acórdão do STA de 03.12.2020, Processo n.º 02189/19, disponível em www.dgsi.pt “(…)a verdade resulta da matéria de facto aí fixada que faz parte dos documentos da proposta “6.1.3 Documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos da sua execução, não são submetidos à concorrência pelo caderno de encargos e de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar: a) Memória justificativa e descritiva do modo de execução da obra (máximo 20 (vinte) páginas A4); b) Plano de trabalhos (...)” O plano de trabalhos é, pois, naquele acórdão um atributo da proposta não submetido à concorrência. O que não acontece no caso sub judice.
Sendo que a referência no mesmo a que as exigências do artigo 361.º, terão de ser consideradas em conjugação com o disposto no artigo 43.º do CCP (Caderno de encargos do procedimento de formação de contratos de empreitada) não põe em causa o que ora se decide.
Por outro lado, não podemos esquecer que o n.º 4 do artigo 1º do Código dos Contratos Públicos, determina que “À contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência"
Ora, no caso, excluir a proposta violaria até o princípio da concorrência nos termos em que acabamos de expor a questão já que excluir uma proposta sem que tal resulte da lei de forma inequívoca e vinculativa viola o referido princípio. Assim, e ao contrário do decidido, as irregularidades em causa são supríveis nos termos do próprio caderno de encargos já que não pode também deixar de ter em conta que uma coisa é a falta de um atributo da proposta e outra coisa é a falta de alguma especificação pedida em relação a ele. A impossibilidade de avaliação de uma proposta só constitui motivo de exclusão de uma proposta se resultar da forma como são apresentados os seus atributos. E, a falta de apresentação dos planos de trabalhos aqui em causa não fundamentam a exclusão da proposta da aqui recorrente já que, apesar de se tratar de um elemento do contrato submetido à concorrência pelo programa do concurso o mesmo é o apenas em termos valorativos já que são admitidos planos ainda que de forma muito insuficiente.
Assim, as omissões relativas à forma de execução do contrato não são omissões insupríveis e relevantes para efeitos de exclusão da proposta”. Ante o exposto, improcede o pedido formulado pela A. - Da exclusão da Contra-interessada e condenação do Réu à prática do acto de adjudicação a favor da proposta da A.”

Apreciando;
Do supra exposto constata-se que assiste razão ao Recorrente quanto ao imputado erro de Direito da sentença recorrida ao aplicar a citada versão da norma do CCP (art. 72º), uma vez que a redacção do n.º 3 artigo 72.º do CCP que a sentença considera como norma aplicável, resulta da redacção dada a esse código pelo Decreto-Lei n.º 78/2022, de 7 de Novembro. Porém, essa redacção não é aplicável ao caso sub judice, pois entrou em vigor apenas em 01.12.2022, e não se aplica aos procedimentos em curso a essa data (cfr. artigo 9.º do DL 78/2022).

Todavia, ainda assim será de confirmar a sentença recorrida.

Diverge a Recorrente com o assim decidido pelo Tribunal a quo, mas sem explicitar de que forma a apresentação do documento “memória descritiva e justificativa” aquando da apresentação da proposta era um elemento essencial ou que inviabilizasse a aplicação do art. 72º, nº 3 do CCP/2017.
No caso em apreço, o Júri do procedimento solicitou à Recorrida/Contra-interessada a apresentação do documento em falta “memória descritiva e justificativa do plano de trabalho, estribado na regra prevista no n.º 3 do artigo 72.º do CCP/2017, com base nos seguintes argumentos:
(i) a pretendida memória descritiva não contém termos e condições, muito menos atributos, relativos a aspesto da execução do contrato não submetidos à concorrência, pelo que tal documento não tem influência direta no conteúdo fundamental da proposta do concorrente,
(ii) não podendo, por isso, ser qualificado como essencial ou substancial, designadamente no que se refere aos aspectos que a entidade pretende que o concorrente se vincule;
(iii) a exclusão da proposta revelar-se-ia desproporcionada e lesiva dos princípios da concorrência e da prossecução do interesse público;
(iv) e o suprimento da irregularidade não afecta minimamente a igualdade de tratamento dos concorrentes.

A Recorrente, embora discordando das aludidas razões invocadas pelo Júri do procedimento e acolhidas pela Recorrida/Entidade Demandada, entende que a memória descritiva e justificativa, no caso em apreço, expressa como o concorrente pretende executar a obra, sendo um elemento essencial para a compreensão do modo como todo o plano de trabalho e documentos que o compõe se articulam em termos lógicos, razão pela qual se assume como documento essencial e obrigatório do procedimento de concurso.
Atentemos então na versão da norma aplicável ao caso sub judice, i.e., o artigo 72.º do CCP, mas na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de Agosto, o qual sob a epígrafe “Esclarecimentos e suprimento de propostas e candidaturas”, diz o seguinte:
«1 - O júri do procedimento pode pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito da análise e da avaliação das mesmas.
2 - Os esclarecimentos prestados pelos respetivos concorrentes fazem parte integrante das mesmas, desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem, não alterem ou completem os respetivos atributos
, nem visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º (…)
3 - O júri deve solicitar aos candidatos e concorrentes que, no prazo máximo de cinco dias, procedam ao suprimento das irregularidades das suas propostas e candidaturas causadas por preterição de formalidades não essenciais e que careçam de suprimento, incluindo a apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura, e desde que tal suprimento não afete a concorrência e a igualdade de tratamento.
(…)
5 - Os pedidos do júri formulados nos termos dos n.ºs 1 e 3, bem como as respetivas respostas, devem ser disponibilizados em plataforma eletrónica utilizada pela entidade adjudicante, devendo todos os candidatos e concorrentes ser imediatamente notificados desse facto “(d/n).

Aceita a Recorrente que o documento em falta - memória descritiva e justificativa do plano de trabalhos – “é um documento que não contém atributos da proposta, logo é um documento relativo à perfeição da mesma. Esse documento contém aspetos da execução do contrato que a E.D., a recorrida, pretende que o empreiteiro se vincule contratualmente, portanto, aspectos substanciais da proposta. Deve integrar e consubstanciar a proposta”.
Mas sem indicar que elementos substanciais são esses.
Pois não basta que o documento tenha sido indicado no PC como devendo ser junto com a proposta, mas qual a importância do mesmo seja para a avaliação da proposta seja para a vinculação da mesma aos termos e condições de execução do contrato que a entidade adjudicante pretende que se vincule.
E esse desiderato é atingido pelo documento em si (plano de trabalhos) entregue pela Recorrida/Contra-interessada T... no âmbito da sua proposta, e que corresponde ao «definido no artigo 361.º do CCP (fixação da sequência e dos prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos previstas e especificação dos meios com que se propõe executar - plano de mão-de-obra e plano de equipamentos», tal como exigido na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do PC.
A memória descritiva e justificativa a que se refere o PC (alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º), para além da referência genérica ao plano de trabalhos da empreitada, não tem estabelecido ou pré-definido quaisquer características, dados ou informações que da mesma devam constar, pelo que os concorrentes tinham uma larga margem de liberdade de conformação do seu conteúdo, forma e extensão, sendo certo que das características e conteúdo que efectivamente tivesse, aquando da sua entrega no âmbito do procedimento, não resultavam quaisquer efeitos ao nível da apreciação da respetiva proposta, pois não contém termos ou condições, muito menos atributos, relativos a aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos.
Assim, não tendo tal documento influência no conteúdo fundamental da proposta do concorrente, não pode ser qualificado como essencial ou substancial, designadamente no que se refere aos aspectos que a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule.
Tanto mais que a Recorrente não justifica qual seria o fundamento legal que deveria ter conduzido à exclusão da proposta da Recorrida/Contra-interessada, atento o disposto nos artigos 70º, nº 2, alínea a) ou b) e 146º do CCP/2017.
Por força do disposto no n.º 3 do artigo 72.º do CCP/2017, na redacção aqui em causa, por efeito das regras de repartição do ónus da prova (cfr. artigo 342.º do Código Civil (CC)), competia à Recorrente demonstrar que a falta de entrega do documento (memória descritiva e justificativa) junto com os demais documentos da proposta da concorrente T..., no contexto em que se integra, constitui preterição de formalidade essencial e, como tal, não podia (devia) o júri do procedimento recorrer à possibilidade prevista na norma e proceder ao convite ao seu suprimento. Nem este Tribunal ad quem vislumbra que esse fosse o caminho a adoptar no caso em apreço.
Correlativamente, também não justificou a Recorrente/Autora de que modo a apresentação do aludido documento, após o convite do júri, constitui uma alteração não permitida da proposta inicial, afectando a sã concorrência ou o princípio da igualdade. Bem pelo contrário, são perfeitamente aceitáveis e justificantes os argumentos invocados pelo júri do procedimento atrás sintetizados.
A questão dos limites de prestação de esclarecimentos das propostas conexa com a exclusão ou não das mesmas não é nova e tem trazido novas perspectivas e soluções, quer por parte da jurisprudência como da doutrina, com o devir das alterações legislativas ao CCP, de que nos dá conta Ana Sofia Alves, “A exclusão de propostas: algumas implicações da revisão do Código dos Contratos Públicos”, in Comentário à Revisão do Código dos Contratos Públicos “ 3º edição 2019, coordenadores Carla Amado gomes, Ricardo Pedro, Tiago Serrão e Marco Caldeira [pp. 773 -794]: terminando:
(…) Conclui, assim o Tribunal [TJUE] que os princípios da igualdade de tratamento e da transparência opõem-se à exclusão de uma proposta em virtude do incumprimento “ de uma obrigação que não resulta expressamente dos documentos referentes a esse processo ou da lei nacional em vigor, mas da interpretação dessa lei e desses documentos e do mecanismo de colmatação das lacunas existentes em tais documentos, por parte das autoridades ou dos tribunais administrativos “ – cfr. Acórdão Pizzo, de 02 de Junho de 2016, nº 51 - Processo C-27/15, in http://curia.europa.eu.
Logo, a censura e a correlativa sanção devem ser evidentes no programa do procedimento, o que in casu não ocorre, porquanto a norma respectiva do PC é dúbia quanto aos critérios de exclusão, quando aí se alude:
5 - Sem prejuízo das disposições legais e ou regulamentares aplicáveis e atinentes aos motivos de exclusão da proposta, a não entrega do documento/indicação completo previstos nas alíneas c), d), e), f), g) e h) do n.º 1 do presente artigo, constitui motivo de exclusão da proposta, nos termos conjugados da alínea n) do n.º 2 do artigo 146.º e do n.º 4 do artigo 132.º do CCP” - vide ponto 4 do probatório.

Concomitantemente entendemos que a exclusão de uma proposta reduz a concorrência e que, portanto, tal actuação deverá ser reduzida ao mínimo necessário (como se afirmou, designadamente no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 18.12.2020, processo 02481/19.0BELSB, publicado em www.dgsi.pt ) e que “no domínio da contratação pública, deve observar-se o princípio do favor participationis, ou do favor do procedimento, que impõe que, em caso de dúvida, se privilegie a interpretação da norma que favoreça a admissão do concorrente, ou da sua proposta” (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.04.2021, processo 0188/20.4BELLE, publicado em www.dgsi.pt ).

Por outro lado, nas suas conclusões F) e I) a Recorrente defende que «a Entidade Pública ao convidar o concorrente a apresentar esse documento [memória descritiva e justificativa] após conhecer os concorrentes e o valor das propostas, viola o princípio da concorrência e da igualdade de tratamento», mas sem concretizar, designadamente identificando em que sentido e de que modo a memória descritiva e justificativa apresentada após convite do júri, tal como consta do ponto 11 do probatório, contende com tais princípios.
O princípio da imutabilidade ou intangibilidade das propostas em procedimentos concursais, enquanto decorrência dos princípios da concorrência e da igualdade, proíbe, em regra, que elas sejam objecto de modificações posteriormente ao termo do prazo da sua apresentação, o que não ocorreu com a memória descritiva e justificativa apresentada pela Recorrida (vide ponto 11 do probatório).
Nem o CE descreve esse elemento como sendo um dos que integram as condições e termos a contratar – vide pontos 5 e 6 do probatório.
Posto isto, dificilmente nos encontramos perante uma das situações citadas por Pedro Fernández Sánchez, in “Direito da Contratação Pública”, Volume II, lisboa AAFDL, 2020, p.221, em que “uma proposta inicialmente incompatível com o caderno de encargos passar a ser contratualmente aceitável após uma (ilegítima) correcção posterior.”
Atente-se ainda que, nesta abertura à regularização de propostas, de que é exemplo os nºs 2 e 3 do art. 72º do CCP, deverão ter-se em conta os princípios do favor participationis, em benefício do concorrente e da máxima abertura à concorrência, no interesse também da entidade adjudicante – vide, PEDRO COSTA GONÇALVES, in Direito dos contratos públicos, 3.ª edição, vol. I, Almedina, 2018, p. 776.
Tudo sopesado sempre seria desproporcionada a decisão de exclusão da proposta da contra-interessada, nos termos do art. 70º, nº 2, alínea b) do CCP, atenta a margem de liberdade de conteúdo da memória descritiva deixada pelo PC aos concorrentes.
Por conseguinte, fica prejudicado o conhecimento do pedido condenatório porque dependente da procedência das imputadas ilegalidades ao acto de adjudicação impugnado, que não ocorre.
Improcede, pois, o presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso interposto pela Recorrente, confirmando a sentença.

Custas a cargo da Recorrente - cf. arts. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA.

Registe e Notifique.
Lisboa, 26 de Outubro de 2023


Ana Cristina Lameira (Relatora)

Jorge Pelicano (com voto de vencido, que se segue)

Catarina Gonçalves Jarmela


Voto vencido por entender que, prevendo-se no art.º 8.º n.º 5 do PP que a falta de “entrega do documento/indicação completo previstos nas alíneas c), d), e), f), g) e h) do n.º 1 do presente artigo, constitui motivo de exclusão da proposta, nos termos conjugados da alínea n) do n.º 2 do artigo 146.º e do n.º 4 do artigo 132.º do CCP”, documentos esses onde se inclui a “memória descritiva e justificativa do plano de trabalhos da empreitada”, a entidade adjudicante não podia ter convidado a concorrente a suprir a falta de entrega desse documento, dado que se encontra obrigada a observar os critérios de exclusão que ela própria fixou.
Neste sentido veja-se Luís Verde de Sousa, "Algumas considerações sobre o novo regime de suprimentos de irregularidades das propostas", in Comentários à Revisão do Código de Contratos Públicos", AAFDL, 2ª ed. 2018, págs. 850 a 857, que indica vária jurisprudência do TJUE.

Jorge Pelicano